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Políticas públicas (econômicas) e controle

Políticas públicas (econômicas) e controle

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Noções Preliminares

A disciplina legal acerca da ordem econômica constitui tema relativamente recente na seara jurídica, de modo que importa, particularmente, observar questões preliminares que o tema sugere, tais quais o que se entende por ordem econômica ou, melhor ainda, o que se concebe como política econômica, quais os instrumentos legais para seu controle jurídico, a quem incumbe a realização de tal controle, dentre outras. Com isso, imprescindível se mostra o exame, ainda que superficial, de algumas noções prévias, que figuram como pressupostos lógicos e finalísticos do estudo. Desta feita, o presente esboço, dentro de seus estreitos limites, afigura-se de cunho meramente introdutório, até mesmo para que possa servir de base para eventuais aprofundamentos futuros.


1.Intervenção Econômica, Modelo de Estado e Modelo de Constituição.

Não são raros os autores que ainda relacionam a existência de um controle legal das relações econômicas ao fenômeno do Welfare State. A partir dessas concepções costumou-se conceber a intervenção econômica como fato indissociável do chamado Dirigismo Estatal, pelo qual o Estado passou a estabelecer mecanismos legais capazes de direcionar as relações econômicas no sentido de atender certas finalidades de cunho social legalmente eleitas. Mais recentemente, porém, tem-se observado que a intervenção do Estado na economia não era estranha ao discurso neoliberal.

Isso porque a neutralidade política não é, na realidade, o que os grupos econômicos e políticos dominantes esperam do exercício do Poder Público, mas sim a concessão de vantagens, em detrimento de outros grupos. Não é interessante, porém, que tais favorecimentos permaneçam totalmente fora de regulamentação, uma vez que esta sempre figura como instância de segurança e a manutenção da ordem ou mesmo o controle de suas mudanças é sempre interessante aos que dela se beneficiam. Assim sendo, existiu e existe, no modelo liberal de Estado a figura da intervenção econômica que se dá, em regra, em prejuízo da livre concorrência e da democracia, valores que pelo discurso liberal são primordiais.

Mostra-se, por conseguinte, o viés ideológico, no sentido que descreveu Marx, de tal discurso. Isso demonstra que o (neo) liberalismo não deixa de ser um processo totalitário, que procura abater qualquer eventual contestação ou mesmo não a admite. Note-se que os grupos econômicos liberais historicamente obtiveram vantagens com a intervenção estatal, como a própria manutenção do sistema capitalista, embora atenuado. Também se observa que custo da infra-estrutura básica necessária para o desenvolvimento do capital acabou dividido por toda a sociedade, por ter sido arcado pelo Estado. Houve, ademais, o benefício da concessão de obras e serviços que garantiu ser o Estado um "comprador" certo e lucrativo.

Dessa maneira, como observa Fernando Scaff, o que difere nos modelos de Estado são os graus de intervenção e não a existência desta. Graus esses que vão desde: a) o Intervencionismo, caracterizado pela adoção de medidas esporádicas de controle econômico, para fins específicos; b) o Dirigismo, tido como modelo onde o controle econômico compreende uma atuação mais sistemática e com objetivos determinados e b) a Planificação, que importa em uma análise global desse controle, no mais amplo alcance em relação aos demais (Cf. Responsabilidade do Estado Intervencionista. São Paulo: Saraiva, 1990).

Percebe-se, destarte, que o controle imediato da atividade econômica é exercido pelo Poder Executivo. No entanto, a elaboração de programas e planos que estabeleçam a correlação entre os instrumentos jurídicos de controle e as finalidades a serem atingidas incumbe ao Poder Legislativo, uma vez que a este cabe a elaboração das leis em sentido formal. Fechando o círculo de controle, figura o Poder Executivo, como instância última encarregada de assegurar a legalidade do exercício do controle no âmbito dos demais Poderes.

Verifica-se, portanto, a existência de níveis internos e externos de controle da atuação reguladora do Estado na economia. O controle exercido por que também exerce o poder regulador não importa aqui, mas sim o controle externo, que é exercido no âmbito Judicial e social, controle esse que tem por objeto, conseqüentemente, tanto atos isolados como as políticas públicas.

Logo, nota-se que o sentido da inclusão de normas sobre a ordem econômica na constituição mostra ser o oferecimento de instrumentos para o efetivo exercício desse controle. Tal porque submete os atos e políticas governamentais ao controle de constitucionalidade, com a peculiaridade de conferir aos fins a serem pelos mesmos perseguidos o caráter de cláusula pétrea. No entanto, grande porção das normas constitucionais que regula a ordem econômica é de natureza programática, o que implica em eficácia limitada. De tal sorte, essa inclusão finda por perder a função, salvo se se considerar que as normas programáticas também vinculam, segundo a idéia de Constituição Dirigente, inicialmente defendida por Joaquim José Gomes Canotilho. Este, no entanto, atualmente, dada a nova conjuntura política e econômica mundial, vem revendo certas posições, inclusiva algumas ligadas à noção de Constituição Dirigente.

De acordo com Eros Roberto Grau, a chamada Constituição Econômica pressupõe um modelo de Constituição Dirigente, pois se a Constituição não for dirigente, não conterá diretrizes axiológicas acerca da ordem econômica, será apenas uma Constituição Econômica Estatutária. Esta, pretensamente despida de ideologias acerca de sistemas econômicos. Portanto, sem pretensões conformadoras das relações econômicas, com vistas a dirigi-las para a realização de fins sociais (Cf. 1998, pgs. 58/60).

