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O custo do sweatshop como prática de comércio desleal

O custo do sweatshop como prática de comércio desleal

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O desenvolvimento econômico de um país só poderá ser considerado legítimo quando não for construído sobre o desrespeito dos direitos trabalhistas e, principalmente, quando os frutos dele advindos não se limitarem apenas aos empreendedores.

Resumo: Em razão da globalização econômica e da disseminação do chamado liberalismo econômico, a liberdade de circulação dos meios de produção é praticamente infinita hodiernamente. A par dos benefícios trazidos por essa nova conjuntura mundial, surge a face deletéria de tal fenômeno: o chamado “sweatshop”, onde plantas industriais inteiras são desativadas e ativadas de acordo com o custo trabalhista de cada país, deixando atrás de si um rastro de desemprego e dilapidação da econômica global. O presente trabalho procura analisar os custos sociais e empresariais decorrentes dessa prática de comércio desleal e apontar possíveis caminhos de combate a ela.

Palavras-chave: Sweatshop – dumping social – desenvolvimento integral - OMC

ABSTRACT: Because of economic globalization and the spread of economic liberalism the freedom of movement of the means of production is practically endless nowadays. Along with the benefits brought by this new global environment, there is the face of such a deleterious phenomenon: the so-called "sweatshop" where whole plants are deactivated and activated according to the labor cost of each country, leaving behind a trail of unemployment and the local economy dilapidation. This paper analyzes the social and business costs arising from such unfair trade practice and identify possible ways to combat it.

Key-words: Sweatshop – Social dumping – Integral development – WTO

Sumário: Introdução. 1. Conceito de Sweatshop. 1.1. Sweatshop: modalidade de dumping social. 2. A ideia do desenvolvimento integral. 3. Combate ao sweatshop: ação integrada entre OMC e OIT. 3.1. O sistema de solução de controvérsias da OMC como instrumento para o desenvolvimento integral. Conclusão. Referências bibliográficas.


Introdução

Em razão da globalização econômica e da disseminação do chamado liberalismo econômico a liberdade de circulação dos meios de produção é praticamente infinita hodiernamente. A par dos benefícios trazidos por essa nova conjuntura mundial, surge a face deletéria de tal fenômeno: o chamado “sweatshop”, onde plantas industriais inteiras são desativadas e ativadas de acordo com o custo trabalhista de cada país, deixando atrás de si um rastro de desemprego e dilapidação da econômica global.

Durante o século XX, em especial após a Segunda Guerra Mundial, vieram a lume inovações tecnológicas que diminuíram as distâncias, permitindo a comunicação entre os mais diferentes pontos do mundo em frações de segundos. Também possibilitaram viagens entre dois hemisférios em questão de horas, gerando uma grande mobilidade de serviços e produtos. As fronteiras entre os Estados foram se enfraquecendo, as diferenças culturais sendo pasteurizadas. Esse fenômeno é chamado de globalização.

Mesmo não sendo um fato novo, sendo possível detectar sinais primevos desde os tempos do Império Romano até as Grandes Navegações e seu Mercantilismo, com o advento da internet a globalização ganhou fôlego ainda maior, atingindo níveis nunca vistos (ou sequer imaginados).

Ao mesmo tempo em que a globalização aproximou os povos, tornando possível a apreensão de novas culturas, com o enriquecimento a isso inerente, e viabilizou a disseminação de inovações tecnológicas e de informações em velocidade ímpar, trouxe também aspectos negativos.

O presente trabalho pretende discutir um problema propagado por todo o globo, mas que, no entanto, não recebe a atenção que lhe é devida. Trata-se do chamado dumping social, onde, em linhas gerais, um produtor oferece seus produtos a um preço mais baixo que seus concorrentes por produzi-los em países que desrespeitam os direitos humanos mais fundamentais. É o lucro viabilizado pelo aviltamento das condições dos trabalhadores.

Isso se mostra cada vez mais comum e fácil de ser aperfeiçoado, dada a grande facilidade de movimentação de serviços e mercadorias gerada pela globalização e por inovações tecnológicas.

Some-se a isso o predomínio do modelo econômico neoliberal, segundo o qual os mercados devem se autoregular, com a menor intervenção estatal possível. A competição entre os agentes econômicos aumentou de forma assustadora, chegando mesmo ao descontrole.

O papel do Estado - nação, segundo muitos pensadores, restou esvaziado, havendo quem dissesse haver verdadeira transferência da soberania estatal para as empresas multinacionais, que seriam as atuais detentoras do poder.

Ainda que se discorde dos entendimentos acima, uma coisa é inegável: para atingir níveis cada vez maiores de produção e lucratividade, muitas empresas enveredaram por caminhos inadequados, muitas vezes sem a devida observância a normas de diversos ramos do Direito. As chamadas “práticas comerciais desleais”, entre as quais se inclui o dumping social, reguladas e coibidas principalmente pela Organização Mundial do Comércio (OMC), não se restringem ao mercado, às questões de concorrência, por exemplo.

Muitas vezes, como já salientado, há o desrespeito a normas gerais, importantíssimas para a sobrevivência humana, como regras de preservação do meio ambiente, com emissão de poluentes em níveis alarmantes, devastação de florestas inteiras, contaminação de águas, entre muitos outros casos. Além disso, ocorre também o desprezo aos padrões mínimos da dignidade humana, com imposição de jornadas de trabalho exaustivas, remuneração ínfima, que não garante ao menos a subsistência do trabalhador e de sua família, a adoção de mão-de-obra infantil e escrava.

Como restará demonstrado, em todos os casos apontados há patente desrespeito aos Direitos Humanos, rol de garantias mínimas erigidas a valores fundamentais a serem tutelados e observados por todos, principalmente após os horrores da Segunda Guerra Mundial. É consternador, pois, verificar que em pleno Século XXI ainda são impingidos aos seres humanos sofrimentos imensuráveis.

Para fomentar o debate acerca desse tema, nos propomos, dentro dos singelos limites do presente trabalho, coligir os pontos primordiais à correta compreensão do que seja o dumping, e, mais especificamente, o dumping social, assim como sua estreita relação com o Direito Internacional do Trabalho, visto que o desrespeito aos direitos trabalhistas é uma das formas mais flagrantes dessa prática comercial desleal.

Em um primeiro momento, serão traçados os conceitos de Sweatshop e dumping social, a fim de que se possa delimitar adequadamente o tema. Em seguida, procuraremos demonstrar que o aviltamento do trabalhador, em suas mais diversas formas, caracteriza prática comercial desleal e como tal deve ser coibida, assim como deve ser encarado como desrespeito aos Direitos Humanos.

