Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/28712
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Breve análise do mandado de injunção no Direito Comparado

Breve análise do mandado de injunção no Direito Comparado

Publicado em . Elaborado em .

O texto faz uma análise do Direito comparado a fim de concluir se o Mandado de Injunção é um instrumento processual genuinamente brasileiro ou importado do Direito alienígena.

BREVE ANÁLISE DO MANDADO DE INJUNÇÃO NO DIREITO COMPARADO

De início, cumpre anotar que o dissenso acerca do instrumento injuncional é algo que lhe faz companhia desde o seu nascedouro, porquanto doutrina e jurisprudência apontam para diferentes ordenamentos a partir dos quais possa o legislador constituinte ter-se inspirado quando de sua formulação.
               

Para José Afonso da Silva, o mandado de injunção é um instituto cujas raízes remontam à Inglaterra do século XIV, onde servia como “essencial remédio da Equity. Nasceu, pois, do Juízo de Equidade. Ou seja, é um remédio outorgado, mediante um juízo discricionário, quando falta norma legal (statues) regulando a espécie, e quando a Common Law não oferece proteção suficiente” [1].

     

Contudo, pondera o mesmo autor residirem suas fontes mais próximas no Direito norte-americano[2]. No que toca a este, Diomar Ackel Filho acrescenta ser a injunção um instrumento de uso corriqueiro[3], que, tal como no Direito inglês, funda-se em juízos de equidade, a serem despendidos quando a norma não bastar para compor os litígios que se lhe apresentam[4]. De igual entendimento comunga Sérgio Bermudes, para quem a injunção no ordenamento ianque figura como “uma providência outorgada com base num juízo de equidade, a requerimento de uma parte, impondo à outra a obrigação de abster-se ou fazer com que pessoas a ela subordinadas se abstenham da prática de um ato, ou cometendo-lhe a obrigação de praticar ou fazer com que se pratique ou se tolere um ato” [5].

A par dos que pronunciam ser anglo-saxã a origem da injunção brasileira, existem os que defendem haver o constituinte tomado de empréstimo tão-somente o nomen juris do instrumento existente naqueles ordenamentos. Sobre isso, oportuno lembrar Hely Lopes Meirelles, para quem “o nosso mandado de injunção não é o mesmo writ dos ingleses e norte-americanos, assemelhando-se apenas na denominação[6].

Há ainda quem entenda lembrar o mandado de injunção a Verfasungsbeschwerde (literalmente, “reclamação constitucional”) do direito alemão, porquanto pronuncia a Lei Fundamental de Bonn que a qualquer cidadão é dado, perante o Tribunal Constitucional Federal, lançar mão do instrumento mencionado quando órgão ou autoridade pública, por ação ou omissão, prejudicar um seu direito fundamental[7].

Lançadas essas considerações, é de se notar que o mandado de injunção, nos moldes em que concebido pela ordem constitucional de 1988, é instituto sem precedentes, quer no direito pátrio quer no alienígena, de sorte que o estudo do Direito Comparado não nos pode oferecer auxílio de grande valia.

O só cotejo com a equity do direito britânico, a injunction do direito ianque ou ainda a Verfasungsbeschwerde do direito tedesco nos serve para apontar a singularidade do mandado de injunção, uma vez que, muito embora guarde semelhanças no que respeita ao juízo de equidade e à proteção de direitos fundamentais, traz consigo um rosário de particularidades que autoriza concluir cuidar, em verdade, de flor nativa, sem similar preciso no direito comparado[8].

Não sem razão escreveu Ivo Dantas:

“Dentre os vários institutos criados pelo texto constitucional de 1988, sem dúvida que o mandado de injunção será aquele que mais necessitará da criação doutrinária e jurisprudencial, tendo- se em conta que não temos nenhum precedente em nosso ordenamento jurídico que se assemelhe àquele que se encontra no inciso LXXI do artigo 5º, todo este voltado para os Direitos e Deveres individuais e Coletivos. Ademais, os institutos que no Direito Comparado se assemelham ao nosso instituto não respondem satisfatoriamente ao conteúdo que lhe deram os constituintes de 1987/1988, pelo que, no tocante à sua correta compreensão, haverá de repetir-se o que aconteceu com o Mandado de Segurança, ou seja, a doutrina e a jurisprudência é que lhe traçarão os contornos ontológicos[9].

Ao que se pensa, é bem de ver que a originalidade do mandado de injunção se justifica à medida em que não nos olvidamos de que foi ele concebido como remédio a uma dramática patologia nacional que lhe precedia: a desvalia de um sem-número de direitos fundamentais, de matriz constitucional, que restavam desamparados, à mercê da discricionariedade legislativa.

Nesse contexto, quem melhor define o mandado de injunção instituído pela Constituição brasileira é o constitucionalista português Canotilho, uma vez que da sua descrição extrai-se o propósito de buscar aplacar uma realidade bem característica do nosso país. Com efeito, “se o mandado de injunção puder, mesmo modestamente, limitar a arrogante discricionariedade dos órgãos normativos, que ficam calados quando a sua obrigação jurídico-constitucional era vazar em moldes normativos regras actuativas de direitos e liberdades constitucionais; se, por outro lado, através de uma vigilância judicial que não extravase da função judicial, se conseguir chegar a uma proteção jurídica sem lacunas; se, através de pressões jurídicas e políticas, se começa a destruir o ‘rochedo de bronze’ da incensurabilidade do silêncio, então o mandado de injunção logrará seus objetivos”.


[1] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 448.

[2] Ibidem, mesma página.

[3] Sobre a prodigalidade do uso da injunction no Direito norte-americano, Sérgio Bermudes comenta um caso ocorrido no Texas, lembrado pelo Prof. Hélio Tornaghi, em que um certo Warfield valeu- se de tal expediente para conseguir que um seu vizinho se abstivesse de fazer a corte à sua mulher. (O mandado de Injunção. In: RT, n. 642, p. 22).

[4] ACKEL FILHO, Diomar. Mandado de Injunção, In: RT, a 628, p. 423.

[5] BERMUDES, Sérgio. Op. Cit. p 22.

[6] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública... , 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 239. Também esta é a posição de, dentre outros, José Carlos Cal Garcia, Mandado de Injunção, In: Revista de Direito Público, 1988, p. 113 e Sérgio Bermudes, op. cit., p. 22.

[7] Neste sentido, Ademar Ferreira Maciel. Mandado de injunção e inconstitucionalidade por Omissão. In: Revista de informação Legislativa, p. 10], Brasília, jan/mar. 1989, p. 133.

[8] BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas: Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira, 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 248.

[9] CAVALCANTI, Francisco Ivo Dantas. Mandado de InjunçãoGuia Teórico e Prático, 1. ed. Rio de Janeiro: Aide Editora, 1989, p. 66. Também Alcides Saldanha Lima aponta a autóctone criação do Mandado de Segurança, ao tempo em que admite ser a síntese das características dos assemelhados estrangeiros o que particularizou o mandado de injunção como uma criação brasileira. (Do Mandado de Injunção. In: Revista Pensar, UNIFOR — Universidade de Fortaleza, CCH).


Autor

  • Karine Martins de Izquierdo Villota

    Procuradora Federal. Membro da Advocacia-Geral da União. Atuou como responsável pela Procuradoria Federal Especializada da FUNAI em Dourados/MS e na Consultoria da sede da Funai em Brasília. Atualmente atua na Procuradoria Seccional Federal em Campina Grande/PB.

    Textos publicados pela autora


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pela autora. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.