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Responsabilidade civil pela perda de uma chance

compatibilidade com o sistema jurídico brasileiro e sua aplicabilidade

Responsabilidade civil pela perda de uma chance: compatibilidade com o sistema jurídico brasileiro e sua aplicabilidade

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Há muitos julgados conferindo à indenização valor pela perda da própria vantagem e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem, o que resulta na transformação de uma chance em realidade.

RESUMO: O presente trabalho visa analisar a evolução do instituto da Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance no decorrer do tempo, focando, principalmente, no forte destaque que vem recebendo pela doutrina e jurisprudência brasileiras. Importa, ainda, estabelecer um estudo sobre a origem francesa de tal teoria, bem como sobre sua expansão e influência. Pretende-se, também, apontar os princípios norteadores para o desenvolvimento da teoria e abordar a discussão a respeito da natureza jurídica da perda de uma chance, que para uns se classifica como uma espécie de lucro cessante e para outros como um dano emergente. No tocante ao aspecto legal, será analisada a existência ou não de previsão normativa capaz de permitir a aplicação desse instituto no direito brasileiro. Além disso, visa-se demonstrar o preenchimento dos requisitos capazes de enquadrar a perda de uma chance como um dano passível de indenização, tendo em vista o desenvolvimento do método de deslocamento do objeto da reparação, o qual deseja reparar a chance e não o resultado aleatório. Discute-se, sobretudo, a importância conferida à identificação de uma chance como sendo séria e real, visto que se deve evitar que haja a banalização do emprego de tal instituto. Convém, da mesma forma, abordar a necessidade ou não de condicionar a reparação de chances à imposição de limites percentuais. Ademais, são apresentados posicionamentos favoráveis à adoção da teoria, que amplia a forma de reparação de danos injustos, bem como não se deixa de apontar a fundamentação defendida por doutrinadores que entendem não ser razoável a sua aplicação. Outrossim, verifica-se de extrema importância conferir enfoque à dificuldade apresentada para se estabelecer o quantum indenizatório. Por fim, ao longo de todo o trabalho, são amplamente citadas jurisprudências acerca do assunto e comentados certos “leading cases”, com a finalidade de dar embasamento a esse instituto. Conclui-se que esse vem assumindo grande relevância nos dias atuais, com o alargamento do conceito de dano reparável. Para tanto, uma vertente jurídico-dogmática foi utilizada, através de um raciocínio dedutivo, sendo o método teórico. É um trabalho, em sua essência, interdisciplinar, calcado em uma investigação histórica e compreensiva.

Palavras-chave: Responsabilidade pela perda de uma chance. Natureza jurídica. Aspecto legal. Quantum indenizatório. Dano reparável.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO.2 Noções Gerais da Responsabilidade Civil.2.1  Histórico.2.2  Conceito, previsão legal e função da responsabilidade civil.2.3  Natureza Jurídica do dever de indenizar.2.4  Espécies de responsabilidade civil.2.5  Pressupostos da responsabilidade civil..2.5.1 Conduta. 2.5.2   Dano.2.5.3 Nexo de causalidade.2.5.4 Nexo de imputação.3 Responsabilidade pela Perda de uma Chance.3.1 Evolução Histórica.3.1.1   Técnicas desenvolvidas pela jurisprudência francesa.3.2     Conceito.3.3     Natureza Jurídica.3.4 Princípios Norteadores..3.5 Concepções de causalidade e a perda de uma chance..3.6 Limites da técnica..3.7 Dificuldade de auferir o quantum indenizatório.4  A RESPONSABILIDADE PELA PERDA DE UMA CHANCE NO  DIREITO BRASILEIRO.4.1    Regulamentação Jurídica e a adequação da teoria ao ordenamento jurídico brasileiro.4.2  Posicionamento da doutrina.4.3  Posicionamento da jurisprudência.4.4  Caso do “Show do Milhão”.  5  CONCLUSÃO.REFERÊNCIAS.


1 Introdução

O presente estudo objetiva destacar a evolução do instituto da responsabilidade civil, pautando-se, principalmente, no surgimento da teoria que visa a possibilitar a reparação de uma chance perdida. A responsabilização de um sujeito pela prática de um ato que retirou da vítima a possibilidade de auferir uma vantagem esperada ou evitar um prejuízo é algo ainda recente no direito brasileiro, mas que vem conquistando muitos adeptos, tanto por parte da doutrina, quanto da jurisprudência. Nota-se, ainda, que o crescimento do interesse atribuído a essa teoria se deve, em grande parte, ao desenvolvimento de um paradigma solidarista, que confere respaldo ao referido instituto.

A evolução da responsabilidade civil é resultado das constantes transformações na sociedade, que acabam por exigir a adequação do instituto às necessidades atuais vivenciadas. É, em decorrência disso, que se criou a responsabilidade objetiva, que dispensa a averiguação do elemento subjetivo “culpa”. Isso explicita, claramente, a tendência atual de expansão dos danos ressarsíveis.

Diante de todo o avanço na determinação das finalidades desse instituto, tornou-se possível visualizar hipóteses de responsabilização do sujeito causador da perda de uma chance. Hipóteses essas que abarcam a reparação de danos, até então, desconsiderados pela doutrina e jurisprudência. Vivencia-se, assim, um período de progresso no âmbito da responsabilidade civil, que abrange, cada vez mais, situações passíveis de indenização, com o intuito de resguardar a vítima do dano sofrido.

A teoria da perda de uma chance tem origem francesa e, ao longo dos anos, também foi ganhando força na Itália, que despontou, igualmente nesse estudo. Contudo, no Brasil, ela somente começou a tomar frente nas discussões doutrinárias décadas mais tarde.

Entretanto, mesmo com o atraso na inicialização dos debates no âmbito da doutrina e jurisprudência brasileiras, o momento atual demonstra ampla aceitação da teoria pelos tribunais pátrios, principalmente na região sul e sudeste. Atualmente, é possível se deparar com centenas de julgados nos tribunais regionais e, aproximadamente, quinze no Superior Tribunal de Justiça.

Contudo, é válido esclarecer que a aplicação dessa teoria deve ocorrer de maneira mais criteriosa, pois se nota uma explícita dificuldade ao estabelecer o quantum indenizatório, juntamente com uma confusão conceitual. Dessa maneira, o emprego da teoria requer um estudo mais aprofundado, atentando para determinadas limitações, a fim de se evitar a vulgarização e banalização de uma técnica tão importante.

Apesar dos equívocos apresentados na tentativa de se aplicar a teoria da perda de uma chance, é satisfatório observar o quão ela vem se alargando no âmbito da jurisprudência. Atualmente, ela está sendo empregada em diversas áreas, como na seara trabalhista, no meio médico, nos casos que envolvem a atuação do advogado, entre outros.

Verifica-se, assim, um constante processo de mudança sofrido pelo instituto da responsabilidade civil. Isso decorre, em grande parte, em razão da constitucionalização do Direito Civil, que passou a ser regido pelo princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social e da justiça distributiva. Com isso, a evolução do instituto possibilitou, cada vez mais, a reparação de danos injustos, atuando como importante mecanismo na função social.

A renomada professora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka (2005) traduz essa mutabilidade e evolução em um trecho de sua obra “Responsabilidade Pressuposta”, que merece ser transcrito, por demonstrar, com clareza, a necessidade de adaptação dos institutos aos interesses sociais:

[...] poucos institutos jurídicos evoluem mais que a responsabilidade civil. A sua importância em face ao direito é agigantada e impressionante em decorrência dessa evolução, dessa mutabilidade constante, dessa movimentação eterna no sentido de ser alcançado seu desiderato maior, que é exatamente o pronto atendimento às vítimas de danos pela atribuição, a alguém, do dever de indenizá-los. Refere-se neste início de um tempo novo, à necessidade de se definir, de modo consentâneo, eficaz e ágil, um sistema de responsabilização civil que tenha por objetivo precípuo, fundamental e essencial a convicção de que é urgente que deixemos hoje, mais do que ontem, um número cada vez mais reduzido de vítimas irressarcidas. (Hironaka, 2005, p. 2).

Sendo assim, o presente estudo tem como escopo demonstrar a importância da teoria da perda de uma chance no cenário atual, tendo em vista a tendência de ampliação das hipóteses de danos ressarcíveis. Será tratado, ainda, de forma minuciosa o processo de evolução desse instituto, seu cabimento no ordenamento jurídico brasileiro, as limitações necessárias à aplicação da técnica e sua natureza jurídica, sem, contudo, apresentar a pretensão de se esgotar a discussão acerca do tema.


2      Noções Gerais da Responsabilidade Civil

Antes mesmo de adentrar no estudo detalhado da teoria da perda de uma chance, cabe realizar uma exposição a respeito das noções gerais da responsabilidade civil. Conhecer a base que possibilita o ressarcimento dos danos causados, na tentativa de se retornar ao status quo ante, é essencial para compreensão da evolução do instituto da responsabilidade civil e, ainda, do desenvolvimento de novas teorias, que estabelecem uma tutela maior à vítima. A teoria da perda de uma chance se posiciona exatamente nesse sentido, ou seja, o de conferir a possibilidade de indenização a danos antes não ressarcíveis.

2.1    Histórico

Nos primórdios, quando se causava um dano a terceiro, havia a retribuição do mesmo mal causado, como forma de compensar o que fora feito. No Direito Romano, a pena de Talião, prevista na Lei das XII Tábuas, consagrava o “olho por olho, dente por dente”. Nessa época, imperava a responsabilidade sem culpa.

No entanto, com o passar do tempo, constatou-se que a responsabilização sem a demonstração da culpa poderia motivar situações injustas, passando-se, assim, a gerar a necessidade de averiguação dessa, por mais leve que fosse. Esse elemento, contudo, demorou a ser introduzido no Direito Romano, tornando-se visível a partir da máxima de Ulpiano, qual seja: “in lege Aquilia et levissima culpa venit”. (TARTUCE, 2012, p. 294).

Com a evolução da responsabilidade civil, a reparação do dano foi direcionada ao pagamento de uma penalidade em dinheiro por parte do causador do prejuízo, independentemente de relação obrigacional preexistente. Além disso, a responsabilidade com culpa, surgida diante da própria necessidade evolutiva da sociedade romana, passou a ser a regra em todo o direito comparado, influenciando as codificações seguintes.

No Brasil, o Direito Civil, ainda hoje, consagra, como regra, a responsabilidade com culpa, mais conhecida como responsabilidade civil subjetiva. Contudo, pode-se verificar certa resistência por parte da doutrina quanto a isso, devido ao surgimento da teoria do risco.

Foi o direito francês aquele que primeiro passou a admitir o surgimento da responsabilidade civil sem culpa, diante da teoria do risco. Isso se deve ao fato de a Europa ter vivenciado a eclosão da Segunda Revolução Industrial e a introdução do maquinismo, que proporcionou o aumento dos riscos de acidentes dentro de um estabelecimento.

A partir do ano de 1897, foram publicadas as primeiras ideias sobre a responsabilidade objetiva. Diante disso, originaram-se importantes debates em torno da responsabilização daqueles que executavam atividades ligadas à coletividade. Dessa forma, pode-se constatar que o avanço industrial gerou relevantes repercussões jurídicas. E, ainda, o avanço nas discussões acerca da responsabilidade objetiva influenciou, sobretudo, a legislação de outros países, como é o caso do Brasil. (TARTUCE, 2012, p. 295).            

Em 1912, no Brasil, o Decreto-Lei nº 2.681, passou a prever a culpa presumida no transporte ferroviário, passando a ser aplicada, sucessivamente, a diversos tipos de transportes terrestres. Com o tempo, a doutrina e jurisprudência passaram a entender que a responsabilidade do transportador não deveria ser presumida, mas sim, objetiva.

Além do mencionado decreto, o Art. 15 do Código Civil de 1916 e o Art. 37, §6°, da CRFB/88, ao trazerem a responsabilidade civil do Estado pelos atos comissivos de seus agentes, demonstraram o fortalecimento da responsabilidade objetiva no âmbito brasileiro.     Não se pode olvidar, ainda, que, em 1981, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938) aplicou a responsabilidade objetiva aos causadores de danos ao meio ambiente. A responsabilidade objetiva tornou-se, assim, bastante expressiva em diversas relações sociais, expandindo-se, mais tarde, no âmbito privado, mostrando-se presente também no Código de Direito do Consumidor. (TARTUCE, 2012, p. 296).

Tamanha foi a importância conferida à responsabilidade objetiva, que o Código Civil de 2002 passou a prevê-la, de maneira específica, em seu Art. 927, parágrafo único. Vale ressaltar que a inovação trazida não apresentou prejuízo a outros comandos legais que tratam de responsabilidade sem culpa.

Diante do exposto, é possível notar que o instituto da responsabilidade civil não é algo estático. Muito pelo contrário, é algo que está sofrendo constantes transformações em razão das exigências sociais, observadas em cada tempo e espaço. O instituto está caminhando para uma linha de reparação de danos cada vez mais abrangente, ou seja, seu campo de atuação está sendo ampliado, a fim de abarcar uma tutela mais expressiva da vítima.

Em virtude da constitucionalização do Direito Civil, esse é um ramo que sofreu grandes mutações e evoluções, pois se tornou imprescindível estar de acordo com os princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade social, da justiça distributiva. Nesse sentido, cabe transcrever a importante análise feita por Maria Celina Bondin de Moraes:

O princípio da proteção da pessoa humana, determinado constitucionalmente, gerou, no sistema particular da responsabilidade civil, a sistemática extensão da tutela da pessoa da vítima, em detrimento do objetivo anterior de punição do responsável. Tal extensão, neste âmbito, desdobrou-se em dois efeitos principais: de um lado no expressivo aumento das hipóteses de dano ressarcível; de outro, na perda de importância da função moralizadora, outrora tida como um dos aspectos nucleares do instituto. (MORAES, 2010).

Isso posto, pode-se constatar que diante de um paradigma solidarista, tornou-se de extrema importância conferir ênfase à tutela da vítima e buscar atingir, sempre que possível, o status quo ante. Vale dizer, ainda, que esse contexto foi determinante para garantir a boa aceitação da teoria da perda de uma chance, que depende de um amadurecimento da sociedade no sentido de consentir com o alargamento do conceito de dano reparável.

2.2 Conceito, previsão legal e função da responsabilidade civil

Enquanto a obrigação caracteriza-se como um dever jurídico originário, a responsabilidade qualifica-se como um dever jurídico sucessivo, resultante da violação de uma obrigação. Vale ressaltar que não há responsabilidade sem uma obrigação correspondente. Sendo assim, nenhuma pessoa será responsabilizada por algo sem que haja violado um dever jurídico preexistente.

A distinção entre responsabilidade e obrigação pode ser visualizada no Art. 389 do CC/02. Deve-se atentar para o fato de que o referido dispositivo é aplicável tanto à responsabilidade contratual, quanto à extracontratual. Ou seja, da realização de um contrato, surgem obrigações, mas, também, de sua inexecução, nasce a obrigação de indenizar.

