Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/31719
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

A Convenção de Palermo e o tráfico de pessoas

A Convenção de Palermo e o tráfico de pessoas

Publicado em .

O melhor meio a ser empregado no combate do tráfico de pessoas é o preventivo, com políticas públicas intensificadas, fornecendo educação saúde, condição de vidas digna e saudável, e abrindo uma perspectiva de vida decente e em condições de igualdade para todos ou similares.

RESUMO: O presente artigo apresenta uma situação latente na sociedade mundial – o tráfico de pessoas. Trata-se de prática por demais antiga, mas ainda em pleno vigor, na qual as ações externas consorciadas com as de cada país contribui em perseverar na luta contra este crime, que assola parte da sociedade mundial. As próprias ações patrocinadas por órgãos da Organização das Nações Unidas (ONU) possibilitam uma maior transparência de tais práticas, assim como permite uma prevenção mais efetiva, em face da grande divulgação e prevenção usadas em alguns Estados.

PALAVRAS-CHAVE: Convenção de Genebra; Tráfico de pessoas; Convenção de Palermo; Vitimologia. 

ABSTRACT: This paper presents a latent situation in world society - human trafficking. It's practical too old but still in full force, in which the actions of external intercropped with each country contributes to persevere in the fight against this crime, plaguing the society worldwide. The own shares sponsored by agencies of the United Nations (UN) allow greater transparency of such practices, as well as allowing more effective prevention, given the ubiquity and prevention used in some states.KEYWORDS: Geneva Convention; Trafficking; Palermo Convention; Victimology.

 

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Histórico; 3 Legislação brasileira; 4 Vitimologia; 4.1 Objeto da vitimologia; 4.2 Vítimas potenciais do tráfico; 4.3 Fatores que viabilizam a migração as vítimas; 4.4 Possíveis danos sofridos pelas vítimas; 4.5 Fatores que facilitam o sucesso do tráfico; 4.6 O tráfico no Brasil; 5 Dignidade da Pessoa Humana; Considerações Finais; Referências.


1 INTRODUÇÃO

Este artigo apresenta um quadro deprimente da exploração humana por humanos, tolerado e considerado uma coisa normal em diversos períodos de nossa sociedade. Com a expansão do desenvolvimento tecnológico, este meio de exploração lucrativa cada vez mais se intensifica, posto que sua rentabilidade gera cifras de bilhões de dólares para quem dele se apropria. Tal situação motiva, por parte da Organização das Nações Unidas, diversas medidas coercitivas para extirpar tal flagelo de nosso ambiente social.

No primeiro tópico é feita a contextualização histórica do tráfico de pessoas em nível mundial, tornando-se esclarecedor para o entendimento de que tal medida não se restringe ao século passado ou atual, mas remonta a milhares de anos. Desde época remota, o ser humano explora seu semelhante sem qualquer consideração, mas simplesmente como produto que visa a lucro, como ocorre nas sociedades ditas civilizadas.

No segundo tópico é abordada a legislação brasileira, quase em sua totalidade inspirada no Direito Comparado, mas especificamente nos vários tratados e convênios elaborados sob os auspícios da ONU, mas que ainda está apresentando uma eficácia tímida.

O terceiro tópico contempla com maior clareza este tema, ao apresentar noções da vitimologia, o seu objeto, as vítimas em potencial, os fatores que favorecem a migração dessas pessoas, possíveis danos sofridos pelas vítimas, os fatores que facilitam a atuação do tráfico de pessoas e como ocorre o tráfico no Brasil.

No quarto tópico tratamos da dignidade da pessoa humana, preconizada pela Organização das Nações Unidas em sua Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, bem como os estudos desenvolvidos por grupos preocupados com tal matéria.

Ao final, tecemos alguns comentários gerais sobre o assunto que tem inclusive sido tema de abordagem midiática, mediante o noticiário e novela de televisão, o que o torna alvo de reportagens em jornais e revistas, devido ao interesse despertado no grande público.


2 HISTÓRICO

Desde as épocas remotas de nossa sociedade, existiu o tráfico de pessoas. No mundo grego, os conquistadores tornavam os vencidos seus escravos e os submetiam a trabalhos forçados ou os vendiam para outros senhores. De forma idêntica ocorria na Roma antiga, assim como nos povos que os sucederam no decorrer da História Universal. No século XVIII, durante o clímax da exploração colonial, Portugal e Espanha se utilizavam de mão de obra escava em suas colônias trazidas do continente africano.

Salienta Castilho que, na legislação comparada temos, a partir de 1814, a preocupação dos Estados pela proteção dos seres humanos, que eram explorados por outros semelhantes. A Convenção de Viena de 1814 teve como objetivo reorganizar as fronteiras europeias alteradas pelas conquistas de Napoleão, e restaurar a ordem absolutista do antigo regime, levando a mudanças políticas e econômicas em toda a Europa, acarretando também a proibição do tráfico de negros, objeto de comércio para a escravidão[1].

Com a criação da Sociedade das Nações, em 1926, mediante convenção firmada por este organismo internacional, houve a reafirmação do Tratado de Paris, ratificada em 1953, agora sob a égide da Organização das Nações Unidas.  Para fins dessa última convenção, o tráfico de escravos “compreende todo ato de captura, aquisição ou cessão de um indivíduo para vendê-lo ou trocá-lo; todo ato de cessão por venda ou câmbio de um escravo, adquirido para vendê-lo ou trocá-lo, e em geral todo ato de comércio ou de transporte de escravos”.

Na Convenção de Genebra, de 1956, repetiram-se os conceitos, mas o foco foi ampliado para instituições e práticas análogas à escravidão, nomeando expressamente a imobilização por dívidas e a servidão, assim como o casamento forçado de uma mulher em troca de vantagem econômica para seus pais ou terceiros; a entrega, onerosa ou não, de uma mulher casada a terceiro pelo seu marido, sua família ou seu clã; os direitos hereditários sobre uma mulher viúva; a entrega, onerosa ou não, de menor de 18 anos a terceiro, para exploração[2].

Os Estados que ratificaram essa Convenção além do acima aduzido deveriam, também, estabelecer medidas de natureza administrativa e civil, visando a modificar as práticas análogas à escravidão de mulheres e crianças. A Convenção fixou a obrigação de definir como crimes, entre outras, a conduta de transportar ou de tentar transportar escravos de um país a outro, de mutilar ou aplicar castigos, de escravizar alguém ou de incitar alguém a alienar a sua liberdade ou de quem esteja sob sua autoridade.

O Congresso de Viena de 1814 tinha como meta principal a reestruturação da Europa pós-era napoleônica, visando a garantir a paz no Velho Continente. Porém, além das disposições políticas territoriais, estabeleceu a condenação do tráfico de escravos, determinando sua proibição ao norte da linha do Equador. Com a evolução da sociedade, ou sua involução, verificaram-se novas incidências de condutas exploratórias, agora voltadas para a exploração laboral e para o tráfico de mulheres brancas destinadas à prostituição. Ante este novo surto exploratório na sociedade mundial, foi firmado em Paris, no ano de 1904, o Acordo para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas. No ano seguinte, este Acordo foi convolado em Convenção, provocando o surgimento de outras convenções nas décadas subsequentes: a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Brancas (Paris, 1910); a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças (Genebra, 1921); a Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores (Genebra, 1933); Protocolo de Emenda à Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças e à Convenção Internacional para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores (1947); a Convenção e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio (Lake Success, 1949)[3].

Observa-se um divisor de águas entre as convenções celebradas sob a égide da Liga das Nações e as que sucederam à criação da ONU. As primeiras se pautavam pela proteção das mulheres europeias, mas especificamente as do Leste Europeu, onde somente havia uma preocupação com a imposição de sanções de cunho administrativo.