Posteriormente, passará a ser esquadrinhada a ideia do desenvolvimento integral, o qual, segundo a Organização dos Estados Americanos, corresponde a um conjunto de políticas que trabalham em prol do desenvolvimento sustentável nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos.

Ao final, estudaremos possíveis formas de coibir essa situação e os problemas por ela gerados, a fim de que sejam respeitados os Direitos Humanos e também o direito à livre concorrência, analisando precipuamente os benefícios de uma ação conjunta entre a Organização Mundial do Comércio e a Organização Internacional do Trabalho.

Por se tratar de um estudo descritivo e exploratório, será realizado com base na pesquisa bibliográfica e histórica, utilizando por vezes do método dedutivo e outras o indutivo, principalmente nas críticas e reflexões acerca dos textos normativos.


1.Conceito de Sweatshop

Em um mundo com o mercado desregulamentado como o atual, os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento fazem o possível para atrair investimentos estrangeiros e mantê-los. Em nome dessa competitividade, concedem benefícios fiscais astronômicos e são mesmo capazes de flexibilizar e sacrificar os direitos trabalhistas duramente conquistados.

Os únicos agentes que realmente lucram com essa prática são as empresas multinacionais, que transportam os seus meios de produção para os países que apresentarem os menores custos e as maiores benesses, não importando o rastro de desrespeito aos direitos humanos que deixam no caminho. No exato instante em que os países decidem a adotar medidas protetivas ao trabalhadores, essas mesmas empresas transferem-se para outro local, onde o custo seja menor. E assim sucessivamente.

Esse reiterado desrespeito aos direitos trabalhistas levam a uma prática deletéria, denominada de sweatshop. “As características de sweatshop são assim definidas: jornada de trabalho de dez a doze horas, com horas extraordinárias forçadas; trabalho desenvolvido em condições inseguras e desumanas (inclusive exposição a produtos químicos); punição pelas falhas mais insignificantes; alojamentos trancados; média salarial inferior ao necessário para a sobrevivência; exigência excessiva de horas extraordinárias sem remuneração; sistemático assédio moral e / ou sexual dos trabalhadores pelos empregadores; e / ou a impossibilidade de os empregados se organizarem. Frequentemente o trabalho é realizado em locais trancados, em que guardas armados encontram-se nos portões, evitando a entrada ou saída durante as horas de trabalho. Muito embora muitas crianças trabalhem de seis dias a uma semana em fábricas, normalmente trabalham em unidades subcontratadas ou à domicílio; os adultos, por sua vez, tendem a trabalhar nas fábricas de produção em larga escala. (...).”1

Atualmente, esses países que compactuam com o sistemático desrespeito aos direitos dos trabalhadores deixam de ser vistos como vítimas e passam a ser encarados como vilões, como ameaças ao livre comércio.O presente quadro foi brilhantemente retratado por Antônio Galvão Peres: “...se adotou um modelo em que há certa liberdade de mercados, mas insignificante liberdade individual. As relações de trabalho flertam com o liberalismo típico do início da Revolução Industrial, mas, paradoxalmente, isto ocorre sob o manto do Estado, que intervém a favor da produção, segundo a lógica do dumping social”.2

1.1.Sweatshop: modalidade de dumping social

Dumping é uma prática comercial onde um produtor passa a vender os seus produtos a um preço muito abaixo do praticado usualmente no seu país de origem ou no país para onde está exportando, minando, com isso, a concorrência, conquistando a maior parte do mercado, quando não o seu monopólio. Em alguns casos, o produto pode ser vendido até mesmo a um preço abaixo do custo de sua produção. Posteriormente, quando já domina o mercado, o mesmo produtor passa a praticar preços mais altos, por vezes exorbitantes, conseguindo, assim, reverter o prejuízo que possa ter sofrido em um primeiro momento.

Seria, em termos simples, a prática de preços desleais, a fim de causar danos à concorrência, ocorrendo apenas em relações comerciais internacionais. Não é possível tal prática entre empresas de um mesmo país. Ainda que sua aplicação, e conseqüente tolhimento, sejam razoavelmente recentes, remontando ao início do século XX, já no século XVI tinha-se notícia que industriais ingleses reclamavam da entrada de papel a preços lesivos à incipiente indústria nacional de celulose.3 As primeiras regulamentações antidumping ocorreram nos Estados Unidos, aonde o primeiro estatuto antidumping estadunidense (Antidumping Act) veio a lume em 1916.

Em um primeiro momento, as medidas antidumping eram consideradas formas de exacerbadas de protecionismo, inviabilizando o livre comércio entre as nações. Ocorre que, com o tempo, verificou-se que o dano maior era causado justamente por essa prática comercial danosa à indústria nacional e considerada desleal. Ao praticar preços muito abaixo dos comumente exercidos, o produtor prejudica o país no qual a medida é implementada, afastando investimentos e gerando anacronismos no mercado, com a incorreta distribuição de riquezas. Os preços artificialmente reduzidos são ainda mais prejudiciais aos países em desenvolvimento, onde os meios de produção ainda engatinham e não têm fôlego sequer para a concorrência internacional justa, quanto mais para a injusta ou desleal.

Os danos são muitos, sendo certo que a prática do dumping pode devastar uma indústria em poucos meses, principalmente no ramo da alta tecnologia, onde a demanda por novidades é muito grande e a concorrência imensa, sendo certo que o desenvolvimento de novos produtos e tecnologias demanda um aporte de recursos e um lapso temporal que nem todas as unidades produtivas são capazes de suportar.

Com a onda de abertura dos mercados ocorrida nas décadas de 1980 e 1990, gerada, em grande parte, pela redemocratização da América Latina e pelo fim da União Soviética, a incidência de dumping aumentou. Segundo explica Guilherme Johannpeter, “...dumping é bastante propenso a ocorrer quando a empresa é a única, ou uma das únicas vendedoras daquele produto no seu mercado doméstico, sendo ainda protegida por barreiras naturais ou artificiais de comércio.[...] É interessante ressaltar que esta prática de dumping é somente possível em relação a uma empresa com seu mercado doméstico protegido ou usufruindo situação de monopólio, e não por discriminação internacional de preços. Neste caso extremo, o comportamento indesejável dos fatores econômicos encontra-se no alto preço do mercado interno, e não na exportação abaixo do valor normal”.4

Esse quadro costuma imperar em economias mais fechadas, com grande proteção à indústria nacional. Ao constatar referidas distorções, é necessário levar em consideração o caso concreto, o tamanho do país em questão, o seu grau de desenvolvimento e o real aporte de sua economia. Sendo um país em vias de desenvolvimento, com indústria ainda incipiente, medidas protetivas são requeridas e não necessariamente constituem práticas comerciais desleais. Por outro lado, sendo uma economia desenvolvida, com seu potencial industrial altamente evoluído, a situação será diferente.