Ocorre que as obrigações contratuais advêm da vontade das partes, enquanto a obrigação de indenizar ocorre contra a vontade da parte inadimplente. Sendo assim, conforme as lições de Aguiar Dias, citado por Cavalieri (2010, p. 3), a responsabilidade contratual e a delitual são ambas fontes de obrigações.

O dever de indenizar está contido no Art. 927 do CC/02. Ele decorre da realização de um ato ilícito e possui claro objetivo de restabelecer a situação da vítima anteriormente ao fato danoso. Conforme se depreende da redação do referido artigo, a violação de um dever jurídico normalmente gera um dano, o qual deverá ser reparado.

Deve-se ressaltar que uma importante característica da obrigação de indenizar é a sucessividade, tendo em vista que essa surge a partir da violação de uma obrigação anterior. Excepcionalmente, alguns autores sustentam que há responsabilidade sem obrigação, como é o caso de Orlando Gomes e Álvaro Villaça de Azevedo, citados por Cavalieri (2010, p. 4).

Cavalieri (2010) destaca a divisão entre a responsabilidade direta e a responsabilidade indireta. Na primeira, a responsabilidade decorreria do descumprimento de uma obrigação pessoal, enquanto, na segunda, ela seria derivada do descumprimento de uma obrigação de terceiro, como é o caso da fiança. Sendo assim, diante das alegações de Cavalieri (2010), é possível afirmar que as duas situações correpondem ao descumprimento de uma obrigação, diferentemente do que sustenta Orlando Gomes e Álvaro Villaça, citados pelo referido autor (2010, p. 4).

Cabe, ainda, mencionar que a responsabilidade pode assumir igual ou diversa natureza do dever jurídico de origem, ou seja, se o dever preexistente era de dar e a indenização for em dinheiro, vislumbra-se a situação de igual natureza, mas se o dever inicial era de fazer e a indenização for em dinheiro, estar-se-ia diante de situação de natureza diversa.

Por fim, resta válido esclarecer a função da responsabilidade civil. Sua função está atrelada à teoria da indenização, que se pauta na intenção de restabelecer o equilíbrio econômico-jurídico causado pelo dano.

A partir da consolidação desse entendimento, a tese de Ihering, citado por Cavalieri (2010, p. 13), que baseava a obrigação de reparar na culpa e não no dano, começou a perder força. Sendo assim, a intenção de trazer o prejudicado ao status quo ante ganhou notoriedade e teve alicerce no princípio da restitutio in integrum, o qual consiste em repor a vítima, tanto quanto possível, à situação anterior ao dano.

2.3 Natureza jurídica do dever de indenizar

Tendo em vista a classificação estabelecida para as obrigações, podendo elas serem voluntárias ou legais, vale ressaltar que a natureza da obrigação de indenizar é legal. Voluntárias seriam as obrigações oriundas de negócios jurídicos, ligadas à autonomia da vontade. Tais obrigações existiriam e possuiriam determinado conteúdo de acordo com a vontade das partes. Enquanto isso, obrigações legais são aquelas impostas pela própria lei, a partir do preenchimento de certos pressupostos.

A obrigação de indenizar é, portanto, uma obrigação legal, visto que não é algo desejado pelo agente, mas sim imposto como uma sanção a um comportamento causador de dano. Surge, assim, uma obrigação que não está atrelada à vontade do agente, atuando, na verdade, contra sua intenção.

2.4 Espécies de responsabilidade civil

A responsabilidade pode assumir diferentes espécies a depender de onde provém o dever e qual o elemento subjetivo da conduta. (CAVALIERI, 2010, p. 13). A divisão por espécies pode se dar da seguinte maneira: a) responsabilidade civil e penal; b) responsabilidade contratual e extracontratual; c) responsabilidade subjetiva e objetiva.

Quanto à responsabilidade civil e penal, a diferenciação a ser feita pauta-se no maior ou menor grau de gravidade objetiva ou imoralidade da conduta. O ilícito penal atinge mais diretamente o interesse público e detém maior gravidade. Contudo, tendo em vista que ambas violam um dever jurídico, as diferenças entre tais espécies de responsabilidade verificam-se de forma sutil.

Com relação à responsabilidade civil contratual e extracontratual, a diferença que se extrai é de que, na primeira, existe um vínculo obrigacional preexistente, sendo o dever de indenizar resultante de um inadimplemento, enquanto, na segunda, não se exige que haja entre o ofensor e a vítima uma relação jurídica prévia.

No ilícito extracontratual, o dever surge em consequência da violação de um direito subjetivo, ou seja, da transgressão de um dever jurídico imposto pela lei. Contudo, embora haja essa diferenciação, deve-se dar ênfase ao fato de que as regras previstas para a responsabilidade contratual são também aplicadas à responsabilidade extracontratual.

Tendo em vista a relevância trazida a partir da averiguação da culpa, pode-se fazer, ainda, uma distinção entre responsabilidade subjetiva e objetiva. A culpa é essencial para a caracterização da responsabilidade subjetiva, bastando-se observar o disposto no Art. 186 do CC/02. Vale ressaltar que a expressão “culpa” é usada no sentido lato sensu, ou seja, abrangendo também o dolo. Sendo assim, na responsabilidade subjetiva, só haverá reparação se provada a existência de culpa do agente.  

Enquanto isso, a responsabilidade objetiva surgiu da necessidade de a sociedade se adaptar ao desenvolvimento industrial. O conceito tradicional de culpa não conseguiu abarcar todas as situações, sendo necessário o desenvolvimento da responsabilidade objetiva, que se baseou na teoria do risco e acabou ganhando força no ordenamento jurídico brasileiro, estando presentes nos seguintes artigos: Arts. 927, parágrafo único, 931- 933, 936-938, todos do CC/02 e, ainda, no Art. 37, §6º da CF/88 e Arts. 12 e 14 do CDC.

2.5 Pressupostos da responsabilidade civil

Vale atentar para o fato de que os doutrinadores divergem, em parte, quanto aos pressupostos da responsabilidade civil. Para isso, torna-se importante trazer o entendimento de alguns autores.

Sílvio Rodrigues e Carlos Roberto Gonçalves consideram a existência de quatro requisitos, sendo eles: ação ou omissão do agente, culpa, relação de causalidade e o dano causado à vítima. (RODRIGUES; GONÇALVES apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 32). Enquanto isso, Sérgio Cavalieri (2010) indica apenas três pressupostos, quais sejam: conduta culposa, dano e nexo causal. Maria Helena Diniz, por sua vez, aponta três requisitos: ação, dano e nexo de causalidade.  (DINIZ apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 32). Por fim, Fernando Noronha faz referência a cinco pressupostos: fato antijurídico, nexo de imputação, dano, nexo de causalidade e lesão a um bem juridicamente protegido. (NORONHA apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 32).

Tendo em vista que, tradicionalmente, só se admitia a responsabilidade subjetiva, é fácil compreender o motivo pelo qual alguns autores enquadravam a culpa como pressuposto de responsabilidade. Contudo, com a introdução da teoria do risco e o posterior advento da responsabilidade objetiva, percebeu-se que a culpa não deveria ser elencada como pressuposto genérico de responsabilidade.

Nota-se, ainda, que a lesão a um bem juridicamente protegido, pressuposto elencado por Noronha, está diretamente relacionada com o dano ou à qualidade da conduta antijurídica, pois ela nada mais é que a contrariedade ao ordenamento jurídico. Dessa forma, não deve constituir pressuposto autônomo de responsabilidade.

Enquanto isso, o nexo de imputação representa uma grande inovação, capaz de superar a dificuldade enfrentada com o surgimento da responsabilidade objetiva. Isso se deve ao fato de esse nexo representar o elo de ligação entre o agente e a conduta, que se pode verificar por meio da culpa ou do risco. Assim, ao tratar da culpa e do risco, o nexo de imputação mostra-se como pressuposto capaz de abranger tanto as situações de responsabilidade subjetiva quanto as de responsabilidade objetiva.

Sendo assim, após a inovação trazida pela responsabilidade objetiva, pode-se afirmar que o mais correto, atualmente, seria adotar aos seguintes pressupostos: conduta, nexo de imputação, dano e nexo de causalidade. Tais requisitos serão analisados adiante com mais cautela.

A propósito, será adotada a expressão conduta, por si só, visto que a expressão “conduta ilícita” poderia gerar certa confusão. Isso se deve ao fato de que o dano causado por um fato lícito, como é o caso do estado de necessidade, também ensejaria reparação.

Por fim, torna-se válido alertar que a obrigação de reparar o dano somente se verificará caso haja o preenchimento de todos os requisitos enunciados acima. Sendo assim, não basta alcançar apenas um deles, tendo que observá-los de maneira cumulativa.

2.5.1 Conduta

A conduta pode ser classificada como o gênero do qual a ação e a omissão são espécies, logo, abrange duas formas de exteriorização da atividade humana. Ela caracteriza-se como o comportamento humano voluntário, que se verifica por meio da ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas. (Cavalieri, 2010, p. 24).

A ação ou omissão atuariam como o aspecto físico ou objetivo da conduta. Já a vontade visualiza-se como o aspecto psicológico ou subjetivo desta. (Cavalieri, 2010, p. 24).

Pode-se dizer que a ação é a maneira mais comum de exteriorização da conduta. Cavalieri (2010) afirma que a ação consiste num movimento corpóreo comissivo, ou seja, num comportamento positivo. Enquanto a omissão, um pouco menos frequente, caracteriza-se pela inatividade, abstenção de uma conduta devida, causando lesão a direitos e interesses de outras pessoas.

Nota-se que para configurar a omissão é preciso que haja o dever jurídico de praticar determinado ato, bem como a prova de que não se praticou a conduta. Deve-se ressaltar, ainda, que para configuração da omissão será devida a demonstração de que, caso a conduta tivesse sido praticada, poder-se-ia ter evitado o dano. (Tartuce, 2012, p. 343).

Nos dois casos elencados acima, é fato que se verifica a presença de uma ação, ou seja, a ação comissiva e a ação omissiva. Nesse sentido, alguns doutrinadores empregam apenas o termo ação em sentido lato, com a finalidade de abranger ação stricto sensu e a omissão. Conduto, a fim de se evitar o surgimento de confusões, o termo conduta seria mais bem aceito.

Ainda no que diz respeito à conduta, torna válido mencionar que ela deverá ser voluntária, ou seja, controlável pela vontade. Dessa forma, deve-se atentar para o elemento voluntariedade.

Destarte, deve ficar claro que, atualmente, além de se verificar a responsabilidade por ato próprio, que se tornou a regra, também é possível surgir o dever de indenizar por ato de terceiro, ou seja, por danos não decorrentes de sua própria conduta. Nesse sentido dispõe o Art. 932, CC/02.

Quanto à previsão legal, é válido apontar o Art. 186 do CC/02, que ao tratar da cláusula geral de responsabilidade civil, engloba as condutas voluntárias comissivas e omissivas. Além disso, diante da leitura do referido artigo, nota-se que a conduta geradora de responsabilidade é aquela causadora de danos a outra pessoa, mesmo que este seja apenas moral.

Por fim, é relevante mencionar a definição de conduta omissiva trazida pelo Código Penal. Mesmo sendo ela utilizada para caracterizar a responsabilidade criminal, observa-se uma compatibilidade com o que preceitua a responsabilidade civil. Sendo assim, dispõe o Art. 13, §2° do CP:

§2° - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:

a)    tenha por lei a obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;

b)    de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;

c)     com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.

(BRASIL, 2013, p. 350).                                         

2.5.2 Dano

Sem dúvida, o pressuposto mais evidente para caracterização da responsabilidade civil é o dano. Isso se verifica, pois a obrigação de indenizar surge a partir do momento em que se concretiza o dano. Logo, se não há dano, não há o que ressarcir.

A doutrina tradicional define dano como algo que está estreitamente vinculado ao patrimônio. O dano seria a lesão ou diminuição do patrimônio de uma pessoa ou, ainda, a diferença entre o estado atual do patrimônio que sofreu o dano e o que teria caso o fato danoso não tivesse ocorrido. (GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 43). Essa é uma definição conferida pela doutrina clássica, mas que ainda tem validade na doutrina contemporânea. Contudo, será necessário se ater para uma mudança fundamental ocorrida no conceito de patrimônio.

A discussão acerca do conceito de dano tornou-se mais intensa a partir do surgimento de autores que defendiam a indenizabilidade de danos morais.  Patrimônio, para a doutrinadores como Orlando Gomes, era concebido como um conjunto de bens materiais, de conteúdo econômico, pertencentes a uma determinada pessoa. (GOMES apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 43). Questionava-se, assim, se aquele conceito primordial de dano se adequaria à extensão dos direitos personalíssimos. Tal questionamento advinha do fato de eles não possuírem valor econômico, impossibilitando, pois, a sua caracterização como patrimônio.

Diante do dilema gerado, autores como Sílvio Rodrigues e Carlos Roberto Gonçalves procuraram abranger dentro do conceito de dano a ofensa aos direitos da personalidade. (Rodrigues; GONÇALVES apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 44). Sílvio Rodrigues, em sua monografia “Do dano moral e sua indenizabilidade”, fez a distinção entre patrimônio material e patrimônio ideal, identificando dentro de patrimônio, uma esfera de interesses distinta da de natureza econômica e material, a que se pudesse atribuir um valor. (Rodrigues apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 44).

Enquanto isso, Carlos Roberto Gonçalves passou a afirmar que patrimônio era o conjunto das relações jurídicas de uma pessoa, apreciáveis em dinheiro, e o dano constituía a diminuição ou subtração de um bem jurídico, para abranger não apenas o patrimônio, mas também a honra, a saúde, a vida etc. (GONÇALVES apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 44).

Ainda, a fim de contemplar a indenização de danos morais, alguns autores citados por Orlando Gomes passaram a definir o dano como a diminuição ou subtração de um bem jurídico ou lesão a um interesse. (GOMES apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 45).

Por muito tempo, considerou-se inviável a indenização por danos morais, visto que eles não possuíam conteúdo econômico e, por isso, seu valor não poderia ser quantificado em dinheiro, ou seja, convertido em pecúnia. Contudo, após muitos debates na doutrina e jurisprudência, editou-se a Súmula 491 do STF, tornando possível a indenização por danos morais, ao estabelecer: “É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado.” (BRASIL, 2013, p. 2014).

Ademais, houve a consagração desse direito na própria Constituição Federal. Inseriu-se no rol do Art. 5º, incisos V e X da CRFB/88, o direito à indenização por dano moral. Em seguida, o Art. 186 do Código Civil também passou a prever essa hipótese de indenização.

Sendo assim, deve-se ressaltar que houve uma expansão considerável do conceito de patrimônio, que passou a abranger não só os bens de conteúdo econômico, como também os bens e direitos relativos à personalidade, que possuem um valor moral. (GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 45).