Ficou patente que a Convenção e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio (1949) foi ineficaz quando da edição da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), ao obrigar os Estados-Partes a tomarem as medidas apropriadas para suprimir todas as formas de tráfico e de exploração da prostituição de mulheres. Em 1983 o Conselho Econômico e Social da ONU não constatando nenhum dado eficaz, decide cobrar relatórios para poder melhor avaliar a Convenção[4].

O Brasil, acompanhando os anseios da sociedade internacional, tem ratificado vários tratados relacionados ao tema em estudo, quanto à sua efetiva implementação no território nacional, porém isto é outro assunto, pois as políticas públicas na maioria das vezes são vacilantes no seu atendimento eficaz[5].

Quase duas décadas depois, em 1992, a ONU lança o Programa de Ação para a Prevenção da Venda de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia Infantil. Castilho aborda a necessidade de um processo de revisão que se fortalece na Conferência Mundial dos Direitos Humanos (1993), cuja Declaração e Programa de Ação de Viena salientam a importância da “eliminação de todas as formas de assédio sexual, exploração e tráfico de mulheres”. Daí o Programa de Ação da Comissão de Direitos Humanos para a Prevenção do Tráfico de Pessoas e a Exploração da Prostituição (1996)[6].

Complementa Castilho que a Convenção Interamericana sobre o Tráfico Internacional de Menores (1998) conceituou como tráfico internacional de pessoas com menos de 18 anos a “subtração, transferência ou retenção, ou a tentativa de subtração, transferência ou retenção de um menor, com propósitos ou por meios ilícitos”. Exemplificando como propósitos ilícitos, entre outros, a prostituição, a exploração sexual, a servidão e como meios ilícitos “o sequestro, o consentimento mediante coerção ou fraude, a entrega ou recebimento de pagamentos ou benefícios ilícitos com vistas a obter o consentimento dos pais, das pessoas ou da instituição responsáveis pelo menor[7].

Observa-se nestes acordos um processo evolutivo na repressão aos abusos sofridos pelas mulheres e crianças, sendo que em uma primeira fase estavam direcionadas às mulheres brancas, depois às mulheres e crianças, e agora aos seres humanos em geral, sem desfalecer o cuidado especial com as mulheres e crianças.

Até a Convenção e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio de 1949 existia uma preocupação em coibir o tráfico para fins de prostituição.

Com a edição da Convenção Interamericana, o lastro protetivo foi ampliado: além da prostituição, passou a ser considerada a exploração sexual e a servidão[8]. Nos primeiros tratados, as vítimas desses tipos de exploração apresentavam-se em uma situação dicotômica, como se fossem os criminosos, mas com o passar dos anos a consciência mundial os posicionou no seu devido lugar, de vítimas da exploração[9].


3  LEGISLAÇÃO BRASILEIRA 

Em 29 de janeiro de 2004, o governo brasileiro ratificou o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial de Mulheres e Crianças, adotado em Nova York, em 15 de novembro de 2000, levando a sua internalização com a promulgação do Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004. Trata-se de um instrumento internacional que contém normas e medidas relativas a todos os aspectos relacionados ao tráfico de pessoas, quais sejam, a prevenção e o combate ao tráfico, bem como a assistência e a proteção às vítimas.

É cediço que o tráfico de pessoas tem como foco mulheres, crianças e adolescentes. Com relação a este fato, o governo brasileiro ratificou em 1º de fevereiro de 1984 a Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1979), dando um passo importante para a proteção de todas as mulheres brasileiras. Nas Américas, o Brasil é Estado-Parte da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (1994)[10].

A preocupação da Organização das Nações Unidas pela proteção das mulheres e crianças levou, através da Resolução nº 53/111 da Assembleia Geral, de 9 de dezembro de 1998, a instituir um comitê intergovernamental especial, de composição aberta, para elaborar uma convenção internacional de âmbito global contra o crime transnacional e examinar a possibilidade de elaborar um instrumento internacional para repressão contra o tráfico de mulheres e de crianças. Tal iniciativa culminou com a elaboração de um conjunto de instrumentos para inibir tais ações, conforme discriminado a seguir: Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004 (Convenção de Palermo)[11], Decreto nº 5.016, de 12 de março de 2004[12] e Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004 (Protocolo adicional da Convenção de Palermo)[13]. Tais dispositivos tratam respectivamente do seguinte: promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional; promulga a Convenções das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea e o último promulga o Protocolo adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças.

O artigo 2º da Convenção de Palermo é uma norma explicativa, mediante a qual os principais termos ali utilizados são definidos, conforme é delineado em seguida:

a) "Grupo criminoso organizado" - grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material;

b) "Infração grave" - ato que constitua infração punível com uma pena de privação de liberdade, cujo máximo não seja inferior a quatro anos ou com pena superior;

c) "Grupo estruturado" - grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, que não haja continuidade na sua composição e que não disponha de uma estrutura elaborada;

d) "Bens" - os ativos de qualquer tipo, corpóreos ou incorpóreos, móveis ou imóveis, tangíveis ou intangíveis, e os documentos ou instrumentos jurídicos que atestem a propriedade ou outros direitos sobre os referidos ativos;

e) "Produto do crime" - os bens de qualquer tipo, provenientes, direta ou indiretamente, da prática de um crime;

f) "Bloqueio" ou "apreensão" - a proibição temporária de transferir, converter, dispor ou movimentar bens, ou a custódia ou controle temporário de bens, por decisão de um tribunal ou de outra autoridade competente;

g) "Confisco" - a privação com caráter definitivo de bens, por decisão de um tribunal ou outra autoridade competente;

h) "Infração principal" - qualquer infração de que derive um produto que possa passar a constituir objeto de uma infração definida no Artigo 6 da presente Convenção;

i) "Entrega vigiada" - a técnica que consiste em permitir que remessas ilícitas ou suspeitas saiam do território de um ou mais Estados, os atravessem ou neles entrem, com o conhecimento e sob o controle das suas autoridades competentes, com a finalidade de investigar infrações e identificar as pessoas envolvidas na sua prática;

j) "Organização regional de integração econômica" - uma organização constituída por Estados soberanos de uma região determinada, para a qual estes Estados tenham transferido competências nas questões reguladas pela presente Convenção e que tenha sido devidamente mandatada, em conformidade com os seus procedimentos internos, para assinar, ratificar, aceitar ou aprovar a Convenção ou a ela aderir; as referências aos "Estados Partes" constantes da presente Convenção são aplicáveis a estas organizações, nos limites das suas competências.

De forma similar podemos encontrar no Protocolo Adicional a Convenção de Palermo uma norma explicativa, como pode ser observada no seu art. 3º:

a) por “tráfico de pessoas” entende-se o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ante a situação de vulnerabilidade da vítima, ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos;

b) o consentimento dado pela vítima de tráfico de pessoas, tendo em vista qualquer tipo de exploração descrito na alínea “a” do presente artigo, será considerado irrelevante se tiver sido utilizado qualquer um dos meios referidos na mesma alínea;

c) O recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de uma criança para fins de exploração serão considerados “tráfico de pessoas” mesmo que não envolvam nenhum dos meios referidos da alínea “a” do presente artigo;

d) o termo “criança” significa qualquer pessoa com idade inferior a dezoito anos. Já no Estatuto da Criança e do Adolescente, criança tem até 12 anos incompletos. De 12 a18 anos, período da adolescência. Acima dos 18 anos, fase adulta.