A aferição do dumping se dá através da comparação de dois elementos: o preço de exportação do produto para o país importador e o preço de produto similar no mercado de origem ou de exportação, sendo este considerado como “valor normal”.5 Com base nesses dados, será fixada a margem de dumping, isto é, a discrepância entre o valor normal e o preço de exportação. Essa é uma etapa deveras importante, pois eventual medida antidumping terá seu limite máximo fixado pela margem de dumping, É necessária, ainda, a comprovação de dano à indústria nacional, que seja causado pela importação dos produtos objetos de preços desleais.

Uma das medidas antidumping mais disseminada é a de cunho tarifário, como, por exemplo, o aumento do imposto de importação, a fim de barrar a entrada de produtos estrangeiros e, ao mesmo tempo, forçar o aumento do preço praticado com o incremento da carga fiscal. Também é possível a fixação de cotas máximas de importação, objetivando reduzir a quantidade de produto importado.

Além do dumping normalmente praticado, acima delineado, há tipos secundários, por assim dizer, mas nem por isso menos lesivos, entre os quais podemos citar:

- Dumping estrutural: quando há excesso de oferta de um produto no mercado interno, sendo tal excedente exportado por um preço por vezes diminuto. Decorre da própria estrutura do mercado analisado, quando o estoque do produto é muito grande e a demanda insuficiente;

- Dumping ambiental: também denominado dumping ecológico, ocorre quando o preço convidativo é viabilizado pela não-conservação ou mesmo destruição do meio ambiente, com o uso de produtos não-recicláveis, sem a preocupação de utilizar energias “limpas” e diferentes meios de evitar a poluição, entre outros. Comumente se dá em países cuja legislação é permissiva, sem um regramento eficiente para coibir a devastação ambiental;

- Dumping tecnológico (ou produtivo): países desenvolvidos, detentores das mais modernas tecnologias, utilizam essa vantagem para diminuir a mão-de-obra utilizada e otimizar o processo de fabricação, diminuindo, assim, o preço de custo;

- Dumping social: aqui a vantagem é obtida pela falta de regulamentação adequada das garantias trabalhistas ou pelo desrespeito a elas, quando existentes. Dá-se, geralmente, em países pouco desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, que em função da economia mais pobre possui excedente de mão-de-obra, via de regra mal-remunerada. Nesses casos, ainda que haja uma legislação trabalhista eficiente, capaz de consagrar direitos trabalhistas mínimos, como no caso do Brasil, a população se submete a trabalhar em condições precárias, dada a dificuldade em encontrar um posto de trabalho.

Conforme procuraremos demonstrar no decorrer do presente trabalho, os direitos trabalhistas são, em última análise, direitos humanos, uma vez que viabilizam o alcance a outros direitos essenciais à subsistência humana, como moradia, alimentação, entre outros. Diante disso, urge que esses direitos sejam observados e garantidos.

Nos países desenvolvidos, onde as garantias laborais são mais numerosas e respeitadas, é flagrante o aumento do desemprego da população. Em parte porque as empresas, supostamente para diminuir os custos operacionais, deslocam-se para países mais pobres, onde o rol das citadas garantias é menor, quando não inexistente. Por outro lado, a imigração de pessoas oriundas de países em desenvolvimento aumenta a concorrência por postos de trabalho nos países ricos, sendo que os imigrantes sujeitam-se a trabalhar por salários menores, durante jornadas maiores e em condições aviltantes.


2.A ideia do desenvolvimento integral

Interessante como pequenas diferenças terminológicas guardam em si tamanhas diferenças conceituais. Em uma primeira e rápida leitura pode-se ter a impressão de serem as expressões “direito ao desenvolvimento” e “direito do desenvolvimento” sinônimas. No entanto, ao se analisar detidamente, percebe-se que são termos distintos, ainda que complementares.

Explica Vladmir Oliveira da Silveira 6 que o direito ao desenvolvimento é o direito que cada indivíduo possui de atingir a plenitude em todos os planos de sua vida, tendo respeitados e garantidos seus Direitos Humanos fundamentais. Abarca a ideia de integração e concreção da dignidade da pessoa humana, atuando na qualidade de cobertura ético-jurídica dos distintos Direitos Humanos.

O direito do desenvolvimento, por sua vez, é titularizado pelos Estados, correspondendo às normas jurídicas cujo escopo é garantir as conquistas existentes e reconhecidas oriundas dos Direitos Humanos. Constitui um direito oponível à comunidade internacional, que deverá respeitar e possibilitar que esse direito dos países seja concretizado.

Impende ressaltar que o objetivo do direito do desenvolvimento é estabelecer padrões de vida para uma determinada sociedade, já que ele é composto por regras que versam sobre políticas econômicas sociais e culturais, implicando mudanças no arcabouço da ordem jurídica, tanto nacional como internacionalmente.

Mário Bunge, citado por Vladmir Oliveira da Silveira, aponta que o desenvolvimento aqui abordado apresenta pelo menos cinco concepções: a social, a econômica, a política, a cultural e a integral. 7

A concepção social será fundadora de todas as demais, já que para se superar o desenvolvimento deve-se adotar uma concepção correta da sociedade. Esta seria sintetizada por pontos parciais do biologismo, da economicidade, do politiquismo e culturalismo.

Diz-se que a concepção econômica, por seu turno, identifica o desenvolvimento com o crescimento econômico, o que se costuma corresponder à industrialização. Importante se ter em mente que esta pode ser uma concepção perigosa, já que muitas vezes em prol do desenvolvimento econômico se impõe sacrifícios a direitos individuais, civis, culturais e até políticos.

A concepção política, por sua vez, reside na expansão da liberdade, no efetivo aumento e progressiva afirmação dos Direitos Humanos e políticos. Impõe que o Estado, para ser desenvolvido, não deve ser mínimo ou total, mas sim o necessário, o apto a entregar aos indivíduos e aos entes econômicos as prestações requeridas para que o desenvolvimento seja atingido em diferentes âmbitos.