Nesse sentido, alguns autores defendem a impropriedade da denominação “dano extrapatrimonial”, pois todo dano agrediria um patrimônio, podendo este ser considerado material ou imaterial. O patrimônio imaterial diz respeito, exatamente, aos direitos e interesses existenciais de uma pessoa. Dessa forma, concluir-se-ia que patrimônio é um complexo de bens, direitos e interesses que se vinculam a uma pessoa. (GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 45).

Entretanto, nota-se bastante presente, na doutrina e na jurisprudência, a separação entre danos morais ou extrapatrimoniais e danos patrimoniais. Diante disso, diz-se que os danos materiais são indenizáveis, enquanto os danos morais são apenas reparáveis.

Destarte, verifica-se de grande relevância destacar as diferenças existentes entre os conceitos de dano material, dano moral, dano emergente, lucro cessante e perda de uma chance, a fim de que as discussões enfrentadas adiante se tornem mais claras.

O dano material consiste em uma lesão concreta a interesses ligados a um patrimônio, provocando sua perda total ou parcial. O dano moral, por sua vez, representa uma lesão a direitos de personalidade, quais sejam, direito à imagem, à incolumidade corporal, entre outros. Os direitos da personalidade estariam intrinsecamente ligados ao valor fundamental da dignidade humana.

O dano emergente é aquele que atinge o patrimônio presente da vítima, ou seja, está diretamente relacionado com quanto efetivamente se perdeu. A perda, portanto, ocorre de maneira imediata. Enquanto isso, lucro cessante atinge o patrimônio do ofendido de maneira futura, impedindo, pois, seu crescimento. Isto é, lucro cessante corresponde ao que a vítima razoavelmente deixou de lucrar. Havia, então, uma expectativa de lucro que se frustrou.

Por fim, a perda de uma chance pode ser considerada uma subespécie de dano emergente, sendo uma modalidade de propriedade anterior do sujeito que sofre a lesão. Nesse caso, ocorre um ilícito capaz de retirar da vítima a oportunidade de vir a auferir um ganho ou de evitar um prejuízo. Esta teoria trabalha com a ideia de probabilidade, ou seja, não é certo que a vítima alcançaria o resultado final pretendido, mas havia uma chance real e séria de que isso viesse a se concretizar.

2.5.3 Nexo de causalidade

Conceitualmente, nexo de causalidade é o elo que liga o dano ao seu fato gerador, ou seja, mostra-se como a relação causa e efeito entre a conduta e o dano. É necessário demonstrar, pois, que, sem determinado fato, o dano não teria ocorrido. Deve-se indagar, portanto, as causas que concorreram para ocasionar do dano.

Torna-se relevante, ainda, estabelecer a diferenciação entre nexo de causalidade e nexo de imputação, pois são pressupostos que não se confundem. Resumidamente, nexo de imputação é responsável por ligar a conduta ao agente, enquanto nexo de causalidade liga o dano à conduta. Ainda, quanto a isso, podem-se citar os ensinamentos de Serpa Lopes, que afirma que poderia ocorrer imputação sem que acontecesse a causalidade. (LOPES apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 47).

Nota-se que, antes mesmo de verificar se um agente agiu com culpa, no caso da responsabilidade subjetiva, é preciso constatar se a conduta da pessoa concorreu para o dano. E mais, não é suficiente que alguém tenha causado uma conduta ilícita e, muito menos, que um dano tenha ocorrido. É essencial que haja relação entre os dois, ou seja, que se comprove que o dano tenha advindo daquela conduta ilícita. Somente assim se observará uma relação de causa e efeito, em que o prejuízo é resultado do ato.

O nexo de causalidade é elemento indispensável da responsabilidade civil, seja qual for sua espécie. Diferentemente da culpa, que é pressuposto apenas da responsabilidade subjetiva, é essencial que se verifique o nexo de causalidade.  Dessa forma, enquanto pode haver responsabilidade sem culpa, ela não pode existir sem que haja nexo causal.

Pode-se dizer que o conceito de nexo causal não é exclusivamente jurídico, dependendo também de um elemento naturalístico. Assim, além das constatações baseadas nas leis naturais, haverá uma avaliação jurídica pelo juiz, que averiguará a relação entre o fato e o resultado. Diante disso, poderá se chegar a quem foi o causador do dano.

Destarte, quando um fato simples concorre para um resultado, não há o menor problema para se resolver a questão. As dificuldades surgem a partir do momento em que se verificam hipóteses de causalidade múltipla. Isso se dá quando há várias circunstâncias concorrendo para o resultado danoso. Quando isso se verificar, deverá se fazer um estudo mais aprofundado para alcançar a causa real do resultado.

Ainda, no que diz respeito ao nexo causal, é indispensável ter uma breve noção das principais teorias que buscaram solucionar os problemas surgidos na tentativa de averiguação do nexo causal. Dentre elas, requer destacar a teoria da equivalência dos antecedentes e a teoria da causalidade adequada. Após expor suas características mais relevantes, informar-se-á qual delas foi adotada pelo Código Civil pátrio.

Antes de mais nada, cabe alertar que nenhuma das teorias alcançam soluções prontas, sendo necessário, em alguns casos, atentar-se para os princípios da probabilidade, da razoabilidade, do bom-senso e da equidade. Não há, ainda, diferenças essenciais entre as teorias, pois todas realçam aspectos importantes do problema. Ocorre que determinadas situações exigirão o emprego de mais de uma teoria, a fim de se atingir um resultado satisfatório. Por fim, resta esclarecer que o nexo causal terá de ser avaliado caso a caso. (Cavalieri, 2010, p. 48).

De acordo com a teoria da equivalência dos antecedentes, se há várias condições que concorrem para um determinado resultado, todas elas terão igual relevância, ou seja, serão equivalentes quanto ao seu valor. Não importa, portanto, se alguma delas foi mais eficaz para causar aquele resultado.

O raciocínio a ser seguido é o de eliminação mental da condição, para saber se essa seria causa do resultado. Sendo assim, caso o resultado desapareça quando se elimina a condição, essa será considerada causa. Enquanto isso, se o resultado se mantiver presente, a condição não será causa.

Causa, para essa teoria, é aquilo do qual uma coisa depende quanto à existência. Já condição é o que permite à causa produzir seus efeitos positivos ou negativos.

Essa teoria obteve ampla aplicação no Direito Penal de diversos países, inclusive, no Brasil, diante do Art. 13 do CP. Ocorre, porém, sua mitigação em algumas situações.

Há, contudo, quem critique essa teoria, sustentado na ideia de que essa conduz a uma regressão infinita da causalidade. Para melhor compreensão cabe o seguinte exemplo dado por Cavalieri (2010): em um acidente de trânsito, a vítima deveria ser indenizada não só por quem conduzia o veículo, como também, por quem lhe vendeu o automóvel, por quem o fabricou, por quem forneceu a matéria-prima, entre outros. (Cavalieri, 2010, p. 49).

Enquanto isso, a teoria da causalidade individualiza, qualifica as condições. O significado de causa, para ela, seria o antecedente necessário e adequado à produção do resultado. Dessa forma, se inúmeras condições concorrem para determinado resultado, apenas será causa aquela que for a mais adequada à produção daquele efeito. Logo, há uma distinção entre os antecedentes de maior e menor relevância.

Torna-se válido ressaltar que, a fim de estabelecer quais condições concorreram para o alcance de determinado resultado, utiliza-se o mesmo processo mental hipotético. A distinção só se verificará a partir do momento em que a teoria da causalidade adequada desconsidera as demais condições pouco relevantes, reputando como causa apenas aquela que foi realmente determinante.

Entretanto, a complicação reside nesse fato, pois não há uma fórmula concreta para estabelecer a condição mais adequada. Com isso, a solução deverá ser casuística, devendo-se atrelar, ainda, aos princípios do bom-senso e da ponderação. Causa adequada, de acordo com Cavalieri (2010), será, pois, aquela que de acordo com o curso normal das coisas e a experiência comum da vida, revelar-se mais idônea para gerar o resultado. (Cavalieri, 2010, p. 49).

Cavalieri (2010) afirma que uma lição satisfatória para auxiliar na solução de problemas seria a apresentada por Antunes Varela. Para esse autor, não basta que o fato tenha sido, em concreto, uma condição sine qua non do prejuízo, sendo necessário que o fato represente, em abstrato, uma causa adequada do dano. Dessa forma, a análise do curso normal das coisas seria determinante para a configuração da relação de causalidade entre o fato e o dano. Caberá, assim, ao juiz analisar a idoneidade de cada condição. (Cavalieri, 2010, p. 49-50).

Quanto à aplicação dessas teorias no direito brasileiro, resta dizer qual se aplica mais ao âmbito civil. Como já foi dito, no Direito Penal, foi abraçada a teoria da equivalência das condições. Enquanto isso, na órbita civil, a teoria que ganhou mais aceitação foi a da causalidade adequada. Sendo assim, no que tange a responsabilidade civil, a causa adequada será aquela que interferiu decisivamente.

Por fim, vale destacar que não há um dispositivo expresso do Código Civil trazendo a regra do nexo causal, como ocorre no Código Penal, em seu Art. 13. Contudo, por meio das interpretações perpetradas na doutrina e na jurisprudência, poder-se-ia dizer que o Art. 403 do CC/02 adotaria, nas entrelinhas, a teoria da causalidade adequada. Com isso, muitos doutrinadores afirmam que tal teoria encontraria-se positivada.

Quanto ao direito comparado, essa também foi a teoria adotada pelos Códigos Civis Francês, Italiano e Argentino.

2.5.4 Nexo de imputação

O nexo de imputação caracteriza-se como pressuposto que liga o fato danoso ao agente, ou seja, poderia ser, então, a culpa ou o risco. Contudo, não são todos os doutrinadores que o consideram como um pressuposto autônomo. Esse elemento é tratado por Fernando Noronha como pressuposto, mas não por Sérgio Cavalieri (2010) e Maria Helena Diniz. Esses últimos autores preferem se referir a esse elemento como imputabilidade, que estaria sendo tratada dentro daquilo que se relaciona à conduta. (NORONHA; DINIZ apud GABURRI; BERALDO; SANTOS; VASSILIEFF; ARAÚJO, 2008, p. 46-47).

A responsabilidade civil apenas se verificará quando houver uma conduta que enseja um resultado danoso e que esteja, necessariamente, ligada a uma pessoa. Tradicionalmente, o evento danoso apenas se ligava à pessoa a partir do elemento culpa lato sensu, em decorrência da responsabilidade subjetiva. Entretanto, com o posterior surgimento da responsabilidade objetiva, o risco se tornaria elemento suficientemente apto a ligar o fato danoso ao agente.

Quanto ao fator culpa, ela deverá ser interpretada em sentido amplo, abrangendo tanto o dolo, quanto a culpa em sentido estrito. A culpa stricto sensu seria o descumprimento de um dever de cuidado, sem, contudo, haver a intenção precípua de lesionar alguém. Enquanto isso, o dolo caracteriza-se pela prática de um ato ilícito com a intenção de lesionar outrem.

É válido notar que para o Código Penal, a discussão acerca do dolo e da culpa é essencialmente relevante, visto que se pune de maneira diversa cada forma de conduta. No Código Civil de 1916, a distinção não tinha grande importância, pois o agente responderia do mesmo modo se houvesse agido com dolo ou com culpa. Já para o Código Civil atual, considera-se que o valor da indenização poderá variar a depender da espécie de conduta do agente. Mais especificamente, esse entendimento encontra-se disposto no Art. 944, parágrafo único, do CC/02.

A culpa em sentido estrito pode-se visualizar a partir da negligência, imprudência e imperícia. Na imprudência verifica-se a falta de cuidado por meio de uma conduta comissiva, enquanto, na negligência, a conduta seria omissiva. A imperícia, por sua vez, resulta da falta de habilidade para o exercício de uma atividade técnica. Vale esclarecer que essas modalidades não se tratam de espécies de culpa, mas sim de formas de exteriorização da culpa.

Da mesma forma que se torna indispensável a verificação do elemento culpa para a caracterização da responsabilidade subjetiva, torna-se inafastável a constatação do risco para o emprego da responsabilidade civil objetiva. Ademais, diante de atividades que causem risco às pessoas, pode surgir o dever de indenizar independentemente de culpa. A regra geral do emprego da responsabilidade objetiva encontra base normativa no Art. 927, parágrafo único, do CC/02.

Visualizam-se, na doutrina, diversas modalidades de risco. Cavalieri (2010) enumera, dentre elas, o risco-proveito, o risco profissional, o risco excepcional, o risco criado e o risco integral.

O risco-proveito está ligado ao sujeito que tira vantagem de uma atividade perigosa, devendo, assim, responsabilizar-se pelos danos decorrentes desta. O risco profissional está atrelado às relações de trabalho, sendo o empregador responsável pelos danos ocorridos. Já o risco excepcional diz respeito às atividades que representam expressivo grau de perigo, tanto para quem a desempenha, quanto para a coletividade.

Enquanto isso, o risco criado pauta-se na responsabilidade do sujeito que, por sua atividade ou profissão, expõe alguém ao risco de sofrer um dano. Por fim, o risco integral não admite nenhum tipo de exclusão, mesmo que se verifique caso fortuito ou força maior. Seria o caso dos danos decorrentes de atividades nucleares, por exemplo.

Diante do que fora exposto sobre a teoria do risco, pode-se concluir que há uma grande tendência atual de afastamento do elemento culpa, em virtude da necessidade de abranger números cada vez maiores de danos ressárcíveis. Nesse sentido, torna-se válido finalizar com os ensinamentos de Eugênio Facchini Neto (2006):                                              

É necessário que se desembarace da imprescindibilidade da noção da culpa, adotando critérios objetivos da responsabilidade civil, pois sua função não é a de punir o ofensor (para o que seria exigível a culpa), mas sim procurar garantir o ressarcimento da vítima. Daí o desenvolvimento de uma teoria geral de responsabilidade objetiva, com base em critérios de risco-criado, risco-proveito, ideia de garantia, risco-profissional etc. Afinal, se o agente não agiu com culpa, a vítima muitas vezes também não. A solidariedade social, nesta hipótese, parece impor que quem causou o dano suporte as consequências. (FACCHINI, 2006, p. 90).


3      RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE

A responsabilidade civil pela perda de uma chance é tema relativamente novo para a doutrina e jurisprudência brasileiras, visto que começou a despontar, no Brasil, em meados da década de 90. Entretanto, mesmo sendo algo recente, vem conquistando o interesse de muitos estudiosos e verifica-se crescente o número de julgados a respeito desse assunto no âmbito dos Tribunais e do próprio STJ. No Brasil, o caso do “Show do Milhão” tornou-se um leading case, ou seja, um precedente, a ser tomado como base, para a solução de casos futuros semelhantes.

Contudo, antes mesmo de se adentrar na análise da perda de uma chance no âmbito brasileiro, é válido conhecer, também, o desenvolvimento dessa teoria, sua origem, suas limitações e outros aspectos relativos à técnica. Trata-se de uma teoria francesa, que se expandiu, influenciando o direito de diversos outros países. E, atualmente, a partir dessa influência, pode-se dizer que houve um expressivo aumento das hipóteses de danos ressarsíveis.