Observe-se que o consentimento da vítima de tráfico de pessoas, tendo em vista o assinalado na sua definição, não terá eficácia quando da utilização de qualquer dos meios ali mencionados[14]


4 VITIMOLOGIA

O que vem a ser a vitimologia? As definições a seguir transcritas prendem-se a observações baseadas na visão social de seu autor, apresentando, diante disto, variações específicas do momento social de sua elaboração.

O autor mexicano Luis Rodrígues Manzanera indica ser ela o estudo científico da vítima, que não deve esgotar-se com o estudo do sujeito passivo do crime, mas também ater-se a outras pessoas que são atingidas e a outros campos não delituosos, como pode ser o campo dos acidentes[15].

Para Ramírez González, a vitimologia é o estudo psicológico e físico da vítima que, com o auxílio das disciplinas que lhe são afins, procura a formação de um sistema efetivo para a prevenção e controle do delito[16].

Segundo Eduardo Mayr, vitimologia é o estudo da vítima no que se refere a sua personalidade, quer do ponto de vista biológico, psicológico e social, quer do de sua proteção social e jurídica, bem como dos meios de vitimização, sua inter-relação com o vitimizador e aspectos interdisciplinares e comparativos[17].

Já Fiorelli e Mangini conceituam vitimologia da seguinte forma:

É a ciência que estuda a vítima sob os pontos de vista psicológico e social, na busca do diagnóstico e da terapêutica do crime, bem como da proteção individual e geral da vítima. Tem por objetivo estabelecer o nexo existente na dupla penal, o que determinou a aproximação entre a vítima e delinquente, a permanência e a evolução desse estado[18].

Por seu turno, Sandro D’Amato Nogueira afirma que vitimologia é “uma ciência que nasceu a princípio incorporada à criminologia e tem como sua principal meta estudar a vítima, seu comportamento, sua participação no delito sofrido, suas tipologias, bem como a possível reparação de danos por elas sofridos” [19].

A definição mais adequada ao momento social do Brasil pode ser considerada aquelas elaboradas por quem vivencie o aspecto social nacional, cabendo, neste caso, as apresentadas por Eduardo Mayr e Fiorelli e Mangini, conforme descrição acima. 

4.1 OBJETO DA VITIMOLOGIA

Os estudos dos fenômenos vitimológicos enfocam as pessoas ou grupos sociais ofendidos por ações delituosas de natureza criminal, as vítimas de ilícitos civis e as vítimas de outros fenômenos sofrimentos geradores do sofrimento humano. Separovic faz um amplo estudo da vitimologia à luz das ciências sociais, no qual afirma que:

A vitimologia deve ter como meta a orientação para a maior proteção dos indivíduos. O seu propósito deveria ser contribuir, tanto quanto possível, para tornar a vida humana segura, principalmente a salvo de ataque violento por outro ser humano:

1- Explorando meios para descobrir vítimas latentes ou em potencial e situações perigosas que levam à morte, lesões e danos à propriedade.

2- Provendo direitos humanos para os que sofrem em resultado de ato ilegal ou de acidente.

3- Incentivando as pessoas e as autoridades nos seus esforços para reduzir os perigos e estimulando novos programas para prover condições seguras de vida.

4- Provendo meios para pesquisa na área de segurança humana, incluindo fatores criminológicos, psicológicos e outros, e desenvolvendo métodos e enfoques inovadores para tratar de segurança humana.

5- Promovendo um programa efetivo não só para proteger a sociedade de atos ofensivos, através de condenação, castigo e correção, mas também proteger as vítimas reais e em potencial de tais atos.

6-Facilitando a denúncia de atos vitimizadores, o que contribuirá para atingir o objetivo de prevenção de danos futuros[20].

4.2 VÍTIMAS POTENCIAIS DO TRÁFICO

Em levantamento realizado em 19 estados brasileiros, visando a investigar as vítimas preferenciais para o tráfico de pessoas, ficaram patentes que aquelas que se destinam ao tráfico para fins sexuais são recrutadas preferencialmente entre mulheres e adolescentes, afrodescendentes, na faixa entre 15 e 25 anos. As mulheres são as da classe menos favorecida, com baixa escolaridade, residentes na periferia dos grandes centros urbanos, desprovidos de saneamento básico, sem emprego fixo, possuindo um filho e que residem com algum familiar[21]. Observa-se que muitas dessas mulheres já possuíram passagem pela prostituição.

Também foi constatado que estas mulheres têm experiência em atividades de baixa renda, sem necessidade de algum conhecimento específico, tais como prestação de serviços domésticos e do comércio, funções de baixa remuneração, sem carteira assinada, com alta rotatividade, obrigadas a uma jornada cansativa de trabalho diário, sem perspectiva de progressão funcional e, em consequência, de melhoria econômica.  Constata-se, também, que as mulheres e adolescentes vítimas de tráfico para fins sexuais já sofreram algum tipo de violência no seio familiar e fora do ambiente familiar em locais de internação, colégio, abrigos etc.[22]. Em função de sua formação familiar, essas pessoas apresentam-se desestruturadas em suas bases, por terem sofrido violência social e por serem, portanto, presa fácil para a ação dos exploradores que se apresentam como ajudadores, na perspectiva de uma vida melhor do que a anterior, tornando-se ainda mais vulneráveis pela falta de ação das redes protetoras[23].

4.3 FATORES QUE VIABILIZAM A MIGRAÇÃO AS VÍTIMAS

A abordagem das vítimas é primordial para o sucesso do aliciador traficante, pois ele se aproveita dos sonhos e/ou da fragilidade das vítimas em busca de uma melhor qualidade de vida, apesar das deficiências intelectuais acima mencionadas. Elas são atraídas pelas as artimanhas criadas pelo traficante, tentando alcançar uma melhoria de vida para si e seus familiares[24].  Até mesmo sabendo vão viver na prostituição, as vítimas acalentam um pensamento positivo, acreditando que não serão molestadas, e acabam enganadas e submetidas a tratamento subumano, como maus-tratos. Muitas são mantidas em cárcere privado para o exercício da prostituição[25]

A falta de recursos econômicos tem sido fator primordial para permitir a ação do traficante aliciador, pois não havendo possibilidade de melhor sobrevivência no local de moradia, desperta o interesse em ganho “fácil” e rendoso, sem considerar os riscos inerentes à aceitação do serviço. A oportunidade de trabalhar no exterior, recebendo em moeda teoricamente mais forte que a nossa, por acreditar que as oportunidades são maiores que no nosso país, também é outro facilitador para a atuação do traficante.  Prevalece a ilusão de que a vida no exterior trará uma condição social mais relevante daquela em que estão no momento presente, submetidas à pressão existente no ambiente social em que vivem [26].

Outro fator relevante é o estigma da opressão daquelas que já vivem na prostituição, ao considerar uma oportunidade o afastamento do habitat para outro ambiente desconhecido onde possam conseguir um status diferenciado do anterior. Algumas destas vítimas se arriscam a viver em outro local, fora do país de origem, mesmo desconhecido, independente de alcançar os objetivos financeiros[27]. Por faltar um ambiente emocional equilibrado em seu local de origem, tentam no exterior conseguir esta estabilidade, onde acreditam que receberão afeto, amor e compreensão, todos negados em seus lares. 

Estes são alguns dos fatores que levam ao sucesso do aliciador na conquista da vítima para o tráfico.

4.4 POSSÍVEIS DANOS SOFRIDOS PELAS VÍTIMAS

Conforme estudo promovido pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual pode levar a diversos danos, entre eles, o psicológico, o físico, o legal, social e o econômico[28].

Aqueles que afetam a psique são decorrentes de negligência, confinamento e violência, podendo desenvolver sintomas da síndrome pós-traumática, depressão e tendências suicidas, dificuldades de interagir socialmente e formar relações de afeto.