Por isso, ante a superação do modelo de Constituição dirigente, declara Grau:

"Somos arrastados à conclusão de que a teorização da Constituição Econômica morreu" (Op. Cit., p. 67).

Assim sendo, esse conceito perde a utilidade, assim como a expressão ordem jurídica constitucional, que passa a servir apenas para indicar o local onde as normas acerca da política econômica estão contidas. Falar-se em ordem econômica só faz sentido, para Grau, se se referir à ordem econômica constitucional, pois assim os seus fins serão vinculantes para os poderes públicos. A regulação da economia, nesse sentido, parece mudar de eixo, da Constituição para os programas, projetos e políticas públicas.

Nessa linha de raciocínio, assim como a existência da intervenção econômica independe do modelo de Estado, também independe do modelo de Constituição. As diferenças estarão nos graus e sentidos que a essa intervenção forem conferidos. Por conseguinte, o controle dessa regulamentação também deve deslocar-se, ou antes, alargar-se, pois se os fins e objetivos a se assegurar, regrados por normas programáticas e princípios, realizam-se por políticas públicas, devem estas se submeter ao controle jurídico. Para a compreensão dessa afirmação, importa definir-se políticas públicas.


2.Políticas públicas

As políticas públicas tornaram-se uma categoria de interesse para o direito há aproximadamente 20 anos, havendo pouco acúmulo teórico a respeito, o que desaconselha a busca de conclusões acabadas. Ademais, não é um tema ontologicamente jurídico, mas é originário da ciência política, onde sobressai o caráter eminentemente dinâmico e funcional, que contrasta com a estabilidade e generalidade jurídicas. A noção de políticas públicas emergiu como tema de interesse para o direito com a configuração prestacional do Estado.

Novamente deu-se uma relação entre o modelo estatal a evolução histórica do estudo das políticas públicas. Quando a função estatal de controle resumia-se, digamos assim, no poder de polícia, no sentido omissivo de limitação do poder estatal, pode se dizer que não havia políticas públicas de interesse jurídico. Quando o Estado passou a assumir o encargo dos serviços públicos a situação mudou um pouco, sendo que, quando no pós 2ª Guerra, por questões de emprego, seguridade e habitação o Estado passou a propriamente intervir no domínio econômico, o estudo das políticas públicas revelou-se de interesse para o direito.

A adoção de políticas públicas denota um modo de agir do Estado nas funções de coordenação e fiscalização dos agentes públicos e privados para a realização de certos fins. Fins estes, ligados aos chamados direitos sociais, nos quais se incluí os econômicos. Desta feita, o estudo das políticas econômicas não pode ser dissociado do das políticas sociais. Melhor dizendo, estudar as políticas publicar de um modo geral significa estudar as políticas econômicas, porque o viés econômico permeia a quase totalidade das políticas de governo, em última análise.

O surgimento e, em conseqüência, o interesse para o estudo jurídico das políticas públicas justifica-se, didaticamente, porque:

a) Estão ligadas ao resguardo dos direitos sociais e políticos, pois estes demandam do Estado prestações positivas e significam o alargamento do leque de direito fundamentais;

b) O desenvolvimento de certos setores e atividades do mercado significou a geração de novas demandas, como os direitos dos consumidores, que transitam entre as atividades econômicas e a regulação estatal;

c) O planejamento inerente à noção de políticas públicas, tornou-se necessário para garantir maior eficiência da gestão pública e da própria tutela legal. Importa, elevar o nível de racionalidade das decisões, evitando processos econômicos, sociais e políticos de cunho cumulativos e não reversíveis, em direções indesejadas.

Comparato, sempre em sintonia com seu tempo, observa uma tendência geral em todos os países, no sentido do "alargamento da competência normativa do governo, não só na instância central, através de decretos-leis ou medidas provisórias, mas também no plano inferior" (1997, p. 19). Em nota de rodapé observa que "houve apenas a substituição da lei pela política pública, mantendo-se a mesma separação entre a declaração, mantendo-se a mesma separação entre a declaração, a execução e o controle (no sentido de um juízo de revisão)" (Op. Cit., p. 17). Destarte, parece haver uma paulatina substituição da função das leis (sentido omissivo), pela função das políticas (comissivo).

Do que foi dito, nota-se que a noção de políticas públicas centra-se em três elementos: a) a busca por metas, objetivos ou fins; b) a utilização de meios ou instrumentos legais e c) a temporalidade, ou seja, o prolongamento no tempo. Elementos esses que formam uma noção dinâmica de atividade, pela qual definem-se políticas públicas como a "coordenação dos meios à disposição do Estado, harmonizando as atividades estatais e privadas para a realização de objetivos socialmente (ou economicamente) relevantes e politicamente determinados" (BUCCI: 1997, p. 91) ou simplesmente como o conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um objetivo determinado.


3.Intervenção Econômica, formas e disciplina legal – contexto geral.

Como dito, a intervenção não é estranha ao neoliberalismo, porque os grupos econômicos esperam do Estado intervenção em seu favor. Logo, a adoção de políticas econômicas significa intervenção, que não deixa de existir, apenas sofre alteração nos seus meios e mesmo em seus fins. Políticas Econômicas significam as políticas públicas que se referem a matérias econômicas, constituem o meio pelo qual um governo busca regular ou modificar os negócios econômicos de uma nação.