Já a concepção cultural iguala os seres humanos em relação ao desenvolvimento da cultura e a difusão da educação, garantido a todos os aspectos culturais e educativos.

Ainda que essas concepções isoladamente sejam importantes, não são suficientes para se apreender o conceito de desenvolvimento. O desenvolvimento autêntico e necessário deve ser integral, pois ele é o corolário, a culminação das quatro concepções anteriormente apresentadas.

A concepção integral de desenvolvimento será atingida com a efetivação nos dois planos aqui expostos: no individual, com o direito ao desenvolvimento, e no coletivo, com o direito do desenvolvimento. Entendemos que o direito internacional do trabalho é o meio hábil para se materializar o direito ao desenvolvimento, por ser por meio do trabalho que o indivíduo concretiza suas potencialidades e encontra seu lugar no seio da sociedade.

O direito internacional econômico, por outro lado, apresenta-se como o recurso ideal para concretizar o direito do desenvolvimento, por este estar intimamente ligado ao comércio internacional. Com isso, poder-se-á posicionar os países menos desenvolvidos receptores dos auxílios da comunidade internacional para responder as condições impostas pelos doadores, apontando as obrigações internacionais de Direitos Humanos assumidos pelos países desenvolvidos para o gozo dos direitos resistindo à imposição de um modelo político ou econômico determinado.

Os Direitos Humanos foram divididos metodologicamente em diferentes gerações ou ondas. Tal divisão gera controvérsias, mas a discussão de tal polêmica escapa aos estreitos limites do presente trabalho. Para o fim a qual nos propomos, importa saber que o Direito do Trabalho, estando consagrado no rol dos Direitos Sociais, estaria incluído nos chamados Direitos Humanos de segunda geração.

Conforme ensina Francisco Rezek, “Esse direito tem a ver basicamente com as condições do trabalho, com a retribuição do trabalho humano, com o ajuste a esse tipo de relação – que se presume desigual – de diversos princípios gerais do Direito, como o da isonomia”. E continua: “os de segunda geração são (...) os que têm a ver com o direito ao trabalho, à igual remuneração por igual trabalho, às condições de associação sindical, à liberdade sindical, ao repouso, à proibição de formas de trabalho não condizentes com a dignidade humana ou com as condições especiais de certas categorias de pessoas”.8

O Direito Internacional do Trabalho possui inegável importância na tutela dos direitos e garantias destinados aos trabalhadores, em geral a parte mais frágil em uma relação jurídica da qual retiram os meios para sua subsistência. Essa importância é, inclusive, histórica. Tal ramo da ciência jurídica foi consagrado no plano internacional pela criação da Organização Internacional do Trabalho que, juntamente com o Direito Humanitário e com a extinta Liga das Nações, contribuiu para o processo de internacionalização dos Direitos Humanos.9

A OIT é o verdadeiro marco de nascimento e consagração do Direito do Trabalho. É interessante notar que antes de sua criação as normas trabalhistas eram poucas, esparsas e tímidas. Foram as suas convenções que inspiraram e nortearam a criação e a consolidação de leis protetivas ao obreiro em grande número de países. Curioso também é que o Direito do Trabalho, além de ter nascido internacional, também nasceu constitucional. As primeiras normas nacionais a consagrarem relevante rol de direitos trabalhistas foram a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919.

Hoje vivemos uma espécie de globalização também dos Direitos Humanos, aí incluído o Direito do Trabalho. É o que muitos chamam de Direitos Humanos Universais, isto é, parte integrante do jus cogens internacional10, reconhecidos como válidos e aplicados pela maioria dos povos. Isso é bastante perceptível no ramo trabalhista, onde muitos países adotam os critérios mínimos de proteção apontados pela OIT como sustentáculos para a incipiente – quando não inexistente – legislação interna. Importante ressaltar, assim, que ainda que o Direito Internacional do Trabalho seja aplicável a todos os países, desempenha papel preponderante nos países em desenvolvimento. 11

A garantia dos Direitos Sociais aos trabalhadores é fundamental, não podendo ser dissociada da proteção dos obreiros como seres humanos. “O trabalhador tem duas classes de direitos humanos: os direitos trabalhistas específicos (...) e os demais direitos do cidadão, inespecíficos, não específicos do trabalhador, mas que ele conserva, como cidadão, na relação de trabalho.

“Claro, o exercício desses direitos – liberdade de expressão, direito à intimidade, dignidade da pessoa humana, direito à saúde – pode ser modelado, adaptado a uma relação de subordinação na relação de dependência, na relação de pertinência a uma organização produtiva, mas existe”. 12

Eis a real dimensão da necessidade da consagração dos direitos trabalhistas na esfera dos Direitos Humanos. Insta que o trabalhador seja protegido também como cidadão que é, evitando que a energia por ele despendida seja tratada cinicamente como mera mercadoria. Não podemos esquecer que atrás da mão-de-obra contratada, que atrás do serviço prestado, existe um ser humano, titular de direitos indisponíveis, que por todos devem ser observados, inclusive pelos Estados.

Em um mundo de capitalismo internacional complexo, os trabalhadores têm que ser protegidos não só dos desmandos de empregadores, mas também do Estado, que na ânsia de atrair investimentos estrangeiros pode passar por cima das garantias trabalhistas, praticando o chamado dumping social.13

No chamado dumping social a vantagem comercial indevida é obtida pela falta de regulamentação adequada das garantias trabalhistas ou pelo desrespeito a elas, quando existentes. Dá-se, geralmente, em países pouco desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento, que em função da economia mais pobre possui excedente de mão-de-obra, via de regra mal-remunerada. Nesses casos, ainda que haja uma legislação trabalhista eficiente, capaz de consagrar direitos trabalhistas mínimos, como no caso do Brasil, a população se submete a trabalhar em condições precárias, dada a dificuldade em encontrar um posto de trabalho.

Nesse quadro, ganha imensa relevância a consagração dos princípios da dignidade da pessoa humana14, da segurança jurídica e a proibição do retrocesso social. Este último, além de ser cláusula pétrea do Brasil, é garantido pelo artigo 2.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

Não é possível vislumbrar a efetiva garantia e proteção dos direitos dos obreiros se os instrumentos que os consagram são vistos como diplomas legais de conteúdo programático. A Constituição e os Tratados Internacionais não são apenas normas enunciativas, mas sim as fontes supremas a serem observadas na interpretação e na aplicação do Direito do Trabalho. Não devem ser enunciados pairando no ar, com papel meramente abstrato. Devem desempenhar efetiva função balizadora.