Os efeitos físicos, conforme a OIT, são em decorrência do confinamento, uso forçado de drogas, abortos compelidos, privação de alimentação e sono; no sistema reprodutor, em decorrência de doenças sexualmente transmissíveis, pulmões, por falta de alimentação adequada, excesso de umidade nos locais das atividades, tabagismo incentivado para suprir carências, e sistema imunológico, em razão da contaminação pelo vírus da AIDS[29].

Em seu aspecto legal a OIT apresenta a condição de migrante não documentado no país de destino da exploração e autoria de crime, no caso de a prostituição ser considerada crime no país de destino, levando por vezes à perda da guarda dos filhos tidos durante o período de exploração sexual, isto em face de seu encarceramento, deportação, expulsão do país para onde foi traficada[30].

No aspecto social a vítima do tráfico fica alijada do meio social, face ao seu isolamento, a sua desconfiança com o ambiente onde vive, além de sua timidez.

Economicamente falando, a vítima do tráfico fica em poder dos traficantes, sempre endividada, sofrendo a perda de seus bens pessoais, tendo a exclusão dos serviços educacionais e sociais. Privada, portando, de um meio da sair daquele ambiente promiscuo e sem progresso[31]

4.5       FATORES QUE FACILITAM O SUCESSO DO TRÁFICO           

Conforme já mencionado, a ausência de oportunidades de trabalho pela falta de qualificação e o desejo de uma rápida ascensão social alavancam o direcionamento das vítimas em direção aos traficantes[32].

A discriminação de gênero, no que se refere à mulher ser considerada socialmente como um objeto sexual, e não como sujeito com direito à liberdade, favorece toda forma de violência sexual.

A percepção do homem como o provedor emocional e financeiro estabelece relações de poder entre ambos os sexos e entre adultos e crianças. Nesse contexto, mulheres, tanto adultas como crianças e adolescentes, são estimuladas a desempenhar o papel social de atender aos desejos e demandas do homem ou de quem tiver alguma forma de poder hierárquico sobre elas[33].

Outros países que não o nosso, onde há instabilidade política, econômica e civil, como nos países do Leste Europeu, favorecem aos abusos sexuais forçados. Outro ponto de desestabilização é a violência doméstica, tanto física, como psicológica e sexual, permitindo a ação do aliciador para o tráfico.

Pode-se considerar também como meio facilitador da ação do traficante aqueles que tentam entrar em outros países desprovidos dos documentos exigidos, caindo nas mãos dos chamados “coiotes” que, se aproveitando da condição de submissão, exploram aqueles que tentam se dirigir ao país de seus sonhos. Aqueles que se aventuram ao turismo sexual, mulheres e adolescentes, ficam de uma forma ou outra, ligados aos traficantes e, quando desejam retornar ao país de origem, se valem dos traficantes.

As leis e o sistema judicial, em face da burocracia excessiva e da atividade judicial morosa, atrapalham o combate ao tráfico.

4.6 O TRÁFICO NO BRASIL

A participação do Brasil nas redes internacionais do tráfico de pessoas é favorecida pelo baixo custo operacional, pela existência de boas redes de comunicação, de bancos e casas de câmbio e de portos e aeroportos, pelas facilidades de ingresso em vários países sem a formalidade de visto consular, pela tradição hospitaleira com turistas e pela miscigenação racial[34].

Levantamento do Ministério da Justiça, realizado no âmbito de projeto implementado com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), apurou que os estados onde a situação é mais grave são Ceará, São Paulo e Rio de Janeiro, por serem os principais pontos de saída do país, e Goiás. No caso deste último, onde o aliciamento acontece principalmente no interior, profissionais que atuam no enfrentamento ao tráfico de pessoas acreditam que as organizações criminosas se interessam pela mulher goiana pelo fato de seu biótipo ser atraente aos clientes de serviços sexuais na Europa.

Inquéritos policiais, denúncias de organizações não-governamentais (ONGs), registros em órgãos governamentais, entrevistas com vítimas e notícias veiculadas na mídia indicam, no entanto, que o tráfico interno é praticado no Brasil com a mesma intensidade do tráfico internacional. Muitos desses casos ficam camuflados sob outras violações da lei, como sequestro ou lenocínio (crime pelo qual uma pessoa fomenta, favorece ou facilita a prática de prostituição). O tráfico interno com o objetivo de fornecer mão de obra para o trabalho forçado na agricultura, deslocando as vítimas de áreas urbanas para áreas rurais, também é um problema grave no país. A situação ganha ainda maior gravidade quando se verifica que a Organização Internacional do Trabalho estima que 25 e 40 mil brasileiros são submetidos a trabalho forçado.

O Brasil também é um país receptor de vítimas do tráfico. Elas vêm principalmente de outras nações da América do Sul (Bolívia e Peru), como também da África (Nigéria) e Ásia (China e Coreia). A maioria acaba submetida a regimes de escravidão nas grandes cidades, como São Paulo, e fica confinada em oficinas de costura, fazendo jornadas de mais de 15 horas e sendo obrigada a dormir no próprio local de trabalho. A Pastoral do Migrante calcula que 10% dos imigrantes bolivianos ilegais que chegam a São Paulo terminam nessas condições.


5 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Com a criação da Organização das Nações Unidas, surgiu o desejo dos países vitoriosos da Segunda Guerra Mundial em extirpar da sociedade mundial as atrocidades praticadas pelos envolvidos na guerra.  Um de seus objetivos neste sentido foi alcançado com a promulgação da Declaração Universal dos Direitos do Homem, em Paris, no dia 10 de dezembro de 1948. A medida não possuía um caráter cogente, mas servia de balizadora para todos os Estados associados da ONU no alcance da dignidade da pessoa, embora ainda não estendida para a totalidade da sociedade mundial.

Dados do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais (NUPRI), da Universidade de São Paulo (USP), apresentados por Maria da Conceição Quinteiro, apontam que dois milhões de pessoas em todo mundo são traficadas anualmente, sendo que deste montante cerca de 80% seriam para a exploração sexual e 20% para trabalho escravo, esclarecendo que deste total cerca de 50% dessas pessoas traficadas são menores de 18 anos. Acrescenta a autora que cada pessoa traficada fornece o lucro de US$ 30 mil anuais para a rede criminosa. Informando que a participação do Brasil nesta estatística fica em torno de 15% dos dois milhões anuais que engrossam o tráfico internacional de pessoas[35].

As pesquisas realizadas para o desenvolvimento deste tema revelam que as condicionantes para tal ocorrência são as desigualdades sociais, econômicas e regionais, características de contextos marcados pela alta vulnerabilidade das pessoas aí residentes, traduzida nas precárias condições de vida: moradias insalubres, ausência de saneamento básico, baixa escolaridade, baixo grau de inserção no mercado de trabalho, famílias pouco estruturadas, pessoas que, do ponto de vista emocional, portam baixa auto-estima. Apesar destas condições adversas, há pessoas que buscam sair dessa vida de pobreza, porém as chances de mudança para um melhor patamar social são restritas, dados os níveis de escolaridade, social e econômico[36].

Esta situação de pobreza é chamariz para os aliciadores recrutarem as suas vítimas: os adultos, as crianças e os adolescentes que engrossam o tráfico de pessoas, na modalidade exploração sexual ou na do trabalho escravo, municipal, intermunicipal, interestadual e internacional [37].

Conforme salientado por Quaglia, o número de trabalhadores e trabalhadores do sexo, ilegais, que vivem na União Europeia varia entre de 200 mil a um milhão de pessoas. Dois terços deste total são oriundos do Leste Europeu e o restante de diversos países em desenvolvimento, inclusive do Brasil. São dados do Relatório Mundial do Tráfico de Pessoas, do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC), de 2006, sendo que os principais destinos da maioria dos brasileiros vítimas do tráfico são Estados Unidos, Portugal, Espanha e países de língua latina[38].

