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Improbidade administrativa e a atuação do Ministério Público

Improbidade administrativa e a atuação do Ministério Público

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1.INTRODUÇÃO

Tema atual, de importância extrema e que eleva o Ministério Público a um grau de relevância incomparável no Direito Pátrio é o que versa sobre a improbidade administrativa.

A partir de considerações sobre a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992 e sobre a própria necessidade de entendimento do enquadramento desta lei no cenário histórico-político nacional, seus aspectos gerais são analisados para que se possa retratar o papel institucional do Ministério Público como órgão de atuação para que esta lei efetivamente se cumpra.

Por todos os meios que a Constituição Federal de 1988 lhe atribui no cumprimento de suas funções, o Ministério Público brasileiro foi impulsionado a uma espécie de "libertação institucional", que se desvincula assim, e cada vez mais, do arcabouço repressivo do Estado para tentar assumir plenamente sua destinação constitucional de agente legítimo para agir em nome dos interesses da sociedade civil organizada.

É justamente através desta libertação institucional que o Ministério Público vê-se imbuído na total necessidade de atuação quando houver qualquer indício de improbidade administrativa.

Esta atuação se efetiva através dos seus órgãos de execução (promotorias e procuradorias de justiça), as quais têm no inquérito civil e na ação civil pública, por excelência, os novos instrumentos processuais para a defesa de direitos difusos e coletivos.

A ação civil pública configura um autêntico instrumento jurídico de defesa dos interesses transindividuais, sobressaindo-se como um inestimável mecanismo de acesso à justiça por parte de amplas camadas da sociedade, em defesa de seus direitos.

Contudo, a atuação do Ministério Público especificamente em situações que ensejam atos de improbidade administrativa, vem sido obstruída por lacunas e imperfeições nas atuais leis que regem a matéria, assim como pela inegável omissão de alguns de seus representantes que se curvam perante as imposições econômicas que servem de respaldo à manutenção da atual desigualdade social que fomenta os mais altos escalões que assumem o Poder Público.

A população não se limita mais a compactuar com a atual situação, tentando sobreviver ao alvedrio de tamanhas crises que são a verdadeira negação de um Estado Democrático de Direito, como o nosso deveria ser e declara nossa Lei Maior.

Com a constatação de que o ano 2000 foi recorde na instauração de processos que apuram denúncias de improbidade administrativa envolvendo servidores federais e instituições que recebem recursos públicos, torna-se prevalecente o entendimento que urge pela adequação e conseqüente criação de um órgão dentro do próprio Ministério Público, com as adaptações de funcionalidade adequadas ao nosso sistema jurídico, com características próprias, mas inspiradas no que existe de mais efetivo em termos de Direito Comparado, para o combate direto a qualquer tipo de corrupção: a instituição do "Ombudsman".


2.IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

A lei que versa sobre improbidade administrativa é a Lei 8.429, de 2 de junho de 1992. Seu fundamento é de regulamentação do parágrafo 4º do artigo 37 da Constituição Federal, o qual estatui, in verbis:

"Artigo 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível."

A Lei 8.429/92 revogou a Lei 3.164/57 que previa o seqüestro de bens do servidor público adquirido por influência ou abuso de cargo ou função pública e revogou também a Lei 3.502/88 que complementava a Lei 3.164/57, e que tratava sobre os casos de enriquecimento ilícito.

A Lei 8.429/92 surge exatamente inserida num contexto histórico-político de ampla repercussão nacional e para que realmente se efetive, cumpre-se a tarefa de delineá-la quanto aos seus aspectos relevantes e merecedores de atenção. Primeiramente, faz-se mister a conceituação dos termos em questão. O termo improbidade denota "falta de probidade, isto é, de honestidade e de retidão no modo de proceder, particular ou publicamente. Ato de improbidade é todo aquele contrário às normas da moral, à lei e aos bons costumes; aquele que denota falta de honradez e de retidão no modo de proceder." [1]

Improbidade Administrativa é: "o designativo técnico para a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da Administração Pública e afronta os princípios nucleares da ordem jurídica (Estado de Direito, Democrático e Republicano) revelando-se pela obtenção de vantagens patrimoniais indevidas às expensas do erário, pelo exercício nocivo das funções e empregos públicos, pelo "tráfico de influência" nas esferas da Administração Pública e pelo favorecimento de poucos em detrimento dos interesses da sociedade, mediante a concessão de obséquios e privilégios ilícitos." [2]

2.1Aspectos Gerais da Lei 8.429/92

O artigo 1º demonstra a abrangência dessa lei, pois qualquer ato de improbidade praticado por agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer das esferas de poder, está sujeita à sua incidência.

Três espécies de atos de improbidade encontram-se elencados e devidamente discriminados na lei:

a)atos que importam em enriquecimento ilícito;

b)atos que produzem prejuízo ao erário;

c)atos que atentam contra os princípios da administração pública.

A sanção cominada pela prática destes atos é de natureza política ou civil, independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica.

Os atos de improbidade administrativa que importam em enriquecimento ilítico estão sujeitos às seguintes cominações:

a)perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio;

b)ressarcimento integral do dano, quando houver;

c)perda da função pública;

d)suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos;

e)pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial;

f)proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.