3.Combate ao Sweatshop: ação integrada entre OMC e OIT

O presente trabalho se propõe a abordar temas que parecem irreconciliáveis, apesar de sua estreita ligação: a economia de mercado, com seu objetivo de atingir máxima produtividade e lucro, e a massa de trabalhadores, com sua necessidade de proteção. Não haveria produtos e serviços a serem comercializados se não houvesse pessoas engajadas nessas atividades. Mesmo em uma época eminentemente tecnológica como a em que vivemos, há funções que só podem ser exercidas por seres humanos. Já os trabalhadores não teriam onde empregar a sua energia se não existissem coisas a serem produzidas e serviços a serem prestados. Como um elo a fechar essa cadeia, há a contraprestação percebida pelos obreiros, primordial à subsistência desses e que os tornará consumidores, essenciais para a prosperidade do mercado.

Tendo isso em mente, é deveras importante manter esses diferentes fatores em sintonia, em fino equilíbrio. De um lado, há que se fomentar a iniciativa privada, possibilitando que esta floresça e atinja altos níveis de produtividade e alcance os frutos financeiros esperados. Por outro, é imperativo que o exercício da atividade econômica não ocorra sacrificando-se a energia vital do empreendimento – a energia humana.

Ainda que vivamos em dias nos quais prevalece o Estado mínimo, com pouca intervenção do governo nos rumos do mercado, é necessário haver certa ingerência estatal na economia. As ditas mãos invisíveis do mercado não são suficientemente imparciais para privilegiar o interesse de todas as esferas sociais, não só o dos empreendedores. Não defendemos uma economia planificada, com demasiada burocracia e legislação engessante. Apenas cremos ser imprescindível que o Estado estabeleça limites, ainda que fluídos, onde a economia possa se movimentar livremente, e, ao mesmo tempo, atender à sua função social.

A crise econômica que reverberou mundialmente desde 2008 demonstrou a falibilidade da concepção do liberalismo contemporâneo (também denominado de neoliberalismo), defensora da autorregulação da economia. O que evitou resultados ainda mais assoladores foi a pronta intervenção dos governos, dispostos a injetar enormes quantias de dinheiro em empresas e instituições financeiras, a fim de manter a economia funcionando e frear a queda dos postos de trabalho.

Ainda que a atuação estatal seja necessária para equilibrar a relação entre o mercado e a força de trabalho, ela, por si só, não é suficiente para corrigir todas as distorções geradas pelo livre comércio. Depreende-se isso do próprio fato de não terem havidos iniciativas governamentais relevantes com o fito de garantir a dignidade dos trabalhadores, a manutenção dos postos de trabalho existentes e a criação de novos.

Ao estabelecer tratados contendo direitos essenciais destinados a todos os obreiros, a OIT e seus membros formam uma rede sólida de normas e debates sobre o tema. Uma das razões para o grande número de ratificações das Convenções desta organização é a sua notória parcimônia ao estabelecer os padrões mínimos a serem observados. Ainda que alguns critiquem referida prudência, julgando-a prova de fraqueza e falta de vontade política, é, na verdade, medida de bom senso, a fim de se congregar realidades sociais as mais díspares possíveis.

Paralelamente, a atuação da OMC é de reconhecida importância para manter a livre concorrência no mercado entre os países, evitando tratamentos discrepantes e também a adoção de medidas distorcivas ao comércio internacional. Entre essas medidas podemos citar o dumping social, praticada por alguns países que, para atrair investimentos externos, aceitam flexibilizar as normas de proteção ao trabalho a níveis inimagináveis, chegando a caracterizar o aviltamento do trabalhador. Mesmo que com um viés comercial, visando proteger o mercado e a livre concorrência, a OMC desempenha importante papel na abolição dessas práticas nocivas, impondo medidas sancionatórias aos países que as adotam.

Para combater práticas distorcivas que ferem a dignidade do trabalhador enquanto pessoa humana são sugeridas, por diferentes linhas de pensamento, algumas saídas. Uma delas seria a aplicação de direitos antidumping, sob os auspícios da OMC, assim como se faz quando há comprovada prática de dumping meramente econômico, sem a configuração de suas subespécies anteriormente pormenorizadas no decorrer do trabalho.

Outra seria a adoção de cláusulas sociais, embutidas em tratados comerciais, também no bojo da OMC. Como visto, os países desenvolvidos defendem a fixação de padrões mínimos de proteção ao trabalho a serem respeitados por todos os Estados-membros, sob pena de sofrerem sanções comerciais. Os países em desenvolvimento, por sua vez, acreditam que a instituição de cláusulas sociais inviabilizaria as suas exportações.

A OIT, por seu turno, sugeriu a criação de um “selo social”, de engajamento voluntário por parte das empresas, que receberiam um certificado atestando serem respeitadoras das normas de proteção aos trabalhadores. Essa possível solução, assim como as outras, é alvo de críticas e discursos inflamados, pois dificultaria o desenvolvimento de indústrias incipientes ou que ainda não são tão competitivas no campo tecnológico quanto as provenientes de países desenvolvidos.

Porém, ainda que compreendamos a visão eminentemente pragmática dos que defendem a não normatização internacional sobre o dumping social, com ela não coadunamos. O desenvolvimento econômico de um país só poderá ser considerado legítimo quando não for construído sobre o desrespeito dos direitos trabalhistas e, principalmente, quando os frutos dele advindos não se limitarem apenas aos empreendedores.

Ainda que não defendamos a visão de que todos os trabalhadores são hipossuficientes, não podemos esquecer que grande parte deles o é. Esta é a realidade de muitos obreiros, principalmente em países em desenvolvimento – justamente os maiores praticantes do dumping social. É importante ter isso em mente ao se analisar a questão. Não é cabível manter a cínica concepção de que os fins justificam os meios – que, para a aferição de lucros cada vez maiores, é aceitável o aviltamento dos trabalhadores como um dos efeitos colaterais.

Não, não o é. Procuramos demonstrar que o Direito do Trabalho está incluído no rol dos Direitos Sociais, consagrados na chamada 2ª Geração de Direitos Humanos. Sendo, portanto, um das formas de exteriorização dos Direitos Humanos, o Direito do Trabalho deve ser considerado de suma importância, como instrumento viabilizador das mudanças sociais, políticas e econômicas necessárias para atingir-se a proteção dos direitos mínimos dos trabalhadores. O alegado custo com a mão de obra não pode sobrepor-se ao valor da dignidade da pessoa humana.