3.1 Evolução histórica

A teoria da perda de uma chance tem origem francesa e começou a ser assimilada pelos tribunais a partir de 1930, embora tenha sido o autor Henri Lalou, aquele que primeiro lhe fez referência em 1914. Tal ideia foi apresentada de forma mais nítida em uma nota publicada pelo mesmo autor em 1920, em que criticava um julgado. (CARNAÚBA, 2012, p. 156-157).

O julgado comentado por Lalou tratava do caso de um pai que pleiteava uma indenização, alegando ter sofrido um prejuízo decorrente do acidente que resultou na morte de seu filho. A indenização se baseava no fato de que o pai não mais teria a possibilidade de receber uma “prestação alimentar” no futuro. Esse pedido foi denegado, afirmando-se tratar de um prejuízo puramente eventual. (CARNAÚBA, 2012, p. 156).

O eminente jurista expôs importantes ideias a partir de sua crítica ao julgado. Ideias que resultariam em um novo olhar a respeito do tema e restariam, mais tarde, amparadas pela teoria da perda de uma chance. Vale citar um importante trecho de sua nota publicada, a fim de se vislumbrar a relevância das considerações trazidas por Lalou:

Uma transportadora entrega o cavalo após o fim da corrida da qual ele deveria participar; um huissier intima o apelado depois do prazo legal; em uma hasta pública, um avoué se esquece de fazer o lance em favor de seu cliente: poderíamos então afirmar que a transportadora, o huissier ou o avoué não devem perdas e danos porque o prejuízo alegado é eventual ou hipotético, visto que o proprietário do cavalo, os clientes do huissier ou do advogado não podem comprovar que, se o cavalo tivesse corrido, ele teria ganhado a corrida, se a apelação tivesse sido conhecida, a reforma seria obtida e se o lance tivesse sido proposto, seu proponente adjudicaria o bem? Tal raciocínio está correto, mas ele não é peremptório. A verdade é que, em todas essas hipóteses, houve a privação de uma chance: a chance de ganhar a corrida, de reformar uma sentença, e de se tornar adjudicatário; e está privado em um dano atual. Igualmente, o responsável pelo acidente mortal priva atualmente os ascendentes da vítima direta da chance de obter, em um futuro mais ou menos próximo, a prestação alimentar da vítima. (LALOU apud Carnaúba, 2012, p. 157).

Passados alguns anos, essa nota seria retratada na obra La Responsabilité Civile do mesmo jurista. Contudo, esse assunto só receberia enfoque em 1932, por meio do tratado de Henri e Léon Mazeaud. Foi a partir desse momento que os juristas franceses começaram a se interessar por esse tema, ainda pouco discutido. (CARNAÚBA, 2012, p. 157).

Coube à jurisprudência desenvolver e ampliar o conceito de responsabilidade pela perda de uma chance e expandir, por fim, seu campo de aplicação. Houve uma assimilação gradual desta teoria pelos tribunais franceses a partir de 1930, mas que nunca ensejou o surgimento de um leading case, por não consagrar a perda de uma chance de forma categórica. (CARNAÚBA, 2012, p. 157).

Ao longo do tempo, essas ideias foram ganhando força, não só na França, como também na Itália, que despontou, igualmente, nesse estudo. É possível visualizar, ainda, o desenvolvimento dessa teoria na jurisprudência inglesa a partir do leading case Chaplin v. Hicks de 1911. Isso poderia, inclusive, desfazer a ideia tradicional de que a perda de uma chance é um conceito originado na França, pois o caso mais antigo registrado na jurisprudência francesa data de 1932. (CARNAÚBA, 2012, p. 157).

A mais antiga decisão francesa que abordava a questão da perda de uma chance, datada de 1932, é pouco conhecida e trata do caso Chambre de Requêtes, em que um notário privara a chance de seu cliente adquirir a propriedade rural que desejava. A Alta Corte decidiu por conferir a indenização sob a justificativa de ter havido um prejuízo e um nexo causal. (CARNAÚBA, 2012, p. 157-158).

Dois anos mais tarde, vislumbrou-se a responsabilidade pela perda de uma chance no âmbito dos profissionais de justiça. E, a partir daí, a técnica seria aplicada a diversos outros campos como, por exemplo, na seara médica. (CARNAÚBA, 2012, p. 158).

Andreassa (2009) ressalta, inclusive, que, no início da aplicação da técnica, referiam-se à perda de uma chance como a “chance de uma cura”, devido à tamanha aplicação da técnica no campo médico. Nota-se, ainda, que a maioria dos autores, assim como Andreassa (2009), consideram que a primeira aplicação da teoria se deu em 1965. Nesse ano, a Corte de Cassação Francesa condenou um médico à reparação do dano causado, decorrente de um diagnóstico equivocado, que retirou da vítima as chances de cura da doença. (ANDREASSA, 2009, p. 196).

Enquanto isso, o primeiro caso da jurisprudência italiana referente à perda de uma chance foi proferido em 1983 pela Corte de Cassação. Esse caso tratava de uma empresa que havia convocado trabalhadores para participarem de um processo seletivo. Contudo, após se submeterem a exames médicos, alguns candidatos foram impedidos de participar das etapas seguintes. (SAVI, 2006, p. 25-26).

A Corte de Cassação, por fim, cassou a decisão do Tribunal de Roma, confirmando a sentença de primeiro grau, que havia reconhecido o dano da perda de uma chance, considerando a perda da oportunidade de conseguir o emprego, pelo fato de terem sido privados de participar das demais provas. (SAVI, 2006, p. 25-26).

No Brasil, essa teoria começou a tomar frente nas discussões doutrinárias somente a partir da década de 90, por meio da palestra de François Chabas na Faculdade de Direito da UFRGS, ganhando força no ordenamento a partir de então. Em 2012, os julgados no STJ já passavam dos 15, sendo o mais conhecido deles o caso relativo ao “Show do Milhão”, apontado como leading case. Enquanto isso, nos tribunais estaduais, o número de julgados baseados nessa teoria alcançam as centenas. (CARNAÚBA, 2012, p. 140-141).

O momento atual demonstra ampla aceitação da teoria pelos tribunais pátrios, principalmente na região sul e sudeste. Ela vem se fortalecendo perante a doutrina, contudo há, ainda, doutrinadores que não a admitem, por considerá-la dano hipotético, eventual e incerto. Dentre os autores desfavoráveis pode-se citar Flávio Tartuce (2012) e Rui Stoco (2004).

3.1.1 Técnicas da jurisprudência francesa

É relevante observar o processo de evolução dessa teoria, pois os avanços alcançados pela sociedade não se verificam de forma imediata, mas sim, são realizados de forma lenta e gradual. A evolução da técnica na jurisprudência francesa se deu a partir de três etapas. A primeira pautava-se na negativa do direito à reparação. A segunda consistia no deslocamento do objeto da prova, neutralizando as incertezas por meio de presunções de fato. Por fim, a terceira fase é a que se desponta como precursora da teoria de reparação de chances.

Na primeira linha de pensamento, empregada entre os séculos XIX e XX, as demandas reparatórias, que competiam ao judiciário eram negadas sob o fundamento de não haver nexo causal entre a perda do resultado esperado e a conduta imputável ao réu e, ainda, de não haver certeza sobre o prejuízo. Alegava-se que não existia certeza de que o demandante obteria o resultado favorável, sendo assim, não haveria prejuízo certo. (CARNAÚBA, 2012, p. 145).

Por se considerar impossível determinar a situação da vítima caso o ato imputável não houvesse ocorrido e por se tratar de uma questão que envolve uma álea, os juízes e tribunais, à época, indeferiam esses pedidos. Os litígios comportavam dúvidas insanáveis acerca da sorte da vítima. E, como não há compatibilidade entre o Direito e a incerteza, não coube lugar às decisões que amparavam a reparação de danos aleatórios. (CARNAÚBA, 2012, p. 143-145).

De fato, naquele momento, ainda não se havia encontrado um meio apto a justificar o ressarcimento sobre tais eventos. O autor da demanda não conseguia provar que houve um prejuízo certo e que havia um nexo de causalidade entre o ato imputável ao réu e o dano alegado. E, diante da ausência de comprovação desses pressupostos, o indeferimento do pedido era a única alternativa.

Contudo, a rígida aplicação do ônus da prova a eventos que envolviam a álea não se tornava devida, pelo simples fato de afastar da proteção os eventos incertos. Se assim fosse, estar-se-ia beneficiando àquele sujeito que foi responsável pelo surgimento da situação de dúvida.

Por não ser correto ignorar o interesse aleatório, equiparando-o a um interesse inexistente, questionamentos acerca da primeira técnica foram surgindo, contribuindo, assim, para o desenvolvimento de nova forma de resolução do litígio. Em um segundo momento, originou-se a técnica de deslocamento da prova.

Esse segundo método consistia na aplicação de presunções. A presunção de fato, como lembra Carnaúba (2012), está relacionada ao poder de apreciação dos fatos que são trazidos à sua análise, ou seja, confia-se na prudência do magistrado. Dessa forma, a técnica de presunções de fato baseia-se em um raciocínio probatório em que se partiria de elementos indiretos, a fim de se identificar a probabilidade do fato. Parte-se de um elemento conhecido, que é o objeto deslocado de prova, para alcançar um elemento desconhecido, que é o objeto inicial inacessível.

Diante disso, o juiz consegue superar os limites de sua cognição, afastando, legalmente, as incertezas surgidas durante o litígio. Com isso, através de meios indiretos, ele poderia verificar se a vítima teria alcançado o resultado favorável se inexistisse o fato imputável ao réu.

A fim de tornar menos abstrato esse conceito, é válido apresentar um caso em que se empregava com frequência essa técnica. Trata-se da situação de ações movidas pelo cliente contra o profissional de justiça, que lhe causou um dano em razão da perda de um prazo processual. Sendo assim, a partir de um método de presunções, o magistrado deveria analisar o mérito do processo interrompido, a fim de concluir se haveria ou não ganho na causa. Se fosse caso de ganho de causa, o juiz concedia uma indenização equivalente ao valor total da prestação que se buscava alcançar por meio da via judicial.

Nessa situação, os juízes acabavam por conferir a reparação da própria vantagem aleatória e não a reparação da chance perdida. Além disso, essa técnica ocasionava o desfazimento do acaso pelo magistrado. Em determinados casos, até seria possível se atingir boas soluções, contudo, o magistrado não é capaz de solucionar toda e qualquer álea. Como um juiz poderia afirmar se um sujeito poderia ter se curado ou que um candidato passaria em um concurso? A fim de resolver essas questões, é que se criou uma terceira técnica.

A terceira técnica envolve o deslocamento do objeto da reparação, podendo ser considerada como a própria teoria da perda de uma chance. No deslocamento da reparação, ao invés de se buscar a reparação da vantagem aleatória almejada pela vítima, busca-se a reparação do prejuízo consistente na perda de uma chance que a pessoa tinha de obter a vantagem. Os doutrinadores foram quem primeiro introduziu esse conceito, cabendo à jurisprudência, pois, desenvolver melhor a técnica e aplicá-la em diversos campos.

Carnaúba (2012) apresenta importantes conclusões, que merecem ser apontadas. Primeiramente, ele diz que a reparação de chances desvencilha-se, de forma sutil, da incerteza que impedia a reparação dos danos aleatórios. Mas, ao mesmo tempo, essa técnica não ignora a existência de incertezas e nem mesmo busca extingui-las. As incertezas deixariam, assim, de afetar o campo da reparação do prejuízo e começaria a despontar no momento de sua quantificação.

3.2 Conceito

Na teoria da perda de uma chance, não se pode dizer que o dano em si está sendo imputado ao agente, mas sim a chance perdida. O dano poderia ter decorrido de outras causas, diversas da conduta do agente. Mas, é irrefutável que a probabilidade de ganho foi retirada da vítima em virtude da conduta verificada. (GONDIM, 2005, p. 23).

Entende-se por chance a probabilidade que um indivíduo tem de auferir um benefício ou de evitar uma perda no futuro. Enquanto isso, a perda de uma chance configuraria a frustração da oportunidade que se tinha de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo, diante da ocorrência de um fato. Pode-se, ainda, citar os ensinamentos de Cavalieri:

Caracteriza-se essa perda de uma chance quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima, como progredir na carreira artística ou militar; arrumar um melhor emprego; deixar de recorrer de uma sentença desfavorável pela falha do advogado, e assim por diante. Deve-se, pois, entender por chance a probabilidade de se obter um lucro ou de se evitar uma perda. (CAVALIERI, 2010, p. 77).

Ademais, deve-se evitar fazer certas confusões acerca de qual seria o objeto da indenização, em uma ação de reparação da perda de uma chance. Uma coisa é a perda da vantagem esperada e outra é a perda da chance de obter a vantagem ou evitar um prejuízo. Apenas o último caso configura a reparação baseada na teoria da perda de uma chance. Nesse sentido, Sérgio Savi se manifesta:

O óbice à indenização nestes casos se dava pela indevida qualificação desta espécie de dano. Normalmente, a própria vítima do dano formulava inadequadamente a sua pretensão. Ao invés de buscar a indenização da perda da oportunidade de obter uma vantagem, requeria indenização em razão da perda da própria vantagem. Ao assim proceder, a vítima esbarrava no requisito de certeza dos danos, tendo em vista que a realização da vantagem esperada será sempre considerada hipotética, em razão da incerteza que envolve os seus elementos constitutivos. (SAVI apud ANDREASSA, 2009, p. 199).

Para caracterização da teoria, a chance perdida deve ser séria e real, sendo que apenas será passível de indenização a situação que certamente ocorreria e não aquela incerta e pouco provável. A fim de se determinar se a oportunidade perdida é séria e real, deverão ser empregadas as regras da experiência comum a partir da observação do que ordinariamente ocorre, aplicando-se o Art. 335, CPC.

Deve-se fazer entender que a certeza que se busca alcançar não é absoluta. O fato é que o pedido de indenização não pode se basear em algo meramente hipotético. Sendo assim, cabe ao juiz analisar caso a caso, a fim de constatar as chances que merecem proteção pelo instituto da responsabilidade civil. Para isso, serão utilizados os critérios de probabilidade. De acordo com Bustamante Alsina, citado por Gondim:

A chance configura um dano atual, não hipotético. É ressarcível quando implica uma probabilidade suficiente de benefício econômico que resulta frustrado pelo responsável, e pode ser valorada em si mesma, prescindindo do resultado final incerto, em seu intrínseco valor econômico de probabilidade. (ALSINA apud GONDIM, 2005, p. 23).

Nesse sentido, torna-se necessário fazer uma distinção entre danos certos e eventuais. Os danos eventuais jamais serão passíveis de reparação. A possibilidade de indenização só se verificará em casos de danos certos. Sendo assim, apesar de a probabilidade ser algo aleatório, a perda de uma chance deve ensejar um dano real e certo.