A adoção de políticas econômicas visa a regulação macroeconômica, ou seja, a racionalização gradual da econômica para que os agentes econômicos (públicos e privados) atuem em favor do interesse social, mas em "harmonia" com seus interesses privados, isto é, sem alteração legal do sistema de apropriação de riquezas. Nesse sentido, usa-se o termo intervenção, para significar "atuação em área de outrem – isto é, naquela esfera do privado" (1998, p. 156). Intervenção essa que, para ser ampla, precisa ser diferenciada. Há, portanto, diferentes formas de intervenção, elencadas em diversas classificações doutrinárias, das quais, a mais funcional para o momento parece ser a do próprio Eros Grau, que usa a expressão domínio econômico para indicar atuação estatal no campo da atividade econômica em sentido estrito, da qual se excluí a noção de serviço público.

Segundo tal classificação a intervenção estatal dá-se (Cf. 1998, ps. 156/157):

a) No Domínio Econômico, quando o Estado atua na condição de agente econômico, como sujeito que realiza diretamente a atividade econômica. Essa forma de intervenção divide-se em: – absorção, quando ocorre em regime de monopólio e, – participação, quando se dá concorrentemente com a iniciativa privada.

b) Sobre o Domínio Econômico, intervenção essa pela qual o Estado atua apenas como regulador da atividade econômica. Essa forma, igualmente, se subdivide em duas outras – direção, nas hipóteses em que o Estado utiliza normas de comportamento compulsório e, – indução, quando lança mão de normas que não possuem caráter compulsório, apenas incentivador.

A forma de intervenção sobre o domínio econômico prepondera, porque incide também sobre a própria atuação de intervenção no domínio econômico. Assim, esta não apresenta maior interesse para este estudo, apenas aquela, a qual se efetiva mediante conjunto de ações e projetos que configuram as políticas econômicas. Estas lançam mão de instrumentos de planejamento, como os planos e programas. Estes, enquanto instrumentos jurídicos, capazes de permitir a institucionalização de diretrizes e metas, pois o planejamento configura pressuposto de toda ação política, econômica ou social.

Entretanto, importa frisar que a política pública é noção mais ampla que a de um simples plano ou programa, porque envolve um processo de escolha de meios para a realização dos objetivos do governo. Assim, compreende também uma certa margem de opção entre tais objetivos, ou seja, compreende a hierarquização dos mesmos, cuja efetivação deverá dar-se com a participação dos agentes públicos e privados. A adoção de certa política pública representa o processo político de escolha de prioridades para o governo, por meio de programas de ação para a realização de objetivos determinados num espaço de tempo determinado ou não.

Historicamente, os primeiros planos juridicamente relevantes foram os de contabilidade pública, depois os urbanísticos. Atualmente, todas as áreas de incidência das políticas públicas apresentam significância jurídica. Isto porque, as normas jurídicas servem tanto de instrumento de efetivação, quanto de parâmetro de controle de tais opções políticas. Por serem opções, importam em uma margem de discricionariedade, ou melhor, de flexibilidade de atuação, o que não significa ausência de controle legal, mas sim incidência de controle diferenciado, finalístico.

Para que essa margem de liberdade de atuação não gere arbítrio, sua gradativa redução passou a ser uma meta a se atingir, tanto para os operadores do direito, quanto para os legisladores. Inicialmente, pensou-se que seria necessário assegurar um mínimo ético, para usar expressão da seara penal, que representasse um núcleo rígido, a pautar a ação estatal e fornecer-lhe limite intransponível. Essa preocupação resultou na inclusão de diversas normas de controle na Constituição Federal, a fim de torna-las cláusulas pétreas, por significarem garantia dos direitos fundamentais.

Com isso a Constituição passou a regular inúmeras áreas, especialmente por normas programáticas, que tornaram matéria formalmente constitucional quase todas as questões legalmente relevantes. Isso se deu de forma detalhada, gerando uma rigidez ao sistema jurídico, não raro, incompatível com a dinâmica das modificações atuais. Assim, surgiu uma tendência oposta, que entende ser necessário retirar muitas áreas de disciplina constitucional – desconstitucionalizar –, especialmente as ligadas ao controle formal da Administração Pública. Isso para dar a esta maior agilidade e eficiência, que, aliás, tornou-se palavra de ordem.

Entretanto, a legitimidade dessa tendência não é indene de dúvidas, pois, do mesmo modo como a necessidade de controle da atuação estatal não se resolve apenas pela constitucionalização dos temas, igualmente, a necessidade de conferir agilidade e eficiência à atuação estatal não se resolve tão somente pela desconstitucionalização. Mesmo porque, tais tendências constituem extremos que atentam contra a clássica visão aristotélica de que a virtude está no meio termo. Ademais, cada movimento jurídico cumpriu ou cumpre uma função histórica e nega-la pode resultar em desconhecimento do cunho ideológico da doutrina jurídica e falta de senso crítico, perniciosos para qualquer operador do direito.

Com efeito, não é a situação topológica das normas legais que define o maior ou menor grau de controle jurídico da atividade estatal, mas a hierarquia das normas tem uma função a exercer, a qual não é interessante subestimar ou supervalorizar. É importante saber a quem compete formular as normas que compõe esse sistema de controle legal, para adaptar cada nível a sua devida função, sob pena de se verificar o que atualmente ocorre, onde o legislador ordinário tornou-se constituinte por via transversa de emendas constitucionais. A trivialização da alteração de matéria constitucional atinge a fundação do edifício jurídico positivo, em prejuízo de sua unidade e legitimidade.