Quando houver a prática de atos de improbidade que causem prejuízo ao erário, as sanções são:

a)ressarcimento integral do dano, se houver;

b)perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância;

c)perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos;

d)pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano;

e)proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

Finalmente, a prática de atos de improbidade que atentam contra a moralidade e demais princípios da administração tem como sanção:

a)ressarcimento integral do dano;

b)perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos;

c)pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente;

d)proibição de contratar com o Poder Público, ou receber benefício ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

O procedimento administrativo e o processo judicial também estão regulados. A lei confere a qualquer pessoa o direito de representar à autoridade competente, para a instauração de investigação com o objetivo de apurar a prática de ato de improbidade. A representação deverá ser escrita ou reduzida a termo, e se não preencher os pressupostos da lei, será rejeitada, mas isso não impede a atuação do Ministério Público.

A comissão processante é obrigada a dar conhecimento ao Ministério Público e ao Tribunal de Contas da existência de procedimento ou processo administrativo para apuração da prática de ato de improbidade, para que o acompanhem; podendo estes, todavia, designar representante.

Havendo fundados indícios da responsabilidade do indiciado, a comissão poderá representar ao Ministério Público ou à procuradoria do órgão público afetado, para que requeiram o seqüestro de bens do agente ou terceiros para garantia do ressarcimento das vantagens ou dos danos causados.

Havendo ilícitos ou para que sejam devidamente apurados, o Ministério Público poderá, de ofício, a requerimento de autoridade administrativa ou mediante representação, requisitar a instauração de inquérito policial ou procedimento administrativo.

A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória.

Todos os aspectos gerais e mormente elencados na lei em questão visam colocar meios para que se coadunam interesses difusos e coletivos da sociedade.

Existem, contudo, alguns aspectos que devem ser melhor elaborados na interpretação de alguns itens para que a lei torne-se primaz em seus objetivos quanto à abolição da corrupção prevalecente em diversos segmentos da Administração Pública.

Estes aspectos referem-se às formas de caracterização do enriquecimento ilícito; questões relativas ao seqüestro e indisponibilidade de bens, e aspectos penais da improbidade administrativa.

2.2Caracterização do Enriquecimento Ilícito

O enriquecimento ilícito é um dos fatores que claramente evidenciam a improbidade administrativa.

O art. 9º, inciso VII, da Lei 8.429/92, que classifica como enriquecimento ilícito a aquisição de bens ou direitos de valor desproporcional à evolução do patrimônio ou da renda de agente público, traz grande vantagem à caracterização do aludido tipo, pois enseja norma residual para punição do enriquecimento ilícito no exercício de função pública. Portanto, basta apenas a prova de que a variação patrimonial é incompatível com a disponibilidade financeira do agente público.

Para a caracterização de que trata o art. 9º, basta: "a prova de que o agente público, direta ou indiretamente, adquiriu, no exercício da função pública, bens cujos valores são desproporcionais à evolução de seu patrimônio ou renda." [3]

2.3Seqüestro e Indisponibilidade de bens

A lei que versa sobre a improbidade administrativa é dotada de providências acautelatórias típicas, sem prejuízo de outras decorrentes do processo civil ordinário ou do especial de tutela de interesses difusos e coletivos: o seqüestro e a indisponibilidade de bens.

A diferença existente entre ambos é que a indisponibilidade incide sobre bens indeterminados, enquanto o seqüestro sobre bens determinados e individualizados, ou seja, há evidente diferença entre o seqüestro e a indisponibilidade aventadas na mesma lei, podendo as medidas concorrerem, atendidos os pressupostos legais respectivos. O alcance do primeiro é muito maior do que o da segunda providência acautelatória tendo como referência o patrimônio do réu.

O decreto judicial de indisponibilidade pode ser deduzido na própria ação civil pública de improbidade administrativa (especificamente sobre esta ação, tratar-se-á em local apropriado, adiante), diferentemente do seqüestro previsto no art. 16 da lei, que deve ser promovido em cautelar própria.

É importante salientar que: "o seqüestro previsto no art. 16, § 2º, que permite investigação, bloqueio e exame de bens e ativos financeiros mantidos no exterior é um seqüestro atípico, configurando-se como mais um meio de investigação da improbidade administrativa", como bem explicitam os Promotores de Justiça nos Anais do II Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo. [4]

2.4Aspectos Penais da Improbidade Administrativa

Em recentes avaliações quanto à sua atuação, representantes do Ministério Público aludiram à deficiência da Lei 8.429/92 em matéria penal.

A atual lei ostenta um capítulo (VI) para as disposições penais. Entretanto, só retrata uma, a qual não é propriamente de improbidade administrativa. Em seu art. 19 há a tipificação do crime de denunciação caluniosa de improbidade administrativa.

A análise da questão engendra aspectos que transcendem a própria Lei da Improbidade Administrativa pois a maioria dos crimes contra a Administração Pública previstos no Código Penal cominam em penas ineficazes ou, no mínimo, desproporcionais.

Na esfera publicista, a Lei de Improbidade arrolou vários tipos para efeitos na órbita civil; contudo, na seara penal a lei não propicia a competente punição dos infratores, pois não concebe a "penalização" de figuras que exemplificativamente são descritas, e que têm inegável repercussão penal.