Cabe, ainda, tratar sobre os danos presentes e futuros. Os danos presentes se referem àqueles que já aconteceram, mas que poderiam ter sido evitados. Enquanto isso, os danos futuros são aqueles relativos a eventos que ainda não aconteceram e que só poderiam vir a ocorrer no futuro. Os danos futuros estão atrelados à verossimilhança de que iriam ocorrer. Já os danos presentes são consequência adequada de um fato antijurídico. Tanto um quanto outro pode ser objeto de reparação pela perda de uma chance, contudo, a prova do dano futuro será muito mais difícil de se verificar. (NORONHA, 2005, p. 29-30).

Quanto aos elementos necessários à configuração da chance perdida, pode-se citar, basicamente, a conduta do agente, o resultado perdido, caracterizado como o dano, e o nexo causal entre a conduta e a chance que se perdeu. (GONDIM, 2005, p. 23). Vale ressaltar que o nexo causal buscado nesse caso trata-se daquele existente entre a conduta do agente e a chance perdida e não o relativo à conduta e o resultado final. Este último é incerto, enquanto o primeiro pode ser alcançado.

Ademais, vale dizer que o dano será passível de reparação à medida que for possível calcular o grau de probabilidade da chance envolvida. Será o grau de probabilidade aquele a influenciar diretamente no valor definido para a reparação.

Por fim, conforme exposto anteriormente, a possibilidade de reparação de uma chance perdida só se mostra presente, em virtude do fenômeno de expansão dos danos ressarcíveis, que vem se verificando gradualmente no cenário contemporâneo.

3.3  Natureza Jurídica

Muito se discute acerca da natureza jurídica da perda de uma chance. Alguns doutrinadores defendem sua caracterização como um dano emergente, outros como um lucro cessante e há, ainda, um grupo que a considera como uma terceira espécie de indenização. Vale ressaltar que há, também, quem a interprete como uma modalidade de dano moral.

A fim de se fazer compreender a discussão travada em torno disso, devem-se retomar os conceitos de dano emergente e lucro cessante. O dano emergente seria aquele que está atrelado a uma efetiva e imediata diminuição do patrimônio da vítima, resultando naquilo que ela efetivamente perdeu. O prejuízo pode ser identificado de maneira objetiva, conforme disposto no Art. 402, CC/02. Enquanto isso, o lucro cessante importa naquilo que a vítima razoavelmente deixou de lucrar, consiste na perda do lucro esperável.

A indenização relativa ao lucro cessante torna-se difícil de quantificar, pois não se trata de um prejuízo concreto, mas de algo quase certo. Ela deverá se basear no princípio da razoabilidade, sendo que o magistrado deverá aferir a probabilidade de a vítima ter seu patrimônio material potencialmente diminuído. (FONSECA, 2009).

O exemplo mais clássico de lucro cessante é o do motorista de taxi, que em razão de um acidente, vê-se impossibilitado de trabalhar por um tempo. Dessa forma, a fixação da indenização será calculada com base na média diária de corridas no período.

   É fato que o cálculo do lucro cessante gera dificuldades, mas estabelecer o quantum indenizatório da perda de uma chance é algo muito mais complexo em determinadas situações. Isso ocorre em virtude da incerteza de obtenção do resultado esperado.

Para alguns doutrinadores, se a perda da chance fosse caracterizada como um dano emergente ou um lucro cessante, surgiria o problema de que a vítima teria de comprovar de forma inequívoca que o resultado teria sido alcançado, se não fosse a existência do ato danoso. No caso da perda de uma chance isso seria impossível, pois o dano final é indemonstrável. (MELO, 2007).

Dessa forma, diante da dificuldade de enquadrar a perda de uma chance como dano emergente ou lucro cessante, tendo em vista a probabilidade e não a certeza de obtenção do resultado almejado, muitos autores optam por considerá-la uma terceira espécie intermediária entre o dano emergente e o lucro cessante. Como a indenização corresponde à própria vantagem perdida e não a vantagem considerada em si mesma, deve-se conferir enfoque a esse entendimento criado pela doutrina, que visa se desvencilhar da problemática que circunda a natureza jurídica.

Nesse sentido, Cavalieri já se manifestou, pautando-se nos entendimentos de Sérgio Savi (2006, p. 102):

[...] a perda da chance deve ser considerada em nosso ordenamento jurídico uma subespécie de dano emergente. Sustenta que a chance dever ser considerada uma espécie de propriedade anterior do sujeito que sofre lesão e que, ao inserir a perda de uma chance no conceito de dano emergente, elimina-se o problema da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário de se pretender indenizar o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (a vitória na ação judicial, por exemplo), indeniza-se a perda da chance de obter o resultado esperado (a possibilidade de ver o recurso examinado por outro órgão de jurisdição capaz de reformar a decisão prejudicial)... Assim, não se concede a indenização pela vantagem perdida, mas sim pela perda da possibilidade de conseguir esta vantagem. Isto é, faz-se uma distinção entre resultado perdido e a chance de consegui-lo. Ao assim proceder, a indenização da perda de uma chance não se afasta da regra de certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida, em si considerada, era efetivamente existente: perdida a chance, o dano é, portanto, certo. (CAVALIERI, 2010, p. 80).

Além disso, Sérgio Savi salienta:

[...] no caso de lucros cessantes, o autor deverá fazer prova não do lucro cessante em si considerado, mas dos pressupostos e requisitos necessários para verificação deste lucro. Já nas hipóteses de perda de uma chance, permanece-se no campo do desconhecido, pois em tais casos, o dano final é, por definição, indemonstrável, mesmo sob o aspecto dos pressupostos de natureza constitutiva. (SAVI apud MELO, 2007).

Por fim, a melhor solução criada seria adotar o enquadramento da perda de uma chance como uma terceira espécie intermediária. Não se poderia falar em lucros cessantes em razão da impedida futura vitória, mas sim de um dano emergente em razão da atual possibilidade de vitória que restou frustrada. (SAVI, 2006, p. 102).

3.4 Princípios norteadores

A teoria da perda de uma chance baseia sua aplicação nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. O magistrado, ao se deparar com questões que levem em conta a certeza e a probabilidade, deve pautar sua decisão de forma a averiguar se concretamente ocorreram os pressupostos para a aplicação da teoria, a fim de estabelecer um ressarcimento apropriado.

O juiz deverá valorar e verificar a probabilidade que o indivíduo tinha de alcançar o resultado esperado se não fosse o ato lesivo. Apenas situações relevantes ao ordenamento jurídico deverão ser indenizadas e, para isso, deverão elas ser sérias e reais. Mas, essa análise deverá ser realizada caso a caso, não havendo critérios objetivos para determinar se a chance seria séria e real. Isso dependerá, essencialmente, da prudência e do bom senso do magistrado.

A razoabilidade deverá ser empregada tanto para constatar se se trata de uma hipótese de aplicação da teoria da perda de uma chance, quanto para calcular o quantum indenizatório, que em muitos casos gera dúvidas e é de difícil mensuração. Ademais, ela garante o emprego adequado da técnica, tendo em vista que, atualmente, esta vem sofrendo uma tendência à banalização.

Por outro lado, o princípio da proporcionalidade também assume grande importância no momento de quantificação da indenização, tendo em vista que ficou claro que essa técnica busca reparar o prejuízo gerado pela chance perdida e não pela perda do próprio resultado esperado. A chance perdida é um prejuízo certo, enquanto o resultado final é incerto. Não se trata de uma nova espécie de prejuízo, mas sim da utilização da técnica de deslocamento da reparação.

Sendo assim, a indenização conferida pelo juiz não pode ser correspondente ao valor da vantagem esperada. Deve-se fixar o valor indenizatório, tomando-se como referência o valor do resultado final almejado e sobre este incidindo um coeficiente de redução proporcional às probabilidades de obtenção do resultado esperado. Dessa forma, será alcançado um ressarcimento proporcional às probabilidades apresentadas no caso concreto. Deverá ser analisado, pois, o grau de probabilidade em que o fato em questão contribuiu para o dano.

3.5 Concepções de causalidade e a perda de uma chance

A aplicação da perda de uma chance em determinadas situações apresenta bastante complexidade. Isso se verifica nos casos em que vários fatores concorrem para realização do dano. A utilização mais tradicional das teorias do nexo de causalidade, muitas vezes, não consegue atender às exigências atuais de um paradigma solidarista, sustentado pela Constituição Federal de 1988.

A nova realidade social conduz a uma mudança nos institutos já consagrados, a fim de se implementar uma adequação ao presente contexto. Baseando-se nisso, surgiram aplicações alternativas do nexo de causalidade com o objetivo de resolver casos que envolvam encadeamentos de causas e consequências não objetivamente constatáveis.

A causalidade alternativa abrangeria situações em que dois ou mais fatos possuem potencialidade para causar dano, mas não se consegue verificar qual deles foi o verdadeiro causador. Nesse caso, deverá realizar-se um cálculo das probabilidades que cada um dos fatos teria para causar aquele determinado dano. Dessa forma, o valor do dano deverá ser repartido na mesma proporção em que cada um dos fatos concorreu para o dano final. (NORONHA, 2005, p. 44).

 A aplicação de uma visão alternativa do nexo de causalidade permite que se façam presunções, para que, assim, haja a possibilidade do ressarcimento de danos, cuja prova é de difícil averiguação. A instituição de presunções é uma das maneiras de se relativizar o princípio geral de que cabe ao autor provar a causalidade entre o ato ofensivo e o dano.

Ademais, Noronha (2005) ressalta a existência das situações de causalidade concorrente, em que há diversos fatos independentes, mas nenhum com potencialidade de causar o dano por si só, dependendo da soma de todos os fatos para ensejar o prejuízo. A concorrência apenas se apresenta como modalidade de concurso entre o fato do responsável (v.g. deficiência no tratamento médico) e caso fortuito ou força maior (v.g. evolução da própria doença). O referido autor afirma que o melhor critério para divisão da responsabilidade seria aquele que se baseia na participação causal de cada ofensor. Contudo, a jurisprudência, em sua maioria, vem utilizando o critério da gravidade da culpa, que fica, porém, sem validade nos casos de responsabilidade objetiva.

No caso de agravamento do estado clínico de uma paciente, tanto o ato terapêutico inadequado, quanto a evolução endógena da doença poderiam, igualmente, ter gerado o dano. Para que um fato seja enquadrado como causa adequada, é suficiente que ele tenha criado uma séria possibilidade de ocorrência do fato danoso. Sendo assim, dúvidas surgem a cerca do nexo de causalidade. Mas, para que a vítima não fique sem reparação alguma, ocorre o emprego de uma causalidade distanciada de sua noção ortodoxa.

A aplicação mais expressiva de uma causalidade que rompe os padrões tradicionais no âmbito de reparação de uma chance perdida se verifica na seara médica. Grande parte da doutrina considera que, a fim de se resolver os problemas surgidos com a aplicação da perda de uma chance na seara médica, utiliza-se um conceito de causalidade parcial. Contudo, autores como Jacques Boré e Jhon Makdisi afirmam que todos os casos de perda de uma chance se pautam na causalidade parcial. (BORÉ; MAKDISI apud PETEFFI DA SILVA, 2009, p. 50).

A causalidade parcial não considera a chance perdida como um dano autônomo e independente, devendo esta ser utilizada apenas como um meio de quantificar o liame causal entre a ação do agente e a perda da vantagem esperada. A chance perdida e o dano final são indissociáveis, não subsistindo de forma separada do resultado esperado (PETEFFI DA Silva, 2009, p. 50-51).

Esses dois autores consideram que se entre o prejuízo final e o ato do ofensor não se constata uma relação causal completamente provada, poder-se-ia, porém, conceder a reparação por um prejuízo parcial e relativo, consubstanciado na perda de chances. A reparação se daria, assim, de acordo com a probabilidade de causalidade provada. (SILVA, 2009, p. 51).

Jacques Boré, citado por Rafael Peteffi da Silva (2009), afirma que o processo utilizado na causalidade parcial dependeria da combinação de uma lei causal e uma lei aleatória. Ele ressalta que inexiste sistema etiológico no qual todos os fatores sejam exaustivamente conhecidos. Mas, mesmo assim, muitos autores criticam o posicionamento de Boré, por se considerar inadequado o reconhecimento do nexo de causalidade com base em fatores aleatórios e desconhecidos.

Faz-se necessário reproduzir, aqui, as ideias firmadas por Jacques Boré:

Ademais, ao juiz é facultado aprofundar a noção de causalidade, em decorrência do progresso científico. Se esse progresso, com o auxílio da estatística, acaba por tornar os eventos aleatórios previsíveis e domináveis, o juiz não pode restar impassível. Quando o juiz não utiliza estatísticas, acaba sendo forçado a se fazer presunções, “para que possa saltar do desconhecido para o conhecido”. Ora, essa presunção, que também está repleta de álea, é mais arbitrária e mais fraca como fundamento do livre convencimento do magistrado, que teria um conteúdo científico mais apreciável se baseado nas estatísticas. (Boré apud SILVA, 2009, p. 60).

Dessa forma, a inovação trazida pela implementação da causalidade parcial se verifica a partir da utilização de dados de estatística, os quais são capazes de tornar eventos aleatórios previsíveis, conferindo uma segurança maior na verificação da causalidade. Caso o magistrado não recorra à utilização de estatísticas, ele acaba por se basear em presunções, a fim de se comprovar o nexo causal. Mas, como se pôde perceber a partir da leitura do trecho acima, a presunção é um método mais fraco e arbitrário, devendo ser preterida.

Assim, as estatísticas demonstradas a partir de uma média teórica se apresentará como subsídio teórico mais sólido ao qual o juiz poderá recorrer. O emprego da regra “tudo ou nada” ligada à causalidade, a qual traz como princípio o dano certo, em que somente se dará a reparação do dano nos casos em que se verifica a conditio sine qua non, em todo e qualquer caso, poderia gerar situações de injustiça.

Dessa forma, o emprego de estatísticas através da teoria da perda de uma chance estaria de acordo com o novo paradigma solidarista. Contudo, Rafael Peteffi (2009) acrescenta que isso deveria constituir uma opção subsidiária, a ser utilizada somente quando se esgotarem as possibilidades de utilização ortodoxa do nexo causal.

3.6 Limites da técnica          

A chance é algo muito abstrato e, por não apresentar dimensões materiais, torna-se complexo impor-lhe limitações. (CARNAÚBA, 2012, p. 163). Diversas podem ser as chances atreladas à vida de um indivíduo, mas nem todas elas mostram-se fortes o suficiente para gerar uma reparação. Valendo-se, porém, de evidências racionais, é possível concluir qual chance é mais provável de ocorrer.

Dessa forma, a fim de estabelecer uma limitação à utilização dessa técnica, torna-se necessário restringir a reparação às chances sérias e reais. Se assim não fosse, permitir-se-ia uma tendência de banalização dessa teoria. O uso inadequado da técnica conduziria à formação de um campo aberto para o ressarcimento de prejuízos que não interessam ao Direito.