Naturalmente, as normas constitucionais, o ordenamento infralegal e o poder regulamentar exercem função de controle legal das atividades estatais, tanto no sentido formal, quanto no material. Porém, cada qual dentro dos limites de seu âmbito de atuação, pois as normas regulamentares não podem se contrapor às leis, nem tão pouco à Constituição. Do contrário, as diretrizes e metas sociais, econômicas e políticas definidas pelo ordenamento acabam não sendo implementadas pelo "governante de plantão", utilizando a emblemática expressão de Fernando Scaff, pelo que se tornam meras garantias formais. Funcionam apenas como um anteparo às reivindicações sociais, pois não são implementadas pelo Executivo, ao qual não pode se substituir o Judiciário, pois cabe a este apenas o julgamento e não execução das leis.

Há uma reorientação dos níveis legais de disciplina da atividade do Estado, saindo do eixo constitucional para o infralegal e, perigosamente, para o âmbito do poder regulamentar (veja-se a enxurrada de Medidas Provisórias). Em conseqüência, precisa haver uma correspondente reorientação nas funções de controle exercidas pelos Poderes de Estado. No modelo de democracia contratualista de Rousseau, a lei e a vontade humana se aproximam, pois esta se expressa naquela e aquela define o âmbito de liberdade desta. Logo, ao Legislativo cabe o papel central de definir as políticas públicas.

Portanto, atos de definição deveriam caber ao Legislativo, porque composto pelos representantes do povo, por uma questão democrática e de separação de poderes. No discurso liberal o Legislativo é o poder "supremo", pois é encarregado de dar expressão à soberania popular. Mas quando a liberdade formal da lei deixa de legitimar o poder, essa legitimidade passa a se fundar na realização de finalidades coletivas concretizadas programaticamente, isto é, na adoção de políticas públicas, pelo que o Executivo passa a ter mais destaque, a ser o poder "supremo".


4.Dificuldades iniciais acerca do controle das políticas públicas

Quando o poder regulamentar, ao deixa de apenas conferir concreção e adequação das diretrizes legais à realidade social, o Executivo passa a exercer função normativa com prejuízo do Legislativo. Eros Grau chama esse fenômeno de capacidade normativa de conjuntura (Cf. 1998, p. 69), como sendo aquela que visa ao desempenho de uma atividade de ordenação pelo Estado sobre os agentes econômicos. A importância desse poder de regulação seria tanta, que Fernando Scaff entende importante a criação de um Conselho Consultivo, com funções opinativas (Cf. Controle Público e Social da Atividade Econômica). Essa proposta é oportuna, pois que, com a substituição da função da lei pelas políticas públicas dificulta-se o controle social e mesmo o controle legal. Dificuldade essa que se deve a diferentes razões, que podem ser apresentadas esquematicamente da seguinte forma:

4.1- Passa a haver uma demanda desmedida por legislação, a fim de aprovar planos e mais planos, bem como a regulamentação desses planos, o que nos Estados unidos é conhecido como overload, onde o Legislativo acaba por abdicar da direção política do Estado;

4.2- Faz-se necessário todo um extenso suporte institucional (agências de controle, instituições da sociedade civil organizada, etc.) para realizar um controle essencialmente finalístico;

4.3- A falta de cultura cívica e educação democrática dificulta, ou mesmo, inviabiliza a devida e necessária participação popular, de modo que a sociedade acaba não exercendo nenhum controle, antes finda perdendo maior parcela de liberdade, pois não participa da formação da opinião política;

4.4- Os partidos se enfraquecem e deixam de representar a sociedade, porque esta não é capaz de os pressionar nesse sentido, pelo que os mesmos passam a expressar os grupos de interesse dominantes, que são capazes de fazer pressão;

4.5- A utilização de conceitos jurídicos indeterminados e de normas programáticas não é tradicional em nossa cultura jurídica, que oferece certa resistência.

Ante dificuldades de tal ordem, imprescindível se torna intensificar e ampliar as instâncias de controle das políticas governamentais. Com isso, a função do controle exercido pelo Judiciário torna-se mais expressiva, num sentido crescente de quantidade e qualidade desse controle. Por outro lado, as pressões favoráveis e contrárias ao incremento desse controle passam a gera argumentos prós e contras, mediante um discurso político-jurídico-ideológico que começa a se definir.


5.Correntes acerca da importância do controle judicial das políticas públicas

As relações estabelecidas entre os Poderes de Estado de um lado e as relações entre o Judiciário, especificamente, as forças políticas e a sociedade, vêm forçando os aplicadores do direito a tomar posição como agentes políticos e não meramente como técnicos jurídicos. Essa nova feição gera desconfiança e receio, dada a potencialidade para o arbítrio que qualquer incremento de controle gera. Desta feita, em âmbito que se pode dizer mundial, os primeiros esboços doutrinários começam a surgir acerca da função e importância do controle judicial da atuação do Executivo expressa pela adoção de políticas públicas.

Em obra que se pode considerar pioneira, intitulada "A judicialização da política e das relações sociais no Brasil", de 1999, Luiz W. Vianna analisa a questão expondo duas correntes contrapostas, que, em síntese, são:

A primeira, que seria chamada a dos procedimentalistas, representada, nada mais nada menos, que por Habermans e Garapon, entende que o incremento do controle judicial prejudica o exercício da cidadania ativa, pois envolve uma postura paternalista. De tal sorte, favorece a desagregação social e o individualismo, dado que o indivíduo, enquanto simples sujeito de direitos, fica totalmente dependente do Estado. Torna-se um cidadão-cliente e o Judiciário o seu fornecedor de serviços. Portanto, não representa situação desejada, mas situação crítica, correlata a uma crise institucional que precisa ser superada.