Os Promotores de Justiça que atuam diretamente nestas questões atestam que: "a adequada penalização dos atos de improbidade administrativa, que têm o caráter de organização criminosa, está a merecer especial atenção do legislador pátrio no direito penal e processual penal e reclama inserção de instrumentos eficazes e proporcionais no combate a essa modalidade de crime organizado, exigindo um preparo mais efetivo, e igualmente organizado, do Ministério Público e do Poder Judiciário no exercício de suas funções constitucionais." [5]


3.O MINISTÉRIO PÚBLICO

Para que melhor se compreenda o campo de atuação, sua legitimidade e propostas de inovação quanto a todas as questões de extrema importância que se inferem no contexto jurídico nacional, na coibição de atos ímprobos praticados por agentes públicos, é necessária a inferência na instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado denominada Ministério Público.

O artigo 127 da Constituição Federal traz o conceito de Ministério Público. Sua finalidade é a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Este mesmo artigo estabelece princípios informadores das funções que o legislador ordinário pode incumbir ao Ministério Público, os quais encontram-se arrolados no § 1º: a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.

O universo de atuação do Ministério Público assume caracteres irrestritos pois o rol de funções institucionais contidos no art. 129 é meramente exemplificativo, o que permite que a lei prescreva, além das previstas constitucionalmente, outras funções ao Ministério Público, desde que compatíveis com sua finalidade (n. IX do art. 129).

Das funções institucionais previstas na Constituição merecem destaque as seguintes:

3.1Ação penal pública

Tem o Ministério Público a exclusividade da promoção da ação penal pública, o que também representa uma garantia ao indivíduo de somente ser processado por um órgão imparcial e independente. É uma só a exceção ao princípio da iniciativa exclusiva na promoção da ação penal pública: trata-se da ação penal privada subsidiária (Constituição, art. 5º, LIX).

Sobre a verdadeira posição no processo penal, ao se questionar sobre o papel do Ministério Público, o eminente Procurador Hugo Nigro Mazzilli conclui que: "o Ministério Público, sobre ser parte no sentido material, é também parte formal ou instrumental. Sua imparcialidade é meramente moral, não é referida em sentido técnico. Ser parte é ser titular de ônus e faculdades processuais, e, nesse sentido instrumental, também é parte no processo penal. Seu dever de buscar a verdade, sua liberdade de acusar ou de pedir a absolvição por certo não desnaturam sua posição de órgão do Estado, que concentra nas mãos a titularidade exclusiva de promover o direito de punir do Estado." [6]

3.2O defensor do povo ("ombudsman")

Impõe o art. 129, II, da Constituição ao Ministério Público o zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na própria Lei Maior, com a obrigação de promover as medidas necessárias à sua garantia.

A função de defensor do povo é de tamanha importância que o Promotor de Justiça Maurício Augusto Gomes assim a conceitua: "a função de defensor do povo é a de defender os interesses da população perante a Administração Pública, porquanto é ela que presta os serviços de relevância pública e tem, primariamente, a obrigação de respeitar os direitos assegurados na Constituição, mesmo porque os direitos assegurados nada mais são do que limites à atuação do poder do Estado." [7]

A proposta de criação (como Emenda Constitucional) de um órgão inserido nos certames do Ministério Público, com funções bem definidas na atuação efetiva de combate, fiscalização e investigação em todos os processos de improbidade administrativa estará explicitada adiante.

3.3Defesa dos interesses difusos

Com a função que lhe outorga o inciso III do art. 129 da Constituição, in verbis: "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos", [grifo nosso] o Ministério Público encontra-se munido com os instrumentos processuais adequados para a investigação em juízo dos pleitos onde haja fundada suspeita de improbidade administrativa.

A ação civil pública assume tamanha relevância neste aspecto que necessário se faz maiores considerações sobre ela.

O artigo supracitado torna bem abrangente o campo de propositura da ação civil pública pelo órgão ministerial. É sempre importante notar que para os fins da Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), não tem o Ministério Público exclusividade na propositura da dita ação. O conceito de ação civil pública passou a compreender não só a ação de objeto não penal proposta por aquela instituição como a mesma ação, com mesmo objeto, proposta por quaisquer dos demais co-legitimados ativos, desde que destinada à defesa de interesses difusos e coletivos.

O art. 129, III, da Constituição alude ao patrimônio público e social. A definição de patrimônio público encontra-se na Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular). Já por patrimônio social quer-se significar o patrimônio da coletividade como um todo, ou seja, o bem geral ou o interesse público primário.

O Ministério Público sempre funcionará na ação civil pública, quer como parte, quer como fiscal da lei, devendo até assumir a titularidade ativa em caso de desistência ou abandono da causa pela associação legitimada.

A ação civil pública constitui, ao lado da ação popular, meio de defesa e proteção do interesse público. Ação popular é aquela que, por força de dispositivos constitucionais compete a qualquer cidadão para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos do patrimônio de entidade pública (art. 153, § 31, C.F.). Este preceito constitucional está regulado pela Lei 4.717/65.

3.4Ação de inconstitucionalidade e representação interventiva

A ação direta de declaração de inconstitucionalidade cabe, na área do Ministério Público da União, e abstraídos agora os demais legitimados ativos, ao procurador – geral da República (arts. 129, IV, e 103, VI, C.F.).

Ao contrário da ação direta de inconstitucionalidade, na representação interventiva, restrita às hipóteses de descumprimento dos princípios da Constituição Federal ou para cumprimento da Constituição estadual e para prover a execução de lei, a legitimidade do Ministério Público é exclusiva.