Como afirma Carnaúba, não se pode dar azo a “chances que por vezes não passam de meros sonhos do demandante, ou então de seu oportunismo travestido em prejuízos”. (CARNAÚBA, 2012, p. 163). Torna-se imprescindível, então, a implementação de barreiras conceituais à técnica, a fim de restringir a indenização apenas aos danos dignos de proteção.

Como forma de estabelecer uma limitação à técnica, a jurisprudência italiana considera que a reparação deveria ser condicionada a uma porcentagem mínima de chance de 50%. Dessa forma, apenas estaria sujeita à reparação a oportunidade perdida que representasse ao menos 50% de chance de se verificar, sendo que, abaixo desse percentual, não haveria interesse juridicamente protegido. (CARNAÚBA, 2012, p. 164).

Contudo, tal tese de limitação a um percentual pode gerar certas injustiças. Diante disso, vale citar o entendimento apresentado por Daniel Amaral Carnaúba:

Em nosso ver, esta imposição pode gerar discriminações injustificáveis. Se o objetivo é separar as chances relevantes daquelas que não o são, nenhuma cifra estabelecida a priori poderá servir de critério. Isto porque o problema das chances perdidas surge nas mais variadas situações, em algumas das quais uma chance de poucas probabilidades pode representar um interesse muito relevante para a vítima. E em outras, chances muito prováveis podem não ter valor algum. (CARNAÚBA, 2012, p. 164).

O estabelecimento de uma limitação baseada em um percentual determinado ensejaria uma solução muito simplista e indevida. Torna-se, então, mais adequada a solução desenvolvida pela jurisprudência francesa, que também é a adotada pelo Brasil, conforme se extrai do julgamento do caso do “Show do Milhão”, em que a autora tinha apenas 25% de chance de receber o prêmio final.

A jurisprudência francesa considera que, para haver reparação, a chance perdida deve, obrigatoriamente, ser séria e real. A partir daí dois elementos serão analisados: as probabilidades compreendidas no caso e a prova de que a chance interessava concretamente ao seu beneficiário.

Quanto ao primeiro elemento, é fato que quanto menor forem as probabilidades, mais embasamento tem o juiz para considerar que a chance não seria séria e real. Mas, nesse ponto, não se deve fixar percentuais mínimos limitantes à aplicação da teoria.

Em relação ao segundo elemento, a chance só será considerada séria se a vítima comprovar seu interesse particular na oportunidade perdida. Normalmente, extrai-se essa prova dos esforços que o sujeito empregou para obtenção da vantagem aleatória. (CARNAÚBA, 2012, p. 166).

Sendo assim, torna-se imprescindível a análise da seriedade das chances perdidas. É, justamente, essa análise que separa a perda de uma chance baseada em danos meramente hipotéticos ou eventuais das chances que são passíveis de reparação. Não se pode utilizar uma teoria tão importante para justificar a reparação de uma simples esperança subjetiva. Dessa maneira, esses critérios sólidos devem ser utilizados, a fim de se evitar a vulgarização da técnica.

3.7 Dificuldade de auferir o quantum indenizatório

Apesar de já se verificar uma larga adoção da teoria da perda de uma chance, verifica-se muita dificuldade por parte dos tribunais de estabelecer o quantum indenizatório devido. Muitos acórdãos reconhecem a perda de uma chance, mas acabam condenando a parte ré ao ressarcimento pelo resultado final esperado em si e não pela probabilidade de êxito da parte autora em auferir uma vantagem ou evitar um prejuízo.

A indenização pela perda de uma chance, portanto, jamais poderá se equiparar ao benefício que a vítima receberia caso não tivesse perdido a chance e tivesse alcançado o resultado final almejado. Isso se deve ao fato de que, por não existir uma certeza acerca da obtenção do resultado esperado, a indenização pela perda da chance será sempre inferior ao valor deste.

Torna-se, ainda, válido apresentar o entendimento de Sérgio Savi a respeito da questão de quantificação do valor indenizatório:

Para valoração da chance perdida, deve-se partir da premissa inicial de que a chance, no momento de sua perda, tem um certo valor que, mesmo sendo de difícil determinação, é incontestável. É, portanto, o valor econômico desta chance que deve ser indenizado, independentemente do resultado final que a vítima poderia ter conseguido se o evento não a tivesse privado daquela possibilidade. (SAVI, 2006, p.63).

Deve-se atentar para o fato de que aquela situação apta a produzir um lucro apenas provável e não absolutamente certo, não interfere sobre a existência do dano, mas sim influi na valoração deste. Ou seja, a incerteza deixou de afetar o campo da existência do interesse legalmente protegido, passando a determinar o quantum indenizatório. (CARNAÚBA, 2012, p. 162).  Com isso, a chance de ganho apresentará sempre um valor menor que o resultado futuro, refletindo no montante da indenização.

Sérgio Savi (2006) acrescenta que a quantificação do dano deverá ser realizada de forma equitativa pelo juiz, partindo ele do dano final e fazendo incidir sobre este o percentual de probabilidade de obtenção da vantagem esperada. Também deve o juiz se basear no arbitramento para garantir a liquidação do dano.

Dessa forma, como o que se indeniza é a probabilidade de se obter o resultado final, o cálculo do quantum indenizatório deve tomar como parâmetro o valor total do resultado esperado, incidindo sobre este um coeficiente de redução proporcional às possibilidades de se atingir tal resultado. Ou seja, primeiramente, determina-se qual seria o ganho auferido ou a perda evitada para que, depois, multiplique-se esse valor pela porcentagem de chances que a vítima perdeu em razão do ato lesivo. O montante a ser indenizado será correspondente ao resultado dessa conta.

Sendo assim, observa-se a necessidade de o juiz se ater a uma indenização equitativa, calcada na razoabilidade do arbitramento. A verificação do grau de probabilidade da chance será de extrema importância para se estabelecer o montante indenizatório. Contudo, deve-se ressaltar que nem sempre a quantificação da indenização com base nesta teoria será alcançada com facilidade. Essa dificuldade, porém, não poderá significar o afastamento da reparação do dano.


4        A RESPONSABILIDADE PELA PERDA DE UMA CHANCE NO DIREITO BRASILEIRO

Rafael Pateffi da Silva (2009) realizou um estudo aprofundado acerca da teoria da perda de uma chance e constatou que sua utilização, no Brasil, teve origem no Rio Grande do Sul, devendo-se o pioneirismo à ocorrência de uma palestra proferida pelo professor François Chabas, na década de 90, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Atualmente, a jurisprudência brasileira apresentou grande evolução quanto ao reconhecimento da responsabilidade civil pela perda de uma chance. Há uma quantidade grande de julgados nos tribunais estaduais e cerca de quinze, aproximadamente, no Superior Tribunal de Justiça. (carnaúba, 2012, p. 140-141).

Contudo, ainda não restou pacificada a questão da classificação da teoria, no que tange sua natureza jurídica. Ela ora é vista como uma espécie de lucro cessante, ora como dano emergente e, até mesmo, como um dano moral ou um meio termo entre as espécies já existentes.

Cabe agora, analisar, com maior profundidade, a situação em que se encontra a teoria no direito brasileiro, tendo por base a adequação dessa ao ordenamento jurídico do país. É relevante, também, observar o posicionamento da doutrina e da jurisprudência, que vem contribuindo para direcionar a utilização da teoria ao longo do tempo.

4.1  Regulamentação jurídica e adequação da teoria no ordenamento jurídico brasileiro

O ordenamento jurídico pátrio não prevê, expressamente e de maneira específica, a reparação da perda de chances. Cabe, então, à doutrina e à jurisprudência delimitar os contornos de sua incidência no mundo jurídico. Contudo, a partir de uma análise mais atenta tanto do Código Civil de 2002, quanto da Constituição Federal, é possível verificar a clara aplicabilidade da teoria no âmbito do ordenamento brasileiro.

Os Arts. 186 e 927 do CC/02 traduzem a possibilidade de reparação de qualquer situação de dano, seja material ou moral. Além disso, o Art. 402 do CC/02 apresenta o princípio da reparação integral dos danos, o que contribui para reforçar a admissibilidade da teoria. Assim, o princípio da reparação total do dano visa alcançar, novamente, o equilíbrio desfeito com o dano gerado, retornando-se ao status quo ante, sempre que possível.

Torna-se, ainda, essencial atentar-se para a cláusula geral de responsabilidade prevista na Constituição Federal, disposta em seu Art. 5°, V. Dessa previsão constitucional, conclui-se que quem causar qualquer dano a outrem deve repará-lo proporcionalmente.

Outrossim, Sérgio Savi (2006) acrescenta que a aplicação da teoria não infringiria o Art. 403, CC/02. Tal dispositivo ressalta que se deve afastar os danos hipotéticos, o que se aproxima, nitidamente, da teoria, pois ela também estabelece limitações acerca dos danos passíveis de reparação, à medida que exige que a chance seja séria e real.

Ressalte-se que, como já foi mencionado ao longo do trabalho, a certeza do dano mostra-se no fato de que uma chance fora perdida. E é isso que será objeto de indenização.

Rafael Peteffi da Silva (2009) assevera, ainda, que, com o progresso da estatística, situações meramente aleatórias poderão apresentar maior concretude, possibilitando a quantificação do prejuízo e posterior reparação.

Sendo assim, diferentemente do Código Civil anterior, de 1916, que, em seus Arts. 159, 1536 e 1538, enumerava restritivamente os bens protegidos pelo instituto da responsabilidade civil, o atual Código Civil não apresenta nenhum entrave ao reconhecimento da reparação pela perda de chances. É necessário, apenas, que vítima preencha os requisitos clássicos para caracterização da responsabilidade civil, quais sejam: conduta, dano, nexo de causalidade e nexo de imputação. Resta, ainda, indispensável que a vítima tenha demonstrado que a chance perdida é real e séria.

Dessa forma, o dano decorrente da perda de uma chance mostra-se, visivelmente, abrangido pela cláusula geral de responsabilidade. O dispositivo legal que abarca tal conceito de dano é consideravelmente amplo, abrangendo todas as espécies de danos, devendo, portanto, englobar também a perda de uma chance.

4.2  Posicionamento da doutrina

A responsabilidade pela perda de uma chance tem sido tema bastante recorrente na atualidade, tendo recebido destaque ao longo dos anos. Contudo, não se verificam estudos muito aprofundados acerca do tema, com exceção de poucos autores, que se debruçaram para analisar a fundo a aplicabilidade da teoria, contribuindo para a melhor definição dos conceitos envolvidos.

Dentre esses autores, pode-se citar Rafael Peteffi da Silva (2009), com sua dissertação de mestrado, e Sérgio Savi (2006). Quanto aos outros doutrinadores que vem se referindo ao tema, notam-se breves comentários sobre o assunto em suas obras sobre responsabilidade civil. Entretanto, mesmo que analisada de forma superficial, observa-se uma grande aceitação da teoria, tanto por parte de autores clássicos, quanto por parte dos contemporâneos.

Quanto aos autores clássicos, importa analisar o posicionamento de Agostinho Alvim, Aguiar Dias, Carvalho Santos, Caio Mário (2002) e Miguel Maria de Serpa Lopes (2000). Em relação aos autores contemporâneos, que se expressaram a respeito do tema, pode-se apresentar as opiniões de Judith Martins-Costa (2003), Silvio Venosa (2003), Sérgio Novais Dias, Rafael Peteffi da Silva (2009), Sérgio Cavalieri (2010), Flávio Tartuce (2012) e Rui Stoco (2004).

Agostinho Alvim apreciou a questão da perda de uma chance tanto no âmbito da responsabilidade do advogado, quanto no caso de um concurso de animais. Em ambas as situações, constata-se que houve o acolhimento da teoria por parte do jurista. Na primeira situação, o autor considera que há um dano diverso da perda da causa judicial, consistente na perda da chance de reexame da matéria pelo tribunal. No segundo contexto, Alvim reconhece o valor patrimonial da chance perdida pelo candidato a participar do concurso. (ALVIM apud SAVI, 2006, p. 36-37).

José de Aguiar Dias parece reconhecer a aplicabilidade da teoria, porém atrelando a perda de uma chance a uma espécie de lucros cessantes, analisando também sua ocorrência no âmbito da responsabilização do advogado. O autor também reconhece a perda da oportunidade de ver a demanda julgada por instância superior como a perda de um direito, o que se pode afirmar a partir de um trecho de sua crítica a uma sentença proferida: “Mas, o dano na espécie, era a perda de um direito, o de ver a causa julgada na instância superior. Se a vitória não podia ser afirmada, também o insucesso não o podia” (DIAS apud SAVI, 2006, p. 40).

 O referido autor, portanto, admite a indenização da chance perdida, deparando-se, porém, com dificuldades para quantificar o dano. Isso ocorre, tendo em vista a inserção da perda de uma chance na categoria de lucros cessantes, esbarrando, assim, no requisito de certeza do dano.

Carvalho Santos também concebe a perda de uma chance como algo atrelado a lucros cessantes e, ao fazer isso, inviabiliza a pretensão de indenização da perda de uma chance por si só considerada. Ele pondera ser necessária a prova de que o recurso judicial, se interposto, seria provido, por reputar duvidoso o direito de se exigir qualquer indenização nesses casos. Assim, o autor não vislumbra um dano consistente na perda da oportunidade de obter o recurso analisado por instância superior. (SANTOS apud SAVI, 2006, p. 39).

Contudo, deve-se ressaltar que, se realmente fosse possível a produção desse tipo de prova, visualizar-se-ia um caso de lucros cessantes, devendo o advogado arcar com o pagamento de tudo aquilo que seu cliente teria direito, caso o recurso fosse provido. No entanto, como já fora mencionado o objeto da indenização não é o resultado final, mas sim a perda da possibilidade de ter o recurso apreciado pelos tribunais.

Enquanto isso, Caio Mário (2002, p. 42) e Serpa Lopes (2000, p. 391) apresentam posicionamento favorável à aplicação da teoria, exigindo, contudo, para sua caracterização, a existência de uma probabilidade suficiente e o seu enquadramento como uma chance séria e real.

Judith Martins-Costa mostra-se adepta à indenização por perda de chances, elucidando isso em um importante comentário acerca da matéria:

Embora a realização da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa. Por estes motivos, não vemos óbice à aplicação criteriosa da Teoria. O que o art. 403 afasta é o dano meramente hipotético, mas se a vítima provar a adequação do nexo causal entre a ação culposa e ilícita do lesante e o dano sofrido (a perda da probabilidade séria e real), configurados estarão os pressupostos do dever de indenizar. (MARTINS-COSTA, 2003, p. 362).

Sílvio de Salvo Venosa, por sua vez, considera a perda da chance como um terceiro gênero de indenização, estando ele entre o dano emergente e o lucro cessante. Para ele, havendo probabilidade considerável, o dano poderá ser ressarcível. (VENOSA, 2003, p. 198-199).