Para os procedimentalistas os cidadãos deixam de ser autores e tornam-se meros destinatários do direito. Isto porque, para que sejam autores não é necessária a mediação do Judiciário, mas antes a "criação" ou conquista de canais comunicativos, que levem o poder democrático do centro para a periferia. Para os mesmos, dado que a lei não é a vontade direta do povo, este precisa ter meios de expressar sua própria vontade. Assim, a constituição deve apenas garantir a existência desses meios ou procedimentos, para que os cidadãos criem seu próprio direito. Os seus princípios não devem, portanto, expressar conteúdo substantivo, mas somente instrumentalizar os direitos de participação e comunicação democrática.

Assim, o controle de constitucionalidade seria necessário apenas nos casos que tratarem do procedimento democrático e da forma deliberativa da formação da vontade política (democracia deliberativa). Isso porque não caberia ao Judiciário dizer sobre o que decidir (conteúdo), mas apenas como decidir (procedimento democrático), para que os cidadãos decidam como lhes convier. Seria apenas o caso de garantir procedimentos para ampla deliberação democrática, sem exclusões. No entanto, isso demanda uma prévia cultura política da liberdade a que alude Habermans, de base social estável, capaz de produzir consenso democraticamente, bem como a existência de partidos fortes e livres das pressões econômicas, pautados em instituições firmes.

A segunda corrente, que também conta com expoentes de prestígio como Capelletti e Dworkin, é a dos chamados substancialistas, que entendem que o Judiciário precisa adquirir novo papel ante a função intervencionista do Estado [1] e passar a ser o intérprete do justo na prática social. Se as políticas ganharam mais relevância que a própria lei, o Judiciário necessita constituir-se em poder estratégico, capaz de assegurar que as políticas públicas garantam a democracia e os direitos fundamentais e não interesses hegemônicos específicos.

Nessa linha, caberia à Constituição a positivação do ideal de justiça mediante leis básicas, mas incisivas, cuja implementação pelo Judiciário transformaria progressivamente a sociedade e as instituições, conduzindo-a à realização dos valores fundamentais e ao exercício da cidadania. De fato, vê-se que a lei não é criada por um processo substancialmente, mas formalmente democrático. Entretanto, mesmo na democracia direta prevalecem os interesses da maioria, em prejuízo das minorias.

Assim sendo, não seria diferente, no sentido de não ser preferível, a "criação" jurisprudencial do direito oriunda da interpretação constitucional, que a conformação das políticas públicas a esse entendimento. Destarte, a judicialização das políticas públicas encontra seu fundamento no primado da supremacia da Constituição, tida como lei fundamental. Nessa ordem de idéias, o Judiciário não invade o âmbito do Executivo, apenas aplica a Constituição, esta sim que é superior a todos os Poderes Estatais, por serem poderes constituídos, ou seja, o Judiciário apenas exerce sua função, aplica a norma (constitucional).

Essa supremacia se justifica pela necessidade de preservar certos núcleos de direitos, como os Direitos Humanos, confiando sua guarda a instituições majoritárias (cortes constitucionais). Por isso é que o controle judicial das políticas públicas faz mais sentido no âmbito constitucional. Pois, as normas e princípios constitucionais prevalecem não somente sobre os Três Poderes, mas sobre toda a sociedade, em certo sentido, sobre a própria vontade da maioria. Por isso, o constrangimento que representa deve ser o mínimo necessário para assegurar aquele ideal de justiça.

Logo, conceder ao Judiciário o poder de decidir sobre esse ideal (esses direitos fundamentais) não significa que os juizes representem melhor os interesses dos cidadãos que os parlamentares ou o Chefe do Executivo, que, aliás, são eleitos. Pois, os juizes também podem ser tiranos e arbitrários tanto quanto os titulares de cargos eletivos. Destarte, o controle judicial das políticas públicas representa apenas mais uma instância de controle, o que significa mais controle, qualitativa e quantitativamente, pois é um reforço apenas.


6.Vantagens, desvantagens e funções do incremento do controle Judiciário, mediante a análise das políticas públicas.

Para os substancialistas, esse controle auxilia na reconstrução do sistema de valores democráticos, por ser mais um nível de acesso às instâncias do poder, por intermédio do questionamento de decisões políticas pelo controle de constitucionalidade. Abre, também, espaço ao pluralismo, mediante o amplo acesso ao Judiciário que existe na medida em que nenhuma questão deixa de ser apreciada, o que garante que grupos marginais – sem expressão política – questionem e influam sobre as decisões políticas. Ademais, fomenta a democracia deliberativa (de grupos) pelas ações coletivas;

Como desvantagens costuma ser apontada a necessidade de cristalização de muitas metas sociais em leis, que "engessa" a execução das políticas públicas, prejudicando a flexibilidade necessária para a regulação da dinâmica econômica, bem como cria mais um entrave burocrático, pelas muitas ações que ficam pendentes. Igualmente, diz-se que a própria definição do ideal de justiça e dos Direitos Humanos é mutável, pelo que o controle judicial dificulta mais essas mudanças de atualizações de valores.

Entretanto, o controle judicial das atividades dos outros Poderes é exercido pelo Judiciário, principalmente, com base nos princípios e normas da Constituição, que são genéricos e muitas vezes utilizam conceitos juridicamente indeterminados. Portanto, podem ser "atualizados" por simples interpretação construtivista (criadora) do juiz, não havendo perigo real de "engessamento" da Administração Pública. Por isso, é importante que não existam normas constitucionais excessivamente específicas, pois não é a especificidade que garante a realização da finalidade legal, mas o tipo e a eficácia do controle da execução da lei, seja esta genérica ou específica.