3.5Defesa das populações indígenas

A defesa judicial dos direitos e interesses indígenas deverá ser feita pelo Ministério Público por meio da ação civil pública, pois a atribuição concedida é a de defesa de interesses difusos ou coletivos.

3.6Controle da atividade policial

A Constituição comete ao Ministério Público o controle externo da atividade policial (art. 129, VII, C.F.).

Este controle decorre do fato de ser esta instituição o órgão imparcial incumbido de promover a persecução penal em juízo, no exercício do jus puniendi do Estado.

3.7As notificações, as requisições e as investigações administrativas

Os incisos VI e VIII do art. 129 da Constituição disciplinam o poder ministerial de expedir notificações e requisições. Embora colocados tais incisos entre o rol das funções ministeriais, não se trata de funções, mas de instrumentos de atuação.

As notificações ou requisições expedidas pelo Ministério Público podem ter como objeto qualquer apuração relacionada com uma das áreas de sua atuação funcional, tanto na esfera criminal como civil.

É exatamente através destes inúmeros instrumentos de atuação que o Ministério Público se encontra jungido ao seu munus publicum de agir quando ocorre improbidade administrativa.

Os incisos III e VI do mesmo art. 129 da Constituição asseguram ao Ministério Público a possibilidade de instaurar procedimentos administrativos, não se limitando à área não penal.

Com a lei 7.347/85, criou-se a figura do inquérito civil, presidido pelo Ministério Público e consagrado na própria Constituição.

Tais investigações administrativas possuem amplo campo de atuação quando se trata de improbidade, e são normalmente feitas por meio de inquérito civil. Sua finalidade consiste em servir de base à propositura de ação civil pública ou em servir de fundamento à promoção de arquivamento por parte do órgão ministerial.

O arquivamento das peças de informação não traz óbice à posterior propositura da ação, seja pelo próprio Ministério Público, seja por outro legitimado ativo para a ação civil pública.

3.8Legitimidade

Após estas breves considerações sobre as funções institucionais do Ministério Público e conseqüente descrição de alguns dos principais meios de atuação deste órgão nos casos de improbidade administrativa, é de suma importância que se discorra sobre a legitimidade do representante do Ministério Público para a propositura de ação civil pública e do inquérito civil, visando a condenação dos agentes públicos e terceiros pela prática de atos de improbidade.

Atualmente, a corrente favorável à legitimidade do Ministério Público vem se fundamentando no artigo 129, inciso III da Constituição, assim como nos artigos 16 e 17 da Lei 8.429/92.

A corrente contrária à legitimidade do Ministério Público para o inquérito e a ação civil pública decorrentes de atos de improbidade fundamenta-se nos termos da Lei 8.429 que ao definir o rito para estas ações estabeleceu o procedimento ordinário. Ampara-se também na disposição do inciso IX do artigo 129 da Constituição, porque exercer a defesa do patrimônio público implica exercício da representação judicial das entidades públicas. E ainda porque manteve a Constituição vigente a ação popular como instrumento para a defesa do patrimônio público, sendo parte legítima qualquer cidadão. (Art. 5º, inciso LXXIII).

A jurisprudência do E. Tribunal de Justiça de São Paulo é dominante com o entendimento da legitimidade do Ministério Público e o cabimento da ação civil pública para a defesa do patrimônio público.

Após o reconhecimento desta legitimidade, é mister que se faça entender a necessidade de adequação e organização de um órgão, dentro do próprio Ministério Público, que esteja imbuído com o dever de verdadeiro "ombudsman" junto à população. A proposta de viabilidade deste órgão será feita a seguir.


4."OMBUDSMAN"

De acordo com o Dicionário Jurídico Brasileiro Acquaviva, o "Ombudsman ou Comissário Parlamentar, em vários países nórdicos, é um órgão a quem o Parlamento irroga a atribuição de fiscalizar a Administração Pública, cabendo-lhe, também, zelar pela fiel aplicação das leis. Trata-se de instituição típica de Estados escandinavos, especialmente da Suécia, que a reconhece desde o início do século XX. O ombudsman já existe na Nova Zelândia e na Inglaterra, nesta mediante a chamada Lei do Comissário Parlamentar (Parliamentary Commissioner Act), bem como na França com a figura do ‘méditeaur’, embora sem todas as prerrogativas peculiares à legislação sueca. Assim dispõe a Constituição da Suécia, no art. 8º: ‘O Parlamento elegerá um ou vários Ombudsman para que, relativamente às instruções formuladas pelo próprio Parlamento, exerçam fiscalização sobre a aplicação, na Administração Pública, das leis e demais disposições. O Ombudsman deverá mover ação judicial dentro dos expostos nas instruções. O Ombudsman poderá assistir às deliberações de tribunais ou de autoridades administrativas e terá acesso às atas e documentos de referidas autoridades. Os tribunais e autoridades administrativas, bem como os funcionários do Estado ou dos municípios, devem auxiliar o Ombudsman, fornecendo-lhe os dados e informações de que necessite, e a mesma obrigação incumbe às demais pessoas que se acham sob a supervisão do Ombudsman. Os acusadores públicos devem prestar assistência ao Ombudsman se este a solicitar. O Regimento da Câmara estabelecerá normas suplementares sobre o Ombudsman’." [8]

4.1Evolução Histórica

A origem histórica dessa criação constitucional recente remonta a uma típica inovação que, desde o início do século XIX consagra, na Suécia, o Comissário de Justiça. Adotado na Constituição de 1809, como delegado eleito do Parlamento, cumpre-lhe supervisionar a observância das leis e regulamentos pelos servidores públicos e os juízes.