Neste quadro, entendemos que a atuação da OIT deve ser preponderante, por ser ela a organização internacional cujo acervo de normas e princípios é o mais adequado para reger o assunto. Um dos valores basilares defendidos pela OIT, em toda a sua trajetória, é que o trabalho humano não é mercadoria. A fixação de um rol mínimo de convenções a serem ratificadas por seus membros foi um importante passo no combate a práticas aviltantes à condição do trabalhador.

Contudo, entendemos faltar força coercitiva às iniciativas na OIT. Isso, por si só, não é o suficiente para transferir a tutela dos direitos do trabalhador para a esfera da OMC. Mais produtivo seria, em nosso entender, estabelecer mecanismos que conferissem maior efetividade às normas e decisões da OIT, como a fixação de multas ou, até mesmo, a aplicação de sanções comerciais em conjunto com a OMC, em uma atuação multidisciplinar. Nunca perdendo de vista, entretanto, que o papel de destaque seria da OIT.

Por fim, vale citar o interessante entendimento de Christine Kaufmann, para quem as disposições de Direito Internacional Econômico devem ser interpretadas sob a luz das obrigações de Direitos Humanos assumidas pelas partes envolvidas, para que seja mantida a coerência entre os sistemas normativos da OMC e da OIT. Para referida autora, a Declaração de Singapura não impede que a OMC trate de práticas comerciais distorcivas que acarretem a precarização dos padrões trabalhistas – e ressalta, ainda, que onde houver dúvida sobre o conteúdo de tais padrões a autoridade competente será a OIT. 15

3.1.O sistema de solução de controvérsias da OMC como instrumento para o desenvolvimento integral

A Organização Mundial do Comércio, mesmo sendo alvo de duras críticas, tornou-se o maior e mais procurado fórum de discussão entre os Estados atualmente, sobrepujando, muitas vezes, a ONU. Embora seja ingenuidade acreditar em uma efetiva isonomia entre os membros da OMC, inegável é a sua importância – principalmente em um mundo globalizado e gerido pelos movimentos do livre capital como este no qual vivemos.

Sendo uma espécie de sucessora do GATT16, a OMC possui o objetivo de dar segurança e previsibilidade ao sistema multilateral de comércio, provendo soluções satisfatórias para as disputas envolvendo os estados – membros17. Para tanto, possui um sofisticado Sistema de Solução de Controvérsias, regido pelo Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos Sobre Solução de Controvérsias (ESC).

O ESC constitui um “adensamento de juridicidade”18 em comparação ao antigo sistema do GATT- o qual era fruto da prática reiterada, e não uma obrigação jurídica consolidada como ocorre atualmente. Seu objetivo primordial é “garantir uma solução positiva para as controvérsias”, dando sempre “preferência a solução mutuamente aceitável para as partes em controvérsia e que estejam de conformidade com os acordos abrangidos”.19

Segundo Welber Barral, “o ESC consolidou uma visão mais legalista (rule-oriented) das relações comerciais internacionais; ao mesmo tempo, manteve algumas importantes brechas para que as soluções negociadas fossem preferíveis ao litígio entre os membros da OMC”.20

Trata-se, segundo o autor, de um sistema quase judicial; “sui generis”. Fazem-se presentes a arbitragem (painel estabelecido ad hoc) e procedimentos com características judiciais, tais como: provocação unilateral; procedimentos e leis pré - determinados, intervenção de terceiros sem consentimento das partes e um Órgão de Apelação permanente; é um mecanismo obrigatório para os membros da OMC, tendo sua jurisdição já estabelecida e reconhecida; um sistema quase automático; a exegese de suas disposições é possível, desde que não aumente ou diminua os direitos e obrigações das partes21; não possibilidade de sanções unilaterais; exclusividade para solucionar controvérsias, evitando, assim, a proliferação de sistemas distintos, o que evidentemente enfraquece o sistema22.

Há tão-somente duas instâncias obrigatórias: Consultas entre as Partes e a Decisão quase judicial, representada pelos relatórios dos painéis. Interessante notar que mesmo podendo escolher entre a arbitragem23, os bons ofícios24, a conciliação ou a mediação, os membros preferem, cada vez mais, utilizar as formas mais judiciais25. Isso denota um animus em postergar ao máximo a efetiva solução do conflito e a revogação da medida violadora.

Mesmo não sendo um sistema totalmente judicial, sofre, tal qual a ciência processual nacional, de um excesso de formalismo, onde o processo passa a ser considerado um fim em si mesmo, e não mais um meio de atingir a justiça pretendida. Como tão bem explicita José Roberto dos Santos Bedaque, “os aspectos fundamentais do direito processual são concebidos à luz da relação jurídica material. As questões maiores do processo são solucionadas com dados inerentes à relação da vida e ao direito substancial que a regula. Quanto mais consciência tiver o processualista desse fenômeno, maiores serão as possibilidades de construção de mecanismos aptos a alcançar os escopos do processo. Trata-se de um passo adiante á fase instrumentalista”.26

Nas palavras de Tatiana Lacerda Prazeres, uma das maiores críticas ao ESC é o seu excesso de legalismo, com demasiada ênfase no procedimento em prejuízo do fator eqüidade. “Com as limitações de conhecimento técnico- jurídico enfrentadas pelos países em desenvolvimento, não se pode deixar de concluir que são esses os mais prejudicados em virtude da excessiva importância das questões procedimentais, em que a essência do conflito muitas vezes nem chega a ser avaliada pelo descumprimento de uma formalidade exigida”. 27

Os países em desenvolvimento e os países de menor desenvolvimento relativos constituem a maioria no número de Membros da OMC.

Têm participado cada vez mais do Sistema de Solução de Controvérsias, a maior parte das vezes como reclamados. Isso ocorre porque as políticas adotadas para promover o desenvolvimento nacional muitas vezes são incompatíveis com os acordos da OMC – o que acaba gerando a intolerância por parte dos países desenvolvidos28.

Entretanto, os países em desenvolvimento precisam de possibilidades maiores para intervir em sua economia, visando melhor desenvolvimento. A OMC, como importante foro de negociações comerciais multilaterais, precisa desempenhar um papel mais ativo nessa esfera, viabilizando políticas efetivas para promover a redistribuição de venda e a democratização da tecnologia.

Isso poderá ser alcançado com a flexibilização29 das normas protetoras do comércio internacional, garantindo aos países em desenvolvimento a faculdade de intervir na economia quando necessário, sem correr o risco de ser demandado por simplesmente cumprir o papel da administração pública.