Entretanto, Sérgio Novais Dias não reconhece o valor da chance em si considerada, tratando-a como uma espécie de lucro cessante. Ele considera exigível, assim, a certeza de que o recurso seria provido no casos que envolvem perda de prazos por advogados. (NOVAIS apud SAVI, 2006, p. 42).

Rafael Peteffi (2009) enxerga a responsabilidade pela perda de uma chance sob dois prismas: sendo utilizada como uma categoria de dano específico, independente do dano final ou sendo utilizada como um recurso à causalidade parcial, caso em que se visualiza a perda da vantagem esperada, ou seja, o dano final.

Sérgio Cavalieri (2010) considera a perda de uma chance como dano passível de indenização, contudo, afirma que o melhor posicionamento doutrinário é aquele que se respalda na possibilidade de indenizar a perda cuja probabilidade de sucesso fosse superior a cinquenta por cento. Logo, ele conclui que nem todos os casos de perda de uma chance seriam indenizáveis.

Deve-se atentar, também, para o fato de que o autor esclarece que se há erro médico que provoque, desde a origem, o fato de que decorre o dano, visualizar-se-ia caso de dano diretamente causado pelo médico e não de perda de uma chance. (CAVALIERI, 2010, p. 81).

Tal autor afirma que a perda de uma chance guarda certa relação com o lucro cessante, visto que é utilizada nos casos em que o ato ilícito retira da vítima a oportunidade de alcançar situação futura melhor.

Ele ressalta a importância de se basear em um fato não hipotético, um fato razoável, afastando-se, pois, de uma mera possibilidade aleatória e da eventualidade. Deve-se, assim, evitar que a teoria da perda de uma chance favoreça oportunismos. A chance perdida poderá resultar em prejuízos tanto materiais, quanto imateriais, desde que seja séria e real.

Rui Stoco (2004), todavia, mostra-se contrário à tese, reputando inaceitável a responsabilização de um sujeito por um fato que não ocorreu, o que seria, pois, algo hipotético. Ele acredita que a perda de uma chance geraria a reparação pelo resultado. Dessa forma, por acreditar que é impossível se perquirir a íntima convicção do juiz, não se deve sustentar a perda de uma chance nas situações em que o causídico deixa de recorrer. (STOCO, 2004, p. 489-490).

Assim como o último autor, Flávio Tartuce (2012) manifestou-se a respeito da questão, negando a aplicabilidade da teoria. Ele acredita ser a perda de uma chance algo hipotético e eventual, ao trabalhar sempre com suposições. Contudo, ele não descarta a possibilidade de, futuramente, mudar seu entendimento.  

Para melhor exprimir o posicionamento de Tartuce, torna-se válida a citação de um trecho de sua obra:

Isso porque tais danos seriam hipotéticos ou eventuais, sendo certo que os arts. 186 e 403 do CC exigem o dano presente e efetivo. A perda de uma chance, na verdade, trabalha com suposições, com o “se”. [...] Todavia, temos acompanhado as manifestações doutrinárias e jurisprudenciais e, no futuro, pode ser que esse parecer seja alterado. É importante salientar que a evolução de consciência da civilística nacional conduz à admissão desses novos danos reparáveis, antes não admitidos. (TARTUCE, 2012, p. 425).

Diante das colocações apresentadas, pode-se concluir que há uma ampla aceitação por parte da doutrina brasileira quanto ao reconhecimento da perda de uma chance como um dano ressarcível, apesar de se verificar algumas posições divergentes acerca de sua natureza jurídica. A maioria dos doutrinadores se baseiam no pilar da limitação da técnica, devendo, portanto, ser a chance séria e real. Contudo, alguns poucos juristas ainda vêm se mostrando resistentes à adoção da teoria.           

4.3  Posicionamento da jurisprudência

A maioria da jurisprudência brasileira vem reconhecendo a possibilidade de indenização pela perda de uma chance. Contudo, é possível verificar ainda muitos equívocos nas decisões proferidas por parte de juízes e tribunais.

É recorrente observar a aplicação da teoria de forma inadequada, principalmente, no que tange ao estabelecimento do quantum indenizatório. Ocorre, também, muitos casos em que há a vulgarização da teoria, aplicando-a em situações cujo dano seria meramente hipotético.

Mesmo após décadas de seu surgimento no Brasil, verifica-se uma grave confusão entre os conceitos: indenização por conta da perda da vantagem e indenização pela perda da oportunidade de obter uma vantagem ou evitar um prejuízo. Apenas a última hipótese caracteriza a teoria da perda de uma chance. Ou seja, objetiva-se indenizar a chance perdida e não a própria vantagem esperada.

Deve-se ressaltar que, tendo em vista que o que se indeniza é a possibilidade de atingir um resultado esperado, o valor da indenização deverá ser menor que o valor da vantagem esperada. A incerteza acaba por interferir, então, no campo da mensuração do quantum indenizatório. Sendo assim, quanto maior a chance de se alcançar o resultado esperado, maior a indenização cabível ao prejudicado.

Ademais, os tribunais não enfrentam apenas a dificuldade de estabelecer o quantum debeatur. Muita confusão é gerada também em torno do fato de se acreditar que a única forma de manifestação da teoria estaria ligada aos danos morais. Vale atentar para o fato de que a natureza do “dano chance perdida” será a mesma do “dano vantagem esperada”.

Observa-se uma séria dificuldade em se estabelecer certos conceitos. Em alguns julgados, a chance perdida é vista como uma modalidade de dano moral, em outros casos, ela é reconhecida como lucros cessantes e, ainda, pode ser considerada uma espécie de dano emergente. (SAVI, 2006, p. 44).

Contudo, apesar dos equívocos apresentados na tentativa de se aplicar a teoria da perda de uma chance, é satisfatório observar o quão ela vem se alargando no âmbito da jurisprudência. Atualmente, essa teoria está sendo empregada em diversas áreas como: no campo trabalhista, no meio médico, nos casos que envolvem a atuação do advogado, entre outros.

Nesse sentido, resta válido transcrever a ementa de determinados julgados, com o objetivo de demonstrar com maior clareza a aplicação da teoria. Deverão, ainda, ser apresentadas decisões adotando entendimentos acerca da natureza jurídica, visando, assim, explicitar as divergências e equívocos que vêm surgindo por parte de juízes e tribunais.

No que tange a aplicação da perda de uma chance como uma modalidade de dano moral, vale citar um julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

MANDATO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS CAUSADOS EM VIRTUDE DE PERDA DE PRAZO. DANOS MORAIS JULGADOS PROCEDENTES. A responsabilidade do advogado é contratual e decorre do mandato. Erros crassos como perda de prazo para contestar, recorrer, fazer preparo do recurso ou pleitear alguma diligência importante são evidenciáveis objetivamente. Conjunto probatório contrário à tese do Apelante. É certo que o fato de ter o advogado perdido a oportunidade de recorrer em consequência da perda do prazo caracteriza negligência profissional. Da análise quanto à existência de nexo de causalidade entre a conduta do Apelante e o resultado prejudicial à Apelada resta evidente que a parte autora da ação teve cerceado o seu direito de ver apreciado o seu recurso à sentença que julgou procedente a reclamação trabalhista, pelo ato de seu mandatário, o qual se comprometera ao seu fiel cumprimento, inserido que está, no elenco de deveres e obrigações do advogado, aquele que interpor o recurso à sentença contra qual irresignou-se o mandante. Houve para Apelada a perda de uma chance, e nisso reside o seu prejuízo. Estabelecidas a certeza e de que houve negligência do mandatário, o nexo de causalidade e estabelecido o resultado prejudicial, demonstrado está o dano moral. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. (RIO DE JANEIRO, 2003).

Outro interessante caso que envolve a natureza de dano moral foi apresentado e comentado por Sérgio Savi (2006), em sua obra, de forma minuciosa. Trata-se da Apelação Cível n° 70003003845, julgada, em 2002, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Nessa situação, o Autor formulou pedido de danos materiais e morais em face de uma empresa, que divulgou informações inverídicas a seu respeito, comprometendo, assim, na busca de um novo emprego por parte do Autor.

A sentença julgou procedente os pedidos do Autor, tanto no que tange aos danos materiais, quanto no que se refere aos danos morais. Contudo, houve a reforma da sentença, tendo o Tribunal reconhecido a perda de uma chance, indenizando somente com base em danos morais, excluindo, portanto, os danos materiais:

[...] Tenho que o maior prejuízo sofrido pelo autor foi a perda da chance de obter o emprego, ou seja, a possibilidade de concorrer com os demais candidatos em patamar de igualdade, com a mesma possibilidade de obter a vaga. No meu entender, tal prejuízo encontra-se na esfera dos danos morais, devendo ser levado em conta quando do arbitramento destes. Não vislumbro possibilidade de condenar a ré ao pagamento de salários que o autor perceberia caso conseguisse o emprego, pois tal fato não passa de presunção, não acompanhada da prova necessária para a condenação da empresa ré por danos materiais. (RIO GRANDE DO SUL, 2002).

A partir desse julgado, Sérgio Savi (2006) faz uma análise interessante da decisão que fora tomada pelo Tribunal, em virtude do fato de que poderia haver a possibilidade de se indenizar a perda de uma chance com base nos danos materiais. Savi (2006) menciona que de acordo com as provas produzidas nos autos, a decisão de primeira instância poderia estar correta, não necessitando ter-se provocado sua reforma.

Para o autor, poder-se-ia vislumbrar caso de lucros cessantes se a testemunha ouvida fosse a pessoa responsável pela contratação e se essa afirmasse que todas as provas realizadas pela parte autora já tinham sido superadas, restando as informações inverídicas como o único argumento para não contratação. Esse caso abrangeria a situação dos lucros cessantes, sendo que a sentença deveria condenar a título de danos materiais sobre o montante que o autor razoavelmente deixou de ganhar. (SAVI, 2006, p. 51).

Enquanto isso, se a pessoa responsável pela contratação afirmasse que as provas já haviam sido superadas pela parte autora, contudo, a vaga para o emprego estaria entre ela e um outro candidato, sendo que ainda haveria uma etapa de entrevistas e que só não fora ela chamada a participar por conta das informações inverídicas prestadas, configurar-se-ia caso de danos materiais por conta da perda de uma chance. Isso porque não se poderia dizer, ao certo, se a parte autora seria ou não contratada, havendo, no entanto, uma chance de, no mínimo, 50%, de a contratação ocorrer. Caberia, portanto, uma indenização com base em danos materiais, danos considerados emergentes e atrelados à perda de uma chance. (SAVI, 2006, p. 51).

Nesse sentido, pode-se perceber que muitos julgados vêm reconhecendo a perda de uma chance como uma modalidade de dano moral ou, até mesmo, exclusivamente, como um fator agregador do dano moral, ignorando seu caráter de dano material.

Vale ressaltar que uma conduta é capaz de ensejar até mais de uma espécie de dano. Dessa maneira, a perda de uma chance pode gerar um dano material e, ao mesmo tempo, representar um agregador do dano moral. Contudo, o que não pode ocorrer é a caracterização da perda de uma chance como um dano moral de maneira exclusiva. A perda de uma chance deve ser entendida como uma subespécie de dano material emergente.

Ademais, visualiza-se, muitas vezes, o uso inadequado da teoria no que tange ao quantum indenizatório, que, como já fora mencionado, não pode ser equivalente ao valor do resultado esperado. Como exemplo dessa inadequação, pode-se citar o Processo n° 0024800-07.2009.5.05.0651, julgado pela 2ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, que realizou a indenização sobre o valor integral:

Transpondo tais ensinamentos ao caso concreto, penso, no entanto, que a chance de progressão funcional por merecimento era completamente garantida ao postulante.

[...]

Destarte, reformo a decisão hostilizada, para deferir o pedido “1” da inicial, condenando a reclamada a pagar o valor integral correspondente às diferenças salariais vencidas desde julho de 2004, e vincendas, em decorrência do salário correspondente ao cargo do reclamante com cinco progressões funcionais vindicadas [...]. [grifamos]. (BRASIL, 2010).

Em outros casos, observam-se decisões que ignoram a avaliação da chance como sendo séria e real. Como exemplo, pode-se citar a Apelação Cível n° 45.988-1, julgada pela 5ª Câmara Cível, que deixou de realizar o reexame das chances de êxito dos recursos em questão, não aferindo se haveria grande probabilidade de reforma da decisão, como se pode verificar a seguir:

RESPOSABILIDADE CIVIL DO ADVOGADO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO E APELAÇÕES INTERPOSTAS FORA DO PRAZO LEGAL. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE DILIGÊNCIA. PERDA DE PRAZOS. NÃO CONHECIMENTO DOS RECURSOS. DANO. EXISTÊNCIA. FORMA DE LIQUIDAÇÃO. AÇÃO PROCEDENTE. O advogado tem o dever de manifestar recurso ordinário oportuno tempore, respondendo por sua interposição intempestiva. A perda do prazo, como ensina José Aguiar Dias, “constitui erro grave, a respeito do qual não é possível escusa, uma vez que os prazos são de direito expresso e não se tolera que o advogado o ignore” (Da Responsabilidade Civil, vol.1, p. 348, Forense – 1987 – 8ª edição). O prejuízo da parte consiste na perda da possibilidade de ver apreciado o mérito da causa na instância superior. Não se configurando qualquer causa de exclusão da responsabilidade civil do advogado, impõe-se a procedência do pedido indenizatório, com fixação da indenização através de arbitramento em liquidação de sentença, levando-se em conta que o dano correspondente apenas à perda de uma chance. (PARANÁ, 1996).

Por outro lado, também se torna válida a apresentação de um julgado em que se pode identificar a correta aplicação da teoria. É o caso da decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, nos autos do Processo n° 01533.2007.112.03.00.5, em que se trabalhou a reparação no campo da probabilidade séria e real, sendo o quantum indenizatório calculado com base na perda da oportunidade e não com base no ganho almejado:

RESPONSABILIDADE CIVIL. VANTAGEM SÉRIA E REAL PERDIDA PELO EMPREGADO EM DECORRÊNCIA DE ATO ILÍCITO DO EMPREGADOR. PERDA DE UMA CHANCE. DANO PATRIMONIAL INDENIZÁVEL. A teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance torna indenizável a probabilidade séria de obtenção de um resultado legitimamente esperado que é obstado por ato ilícito praticado por agente ofensor. Se o reclamante tinha como justa e real a probabilidade de um ganho salarial decorrente de sua promoção ao cargo de supervisor de vendas da reclamada, porque aprovado em processo seletivo interno da empresa, mas viu perdida a chance de conquistar esse resultado em razão de ato ilícito praticado pelo empregador, quando da sua dispensa, manifestamente abusiva e ilícita, faz jus à reparação patrimonial decorrente deste ilícito. E aqui, independentemente dos ganhos perdidos, o que se indeniza é o prejuízo consistente na perda dessa oportunidade, a perda da chance real de alcançar a promoção legitimamente esperada. (BRASIL, 2008).