Em grande parte dos países onde ocorrem o tráfico de pessoas não existe uma estrutura jurídica para prevenir, reprimir e punir essas ocorrências, facilitando a disseminação de tal prática, aliada, é claro, à falta de direitos fundamentais para seus nacionais. Ao tentar fugir da miséria e da falta de oportunidade para progredir na vida e obter uma melhor condição de vida para si e para os seus familiares se submetem, por vezes, a situações que denigrem a condição humana e enriquecem os poucos oportunistas de plantão.

Para se ter uma pequena amostra desse mundo, um relatório da UNODC aponta a atuação de um traficante, na Bélgica, que importava mulheres da África e vendia cada uma por US$ 8 mil, havendo estimativas de que as cifras possam chegar a US$ 30 mil por pessoa. Na Alemanha, prostitutas russas que ganham US$ 7,5 mil têm de entregar ao dono do bordel US$ 7 mil por mês, ficando escravizadas, física e mentalmente, incapazes de pagar suas dívidas ou de se socorrer das autoridades locais, temerosas de serem deportadas e de suas famílias serem prejudicadas pela ação desta rede criminosa[39].


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como pode ser percebido no desenvolvimento desse artigo, o tráfico de pessoas tornou-se uma epidemia, a ser tratada de forma séria e persistente, tanto pelos governos dos locais de origens das vítimas como dos países de destino das vítimas, motivo pelo qual a Organização das Nações Unidas criou várias convenções para prevenção e repressões de tais praticam.

Observa-se que somente a ratificação das diversas convenções não inibirá a ocorrência do tráfico de pessoas, sendo que esta deve estar consorciada a uma atuação interna duradoura para que, no decorrer dos anos, se elimine tal incidência. Para esta eliminação, é primordial existir uma política pública nos países de origem das vítimas, em sentido pleno, para dar a todos os seus nacionais uma condição de vida digna, inibindo a imigração em busca de condições de vida em outros países, onde por vezes, são explorados, humilhados e submetidos a todo tipo de vexame e degradação humana.

Conforme mencionado, as vítimas do tráfico de pessoas ficam marcadas fisicamente (uso forçado de drogas, abortos compelidos, privação de alimentação e sono; doenças no sistema reprodutor, em decorrência de doenças sexualmente transmissíveis, pulmões, por falta de alimentação adequada, excesso de umidade nos locais das atividades, tabagismo incentivado para suprir carências, e sistema imunológico, em razão da contaminação pelo vírus da AIDS) e mentalmente (síndrome pós-traumática, depressão e tendências suicidas, dificuldades de interagir socialmente e formar relações de afeto). Para a recuperação destas pessoas, o tratamento deverá ser duradouro e eficaz, cabendo ter a compreensão e apoio da sociedade, e principalmente no seu seio familiar. 

O melhor meio a ser empregado no combate do tráfico de pessoas é o preventivo, com políticas públicas intensificadas, fornecendo educação saúde, condição de vidas digna e saudável, e abrindo uma perspectiva de vida decente e em condições de igualdade para todos ou similares, conforme descrito na Declaração Universal dos Direitos do Homem. Após a ocorrência do tráfico de pessoas, os meios de reparação e o investimento pelo Estado talvez não alcancem seu objetivo pleno, mas por vezes somente paliativo. O trauma sofrido por quem passou por esta modalidade de escravatura moderna deixa marcas profundas, difíceis de serem superadas.


REFERÊNCIAS

CAMPOS, Bárbara Pincowsca Cardoso (Coord.). Política nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas. 2. ed. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), 2008.

CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In: CAMPOS, Bárbara Pincowsca Cardoso (Coord.). Política nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas. 2. ed. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), 2008, p. 24-42.

FIORELLI, José Osnir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia Jurídica. São Paulo: Atlas, 2009.

ISTOE. Disponível em: http://www.istoe.com.br/reportagens/170188_ TRAFICO+DE+PESSOAS. Acesso em: 12 set. 2012.

Leal, Maria Lúcia; Leal, Maria de Fátima P., (Organizadoras). Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial - PESTRAF: Relatório Nacional - Brasília: CECRIA, 2002.

MANZANERA, Luis Rodrígues. Criminología. 2. ed. Mexico: Perruá, 1981.

MAYR, Eduardo. Atualidade vitimológica. In: KOSOVSKI, Ester; PIEDADE JÚNIOR, Heitor; MAYR, Eduardo (Orgs.). Vitimologia em debate. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 18-35.

MARKS, Elton.Tráfico de Mulheres, Revista Istoé, n. 1587, de primeiro de março de 2000. Disponível em:<http://www.istoe.com.br/reportagens/33440_TRAFICO+DE+MULHERES.html>. Acesso em: 21 set. 2012.

MELLO, Monica de; MASSULA, Letícia. Tráfico de Mulheres: Prevenção, Punição e Proteção. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_0/revista/Rev_58/art_Monica.html>. Acesso em: 12 set. 2012.

NOGUEIRA, Sandro D'Amato. Vitimologia. Brasília: Brasília Jurídica, 2006.

OBSERVATORIO DE SEGURANCA. Disponível em: <http://www.observatoriodeseguranca.org/relatorios/trafico>. Acesso em: 27 set. 2012.

QUAGLIA, Giovanni. Tráfico de pessoas, um panorama histórico e mundial. In: OLIVEIRA, Marina Pereira Pires de (Coord.). Política Nacional do Enfrentamento do Tráfico de Pessoas. Brasília: Ministério da Justiça, 2007, p. 27-41.

QUINTEIRO, Maria da Conceição. Tráfico de pessoas para fins de Exploração sexual e trabalho escravo. NUPRI/USP. Disponível em: <http://200.144.190.194/nupri/?artigo/mostrar/id/349>. Acesso em: 27 set. 2012.

RAMÍREZ GONZÁLEZ, Rodrigo. La victimología. Bogotá: Temis, 1983.

SEPAROVIC, Zvonimir Paul. Vitimologia: uma abordagem nova nas ciências sociais. In: KOSOVSKI, Ester; PIEDADE JÚNIOR, Heitor; MAYR, Eduardo (Orgs.). Vitimologia em debate. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 67-82.


Notas

[1] CASTILHO, Ela Wiecko V. de. Tráfico de pessoas: da Convenção de Genebra ao Protocolo de Palermo. In: CAMPOS, Bárbara Pincowsca Cardoso (Coord.). Política nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas. 2. ed. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), 2008, p. 7.

[2] CASTILHO, Ela Wiecko V. de, op.cit., p. 9.

[3] Conforme Castilho, a Convenção de 1921 alterou o art. 1º para incluir “crianças de um e do outro sexo” e aumentou a maioridade para 21 anos completos. A regra geral era de que o consentimento de mulheres casadas ou solteiras maiores excluía a infração.

A Convenção de 1933 modificou essa orientação. Consoante o art. 1°: “Quem quer que, para satisfazer às paixões de outrem, tenha aliciado, atraído ou descaminhado, ainda que com seu consentimento, uma mulher ou solteira maior, com fins de libertinagem em outro país, deve ser punido”.

Os protocolos de emenda ao Acordo de 1904 e às convenções de 1910, 1921 e 1933, aprovados pela ONU em 1947 e 1948, não afetaram as definições, apenas validaram as convenções na nova ordem internacional pós-guerra. A prostituição, nessa primeira fase, era considerada um atentado à moral e aos bons costumes.

A Convenção de 1949 veio valorizar a dignidade e o valor da pessoa humana, como bens afetados pelo tráfico, o qual põe em perigo o bem-estar do indivíduo, da família e da comunidade. A vítima pode ser qualquer pessoa, independentemente de sexo e idade.