Essa interpretação construtivista permite que se preserve-mudando, pelo que favorece a formação gradual de uma cultura política. Pois, auxilia na criação pelos cidadãos de consciência dos seus direitos em sentido mais amplo, a começar pela consciência de seus papéis específicos no momento comunicativo do processo, enquanto consumidor, contribuinte e outros. Segundo José Afonso da Silva, a Constituição Federal de 1988, pela peculiaridade histórica de sua formação, ficou distante do ideal de qualquer grupo nacional específico (Cf. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000). Teria, portanto, refletido um mosaico de interesses e preocupações, porque não resultou historicamente de um conjunto de valores compartilhados por uma comunidade política, conforme um amadurecimento democrático do povo. Mas nem por isso pode ser tida como ilegítima, pois reflete valores socialmente desejáveis.

Ademais, em um modelo assim de Constituição Aberta, para se usar a expressão de Paulo Bonavides, favorece-se o construtivismo jurídico, pelo que se obtém a desejada interligação entre os Direitos Humanos e a democracia participativa. Tal porque a participação jurídico-política encontra no momento processual mais uma instância importante no cenário do Poder Estatal. Ao ir ao Judiciário em busca de seus direitos, o cidadão atua, exercita seu poder de iniciativa, torna-se cidadão-ativo, não mero cidadão-cliente, porque provoca o exercício da jurisdição e sai da inação. Com isso, mesmo que a Constituição não seja fruto da mais legítima vontade popular, poderá vir a ser pela atuação jurisdicional construtivista e as suas normas terão mais chances de não ficar na mera função simbólica.

O exercício de ações coletivas e a atuação dos Juizados Especiais são exemplos específicos de momentos em que a jurisdição favorece a aquisição da cidadania. Inquestionavelmente, tais espaços ainda são muito tênues, carentes de toda sorte de aparelhamento, assim como a própria estrutura do Poder Judiciário Brasileiro, o que não anula os pequenos ganhos que significam. Ao se conceber o Judiciário enquanto instância democrática, percebe-se que o locus de participação popular desloca-se (ou amplia-se) para o Judiciário. Isso pressupõe, como base, a possibilidade de um controle abstrato de constitucionalidade, no qual a supremacia é a da Constituição e não de um Poder Constituído como o Judiciário. Daí não ser cabível falar-se, como já se tem feito, em "governo dos juízes".

Em suma, a ampliação do poder de controle judicial das leis e, particularmente, da Administração não tolhe a democracia participativa, antes lhe favorece, assim comoa democracia representativa. Pois, os partidos minoritários, que não estejam em coalizão com o Executivo, podem utilizar o processo judicial contra as instâncias do poder, isto é, contra os arbítrios do governante de plantão. Favorece, portanto, a conexão entre a democracia participativa e a representativa, o que é muito importante no Brasil, onde "as maiorias efetivas da população são reduzidas, por uma estranha alquimia eleitoral, em minorias parlamentares". (VIANNA: 1999, p. 43)

Essas minorias parlamentares passam a ter no Judiciário mais uma instância de atuação, com novas possibilidades de pressão. Entretanto, a adoção de um modelo de Estado-juiz, na expressão acre de Cittadino, correlata a uma visão "romântica" do Juiz-Hércules, como gosta de se referir Canotilho, é totalmente utópica. Pois, a participação no Judiciário é, em certa medida, dependente da mediação do direito e, em conseqüência da positivação dos direitos, da existência de cortes de justiça com feição política como as cortes constitucionais e do grau de consciência política dos magistrados. Contudo, todos esses óbices podem ser minimizados pelo contínuo exercício do controle judicial, pois este apresenta função pedagógica, que se aplica tanto aos cidadãos quanto aos magistrados.

2.5- Papel do Judiciário – dificuldades no exercício do controle

Ao se analisar as dificuldades do controle judicial dos atos dos outros poderes do Estado, especialmente os do Poder Executivo, percebe-se a necessidade de utilização de técnicas de "sopesamento" de valores, interesses e direitos. Essas técnicas são simultaneamente simples instrumentos e opções valorativas, revelando o viés político do direito, enquanto racionalidade acerca do poder. O controle judicial das políticas públicas nesse sentido é um típico caso em que a regulamentação legal se defronta diretamente com os meandros "irracionais" do poder político.

O direito não pode atuar nesses casos com o mesmo rigorismo técnico, julgando-se neutro, é preciso buscar parâmetros mínimos de ética e justiça. Por conta disso, o controle legal encontra muitas dificuldades, de ordem técnica, ideológica e valorativa. Já observava Rui Barbosa, citado por Comparato, que:

"O effeito da interferência da justiça, muitas vezes não consiste senão em transformar, pelo aspecto com que se apresenta o caso, uma questão política em questão judicial. Mas a atribuição de declarar inconstitucionaes os actos da legislatura envolve, inevitavelmente, a justiça federal em questões políticas. É, indubitavelmente, um poder, até certa altura, exercido sob as formas judiciaes" (1997, p. 20)

Diante disso Comparato afirma "Afastemos, antes de mais nada, a clássica objeção de que o Judiciário não tem competência, pelo princípio da separação de Poderes, para julgar ‘questões políticas’" (Op. Cit., p. 19). No entanto, essa postura é rechaçada pela maior parte dos juristas pátrios, que só a admitem por via transversa, mediante um exercício argumentativo pelo qual as questões "deixam de ser" políticas, passando a ser jurídicas. Por isso, o controle da Administração Pública é apontado como restrito ao nível constitucional e, por isso, os defensores de uma maior margem de liberdade para o gestor público, postulam a desconstitucionalização de muitos assuntos como os serviços públicos. Porém, como visto de início, não é o locus da norma que facilita ou não o controle, mas os mecanismos de que o sistema dispõe. Alias, está demonstrado que finda como letra morta a constitucionalização de muitos temas, pela inviabilidade do controle.