Sendo assim, diante do exposto, é indiscutível que a teoria vem sendo difundida e empregada de forma gradativa na jurisprudência brasileira. Sua aceitação vem se ampliando consideravelmente a ponto de ser reputada como um posicionamento majoritário. Contudo, ainda há muito o que se aprimorar, pois, como se pôde observar, alguns julgados não se valem da aplicação adequada da teoria, cometendo grandes equívocos, resultantes da inobservância de certos conceitos básicos.

Em contrapartida, há julgados exemplares, que, acertadamente, aplicam a teoria, como é o caso do Recurso Especial n° 788.549 – BA, mais conhecido como o caso do “Show do Milhão”, que será, minuciosamente, discutido a seguir.

4.4  Caso do “Show do Milhão”

 O caso do “Show do Milhão” fora julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 8 de novembro de 2005. Ele retrata, claramente, a utilização da teoria da perda de uma chance, empregando-a de forma louvável e exemplar. Nesse acórdão, foram respeitados os limites e conceitos da técnica, alcançando-se uma indenização adequada.

O litígio versava sobre um programa de televisão chamado “Show do Milhão” e veiculado pela emissora “SBT”, em que o participante concorria a um prêmio equivalente a um milhão de reais em barras de ouro, ao responder de maneira correta as perguntas formuladas. Caso o participante logre êxito até a penúltima pergunta, ele terá acumulado o montante de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).

Contudo, ao responder corretamente a penúltima pergunta, abrem-se duas alternativas ao participante, podendo ele optar por responder a última pergunta, conhecida como “a pergunta do milhão”, ou parar aonde chegou. É importante fazer menção ao fato de que a última pergunta pode ser lida e é dado ao participante alguns segundos para resolver qual alternativa ele irá escolher dentro dessas já mencionadas.

Nessa situação, se a última pergunta fosse respondida corretamente, o participante ganharia um milhão de reais. Entretanto, se ele errasse a questão, perderia tudo o que tinha acumulado durante o programa, recebendo somente uma quantia simbólica de trezentos reais. Já se o participante optasse por não responder, ele sairia do programa com o montante acumulado de quinhentos mil reais.

No caso em comento, a participante, autora da ação, havia chegado à “pergunta do milhão”, acumulando, até então, a quantia correspondente a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), por ter obtido sucesso em todas as outras etapas. No entanto, ao ter acesso à última pergunta, que, ao seu ver, não tinha resposta, ela optou por parar e sair do programa com os quinhentos mil reais.

Contudo, ao sair do programa, inconformada com a pergunta formulada de má-fé pela produção, a participante ajuizou demanda requerendo indenização com base em danos materiais e danos morais. Quanto ao valor requerido por danos materiais, esse totalizava o montante de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), que seriam devidos, sob o argumento de que ela havia perdido a oportunidade de receber essa quantia, em virtude da conduta da ré. Enquanto isso, os danos morais, se reconhecidos, deveriam ser arbitrados pelo juiz.

A pergunta em questão tratava do percentual de terras que a Constituição Federal reconhecia aos índios no território brasileiro. Entretanto, é cediço que a Carta Magna não estabelece nenhum percentual fixo destinado aos índios, conforme se pode extrair da leitura do Art. 231 da CRFB/88: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”. (BRASIL, 2013). Dessa forma, de fato, não haveria uma resposta concreta para a “pergunta do milhão” formulada pela produção do programa.

A ré alegou, em sua defesa, que, se a autora soubesse a área do território nacional e também conhecesse a quantidade de terras que os índios, tradicionalmente, ocupam, ter-se-ia como alcançar um percentual, nos termos do Art. 231 da CRFB/88. Todavia, não cabe razão à alegação feita pela ré, tendo em vista que a pergunta era clara ao se referir ao fato de que a Constituição Federal estabelecia um percentual fixo.

Ademais, mesmo que se conferisse ênfase à alegação da ré, ela não deveria prosperar pelo simples fato de que, até hoje, a União Federal não concluiu o processo de levantamento e demarcação das terras ocupadas pelos índios, havendo, ainda, muitas tribos desconhecidas. Esse, inclusive, foi um dos argumentos ressaltados na sentença.

O caso foi, então, julgado pelo juízo da 1ª Vara Especializada em Defesa do Consumidor de Salvador, resultando na procedência parcial dos pedidos da autora. O pedido de danos materiais no montante de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) fora concedido, restando improcedente o pedido de danos morais.

A sentença acolheu a teoria da perda de uma chance, referindo-se a ela expressamente, apresentando, porém, um grande equívoco ao calcular a indenização de forma inadequada. O juízo de primeira instância reconheceu o pagamento no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), ou seja, no montante equivalente ao resultado final esperado, caso a participante acertasse a “pergunta do milhão”.

Entretanto, conforme a devida aplicação da teoria, o ressarcimento pela perda da chance jamais pode ser igual ao resultado almejado, devendo sempre ser inferior a este. Sendo assim, o montante apropriado ao caso não poderia ser correspondente à quinhentos mil reais,  valor condizente à obtenção do ganho esperado.

Dessa forma, visando a impugnar a decisão proferida, a ré interpôs recurso de apelação. Mas, o Tribunal de Justiça da Bahia negou provimento ao recurso, mantendo, integralmente, a sentença. Como última medida, a ré interpôs Recurso Especial, remetendo a matéria ao Superior Tribunal de Justiça, alegando violação ao Art. 1.059 do Código Civil de 1916.

A parte ré alegou que a chance de a autora responder de forma correta a “pergunta do milhão”, caso essa houvesse sido formulada de maneira adequada, seria de apenas 25% (vinte e cinco por cento), baseando-se num critério puramente matemático, já que havia quatro alternativas de resposta.

O Ministro Relator do acórdão, Fernando Gonçalves, entendeu por bem acolher esse argumento formulado pela ré, ora recorrente, minorando a indenização. Dessa forma, o valor devido a título de ressarcimento passou a ser de R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), pois esse seria correspondente ao percentual de chances atribuídas à parte autora no que se refere à pergunta formulada no programa. Isso afastaria o enriquecimento sem causa de uma parte em detrimento de outra.

Torna-se válido citar um trecho da decisão proferida pelo Ministro Fernando Gonçalves, tendo em vista a adequação à técnica evidenciada no acórdão prolatado:

Na hipótese dos autos, não há, dentro de um juízo de probabilidade, como se afirmar categoricamente – ainda que a recorrida tenha, até o momento em que surpreendida com uma pergunta, no dizer do acórdão, sem resposta, obtido desempenho brilhante no decorrer do concurso – que, caso fosse o questionamento final do programa formulado dentro de parâmetros regulares, considerando o curso normal dos eventos, seria razoável esperar que ela lograsse responder corretamente à “pergunta do milhão”.

[...] Falta, assim, pressuposto essencial à condenação da recorrente no pagamento da integralidade do valor que ganharia a recorrida, caso obtivesse êxito na pergunta final, qual seja, a certeza – ou a probabilidade objetiva – do acréscimo patrimonial apto a qualificar o lucro cessante.

[...]

A quantia sugerida pela recorrente (R$ 125.000,00 - cento e vinte e cinco mil reais) – equivalente a um quarto do valor em comento, por ser uma probabilidade matemática de acerto da questão de múltipla escolha com quatro itens, reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida. (BRASIL, 2005).

Como se pôde observar, a decisão mostrou-se exemplar, aplicando a teoria da perda de uma chance de forma correta ao estabelecer uma indenização inferior à integralidade do valor correspondente ao que receberia a participante se houvesse acertado a “pergunta do milhão”. Reconheceu-se que, diante da má formulação da pergunta, realmente havia ocorrido um dano e que ele deveria ser indenizado, contudo, limitando-se esse ao percentual de chances de acerto da questão.

Vale atentar para o fato de que o acórdão reconheceu a aplicação da teoria no caso em que a chance de obtenção de êxito equivalia a menos de 50% (cinquenta por cento). Isso porque, como já fora dito, a chance da participante lograr êxito na pergunta final seria de apenas 25% (vinte e cinco por cento).

Sendo assim, deve-se ressaltar, que para alguns juristas, como é o caso de Sérgio Savi (2006), a indenização não seria devida, por considerar que há uma limitação ao uso da técnica no percentual de 50% (cinquenta por cento). Para tais estudiosos, apenas a chance superior a 50% (cinquenta por cento) ensejaria um dano passível de ressarcimento, pois apenas essa situação seria vista como chance séria e real.


5        CONCLUSÃO

O presente trabalho procurou abordar de forma detalhada a responsabilidade pela perda de uma chance. Como se pôde notar, tal instituto vem se mostrando cada vez mais presente no direito brasileiro, conquistando espaço no âmbito da doutrina e jurisprudência. A técnica vem recebendo grande importância e evoluindo de acordo com as necessidades surgidas. Há algum tempo atrás, poucos eram os estudos mais aprofundados a respeito do assunto e a jurisprudência vinha enfrentando o tema de forma menos constante.

A partir de uma transformação no cenário social, principalmente, com o advento da Constituição Federal de 1988, o contexto se alterou, colocando-se como foco o respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana, da justiça distributiva e da solidariedade social. O apreço por esses princípios motivou uma reestruturação no campo do Direito Civil, que atingiu, sobretudo, o sistema de responsabilidade civil.

A sociedade se encontra num momento em que o Direito Privado sofre cada vez mais influência do Direito Constitucional, contribuindo para o surgimento de um novo caminho metodológico: o Direito Civil Constitucional. Ou seja, os institutos do Direito Privado são agora analisados de acordo com a própria Constituição Federal e seus princípios.

Por força do princípio de proteção da dignidade da pessoa humana, o Direito visa possibilitar cada vez mais a reparação de danos injustos, almejando retornar ao status quo ante. Sem dúvida, a responsabilidade civil atua como um importante mecanismo na função social e, por isso, deve merecer grande enfoque.

Primeiramente, tal sistema da responsabilidade civil apresentou alterações quanto aos seus pressupostos, ou seja, o elemento subjetivo “culpa” deixou de ser essencial para ensejar o ressarcimento de um dano causado. Sendo assim, reconheceu-se a responsabilização objetiva. E esse seria apenas o começo de uma grande evolução no campo da responsabilidade, pois o direito moderno ampliou, consideravelmente, as hipóteses de danos ressarcíveis.

Outro avanço promovido em virtude de um paradigma solidarista se deu a partir da aplicação da teoria da perda de uma chance, cuja origem advém da França. Essa teoria mostra-se plenamente compatível com princípio da reparação integral dos danos, que norteia o sistema de responsabilidade civil. E, ainda, pode-se afirmar que ela está atrelada à evolução das relações sociais, que conduzem à adequação do Direito ao contexto e exigências atuais.

Apesar de não haver um amparo legal específico para aplicação da teoria, o direito brasileiro apresenta uma série de dispositivos que vão ao encontro da possibilidade de reparação integral dos danos, contemplando, com isso, a ampliação dos danos ressarcíveis. Dessa forma, a ausência de previsão legal não impõe óbice à reparação pela perda de uma chance.

Ademais, deve-se ressaltar que os pressupostos caracterizadores da responsabilidade civil abrangem também a perda de uma chance, pois se mostram presentes, nesses casos, a conduta, o dano, o nexo de imputação e o nexo de causalidade. Conduto, torna-se necessário atentar para o fato de que o nexo de causalidade a ser demonstrado é entre a conduta e a chance perdida e não entre a conduta e o resultado final almejado.

Vale dizer que a chance é um objeto abstrato, não possuindo dimensões materiais, o que dificulta a imposição de limites. Verifica-se, assim, uma tendência de seu emprego ocorrer sem a devida parcimônia, dando embasamento a demandas sem considerável teor de importância. Sendo assim, diante do contexto fático de expansão de sua aplicação, é fundamental imporem-se limitações à sua utilização, a fim de se evitar que a técnica confira um campo aberto ao oportunismo travestido em prejuízo.

Visando-se afastar a banalização de seu uso e a vulgarização de seu conteúdo, tornou-se fundamental a criação de barreiras conceituais. Com isso, apenas será indenizável a chance perdida que se apresentar como sendo séria e real. Dessa maneira, excluem-se os danos considerados meramente hipotéticos.

Alguns doutrinadores entendem, ainda, que se poderia implementar uma limitação no que diz respeito ao percentual de chance que enseja a reparação do dano. Tal posicionamento considera que apenas as chances superiores a 50% (cinquenta por cento) serão passíveis de indenização, já que, para esses juristas, somente essas chances mostram-se sérias e reais.

Contudo, essa última solução não vigora, no Brasil, no âmbito do STJ. Pode-se depreender isso a partir da leitura do leading case do “Show do Milhão”. Adotou-se, no julgado, apenas a solução criada pela jurisprudência francesa, embasada na chance real e séria.

Outrossim, ao se fixar o quantum indenizatório, mostra-se imprescindível se ater ao fato de que o valor da indenização jamais poderá ser correspondente ao valor da vantagem final esperada, sendo indenizável apenas a probabilidade de chance que se detinha para alcançar a vantagem ou se evitar um prejuízo. Quanto maior a chance de se alcançar o resultado esperado, maior a indenização cabível ao prejudicado. Sendo assim, o cálculo para atingir esse valor deve tomar como parâmetro o valor total do resultado esperado e sobre este incidir um coeficiente de redução proporcional às probabilidades de obtenção do tal resultado.

Como se pôde observar, ainda há uma série de divergências no âmbito da doutrina e jurisprudência no que se refere à natureza jurídica da perda de uma chance. Ora ela é classificada como um dano emergente, ora como um lucro cessante e, até mesmo, como um dano moral ou um terceiro gênero.

Contudo, talvez a classificação mais adequada seria aquela que a caracteriza como uma subespécie de dano emergente. Considerando a perda de uma chance como uma espécie de propriedade anterior do sujeito que sofre lesão, eliminar-se-ia o problema da certeza do dano.

Além dessa dificuldade de definição dos conceitos, observam-se grandes equívocos cometidos por parte da jurisprudência. Infelizmente, há, ainda, muitos julgados conferindo à indenização pela perda da própria vantagem e não pela perda da oportunidade de obter a vantagem, o que resulta na transformação de uma chance em realidade.

Diante do exposto, verifica-se uma ampla necessidade de harmonização dos conceitos e critérios de aplicação da teoria. A ampliação dos danos ressarcíveis mostra-se de extrema relevância no contexto atual, contudo, é essencial a imposição de limites, a fim de se evitar o uso indevido da técnica, que não objetiva reparar danos hipotéticos. Sendo assim, conferir uma aplicação mais criteriosa da teoria significa conferir adequação do Direito às exigências sociais, além de se garantir a observância de princípios constitucionais de extrema importância.


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BOECHAT, Bruna Couto. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: compatibilidade com o sistema jurídico brasileiro e sua aplicabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4051, 4 ago. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/30568. Acesso em: 25 abr. 2024.