No ESC são encontrados dispositivos que viabilizam um “tratamento especial” para os países em desenvolvimento, a saber:

  • Artigo 3.12 – Quando um país em desenvolvimento propõe uma reclamação contra um país desenvolvido, o Membro reclamante terá o direito de se valer das disposições correspondentes da Decisão de 5 de Abril de 1966 (BISD 14S/20), como alternativa às disposições contidas nos artigos 4, 5, 6 e 12 do ESC.

  • Artigo 4.10 – Durante as consultas, os Membros deverão dar atenção especial aos problemas específicos dos países em desenvolvimento Membros.

  • Artigo 8.10 – Em controvérsias envolvendo países em desenvolvimento e países desenvolvidos, o Grupo Especial deverá, se o país em desenvolvimento Membro solicitar, incluir pelo menos um integrante de um país em desenvolvimento Membro.

  • Artigo 12.10 – Examinando reclamação proposta contra um país em desenvolvimento o Grupo Especial deve dar prazo suficiente para que este prepare e apresente sua argumentação.

  • Artigo 12.11 – Em controvérsias onde uma ou mais partes são países em desenvolvimento, o Grupo Especial indicará explicitamente a maneira pela qual foram levadas em conta as disposições pertinentes ao tratamento diferenciado e mais favorável para países- membros em desenvolvimento que façam parte dos acordos abrangidos invocados pelo país- membro em desenvolvimento.

  • Artigo 21.2 – As questões que interessam diretamente aos países- membros em desenvolvimento deverão receber especial atenção em relação às medidas objeto da controvérsia.

  • Artigo 21.7 – Se a questão sobre aplicação das recomendações e decisões tiver sido levantada por país- membro em desenvolvimento, o Órgão de Solução de Controvérsias deverá considerar quais as outras providências que seriam adequadas às circunstâncias.

  • Artigo 21.8 – Se o caso for submetido por país em desenvolvimento, o Órgão de Solução de Controvérsias, ao analisar a providência adequada a ser tomada, deverá levar em conta não apenas o alcance comercial das medidas em discussão, mas também seu impacto na economia dos países- membros em desenvolvimento interessados.

  • Artigo 24 – Procedimento Especial para Casos envolvendo países- membros de menor desenvolvimento relativo.

Em que pese todos esse ordenamento especial à disposição dos países em desenvolvimento, é notória sua pouca eficiência. A utilização de expressões vagas, como se percebe acima, mina a eficácia da garantia de tratamento processual diferenciado para países em desenvolvimento.

Tal garantia é essencial para a legitimidade do Sistema de Solução de Controvérsias, uma vez que viabilizaria, ao menos em parte, a efetiva participação dos países em desenvolvimento nas controvérsias. Esses países não possuem recursos para manter funcionários especializados para defender seus interesses na OMC.

Em 2001 foi criado o “The Advisory Law Centre on WTO Law – ACWL” - custeado por doações dos Membros-, constituindo um centro para auxiliar países em desenvolvimento, promovendo, inclusive, treinamento de profissionais originários desses países. Entretanto, não há um aconselhamento profundo e efetivo, mas tão- somente diretivas, apontando as possibilidades.

Essa realidade acaba por engessar a participação dos países em desenvolvimento. Mesmo que este consiga participar da controvérsia e dela saia “vencedor”, não há meios de garantir o pleno e imediato cumprimento das recomendações contidas no Relatório. Atente-se para o fato de que um país de menor desenvolvimento relativo jamais obterá êxito em provocar sanções contra gigantes como os Estados Unidos. Se o contrário ocorrer, toda a economia do país de menor desenvolvimento relativo será sacrificada. 30


Conclusão

O presente trabalho se propôs a abordar temas que parecem irreconciliáveis, apesar de sua estreita ligação: a economia de mercado, com seu objetivo de atingir máxima produtividade e lucro, e a massa de trabalhadores, com sua necessidade de proteção. Não haveria produtos e serviços a serem comercializados se não houvesse pessoas engajadas nessas atividades. Mesmo em uma época eminentemente tecnológica como a em que vivemos, há funções que só podem ser exercidas por seres humanos. Já os trabalhadores não teriam onde empregar a sua energia se não existisse coisas a serem produzidas e serviços a serem prestados. Como um elo a fechar essa cadeia, há a contraprestação percebida pelos obreiros, primordial à subsistência desses e que os tornará consumidores, essenciais para a prosperidade do mercado.

Tendo isso em mente, é deveras importante manter esses diferentes fatores em sintonia, em fino equilíbrio. De um lado, há que se fomentar a iniciativa privada, possibilitando que esta floresça e atinja altos níveis de produtividade e alcance os frutos financeiros esperados. Por outro, é imperativo que o exercício da atividade econômica não ocorra se sacrificando a energia vital do empreendimento – a energia humana.

A OIT construiu um verdadeiro Código Internacional do Trabalho, composto por suas normas internacionais. Ainda que estas sejam alvo de críticas por ter caráter programático, é justamente nessa prudência que reside a razão de tantas ratificações e adesões aos seus instrumentos.

A OMC, por seu turno, possui importante instrumental de caráter judicial, sendo a maior qualidade de seu Sistema de Solução de Controvérsias a efetividade das decisões dele emanadas. Assim, ainda que com um viés comercial, visando proteger o mercado e a livre concorrência, a OMC desempenha importante papel na abolição dessas práticas nocivas, impondo medidas sancionatórias aos países que as adotam.

Procuramos demonstrar que a atuação conjunta destes organismos internacionais viabilizaria maior controle e assistência ao desenvolvimento integral das nações. Os críticos a tal atuação defendem a não normatização internacional sobre o dumping social, estatuindo que tais medidas constituiriam entraves ao crescimento econômico. Todavia, o desenvolvimento econômico de um país só poderá ser considerado legítimo quando não for construído sobre o desrespeito dos direitos trabalhistas e, principalmente, quando os frutos dele advindos não se limitarem apenas aos empreendedores.

No decorrer do trabalho, partindo da premissa o de que Direito do Trabalho está incluído no rol dos Direitos Sociais, consagrados na chamada 2ª Geração de Direitos Humanos, portanto uma das formas de exteriorização dos Direitos Humanos, procuramos demonstrar que o Direito do Trabalho deve ser considerado de suma importância, como instrumento viabilizador das mudanças sociais, políticas e econômicas necessárias para atingir-se a proteção dos direitos mínimos dos trabalhadores. O alegado custo com a mão de obra não pode sobrepor-se ao valor da dignidade da pessoa humana.