Portanto, é preciso observar que o controle das políticas públicas não pode ficar restrito ao Controle de Constitucionalidade, sob pena de ser considerado como inviável, ante certos mecanismos estrategicamente pensados para minimizar esse controle, como a Ação Declaratória de Constitucionalidade. Ademais, não se pode restringir o controle de constitucionalidade ao controle concentrado. Mesmo porque, toda a estrutura do sistema legal pode ser tida como uma concreção dos fins constitucionalmente propostos.

Um segundo ponto, observado por Comparato, é que o controle judicial da Administração Pública incide sobre atos e não sobre programas ou políticas, sendo, portanto, um controle pontual não abrangente. Logo, as políticas públicas, em seu conjunto, findam fora do controle, porque expressam a idéia de metas coletivas e de atividade, de modo que não se resumem a normas ou atos, pois representam o conjunto destes, que é unificado pela sua finalidade.

Comparato assim leciona:

"A primeira distinção a ser feita, no que diz respeito à política como programa de ação, é de ordem negativa. Ela não é uma norma nem um ato, ou seja, ela não se distingue nitidamente dos atos da realidade jurídica, sobre os quais os juristas desenvolvem a maior parte de suas reflexões desde os primórdios da iurisprudentia romana. Este ponto inicial é de suma importância para os desenvolvimentos a serem feitos a seguir, pois tradicionalmente o juízo de constitucionalidade tem por objeto, como sabido, apenas normas e atos" (1997, p. 18)

Entretanto, como visto, as finalidades legais que orientam o controle judicial finalístico não se resumem ao controle de constitucionalidade. No Brasil confundem-se com este, dado o caráter extremamente abrangente da Constituição Federal, porém, isso não significa que ao mesmo se limitem. Logo, é preciso perceber que existe uma hierarquia de valores que define o "peso" dos princípios em conflito, mesmo a nível infraconstitucional. Obviamente, se se tratar de um valor constitucional em colisão com um infraconstitucional, aquele deverá prevalecer, à semelhança do que ocorre no caso das normas.

Porém, tratando-se de princípios mesmo essa regra não pode ser absoluta, pois pode ser que o valor ou interesse protegido por normas infraconstitucionais prevaleça naquele caso concreto por diversas razões tópicas. Uma delas pode ser a de que a prevalecer o interesse constitucionalmente protegido, o outro seria aniquilado, ao passo que no caso inverso isso não se daria. As colisões de princípios são mais freqüentes e diversificadas que se costuma considerar e podem chegar ao nível processual. Como exemplo toma-se o caso dos prefeitos cujas regras de aposentadoria não foram recepcionadas pela Constituição, mas que ganharam o direito a tal aposentadoria em Juízo, estando sob o manto da coisa julgada. Então, seria o caso de se dizer que é imperioso respeitar a coisa julgada, instituto protegido pela própria constituição, mesmo que com isso se estabeleça uma situação contrária à própria Constituição. Esse é um caso de aplicação do princípio da proporcionalidade, pelo qual observa-se que houve menor vantagem em se atender ao princípio da coisa julgada, que em se desconsidera-lo.

A princípio qualquer decisão seria aceitável ou recusável, posto que se trata de dois valores constitucionais. Entretanto, importa reconhecer que as técnicas de racionalização da decisão jurídica nem sempre podem obedecer a um rigor lógico-formal, mas podem atender a uma demanda de racionalidade tópica. Desta feita, pode-se fazer uma distinção entre as soluções possíveis juridicamente, conferindo maior peso a uma, como determina a aplicação do princípio da proporcionalidade. A maior desvantagem é observada não apenas do ponto de vista lógico, mas finalístico.

Um outro óbice procedimental é que os atos e normas tomados isoladamente são heterogêneos e possuem um regime jurídico próprio. Ou seja, sua validade é analisada separadamente da atividade global, ou seja, das políticas públicas nas quais se inserem. Desse modo, uma norma ou ato pode ser inválido, sem que a política pública no qual se insere o seja e vice-versa. Nesses casos, novamente pela aplicação do princípio da proporcionalidade, na análise dos atos a estes poderia ser conferido um peso diferenciado, considerando-se sua relação dentro da política pública no qual se encerra. Com isso, o controle seria ampliado pela estipulação de uma "sintonia fina" para a análise dos atos, de acordo com uma análise prévia da política pública, seria o caso desta estar inclusa na pré-compreensão do julgador.

Uma outra questão seria o fato de que a Constituição Dirigente, correlata ao Estado Intervencionista, contém objetivos que são impostos por meio de normas programáticas, pelo que estas precisam ser tomadas como vinculantes para o Estado e para toda a sociedade, incluindo os detentores do poder econômico. Para tanto, trabalha-se com a noção de conceitos juridicamente indeterminados, que ao lado do princípio da proporcionalidade, representa mais uma técnica de racionalização da decisão judicial. A própria análise desses tipos de conceitos jurídicos implica um juízo de ponderação, ou seja, a ela também se aplicam os parâmetros do princípio da proporcionalidade.