De acordo com o seu artigo 1º, as partes se comprometem em punir toda pessoa que, para satisfazer às paixões de outrem “aliciar, induzir ou descaminhar, para fins de prostituição, outra pessoa, ainda que com seu consentimento” bem como “explorar a prostituição de outra pessoa, ainda que com seu consentimento” O art. 2º detalha as condutas de manter, dirigir, ou, conscientemente, financiar uma casa de prostituição ou contribuir para esse financiamento; de dar ou tomar de aluguel, total ou parcialmente, um imóvel ou outro local, para fins de prostituição de outrem. Conforme CASTILHO, Ela Wiecko V. de, op. cit., p.7.

[4] Conforme CASTILHO, Ela Wiecko V. de, op. cit., p.11.

[5] O Brasil ratificou as seguintes convenções: em 1948 o Protocolo de Emenda da Convenção para a Repressão do Tráfico de Mulheres e Crianças e Convenção para a Repressão do Tráfico de Mulheres Maiores, que foi internalizado pelo Decreto nº 37.176, de 15 de abril de 1955; Convenção e Protocolo Final para a Repressão do Tráfico de Pessoas e do Lenocínio, ratificado em 1958 e internalizado pelo Decreto nº 46.981, de 8 de outubro de 1959; Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, ratificado em 1984, internalizado pelo Decreto n° 4.377, de 13 de setembro de 2002; Protocolo Facultativo da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, ratificado em 1995, internalizado pelo Decreto n° 1.973, de 1 de agosto de 1996; Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), ratificado em 1999, internalizado pelo Decreto n° 3.087, de 21 de junho de 1999; Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional (Convenção de Haia), ratificado em 2000, internalizado pelo Decreto n° 3.597, de 12 de setembro de 2000; Convenção Interamericana sobre Tráfico Internacional de Menores, ratificada em 2002, internalizada pelo Decreto n° 4.316, de 30 de julho de 2002; Convenção Contra o Crime Organizado Transnacional e Protocolo Adicional para a Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças, ratificado em 2004, internalizado pelos Decretos nº 5.015 e nº 5.017, de 12 de março de 2004.

Observa-se haver, conforme relatório do Departamento de Estado dos Estados Unidos, em 2008, uma  critica ao Brasil pela persistência do tráfico de pessoas. O documento divulgado no mês de junho de 2008 afirma, como nos relatórios anteriores, que o Brasil é país fonte para o trabalho forçado e para a exploração sexual, tanto em termos de tráfico interno quanto externo.

Os dados referentes ao Brasil estão em apenas três páginas, mas são suficientes para questionar o empenho do país no enfrentamento do problema em 2007. Disponível em: <http://www.observatoriodeseguranca.org/relatorios/trafico>. Acesso em: 27 set. 2012.

[6] Conforme Castilho, deve-se salientar que, em 1994, a Resolução da Assembleia Geral da ONU definiu o tráfico como o movimento ilícito ou clandestino de pessoas através das fronteiras nacionais e internacionais, principalmente de países em desenvolvimento e de alguns países com economia em transição, com o fim de forçar mulheres e crianças a situações de opressão e exploração sexual ou econômica, em benefício de proxenetas, traficantes e organizações criminosas, assim como outras atividades ilícitas relacionadas com o tráfico de mulheres, por exemplo, o trabalho doméstico forçado, os casamentos falsos, os empregos clandestinos e as adoções fraudulentas. (CASTILHO, Ela Wiecko V. de, op. cit., p. 8).

[7] CASTILHO, Ela Wiecko V. de, op. cit., p.10.

[8] O Protocolo emprega a cláusula para fins de exploração, o que engloba qualquer forma de exploração da pessoa humana, seja ela sexual, do trabalho ou a remoção de órgãos.

[9] Atualmente não há limitação quanto aos sujeitos protegidos e na condenação de todas as formas de exploração. Cabe registrar, porém, a mudança que se estabeleceu acerca do valor consentimento e, ainda, o detalhamento conceitual. Inicialmente a prostituição era mencionada como uma categoria única. Hoje o gênero é a exploração sexual, sendo espécies dela turismo sexual, prostituição infantil, pornografia infantil, prostituição forçada, escravidão sexual, casamento forçado. (CASTILHO, Ela Wiecko V. de, op. cit., p.11).

[10] CAMPOS, Bárbara Pincowsca Cardoso (Coord.). Política nacional de enfrentamento ao tráfico de pessoas. 2. ed. Brasília: Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), 2008, p. 60.

[11] Este Decreto, que versa da prevenção do Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), traz no seu bojo normas de cunho explicativo - art. 2º, onde são expostos todos os termos mencionados nesta lei, sendo criminalizadas as condutas da lavagem do produto do crime - art. 6º, estando no seu art. 7º às medidas a serem utilizadas para o combate a lavagem de dinheiro; no art. 8º é criminalizada a corrupção e no art. 9º apresentadas as medidas contra a corrupção; no art. 10º há a responsabilização da pessoa jurídica; no art. 12 observam-se medidas assecuratórias e seus efeitos no art. 14; no art. 13 as medidas de cooperação internacional; art. 16 extradição; art. 17 transferência de presos condenados para o cumprimento das penas impostas em seus países de origem; art. 18 trata da assistência judiciária recíproca; art. 24 versa sobre a proteção a testemunha.  

[12] Este Decreto promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea, apresentando normas de cunho explicativo - art. 3º; especificando a área de sua atuação – art. 4º; apresentando a responsabilização penal dos migrantes – art. 5º; criminalizando o tráfico de migrantes, e a proteção do migrante e seu retorno ao local de origem –art. 18.

[13] Este Decreto apresenta normas de cunho explicativo - art. 3º; sua área de atuação – art. 4º; o que é criminalizado pela lei - art. 5º; fornece assistência e proteção as vítimas – art.  6º; apresenta medidas de prevenção – art. 9º.

[14] BRASIL. Decreto nº 5.017, de 14 de maio de 2004. Promulga o Protocolo adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Planalto. Brasília, DF, Diário Oficial da União, 15 maio 2004, conforme art. 3º, alínea “b”.

[15] La Victimología puede definirse como el estudio científico de las víctimas. En este aspecto amplio, la Victimología no se  agota con el estudio del sujeto pasivo del delito, sino que atiende a otras personas que son afectadas, y a otros campos no delictivos como puede ser el de accidentes. Conforme MANZANERA, Luis Rodrígues. Criminología. 2 ed. Mexico: Perruá, 1981, p 74.Tradução livre do autor do artigo.

[16] RAMÍREZ GONZÁLEZ, Rodrigo. La Victimología. Bogotá: Temis, 1983, p. 83.

[17] MAYR, Eduardo. Atualidade vitimológica. In: KOSOVSKI, Ester; PIEDADE JÚNIOR, Heitor; MAYR, Eduardo (Orgs.). Vitimologia em debate. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 18.

[18] FIORELLI, José Osnir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia Jurídica. São Paulo: Atlas, 2009, p. 184.

[19] NOGUEIRA, Sandro D'Amato. Vitimologia. Brasília: Brasília Jurídica, 2006, p. 15.

[20] SEPAROVIC, Zvonimir Paul. Vitimologia: uma abordagem nova nas ciências sociais. In: KOSOVSKI, Ester; PIEDADE JÚNIOR, Heitor; MAYR, Eduardo (Orgs.).Vitimologia em debate. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 131-132.

[21] Conforme ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual. Brasília: OIT, 2006, p. 25.