O primeiro Comissário (Ombudsman) foi eleito em 1810 e exercia, unitariamente, suas funções. Em 1915 entendeu, porém, o Parlamento que deveria destacar as funções de supervisão das forças armadas e criou autonomamente, o Comissário Militar. Em 1968, no entanto, os dois órgãos se fundiram em um único, perdurando o sistema até 1975 quando, diante da sobrecarga de atividades, o Ombudsman sofreu nova reforma, passando as atribuições a serem exercidas por quatro Comissários, dilatando-se a competência do órgão para fiscalizar os serviços de assistência social, de educação e de tributação.

Na Inglaterra, a insatisfação generalizada com os métodos tradicionais de defesa dos direitos do cidadão inspirava, em 1957, o "Frank’s Report", no qual a comissão designada para rever o sistema de tribunais administrativos propunha uma ampla reforma que iria encontrar eco em nova avaliação crítica, o "Whyatt Report". Em tais avaliações iria se basear a elaboração legislativa do "Parliamentary Commissioner Act", de 1967. Funcionando como órgão auxiliar do Parlamento, acolhe queixas encaminhadas por intermédio de membros da Câmara dos Comuns e se dedica a amparar aqueles que, nos termos do Ato que o instituiu, sofreram injustiça em conseqüência de má administração.

A Nova Zelândia adotou a inovação em lei de 1962, precedida de amplo debate parlamentar e o "Ombudsman Act" de 1975 consolidou a instituição. Na Irlanda do Norte, o "Commissioner for Complaints Act", de 1969, fez nascer a iniciativa que se completaria com a ação do Comissário Parlamentar.

Anteriormente a este período, o exemplo da Suécia transmitiu-se a nações vizinhas. Na Finlândia, a Constituição de 1919, fundada na antiga competência do Chanceler de Justiça, atribuiu ao Ombudsman Parlamentar a função precípua de examinar queixas e promover inspeções no serviço público. Também a Noruega, desde 1952, especializava serviços de contenção do tratamento abusivo do pessoal militar e em 1962 criava o órgão que operava como o vigilante da administração nacional. A Dinamarca criava, em lei de 1955, o "Folketengets Ombudsman" e o seu primeiro titular, Stephen Herwitz, se tornou o grande divulgador das virtudes da instituição.

Nos Estados Unidos, em 1966, a Municipalidade de Nassau estabeleceu a figura do Protetor Público e, em 1967, o Estado do Havaí edita a primeira lei de Ombudsman, seguida em 1969, pelo Estado de Nebraska. Em 1972, o Estado de Iowa emite o "Citizen’s Aide Act". Os Estado de Oregon e Carolina do Norte mantinham, em 1972, serviços semelhantes.

A experiência do Ombudsman prosperou amplamente no Canadá. Praticamente todas as Províncias mantém, sob denominação diversa, órgãos modelados segundo o paradigma (Protetor Público, Comissário Parlamentar, ou mesmo como Ombudsman). A popularidade do Ombudsman fez surgir, em 1977, o "International Ombudsman Institute", com sede na Universidade de Alberta, no Canadá. Por iniciativa desta, a partir de 1976 reuniram-se Congressos Internacionais sobre o Ombudsman.

A Alemanha do pós-guerra já conhecia, desde 1956, a atuação do Ombudsman militar. Em Israel, o "State Comptroller Act" de 1958 foi emendado em 1971 para atribuir ao titular do cargo as funções cumulativas de "Commissioner for Complaints from the Public".

Costa Rica, mediante lei de 1986, instituiu o "Defensor de los Habitantes" para velar pelo funcionamento justo, legal, moral e eficiente da atividade administrativa do Setor Público e ainda, a promoção e proteção dos direitos e interesses da população consumidora. E nações da América do Sul como Argentina, Colômbia, Venezuela cogitam da implantação do sistema do "Defensor del Publico".

A tentativa de levantar as formas da presença de um agente especial de controle público da Administração, como veículo de reclamação dos administrados e de inspeção dos serviços públicos é interminável. Portanto, faz-se mister a configuração de órgãos de competência especial na matéria.

A França, a partir de 1973, colocou em ação um organismo peculiar: o Mediador ("Médiateur"). No que concerne ao controle da Administração, o Mediador constitui um meio importante colocado à disposição do administrado. Mais ainda se faz sentir porque o acesso a ele não se subordina a um prazo determinado. Ademais, a lei de 1976 abriu-lhe novas perspectivas interessantes ao introduzir a noção de eqüidade no controle da Administração, visto que o Mediador pode recomendar soluções que lhe permitem regular por eqüidade a situação que lhe for submetida.

