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Tropa de Elite 2 - a lógica de uma economia que suplanta o direito

Tropa de Elite 2 - a lógica de uma economia que suplanta o direito

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O filme Tropa de Elite 2 – O inimigo agora é outro, do diretor José Padilha, nos mostra o funcionamento de um sistema que tem por base interesses eminentemente econômicos, em detrimento do direito.

TROPA DE ELITE 2 – A LÓGICA DE UMA ECONOMIA QUE SUPLANTA O DIREITO

Por: Rainer Henrique Abreu Riedel da Costa[1]

O filme Tropa de Elite 2 – O inimigo agora é outro, do diretor José Padilha, nos mostra o funcionamento de um sistema que tem por base interesses eminentemente econômicos. Revela-nos como o aparelho estatal, principalmente os órgãos de Segurança Pública, tem suas funções destinadas a outros fins, atendendo a necessidades de grupos que manipulam o sistema a fim de angariarem benefícios próprios. É dentro dessa perspectiva que a Economia realizada por estes manipuladores domina o Direito. Mas como isso acontece em se tratando do filme em alusão? É o que iremos analisar.

Francesco Carnelutti[2] brilhantemente nos mostra de forma simples essa relação entre Economia e Direito:

Mas, se o policial distingue o direito da moral, o uniforme distingue o policial do bandido. Exatamente porque o bandido faz simplesmente economia e o policial faz, pelo contrário, direito, arvora-se este no signo de sua dignidade. Isto quer dizer que se o meio do qual tanto um quanto outro se servem é sempre a força, o fim a que se destinam é diferente; o bandido combate para si mesmo e o policial para os demais. O direito é, pois, uma combinação de força e de justiça; e daí que em seu símbolo se encontre a espada ao lado da balança. (grifo nosso)

O bandido ao usar a força, faz simplesmente Economia, quando procura satisfazer necessidades próprias. O policial, diferentemente, faz Direito quando se utiliza da força, colocando esta a serviço da sociedade. No filme Tropa de Elite 2 essa relação fica evidente à medida que o governo manda a Polícia combater o tráfico de drogas nas favelas, deixando o "terreno livre" para os chamados "milicianos". Com o poder que estes tem nas comunidades em que atuam, muito mais fácil será conseguir votos – principal objetivo de políticos corruptos que procuram a perpetuação no poder. Fica evidente agora como os protagonistas desse "teatro da corrupção" atuam. Vejamos por etapas o papel de cada grupo:

Os "milicianos" são geralmente policiais corruptos ou ex-policiais que cobram dinheiro de uma determinada comunidade em troca de uma falsa sensação de segurança. Também negociam nesta mesma comunidade serviços como TV a cabo pirata, Internet, venda de gás de cozinha e água etc. Acontece que somente os "milicianos" não possuem estrutura o bastante para "limpar a área", ou seja, para dizimarem a "concorrência". Necessitam do braço armado do Estado, a Polícia. Daí há uma troca de favores, um negócio simplesmente, no qual os dois lados saem ganhando: o governo "limpa" a área com a Polícia visando os votos dos moradores das comunidades que serão controladas pelos "milicianos" e o povo fica obrigado a votar em quem eles querem. Os "milicianos" então ficam livres para "trabalhar". Há ainda a questão de como "limpar" essa área sem chamar muita atenção. É aí que se forjam ataques a delegacias e outros crimes, atribuindo-os a traficantes da área a ser "pacificada". A imprensa sensacionalista também tem um papel importante, quando os famigerados "programas policiais" justificam a ação do governo e da Polícia.

Agora sim podemos observar mais claramente como tudo se volta para uma questão econômica: os "milicianos" querem mais dinheiro e se vêem impedidos pela "concorrência". O governo auxilia com o braço armado, querendo os votos dos moradores das comunidades controladas pelas milícias, objetivando o poder perpétuo. A imprensa justifica as ações de "limpeza" através dos meios de comunicação de massa querendo mais audiência. No meio disso tudo ficam os policiais achando que estão "cumprindo a missão", e o povo, apático e alheio aos acontecimentos, achando que está tudo bem. Na verdade, o povo também faz Economia, já que se utiliza dos serviços ilegais dos "milicianos", malgrado a coerção imposta por estes àquele. Quem parece fazer Direito são os policiais, que cumprem a missão, pelo menos os bons policiais, que o filme quer deixar transparecer na figura no Tenente Coronel Nascimento. Conveniente também lembrar o papel de ativistas, por vezes alcunhados de "sonhadores", na luta por direitos humanos e justiça, como é o caso do professor Fraga.

O enredo do filme Tropa de Elite 2 não é muito diferente do que acontece no restante do País. A Polícia (Civil e Militar) quase sempre é utilizada como "polícia política", no sentido de que os programas para redução da criminalidade são utilizados como ferramentas de campanha ou como formas de beneficiar amigos através de licitações fraudulentas pra aquisição de veículos e equipamentos. A Segurança Pública é o coração desse sistema famigerado, haja vista os serviços de inteligência disponíveis e a própria coercibilidade armada institucionalizada a atender os interesses vis dos que se dizem "representantes" do povo.

Diante do exposto, ficam as indagações: sabendo dessa situação que permeia o sistema estatal, deve o policial cumprir simplesmente sua missão sem questionar a real finalidade da mesma? Deve ser o mesmo pura e simplesmente "elemento de execução" das missões dadas? Qual o comando o policial deve seguir, o do político que visa apenas Economia, ou do povo, que espera que este mesmo policial faça valer o Direito?

No final do filme há uma cena interessante, na qual vislumbramos Brasília, o centro do Poder no País. Aí os interesses são maiores e a Economia praticamente devora o Direito. Este resta lembrado na bandeira que tremula solitária no centro do sistema...


[1] Graduando em Direito pela FGF – Faculdade Integrada Grande Fortaleza

[2] Carnelutti, Francesco. Como nasce o Direito. Tradução de Hiltomar Martins Oliveira.Livraria Líder e Ed. LTDA. Minas Gerais: 2005. 


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