A Fundação francesa Scelles, que luta contra a exploração sexual, divulgou que há cerca de 42 milhões de pessoas em situação de prostituição no mundo; 75% dessas são mulheres com idade entre 13 e 25 anos.

O relatório da OIT sobre o assunto acrescenta que são de classes populares, apresentam baixa escolaridade, habitam em espaços urbanos periféricos com carência de saneamento, transporte (dentre outros bens sociais comunitários), moram com familiares, têm filhos e exercem atividades laborais com baixa remuneração. Muitas delas já foram submetidas a alguma forma de prostituição. Disponível em: <http://averdade.org.br/2012/04/trafico-de-mulheres-uma-questao-de-classe-e-genero/html>.

[22] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, op. cit p. 26.

[23] Idem, p. 25.

[24] Pesquisa Nacional sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial realizada entre 2001 e 2002 identificou, no Brasil, 241 rotas de tráfico, sendo 131 internacionais, 78 interestaduais e 32 intermunicipais. As mulheres e adolescentes vítimas do tráfico internacional são levadas para a Espanha (destino mais frequente com 32 rotas), Holanda (11 rotas), Venezuela (10 rotas), Itália, Portugal, Paraguai, Suíça, Estados Unidos, Alemanha e Suriname. A Região Norte apresenta o maior número de origem das rotas, seguida de perto pela Região Nordeste e, um pouco mais distante, pela Sudeste, pela Centro-Oeste e pela Sul, no tráfico nacional. No tráfico internacional predomina a Região Nordeste.

São vários os casos de mulheres que são convidadas para trabalhar no exterior e lá descobrem que foram levadas para casas de prostituição, ou mesmo de mulheres que são atraídas para se prostituírem no exterior e lá têm documentos confiscados pelos aliciadores, sob o pretexto de que têm que pagar pela estadia, comida e roupas, ficando em cárcere privado por deverem mais do que conseguem ganhar.

Mais de 700.000 pessoas são traficadas todo o ano com o propósito de exploração sexual e trabalho forçado. Elas são levadas para fora de seus países e vendidas para o que poderíamos chamar de "novo mercado da escravidão" segundo dados da divisão das Nações Unidas para Drogas e Crimes.

Foi identificado que, no Brasil, o tráfico para fins sexuais é, predominantemente, de mulheres e garotas negras e morenas, com idade entre 15 e 27 anos. Conforme MELLO, Monica de; MASSULA, Letícia. Tráfico de Mulheres: Prevenção, Punição e Proteção. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_0/revista/Rev_58/art_Monica.html>. Acesso em: 12 set. 2012.

[25] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, op. cit., p. 27.

[26] Situação que se enquadra na narrativa acima foi a do bailarino e empresário cultural, Paulo Franco, de 28 anos, foi uma das vítimas do tráfico para trabalho escravo. Depois de ser contratado pela empresa de entretenimento turca Sunu Sahne para apresentações de ritmos brasileiros em hotéis da costa asiática da Turquia, ele e o grupo do qual fazia parte foram alojados num hotel em péssimas condições. O pagamento antecipado não foi feito, e os vistos de trabalho prometidos não chegaram. Apesar disso, os shows foram realizados durante 40 dias. Investigações preliminares da diplomacia brasileira constataram que o grupo caiu numa rede de tráfico de pessoas. Conforme descrito na edição n  2189 de 21 de outuburo de 2011 da Revista Istoe. Disponível em: http://www.istoe.com.br/reportagens/170188_ TRAFICO+DE+PESSOAS.

Acesso em: 12 set. 2012.

[27] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, op. cit., p. 27.

[28] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, op. cit., p. 31.

[29] Idem.

[30] Ibidem.

[31] Ibidem.

[32] A Revista Istoé publicou um artigo onde relata um esquema de estelionato e tráfico internacional de brasileiras que se instalou no País fazendo com que mais de 200 mulheres, entre 18 e 40 anos, fossem mandadas para o Exterior embaladas por sonhos de trabalhar pouco, ganhar bem e ainda por cima estudar outro idioma e fazer turismo. Foi assim que o ex-executivo de franchising, que também se autodenomina ex-radialista e ex-professor de lambada, Marcelo Carvalho de Toledo, 31 anos, decidiu ganhar dinheiro fácil usando como principal matéria-prima a inocência alheia. Montou uma lucrativa fábrica de ilusões em Jundiaí, cidade a 55 quilômetros de São Paulo, a M.Brazil, especializada em exportar mão-de-obra ilegalmente.

O público-alvo dessa empresa, que não tem alvará para funcionar, é formado por pessoas que concordam em pagar entre R$ 700 e R$ 1 mil para tentar a vida no Exterior. Por essa quantia, as candidatas receberiam propostas de trabalho intermediadas pela M.Brazil. A maioria das vagas “oferecidas” é como Au-Pair, uma espécie de babá que também se encarrega de pequenos afazeres domésticos. Pouco tempo fora do País, a maior parte delas percebe que comprou gato por lebre. Os cursos e as viagens de lazer prometidos são substituídos por trabalhos domésticos sem folga e em regime quase escravocrata. Muitas tornaram-se reféns das famílias que as “adotaram”, tiveram seus passaportes retidos, viveram situação de clandestinidade e até de cárcere privado. Várias, sem ter a quem recorrer, caíram no tráfico ou na prostituição.  

O sucesso do golpe foi grande. Em pouco tempo, Marcelo abriu franquias em vários Estados e seu tino comercial foi elogiado por vários jornais. Tamanha desenvoltura e publicidade chamaram a atenção da polícia.

Nesta mesma reportagem também é apresentada a história de humilhação também passou a babá Dilcena Cordeiro Oliveira, moradora de São Miguel Paulista, que gastou todas as suas economias com computador, inscrição, passagens aéreas e um guarda-roupa de inverno para viajar. Dilcena entrou em Londres com uma carta da escola Universal Language Centre enviada a ela por fax, dias antes do embarque, que lhe apresentava à imigração como enfermeira e aluna do tal curso de Inglês que, segundo depoimentos ouvidos por ISTOÉ, não existe. Para poder frequentar a tal escola de Samuel Brown, a M.Brazil garantiu que ela só trabalharia quatro horas por dia. “Marcelo me mandou mentir para conseguir o visto. Na Imigração eles me pediram o recibo do curso e, como não tinha, recebi um visto de apenas 15 dias”, disse Dilcena. Essa prática tornou-se tão frequente que despertou a atenção dos ingleses, que passaram a barrar muitas meninas no aeroporto. Com medo da clandestinidade, Dilcena resolveu voltar com a roupa do corpo. “A família não entregou minha mala nem me pagou pelos serviços prestados.” A brasileira tem um livro pronto contando o drama que passou. Quem se comoveu com sua situação e a ajudou a reaver o passaporte retido por Brown foi a brasileira Ivete Collings, assessora pessoal do executivo inglês Philip Foster. Conforme MARKS, Elton.Tráfico de Mulheres, Revista Istoé, n. 1587, de primeiro de março de 2000  Disponível em:<http://www.istoe.com.br/reportagens/33440_TRAFICO+DE+MULHERES/html>. Acesso em: 21 set. 2012

[33] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO, op. cit., p. 16.

[34] As estimativas apontam para dois milhões de pessoas traficadas anualmente no mundo. Destes, 80% seria tráfico para a exploração sexual e 20% para trabalho escravo. Cinquenta por cento das pessoas traficadas são menores de 18 anos. Cada pessoa traficada fornece o lucro de 30 mil dólares anuais para a rede criminosa. O Brasil participa com 15% dos dois milhões anuais que engrossam o tráfico de pessoas internacional.