A Constituição de Portugal institucionalizou a previsão do Provedor de Justiça, perante o qual os cidadãos podem apresentar queixas por ações ou omissões dos poderes públicos, cabendo àquela autoridade controladora apreciá-las, sem poder decisório, dirigindo aos órgãos competentes as recomendações necessárias para prevenir e reparar injustiças. Em Portugal, o Ombudsman tem tido um papel de primordial importância no sentido de humanizar as relações entre a Administração e os particulares, tornando-as mais justas. O Ombudsman como que se coloca entre duas forças contrapostas – a Administração e os particulares – procurando garantir a correção e justiça das relações entre elas.

A Constituição espanhola de 1978 contemplou a instituição do "Defensor del Pueblo" como um alto comissário das Cortes Gerais, designado para a defesa dos direitos e liberdades fundamentais, cumprindo-lhe supervisionar a atividade da Administração, da qual deve dar conta às Cortes Gerais.

Finalmente, neste estudo comparativo importa referir a posição assumida, na Rússia, pelo "Procuratura", órgão que se aproxima do Ministério Público ocidental e exerce funções especiais de controle de qualidade da Administração Pública, recebendo queixas dos administradores e avaliando críticas ao funcionamento dos serviços públicos. O modelo russo serviu de subsídio para o "Public Prosecutor" na Iugoslávia e, na Polônia, para a instituição da "Procuratura".

4.2O Instituto do Ombudsman no Brasil

A sugestão inovadora de se inserir uma instituição de defesa de direitos fundamentais e de controle da Administração Pública surgiu no artigo 56 do anteprojeto da Comissão de Notáveis, por ocasião da elaboração da Carta Constitucional que balizou a atual Constituição Federal, nos termos seguintes:

"Art. 56. É criado o Defensor do Povo, incumbido, na forma de lei complementar, de zelar pelo efetivo respeito dos poderes do Estado aos direitos assegurados nesta Constituição, apurando abusos e omissões de qualquer autoridade e indicando aos órgãos competentes as medidas necessárias à sua correção ou punição."

Todavia, no segundo substitutivo do Relator Bernardo Cabral, foi abandonada a instituição da Defensoria do Povo, com as características autônomas e peculiares da indicada proposição, incorporando-se às funções institucionais do Ministério Público, a de "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços sociais de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, apurando abusos e omissões de qualquer autoridade e promovendo as medidas necessárias à sua correção e punição dos responsáveis", bem como a de "promover o inquérito civil e ação civil para a proteção do patrimônio público e social, dos interesses difusos e coletivos, notadamente os relacionados com o meio ambiente, inclusive o do trabalho, e os direitos do consumidor, dos direitos indisponíveis e das situações jurídicas de interesse geral ou para coibir abuso da autoridade ou do poder econômico." (art. 151, II e III, C.F.).

A inspiração da proposta de criação da Defensoria do Povo teve como fontes imediatas os precedentes da Constituição Espanhola de 1978 e da Constituição Portuguesa de 1976, revista em 1982.

A primeira referência na literatura jurídica nacional à criação sueca terá sido a menção proferida em palestra realizada em 1967 perante o Conselho Técnico da época, pelo eminente professor Caio Tácito. São suas as palavras: "Trata-se de um Comissário Parlamentar, escolhido pelo Poder Legislativo, com atribuições especiais de acompanhar e fiscalizar a regularidade da administração civil ou militar, apreciando queixas que lhe são encaminhadas ou realizando inspeções espontâneas nos serviços públicos. Os seus poderes são limitados, não exercendo competência anulatória, nem disciplinar ou criminal, mas, segundo o depoimento dos autores, a sua advertência ou a iniciativa de processos penais contribui, expressivamente, para a contenção dos abusos do poder administrativo." [9]

A tentativa de colocar na Constituição Federal a instituição do Defensor do Povo não foi a primeira. Anteriormente, outras propostas equivalentes foram oferecidas.

Em 1981, um grupo de parlamentares, liderados pelo Deputado Mendonça Neto, apresentou proposta de Emenda à Constituição criando o cargo de Procurador Geral do Povo, com a atribuição de investigar as violações à lei e aos direitos fundamentais do cidadão. A emenda ficou prejudicada por decurso de prazo e foi arquivada no ano seguinte.

No mesmo ano, o Deputado José Costa apresentou projeto de emenda constitucional destinada à Criação da Procuradoria Geral do Poder Legislativo e, em 1983, o Senador Luiz Cavalcanti propôs a implantação do Ombudsman no Brasil "como heróica tentativa para extirpar da vida pública nacional o câncer da corrupção".

Também não logrou êxito o projeto de lei do Deputado Jonatas Nunes, em 1984, com intenção de criar uma Procuradoria Popular, com a atribuição de "receber e apurar queixas ou denúncias escritas de qualquer cidadão que se sinta prejudicado por ato da administração".

Com o mesmo propósito, o então Senador Marco Maciel introduziu projeto tendente a instituir o Ouvidor Geral, com a incumbência de "receber e apurar queixas ou denúncias de quem se considere prejudicado por ato da Administração".

O Município de Curitiba coloca-se na vanguarda da experiência nacional com a importação do sistema do Ombudsman, no qual se fundamenta para criar a Ouvidoria Municipal (Dec. 215, de 21.03.86), com a finalidade de atuar na defesa de direitos – interesses individuais e coletivos contra atos e omissões ilegais ou injustos cometidos pela Administração Pública Municipal. A tendência de se criar a Ouvidoria Municipal tem prevalecido em algumas outras capitais do Brasil.