Por fim, não se deve esquecer que a atuação das diferentes esferas de poder, em nível nacional e internacional, deve ser objetivando a conciliação entre a obtenção do lucro e a garantia da proteção aos trabalhadores, pois, como ensinou Ihering, a luta pelo direito é a poesia do caráter.


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Notas

1 PERES, Antônio Galvão. O Dragão Chinês: dumping social e relações de trabalho na China. São Paulo: Ltr, Vol. 70.n.4. Abril, 2006. p. 468.

2Idem. p. 467.

3 JOHANNPETER, Guilherme. Antidumping- Prática desleal no comércio internacional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 60.

4 Idem, p. 80.

5 Idem, p. 70.

6 SILVEIRA, Vladmir Oliveira da. O Direito ao Desenvolvimento na Doutrina Humanista do Direito Econômico. Tese de Doutorado apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2006. p. 181.

7 Idem. p. 284.

8 Fórum Internacional sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais / organização e realização Tribunal Superior do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004. p. 546.

9 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 7. ed. rev., ampl. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2006.p. 111.

10 Para análise aprofundada vide: FINKELSTEIN, Cláudio. ´Jus cogens´ como paradigma do metaconstitucionalismo de Direito Internacional. Tese de Livre-Docência em Direito Internacional Público, apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010.

11 HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito Internacional Público e Privado do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009. p. 75.

12 URIARTE, Oscar Ermida. Fórum Internacional sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais / organização e realização Tribunal Superior do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004. p. 283.

13 JOHANNPETER, Guilherme. Antidumping- Prática desleal no comércio internacional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996. p. 60.

14 “Envolve o direito à vida, os direitos pessoais tradicionais, os direitos econômicos, os direitos educacionais, os direitos à saúde, as liberdades públicas em geral e os direitos sociais. É o valor constitucional supremo, um sobreprincípio, abrangendo, portanto, todos os demais.” Em: HUSEK, Carlos Roberto. Curso de Direito Internacional Público e Privado do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009. p. 65.

15 KAUFMANN, Christine. Globalisation and labour rights – the conflict between core labour rights and international economic law. Oxford: Hart Publishing, 2007. p. 284.

16 GATT – General Agreement on Tariffs and Trade. Um “tratado” resultante da Carta de Havana, que previa, originariamente, a instituição de uma Organização Internacional do Comércio (OIC). Tendo o Senado norte-americano rejeitado a OIC, em 1947 passa a vigorar o GATT – cujo objetivo era, basicamente, estabelecer disposições sobre desmontes tarifários e efetivar a liberalização do mercado internacional.

17 Mais em: THORSTENSEN, Vera e JUNK, Marcos J. (coord.). O Brasil e os grandes temas do comércio internacional.1ª.ed. São Paulo: Aduaneiras, 2005.

18 LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

19 Artigo 3.7 do ESC.

20 BARRAl, Welber (org.). O Brasil e a OMC: os interesses brasileiros e as futuras negociações multilaterias. Florianópolis: Diploma Legal, 2000. p.15.

21 Dispositivo bastante subjetivo, abrindo brecha para ilegalidades e polêmicas. Se é necessário que se interprete as normas e orientações da OMC, como definir com exatidão quais são os direitos e as obrigações? Corre-se o risco de pecar por uma interpretação demasiadamente restrita, superficial, extensa ou vaga. Torna-se, portanto, uma ameaça à previsibilidade e segurança, revestindo as decisões dos painéis e do Órgão de Apelação dotadas de menor eficácia e credibilidade.

22 Sendo uno e regrado por poucas disposições, torna-se ínfimo o risco de fragmentação do processo. Esta concepção não é nova. BOBBIO, explicando o movimento iluminista, diz que “a natureza profunda, a essência verdadeira da realidade, é simples e suas leis são harmônicas e unitariamente coligadas; por isso, também o direito, o verdadeiro direito fundado na natureza, podia e devia ser simples e unitário”. BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. São Paulo: Ícone, 1995.

23 “Na arbitragem existe o exercício da verdadeira jurisdição, só que exercida por órgãos – pessoas, aos quais o Estado reconhece, em certa medida, uma parcela do seu poder, e cujas decisões ele chancela com o selo de sua autoridade, outorgando-lhes idêntica eficácia à que confere às decisões de seus próprios juízes (órgãos- ente). Daí chamar-se sentença arbitral as decisões finais dos árbitros”. ALVIM, J. E. Carreira. Teoria Geral do Processo. 8ª. Ed. Rio de Janeiro: Malheiros, 2002. p. 81.

24 “Intervenção amistosa e benévola oferecida por uma nação para que se ponha termo a dissidências havidas entre dois ou mais Estados, cujas relações se encontram cortadas ou estremecidas”. SILVA, De Plácido E. Vocabulário Jurídico. Vol. I. São Paulo: Forense, 1975, p. 260.

25 O artigo 25 do ESC é dedicado à arbitragem, sendo esta definida como um “meio alternativo de solução de controvérsias pode facilitar a resolução de algumas controvérsias que tenham por objetivo questões claramente definidas por ambas as partes”.

26 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo – influência do direito material sobre o processo. 2ª.ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 13.

27 BARRAl, Welber (org.). O Brasil e a OMC: os interesses brasileiros e as futuras negociações multilaterias. Florianópolis: Diploma Legal, 2000. p. 60.

28 Os países desenvolvidos possuem fundamentos para tanto, uma vez que o princípio da reciprocidade rege o ordenamento da OMC: “...les objectifs des Parties Contractants devant être réalisé ’par la conclusion d´accords visant sur une base de réciprocité et à la elimination entraves aux échanges et des discriminations dans les relations commerciales internationales’”. DAILLIER, Patrick, GHÉRARI, Habib; LA PRADELLE, Géraud de (org.). Droit de L´Économie Internationale. Paris: Éditions A. PEDONE, 2004. p. 352.

29 “Um dos pontos de maior interesse desses países é que o Acordo admita espaço para a implementação de políticas de desenvolvimento que envolvam a concessão de subsídios” THORSTENSEN, Vera e JUNK, Marcos S. (coord.). O Brasil e os Grandes Temas do Comércio Internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2005. p. 197.

30 Vide: LAMBERT, Jean-Marie. Regência Neoliberal. Goiânia: Kelps, 2000.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ABREU, Fernanda Miranda. O custo do sweatshop como prática de comércio desleal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3952, 27 abr. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/27948. Acesso em: 19 abr. 2024.