Com isso, a generalidade das normas pode ser tida como não redutora de sua função diretiva ou vinculante. Igualmente, o "alargamento" da competência normativa do governo (medidas provisórias, especialmente), pode ser mais estreitamente controlado, sempre do ponto de vista concreto, pois a análise tópica de prudência ou proporcionalidade sempre se dá in concreto, o que não atinge a agilidade e mobilidade, necessárias à eficiência da gestão pública, afastando o perigo tão supervalorizado do "engessamento" da Administração Pública. Dessa forma o controle judicial deixa de significar uma ampliação no Juízo de Oportunidade e Conveniência da Administração, ou seja, não significa uma "invasão de competência", pois não se concebem as questões meramente como "questões políticas" ou "mérito administrativo", cuja análise deve escapar ao Poder Judiciário.

A resistência dos Poderes do Estado em submeter as políticas públicas ao controle judicial mais rígido, está em que tal demanda uma atuação política do Judiciário, no sentido de que deverá questionar as opções do Administrador. Notadamente atos como declaração de guerra, licença para parlamentar ser processado e outros, manifestam feição meramente política. Mas sob o rótulo de questões meramente políticas não pode se esconder questões que afetam de forma direta e rotineira o exercício dos direitos dos cidadãos, como é o caso dos programas econômicos e seus efeitos. Tanto, que os mesmos estão sendo sempre questionados, sendo as perdas salariais, em geral, reconhecidas.

O incremento do controle judicial da atividade administrativa não significa mera substituição do arbítrio do Executivo pelo arbítrio do Judiciário, pois a mediação da norma e dos princípios jurídicos minimiza o subjetivismo. Os atos em si considerados e as políticas nas quais se inserem devem ser confrontados com os objetivos constitucionais, bem como com as regras infraconstitucionais que estruturam o desenvolvimento dessas políticas e atos (atividade).

O Controle de Constitucionalidade no Brasil é bem amplo, pois envolve tanto a matéria, quanto os meios e instrumentos, a forma e competência e, ainda, a omissão. Seus efeitos são desconstitutivos, pois resulta na invalidade do ato (efeito ex nunc). Há muitas falhas, como a própria utilização "má intencionada" da Ação Declaratória de Constitucionalidade, mas, independentemente de uma reforma constitucional, apresenta muitas possibilidades, que deixam de ser empregadas por receio de o Judiciário assumir seu papel de agente político ao lado dos outros poderes. Poderiam ser mais utilizados os instrumentos mandamentais e de injunção, bem como a tutela preventiva da legalidade (constitucionalidade).

Com isso, a intervenção sobre o domínio econômico prepondera, em especial, mas também a atuação no domínio econômico do Estado seria passível de um controle mais eficiente, que não fosse meramente formal, como muitas vezes é o exercido pelo Legislativo com auxílio dos Tribunais de Contas. Questões como a guerra fiscal, o tratamento da dívida pública, a função meramente formal das leis orçamentárias, dentre outras, poderiam ser redimensionadas com vistas a atender interesses sociais reais. Tal porque o governo deixaria de não ser responsabilizado pelas distorções praticadas por meio de políticas econômicas descompromissadas com o social, como as que atendem aos interesses bancários (operações de socorro aos Bancos), em detrimento de áreas fundamentais como educação e saúde.

A intervenção econômica não só permanece, como vem sendo incrementada, ao que precisa se seguir um incremento de instrumentos de controle. Isso, porém não demanda reforma legal para se implementar, pois mecanismos normativos já existem, é o exemplo das leis orçamentárias, que precisam ser tratadas como leis, como norma legal vinculante. Se esses mecanismos já existentes fossem implementados, muitas distorções praticadas continuamente seriam evitadas. Isso não significa que as propostas de mudança devam ser rechaças, pelo contrário, importa na necessidade de combinar o esforço para a adoção de mudanças positivas com a efetiva utilização dos mecanismos legais já disponíveis, maximizando as possibilidades que estes representam.

Aliás, vale ressaltar a vasta gama de propostas positivas para incremento do controle, judicial e social, das políticas econômicas, das quais vale ressaltar as formuladas por Fernando Facury Scaff, em breve, mas significativo ensaio, onde sugere a criação de agências reguladoras específicas para setores da econômica, com possibilidade de participação popular, participação de professores universitários. Além disso, sugere, ainda, possíveis alterações na composição dos Tribunais de Contas, podendo-se pensar em inclusão de representantes da sociedade e na idéia de exercício de mandato ao invés de vitaliciedade no cargo, dentre outras como a criação de ouvidorias e conselhos consultivos específicos. (Cf. Controle Público e Social da Atividade Econômica).

Demais disso, há a noção de orçamento vinculante, pelo que se tentaria reduzir as divergências entre o aprovado em lei e o executado, pela utilização de linguagem mais precisa nas leis orçamentárias e da idéia de obrigatoriedade na realização das despesas programadas, com uma margem de mobilidade de recursos dentro do estritamente necessário. Aperfeiçoar o controle a posteriori nos casos de Responsabilidade do Estado por medidas de política econômica também é um caminho sugerido para que, pela efetivação de um controle – social e, especialmente, judicial – seja implementado neste país um modelo de desenvolvimento econômico com efetivo progresso financeiro e social, capaz de reduzir o grau de marginalidade e exclusão social. Nesse sentido, o instrumental jurídico não seria considerado como a mola mestra desse processo evolutivo, mas como um significativo instrumento de realização de ideais democráticos.


Notas

1 - Aqui, utiliza-se a expressão intervencionista no sentido já visto, como sempre existente independentemente do modelo de Estado, seja de Bem-estar Social ou de cunho Neoliberal, pois a intervenção sempre existe e pode dar-se – de fato está se dando – neste "novo" modelo neoliberal com maior intensidade ainda que no Welfare State.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Marília Lourido dos. Políticas públicas (econômicas) e controle. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3179. Acesso em: 19 abr. 2024.