4.3Proposta de Emenda Constitucional

Em face de todas as considerações feitas a respeito do instituto do Ombudsman, é primaz que se considere a relevância do tema como proposta de saneamento das inúmeras falcatruas, desvios de verbas públicas, nepotismo, atos que exprimem corrupção ativa e passiva e demais crimes relacionados à improbidade administrativa.

O Ministério Público, imbuído de seu dever institucional de atender a sociedade quanto a seus anseios de ordem, moralidade e justiça social vem se mostrando eficaz até certo ponto em sua atuação, pois a tarefa de se perscrutarem todos os meios legais possíveis para que a Lei da Improbidade Administrativa se cumpra é das mais árduas.

Os óbices encontrados limitam a atuação dos membros do Ministério Público e os resultados estão aquém da expectativa dos cidadãos brasileiros. É fato que a sociedade anseia por leis que se objetivem em resultados facilmente perceptíveis, pois o livre acesso à informação isenta e ao conhecimento dos negócios públicos identifica uma ordem social autenticamente democrática.

A proposta que aqui se enseja é a necessidade evidente de criação de um órgão dentro do próprio Ministério Público, com poderes de atuação que elevem seus membros a verdadeiros Ombudsman da sociedade. Todos os meios de comunicação estariam compelidos na divulgação deste órgão de saneamento, para o qual todos os cidadãos poderiam se dirigir, em caso de queixas, denúncias e demais esclarecimentos de atos da Administração Pública.

Os membros deste órgão não se limitariam a apenas ouvir os interessados e expedir recomendações, como no caso de simples Ouvidoria, mas teriam eles em mãos instrumentos poderosos como a requisição do inquérito policial, a promoção da ação pública, o inquérito civil, a ação civil pública, as requisições e as notificações.

O cerne de suas atribuições seria a fiscalização, através da facilidade em investigar papéis, documentos ou quaisquer outros meios probatórios necessários ao seu interesse. Somente através desta facilitação, ocorrerão os primeiros passos no sentido de se extirpar a corrupção que vem assolando o Brasil em todas as crises de sua história.


5.CONCLUSÃO

Na Constituição Federal, ao Ministério Público é concedida autonomia funcional, administrativa, financeira, garantias políticas, competência para escolha de sua chefia, com mandato certo, competência de iniciativa de lei e funções institucionais que a colocam definitivamente como órgão de defesa dos interesses sociais até contra o Estado.

Não obstante estas constatações, o Ministério Público deverá definir com clareza seus objetivos e estratégias, de modo a desempenhar o papel de órgão autônomo e independente de defesa da sociedade.

De acordo com as considerações feitas pelo próprio membro do Ministério Público, o Procurador de Justiça de São Paulo Antônio Augusto Mello de Camargo Ferraz, algumas medidas prioritárias devem ser tomadas, como:

"a)a construção de imagem pública mais clara e compreensível da Instituição, consentânea com o seu atual perfil constitucional;

b)a realização de profunda revisão da estrutura administrativa, orgânica e funcional do Ministério Público, a fim de que sua atuação seja cada vez mais eficiente, comprometida com a obtenção de resultados perceptíveis pela sociedade;

c)o exercício pleno do status político da Instituição, pelo diálogo com a sociedade, com os Poderes e organismos do Estado, a fim de obter o reconhecimento público e social de seu papel e de ampliar a base de legitimidade de sua atuação." [10]

A importância do exercício político da Instituição também é plenamente demonstrada em obra recente do Promotor de Justiça Antônio Alberto Machado que a aduz ao concluir que: "A existência de um custos juris com possibilidade de empreender a defesa jurídico-política da democracia e de um custos societatis destinado a defender os direitos fundamentais da sociedade, representam não apenas uma conquista efetivamente democrática da sociedade brasileira, mas também uma autêntica possibilidade de ruptura com o positivismo do direito liberal que desde o século retrasado sustentou, ‘nos termos da lei’, as bases oligárquicas do poder social, econômico e político do País." [11]

É somente através deste comprometimento político, apartidário, com a sociedade que o Ministério Público tornar-se-á isento de máculas que possam desviá-lo de sua atuação plena nos casos cada vez mais freqüentes de improbidade administrativa.

Em face dessa atuação, a legitimação do Ministério Público para promover a Ação Civil Pública na defesa do patrimônio público tem respaldo em três fundamentos; de acordo com as considerações de Antônio Luiz Bueno de Macedo:

"a)A ação popular, instrumento colocado à disposição do povo para defesa do patrimônio e da moralidade pública, demonstrou que na maioria das vezes em que foi utilizada, esteve sempre comprometida com objetivos político-partidários, tornando-a de eficiência questionável;

b)Há inexistência de conflito entre os incisos III e IX do Artigo 129 da Constituição. O patrimônio público inserido no inciso III e a defesa da moralidade administrativa se constituem também em interesses supra-individuais, interesses difusos. O disposto no inciso IX veda a representação judicial das entidades públicas, a qual será exercida nas ações por improbidade pela procuradoria do órgão lesado. Os danos causados ao patrimônio público e à moralidade administrativa atingem diretamente o órgão lesado, mas atingem também indiretamente toda a população;

c)A legitimação não é exclusiva e sim concorrente, com a entidade pública e com qualquer cidadão, diante da importância que se apresenta a defesa do patrimônio público que é de todos, devendo a sua gestão pautar-se pela moralidade administrativa. Nem sempre a direção do órgão lesado tem interesse no uso de sua legitimidade. Assim, tem a entidade pública legitimidade para defesa de direito próprio, o Ministério Público legitimidade para defesa do interesse do povo, e qualquer cidadão, legitimidade para a defesa de seu interesse e da coletividade através da Ação Popular." [12]

A jurisprudência tem caminhado no sentido de que os mesmos fundamentos que dão legitimidade ao Ministério Público para a Ação Civil Pública decorrente de ato de improbidade administrativa dão legitimidade para a promoção de inquérito civil público.

Muitos autores reconhecem as imperfeições da Lei 8.429/92. Estas imperfeições, porém, somente servem para dar maior efetividade para a atuação premente do Ministério Público no sentido de as sanar.

É inquestionável a necessidade de reforma nos próprios ritos processuais recursais, que muitas vezes são impetrados no sentido de tornar as decisões cada vez mais morosas fazendo com que o Poder Judiciário caia em grande descrédito junto à população.

Somente através da organização concatenada e perene em todos os níveis de atuação deste Poder, poder-se-á adequá-lo às necessidades da sociedade.

O surgimento de leis penais que tipifiquem de maneira contundente os crimes previstos na lei de improbidade administrativa e a conseqüente fiscalização em seu cumprimento são prerrogativas das quais o Ministério Público não pode se afastar.

A previsão normativa de meios que dificultem e até mesmo impeçam quaisquer desvios e remessas ilegais de dinheiro público aos chamados "paraísos fiscais", e o uso de todas as medidas legais possíveis, somadas àquelas que poderão existir através de acordos e tratados internacionais para este fim, trarão a certeza de que tudo o que se fez para combater os maus administradores terá sido válido.

Tudo o que foi exposto somente será conseguido através da colaboração mútua de cidadãos cujas características morais sejam ilibadas e que cumpram funções bem definidas numa instituição que pode ser bem adaptada às necessidades de efetivo funcionamento dentro do Ministério Público.

Com o estudo sistemático de suas mais importantes características, o instituto do Ombudsman retrata a preocupação moderna com os direitos humanos. Somente através deste órgão de ouvidoria, saneamento e principalmente fiscalização, estará o Ministério Público realmente apto a cumprir seu papel quando houver improbidade administrativa.


NOTAS

1..NÁUFEL, José. Novo dicionário jurídico brasileiro. 9.ed. Rio de Janeiro : Forense, 2000. p.515.

2..PAZZAGLINI FILHO, Mário; ELIAS ROSA, Márcio Fernando e FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa. São Paulo : Atlas, 1996. p.35.

3..MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Incompatibilidade da evolução patrimonial e improbidade administrativa. In: II Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, 1997, São Paulo. Anais... São Paulo : Imprensa Oficial, 1997. p.264.

4..MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva; TEBET, Mário Antônio de Campos. Seqüestro e indisponibilidade de bens na improbidade administrativa. In: II Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, 1997. São Paulo. Anais... São Paulo : Imprensa Oficial, 1997. p.272.

5..Ibidem, p.541.

6..MAZZILLI, Hugo Nigro. Formação Jurídica. 2.ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999. p.114.

7..GOMES, Maurício Augusto. Ministério Público na Constituição de 1988. Revista dos Tribunais. São Paulo, v.635, p.91. set. 1988.

8..ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário jurídico brasileiro. São Paulo : Ed. Jurídica Brasileira, 1995. p.1009 e 1010.

9..TÁCITO, Caio. Ombudsman – O Defensor do Povo. Revista de Direito Público. São Paulo, v.85, jan-mar, 1988. p.45.

10..FERRAZ, Antônio Augusto Mello de Camargo. A compreensão do atual modelo constitucional do Ministério Público brasileiro como condição para o aprimoramento de seus serviços. In: II Congresso do Ministério Público do Estado de São Paulo, 1997. São Paulo. Anais... São Paulo : Imprensa Oficial, 1997. p.508.

11..MACHADO, Antônio Alberto. Ministério Público e Ensino Jurídico. Belo Horizonte : Ed. Del Rey, 1999. p.198.

12..MACEDO, Antônio Luiz Bueno de. Improbidade Administrativa. Jus Navegandi, São Paulo, jul. 2001. Disponível em <http://jus.com.br/doutrina/improbi2.html> Acesso em 24 jul. 2001.


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TÁCITO, Caio. Ombudsman. O Defensor do Povo. Revista de Direito Público. São Paulo, v.85, p.43-51, jan. – mar. 1988.


Autor

  • Fernanda Kellner De Oliveira Palermo

    Pós-graduada em Master of Laws (LL.M.) na The George Washington University Law School, em Washington, D.C., EUA,(2007/2008);Mestre em Direito Administrativo, com ênfase em Obrigações Públicas pela Universidade Estadual Paulista (UNESP); Bolsista da Organização dos Estados Americanos (OEA) para estudos acadêmicos de Pós-Graduação, advogada

    Textos publicados pela autora


Informações sobre o texto

Monografia apresentada ao V Concurso Nacional de Monografias do Tribunal Regional Federal da 1ª Região &#8211; Categoria Profissional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PALERMO, Fernanda Kellner De Oliveira. Improbidade administrativa e a atuação do Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2732. Acesso em: 23 abr. 2024.