Os condicionantes geralmente apontados pelos estudos e pesquisas sobre o tráfico de pessoas, no que diz respeito às vítimas, referem-se às desigualdades sociais, econômicas e regionais, características de contextos marcados pela alta vulnerabilidade das pessoas aí residentes. Esta alta vulnerabilidade pode ser traduzida nas precárias condições de vida: moradias insalubres, ausência de saneamento básico, baixa escolaridade, baixo grau de inserção no mercado de trabalho, famílias pouco estruturadas, pessoas que, do ponto de vista emocional, portam baixa auto-estima. Apesar destas condições adversas, há pessoas que buscam sair dessa vida de pobreza, porém as chances de mudança para um melhor patamar social são restritas, dados os níveis de escolaridade, social e econômico. Conforme QUINTEIRO, Maria da Conceição. Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e trabalho escravo. NUPRI/USP. Disponível em: <http://200.144.190.194/nupri/?artigo/mostrar/id/349>. Acesso em: 27 set. 2012.

[35] QUINTEIRO, Maria da Conceição, op. cit.  

[36] Idem.

[37] Ibidem. Exemplo de entrevista feita a uma mulher (“S”), com 34 anos, divorciada, com 4 filhos, tendo escolaridades superior incompleto, trabalhando como Streaper e Garota de Programa que foi para o exterior se prostituir. Afirmou ela: Além de ser streaper e garota de programa em uma boate,“S” realizava um trabalho voluntário em uma ONG.

“Já fiz de tudo um pouco. Já fui garçonete, subgerente de restaurante, babá, acompanhante de idoso, secretária... já fui de tudo um pouquinho! Na prostituição, até hoje, eu somo 10 anos. Porém, desses 10 anos, eu só trabalhei 3 anos e meio. Eu páro, volto, páro, volto... no total, somando os meses,...tem 3 anos e meio... Nos trabalhos anteriores, nem todos foram de carteira assinada. Nunca gostei de trabalhar de carteira assinada! Eu acho que minha carteira só foi assinada duas vezes, por 3 anos e pouco. Do contrário, eu pago a minha autonomia...desde os 14 anos. Eu quero me aposentar antes dos 60.”

“Não sou consumista, até sou bastante econômica... às vezes, deixo de ganhar dinheiro para ir ao teatro, para ir ao cinema... acho que faz parte, é cultura. Ir à praia, ficar com as minhas filhas, com os meus sobrinhos. Eu curto a vida familiar. E muito! Adoro ficar em casa, lendo um bom livro.”

“S” contou que ficou sabendo da possibilidade de ir para o exterior por meio de “colegas da noite” que já haviam passado pela experiência. Interessou-se e procurou saber o que precisava fazer para inserir-se no esquema, pois queria ganhar dinheiro e conhecer outros países.

Viajou com um contrato previamente assinado para “trabalhar” por três meses e ganhar U$18,000.00. Deste total, cerca de três a quatro mil dólares seriam descontados para cobrir gastos com passagem, alimentação e estadia: “a minha primeira viagem demorou dois meses e meio por causa de passaporte, visto... estas coisas. A partir do momento que eu estava com o passaporte, as outras viagens foram mais rápidas! Até porque o visto mais complicado é para os EUA e para isso eu não preciso, eu não quero ir, eu não faço questão. E outra: eu consigo visto fácil para Europa, porque tenho cidadania portuguesa.”

“A primeira viagem que eu fiz foi estranho, né! Eu estava num país que não falava a minha língua; eu não tinha os meus amigos, a minha família! Mas foi bastante proveitosa!Eu sabia exatamente o que estava indo fazer. Estava indo para uma casa de shows, fazer o que eu faço aqui, e mais, obviamente, prostituição, que eu também faço aqui.”

“Até vale a pena, para nós que vivemos aqui no Brasil. Quando, aqui no Brasil, você ganha U$ 6,000.00 por mês? Pois os contratos de show eram de U$ 6,000.00 por mês!... Eles descontam U$1.000,00 todo mês, que é a despesa da passagem e da alimentação.

O nosso trabalho é de 22h00min às 4h00min. É tipo um horário padrão! Então, até às 21h00min, eu tenho toda a liberdade... passeava pela cidade, ia em museus para saber a história da cidade, como que aquilo surgiu. As prostitutas dividiam um apartamento. A primeira coisa que o ‘dono da casa’ fazia quando chegavam, era fazer uma reunião explicando tudo e que não aceitassem presentes.

“Violência, (já sofri) duas vezes aqui no Brasil. Lá fora nunca! E nem me senti explorada! Tem um contrato... se você não cumpre a sua parte, não pode exigir que a outra cumpra a dela. Se você foi contratada para fazer isso, isso e isso, por que amanhã você vai discordar?” ”Muitas idiotas, que pagam pelo casamento! Você paga uma taxa para usar o sobrenome de alguém, para obter a cidadania, e o que acontece? Nesse casamento, o cara passa a cafetizá-la! Por que não é os donos dos estabelecimentos que fazem o tráfico! Não é eles que exploram a mulher! A exploração sexual não é pelo dono do estabelecimento! É quando a idiota quer ficar no país e casa com um cliente! É ele que vai tentar cafetizá-la, que prende o passaporte, que faz horrores, como no caso daquela menina que foi para a Alemanha, da Bahia, que o cara matou e enterrou no quintal de casa!...”

 “As pessoas dizem: ‘é uma máfia’! Mas onde não existe máfia? Se você não sabe, no Brasil tem máfia até para banca de jornal! Você não pode simplesmente mandar fabricar uma banca e dizer que você vai ser distribuidora de tais e tais revistas! Existe uma máfia! Não é qualquer pessoa que pode ser jornaleiro! Onde não existe máfia?” “Eu mesma, já fui várias vezes a Minas e ao interior de São Paulo, buscar meninas para trabalhar em casas aqui! Numa boa, eu jogo aberto! Primeiro, eu não vou buscar uma menininha dentro da casa dela! Eu não vou bater palma na casa dela!... Eu vou a outras boates e convido meninas para trabalhar... Quando chamam a gente para trabalhar no exterior, chamam de outras boates! O que eu sei é o que eu vejo nos jornais, na tv... Mas pode até existir tráfico de crianças lá para aqueles cantos! Lá no meio do mato, na Amazônia, em Rondônia! Lá, elas são totalmente despreparadas para a vida! Aqui, nas metrópoles, Rio, Salvador... não tem isso!”

“Foi legal, mas eu não tenho mais aquele espírito de aventura! Antigamente, era assim! Pegava e arrumava a mochila e ia para qualquer lugar! Eu já fiz tudo o que eu podia na vida!”

“Tem uma coisa que eu gostaria de dizer para toda mulher que está na noite: isso é igual carreira de modelo, não é para vida toda! Quando aparece ruguinha, você tem que trabalhar num outro lugar, em que as pessoas que estão têm um poder aquisitivo menor! Então, vão te pagar bem menos e assim gradativamente... É uma estrada em que você só vai descendo, Mas você tem que aproveitar a oportunidade! Ou bem ou mal, quando eu consegui a minha casa, quando eu consegui ir para Europa e tudo o mais, eu tinha carinha de 20 aninhos, estava magrinha, bonitinha, gostosinha! Era fácil!” Conforme LEAL, Maria Lúcia; LEAL, Maria de Fátima P., (Organizadoras). Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial - PESTRAF: Relatório Nacional - Brasília: CECRIA, 2002, p. 131-133.

[38] QUAGLIA, Giovanni. Tráfico de pessoas, um panorama histórico e mundial. In: OLIVEIRA, Marina Pereira Pires de (Coord.). Política Nacional do Enfrentamento do Tráfico de Pessoas. Brasília: Ministério da Justiça, 2007, p. 39.

[39] Idem, p. 41.


Autor


Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelo autor. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi.