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A poluição do meio ambiente marinho e o princípio da precaução

A poluição do meio ambiente marinho e o princípio da precaução

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Sumário: I. Introdução.II. A Natureza jurídica do mar.1. Que é o Mar?2. Uma nova noção sobre a natureza jurídica do Ma.III. O meio ambiente marinho.1 A poluição marinha e o relatório Brundtland..2. As formas de poluição do meio ambiente e dos recursos marinhos.IV. As principais Convenções de proteção ao meio ambiente marinho.1. A iniciativa dos planos de ação regionais de proteção e desenvolvimento do meio ambiente marinho e das áreas costeiras e as primeiras Convenções de proteção do meio ambiente marinho.2. A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1982.3. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, a Declaração do Rio e a Agenda 21.3.1. A Declaração do Rio de 1992.3.2. O Capítulo 17 da Agenda 21.3.2.1. A proteção ao meio ambiente marinho.V. A poluição do meio ambiente marinho e o princípio da precaução.1. Introdução ao princípio da precaução.2. O princípio da precaução no direito internacional do meio ambiente.3. A casuística internacional de reconhecimento do princípio da precaução.3.1. O caso dos testes nucleares entre França e Nova Zelândia (1995).3.2. O caso NIREX.4. O conteúdo do princípio da precaução.5. O reconhecimento do princípio da precaução: Capítulo 17 da Agenda 21 - a proteção do meio ambiente marinho, costeiro e das ilhas.VI. Considerações finais.


I. Introdução.

O mar sempre fascinou o Homem. Desde os mais remotos tempos o mar sempre representou um desafio ao conhecimento humano. A população costeira, historicamente superior à continental, sempre buscou no mar sua sobrevivência; imperadores singraram os mares com suas embarcações ávidos pelas inesgotáveis riquezas de terras distantes, tal como contavam os marinheiros; povos inteiros lançaram-se ao desconhecido em busca de novas terras. Enfim, o Mar sempre desenvolveu um importante papel sócio-econômico ao longo da História: as navegações propiciaram a passagem da Idade Média para a Idade Moderna (tomada de Constantinopla em 1453) e incentivaram, na Nova Era, através das grandes navegações, o surgimento de novos Estados além-mar, o incremento das relações comerciais entre Estados que, inevitavelmente, tiveram o mar como palco de incontáveis conflitos, donde surgiu a necessidade de regulamentação de seu uso, com especial atenção aos mares abertos (os oceanos), aos quais se aplicaram uma infinidade regras consuetudinárias que há séculos vinham regendo as navegações em mares semi-abertos e fechados. Nesta época, a Europa, principal teatro de toda esta evolução de tecnologia marítima, ainda não compreendia a grandeza do bem da natureza que estenderia suas fronteiras culturais para terras e povos escondidos para além da imensidão do horizonte.

A dicotomia entre Direito do Mar e Direito Marítimo, que atribuiu a este último a regulamentação das atividades privadas de navegação, ainda não era notada. Existia somente um direito do mar (law of the sea) como um antigo direito do mar [01] atrelado à noção de law of nations.

Em verdade, o Homem (e não somente o europeu) descobriu tardiamente a vital importância do mar, mais precisamente na recente década de 70, quando tomaram corpo alguns movimentos internacionais de proteção ao meio ambiente humano, indicando que a vida do Homem estava inexoravelmente ligada à própria preservação da Natureza.

A partir deste momento, o mar, como um patrimônio comum da Humanidade, passou a ser considerado em todos os seus complexos elementos, os denominados recursos marinhos vivos e não-vivos, um tratamento que não mais se limita à simples regulamentação de seu uso pela navegação. Nesta nova perspectiva, os conceitos que lhe explicavam a natureza jurídica começavam a se esvaziar: de que serve a milenar discussão de direito romano das gentes (ius gentium) se o mar é res nullius ou res communis senão como belo exercício de retórica?

O mar, assim como outros elementos da Natureza (atmosfera, rios, florestas a fauna e a flora) passou a significar fonte de vida, marinha e humana, a um preço muito alto. O desenvolvimento econômico dos Estados a partir do século XVI ganhou impulso com as navegações. Isto é inegável e se justifica no sucesso de uma das primeiras companhias de comércio internacional, a Companhia das Índias Ocidentais. No entanto, este desenvolvimento não ocorreu de forma ordenada, mesmo porque desordenadas e convulsivas foram as duas revoluções industriais inglesas que, naturalmente, tinham no mar a principal via de comércio de seus produtos industrializados. O aperfeiçoamento das embarcações, o desenvolvimento de grandes plantas industriais às margens de rios e mares e o conseqüente aumento da população na faixa costeira provocou, gradativa e em escala exponencialmente crescente, a poluição do mar por resíduos tóxicos resultantes do insustentável desenvolvimento econômico que o Mundo experimentava.

Os problemas se acumulavam. O mar tornara-se uma grande lixeira resultado do acúmulo de produtos químicos, de lixo doméstico, de extensas manchas de petróleo; enfim, a vida do mar estava comprometida e indicava que a vida do Homem seguia para o mesmo caminho. Surgiu, então, a proposta de medidas preventivas e corretivas contra os efeitos da poluição marinha, e mais, de medidas de precaução que, definitivamente, visavam a impedir que tais efeitos ocorressem: os danos ao meio ambiente poderiam ser finalmente evitados. Pode-se dizer, então, que somente após a década de 70 o Mar passou a ser considerado em toda a sua plenitude, como verdadeiro "meio ambiente", um repositório de vida.

Para ilustrarmos detalhadamente toda esta evolução do Direito do Mar, do próprio mar e da problemática da poluição marinha, elegemos como pontos básicos desta nossa dissertação o estudo do princípio da precaução, de seu reconhecimento nas diversas convenções sobre prevenção da poluição marinha e sua aplicação a casos concretos. No entanto, para atingirmos estes objetivos, necessárias se fazem algumas notas sobre a controvertida natureza jurídica do mar, sobre a concepção moderna de mar e seus recursos, sobre o que é poluição e meio ambiente, e principalmente identificar quais os instrumentos de direito internacional se destacam na proteção ao meio ambiente marinho, seja em caráter regional, nacional ou mundial, com especial destaque aos Planos de Ação Regional da ONU e suas Convenções, à Convenção sobre Direito do Mar de 1982 e à Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 1992). Nossa posição sobre cada assunto abordado nesta dissertação foi lançada ao longo de cada um dos painéis de exposição, com notas remissivas às fontes de consulta, as quais, sugerimos, sejam consultadas.


II . A Natureza jurídica do mar.

A busca de respostas sobre a natureza jurídica do mar nos remete ao estudo do direito romano, um direito de aplicação exclusiva na ordem interna do Império, embora distinguisse sua aplicação entre os cidadãos romanos (ius civile) e os estrangeiros (ius gentium).

Em linhas gerais, o direito romano dividia-se em duas grandes categorias: o ius publicum e o ius privatum, subdividindo-se este último em ius civile e ius gentium, os quais foram mais tarde unificados por JUSTINIANO em suas Institutas num direito universal de todos os romanos. Portanto, não havia, àquela época, um direito internacional, um direito das gentes que extrapolasse os limites do Império Romano.

Para explicar a relação do homem com as coisas (res), o direito romano consideravam-nas em duas categorias: res in commercium - coisas passíveis de serem disponibilizadas por particulares - e as res extra commercium - coisas que não podiam pertencer a particulares nem de fato nem de direito. Nesta categoria se incluiam res divini iuris e as res humani iuris (estas últimas compreendiam o ar e o mar - "Et quidem naturali jure communia sunt omnium, haec, aqua profulens, et mare et per hoc litora maris" - Institutas, Livro II, TítuloI, § I.).

Ainda no âmbito do ius privatum, os romanos distinguiam também as res nullius propriamente ditas das res nullius in bonis sunt e das res derelictae.

Dizia CAVALCANTI que "Res nullius eram aquelas coisas que por circunstância meramente acidental não se encontravam no patrimônio de alguém, mas que de um momento para outro podiam ser a ele incorporadas - res nullius et primi occupantis." [02]

Noutra vertente estavam as res nullius in bonis sunt, que compreendiam a categoria de coisas que absolutamente podiam ingressar no patrimônio privado de alguém, integrando a categoria de coisas denominadas res extra commercium (res divini iuris e entre as res humani iuris as res publicae e res communis).

As res divini iuris faziam parte do patrimônio religioso, os bens consagrados aos deuses, como os santuários, as estátuas. Entre as res humani iuris, as Res publicae eram as que pertenciam ao Estado, como rios e portos, ou às Cidades, como praças públicas e teatros. As res communis, de sua vez, pertenciam à generalidade dos cidadãos, como o ar, a água corrente e o mar.

Finalmente, as res derelictae, conceitualmente ligadas à noção de res in commercium, eram coisas que houvera composto o patrimôno de alguém, mas posteriormente foram abandonadas.

A celeuma em torno do mar sobre a sua natureza de res nullius ou res communis, surgiu em torno da idéia de patrimônio comum a todas as pessoas.

Aqueles que defendem a idéia de que o mar é res nullius (AMEDÉ BONDE, RIVIER, BASDESVANT e WESTLAKE) [03] apoiam se no Digesto de CELSO, o qual conflita com as Institutas de ULPIANO e de JUSTINIANO, atribuindo ao mar a natureza de coisa sob domínio coletivo de todos os Estados. Um posicionamento que não responde à questão da apropriação do mar e muito se distancia da questão relativa ao seu "uso", sobre a qual, ao longo dos séculos, cuidou a humanidade de regulamentar através de normas consuetudinárias e, mais recentemente, pela sua consolidação convencional. Percebe-se que na ótica do direito romano, quando se fala em "uso" do mar, subtrai-se a discussão do âmbito da res nullius, colocando-a, apropriadamente, no âmbito das res nullius in bonis sunt, que se diferem das res nullius exatamente em razão da impossibilidade particular de apropriação, mas permitem seu uso comum.. Nesta vertente, portanto, estão aqueles que defendem a tese predominante de que trata-se o mar de res communis omium (GROTIUS, HEFFTER, BEVILÁCQUA, ANTOKOLETZ, DESPAGNET, VON LISZT, PLANAS SUÁREZ, PEDRO FRUTOS, LOMONACO, FOIGNET, MARCEL MOYE, THOMAS BARCLAY, PHILLIMORE, CECIL HURST, PRADIER-FODÉRÉ) [04] fiando-se na impossibilidade de apropriação do mar por qualquer Estado.

Entre um e outra corrente tem-se a posição intermediária defendida por FAUCHILLE [05]. No estudo da questão, chama atenção o tratadista francês ao fato de que os partidários da tese da res nullius invocam ao seu favor a ausência de soberania no alto-mar, enquanto se baseiam os adeptos da concepção da res communis no argumento de que o mar é necessário às trocas comerciais internacionais. Conclui FAUCHILLE que o resultado da divergência não é indiferente do ponto de vista das consequências que encerra, uma vez que admitido o mar como res nullius este poderá ser ocupado ou utilizado por um ou mais Estados, pela sua simples vontade.Mas se considerado o mar como res communis omium, sua ocupação não será possível senão mediante acordo entre os Estados. Em sua teoria defende FAUCHILLE que qualificar a natureza jurídica do mar entre uma e outra concepção não responderia por completo a questão, pois, ainda que o mar fosse res nullius, passível de ocupação por qualquer Estado, haveria a impossibilidade fática em fazê-lo; quanto à res communis omnium, que traz ínsita a noção de domínio comum, assevera que o mar não pode ser patrimônio da coletividade de Estados sem o ser de cada um separadamente. O que ele defende como correta é a concepção do uso comum, que atribui como resultado de seu sistema o uso isolado do mar por todos os Estados, sem que nenhum pretenda seu monopólio de exploração e sob a condição de que esta intervenção não constitua um obstáculo ao igual aproveitamento por outros Estados.

Na contramão de FAUCHILLE estava outro tratadista francês, LA PRADELLE [06], que dedicou especial atenção e sua obra ao estudo jurídico do mar. Assinala que a noção de res communis para o mar está clara no direito romano, embora a noção de comunidade fosse uma noção de direito público interno e não de direito internacional. Foi GROTTIUS quem transportou esta noção de comunidade do direito romano para a a comunidade do gênero humano. Em suas lições, LA PRADELLE adverte que se deve considerar o mar em termos jurídicos, de sorte que justificativas fáticas de impossibilidade de ocupação ou de exercício de poder privado devem ser afastadas.

Uma terceira corrente defendida por Gilbert GIDEL [07] defende que questão sobre a natureza jurídica do mar não se responde por qualquer uma das duas tradicionais correntes doutrinárias, pois tratava-se de um objeto de jurisdição: é sua a teoria da juridicidade do mar [08]. GIDEL afirma em sua obra que a noção de res nullius evoca em direito romano a idéia de possível apropriação: res nullius cedit primo occupandi. Nesta perspectiva, são res nullius, não o mar em si mesmo, mas os objetos materiais que, achados, podem ser apropriados: peixes, ervas, pedras, corais, e outros produtos.

Segundo CAVALCANTI [09], partidário da corrente da res communis omnium, GIDEL, ao defender a sua teoria de juridicidade do mar, confessa-se adepto da tese da res communis, uma vez que negava direitos particulares a cada Estado, vinculando-os a uma norma de direito internacional. BUSTAMANTE Y SIRVEN [10] e JEAN DEVAUX [11], acompanhando as opiniões de FAUCHILLE, afirmam que o mar não é propriamente res communis omnium, mas um domínio comum da sociedade internacional.

A nosso ver, nenhuma destas correntes e suas justificativas respondem de modo satisfatório à questão sobre a natureza jurídica do mar. A tese que mais se aproxima da noção de universalidade que é emprestada ao Mar pelas atuais convenções internacionais, em especial a Convenção de Viena sobre Direito do Mar de 1982, pertence a GIDEL e sua teoria da juridicidade do mar. Também é importante destacar a escola de LA PRADELLE, que se opõe a FAUCHILLE quando rechaça uma conceituação jurídica do mar a partir da uma constatação fática.

Para se resolver a questão sobre a natureza jurídica de determinada coisa (ou bem), deve-se determinar na esfera do "ser" todas as suas características, qualidades e atributos, sem os quais o "ser", no mundo jurídico do "dever ser", não encontra relação com direitos e obrigações que pretende a lei lhe atribuir. Para se declarar o direito do mar deve-se, portanto e de início, esclarecer quais as características, qualidades e atributos do mar se pretende preservar nas relações jurídicas travadas entre os Homens e concernentes ao bem. Em suma, para responder à questão da natureza jurídica do mar deve-se responder, primariamente, à seguinte questão: que é o mar?

1. Que é o Mar?

Contrariamente à teoria de LA PRADELLE, a resposta a esta questão não está no direito, no mundo jurídico, mas na própria essência da universalidade de coisas e bens que compõe o mar. O mar é fato, é mar além de normas de direito e não deixará de ser mar ainda que diga o contrário a lei. O mar é bem por que tem um valor que não se resume apenas ao direito, um valor que extrapola os limites das leis, da economia e da filosofia.

A filosofia distingue entre coisas e bens. Gênero é a idéia geral que se obtém, considerando o que as diferentes espécies têm em comum. Transportando estes conceitos para o mundo jurídico, considerando somente o universo dos objetos corpóreos, e sua relação com o direito de propriedade, temos que coisa é gênero, bem é espécie. São bens todas as coisas sobre as quais podem recair direitos. À totalidade dos bens apreciáveis (jurídica, econômica e axiologicamente considerados) denominamos de patrimônio, que para o direito passa a se compor não somente de bens, mas também de deveres e obrigações. Assim, o mar não é simples coisa apenas suscetível de ser apropriado, mas um bem objeto de direitos que integra um patrimônio sobre o qual incidem deveres e obrigações de todos os Estados da Comunidade Internacional.

O mar, em si mesmo, corresponde a um patrimônio, um complexo de bens que reunidos formam a unidade do mar. O mar respira através dos seres vivos que comporta, mais vale que a riqueza de seus minerais e aponta para um futuro que se realizará na preservação de sua vida na vida do próprio Homem. Se pudéssemos conceituar o "Mar" [12], limitando toda sua grandeza e riquezas em poucas linhas, poder-se-ia ousar dizer que o Mar é o conjunto de todos os elementos vivos e não-vivos que compõem o que se convencionou chamar de "meio ambiente marinho".

É sob este conceito de Mar, que nada de jurídico comporta, que propomos a releitura de todas as mencionadas teses sobre a natureza jurídica do Mar.

2. Uma nova noção sobre a natureza jurídica do Mar.

É certo que os romanos desconheciam o direito internacional. Os conceitos de res nullius e res communis omnium, como dicotomias do ius civile, que, de sua vez, ao lado do ius gentium, compunha o ius privatum, não foram concebidos para reger as relações de ius inter gentium. A inspiração de ambos os conceitos, ou dos tercium genus proposto por FAUCHILLE, talvez servisse para explicar as relações de direito internacional clássico que se estabeleceram ao longo dos séculos, reconhecidas como tal no início da Idade Moderna pela escolástica de FRANCISCO DE VITÓRIA.

Ocorre que nem mesmo o direito internacional clássico pode responder à questão sobre a natureza jurídica do mar de modo satisfatório. A mais autorizada doutrina tem defendido, de forma majoritária, que o mar deve ser classificado quanto à sua natureza jurídica como res communis omnium, tal como fez JUSTINIANO em suas Institutas.

Na evolução histórica do direito do mar, desde a law of nations até o direito internacional moderno, incontáveis regras consuetudinárias poderiam ser mencionadas especialmente com relação ao uso do mar, à navegação. O mar sempre foi usado pelos Estados como uma coisa, assim como todos os produtos que oferece. Passou à categoria de bem com o reconhecimento de sua importância para o desenvolvimento econômico sustentável dos Estados, o que determinou a necessidade de fixação daquelas regras costumeiras em regras convencionais, ora bilaterais, ora multilaterais, mas sempre em caráter regional.

A importância econômica do mar cresceu com a necessidade de expansão dos limites da economia interna dos Estados para uma economia internacional. Houve o incremento das navegações e o mar passou a ser uma das mais importantes vias de trânsito transcontinental, inicialmente entre a América e a Europa, e atualmente na integração de todo o planeta.

Com o "boom" do desenvolvimento econômico, os problemas relativos ao mar não mais se limitavam ao controle da pirataria, às soluções de controvérsias sobre colisões, à guerra. No crescimento da população urbana, especialmente da população costeira, fomentado pela crescente industrialização, o mar se tornou alvo da pior herança do Homem: a poluição (que não conhece a distinção entre res communis e res nullius) afeta o meio ambiente marinho indiscriminadamente, ainda que em menor intensidade em alto-mar, fato que não se traduz em alento, já que grande parte das atividades extrativistas realizadas no mar ocorre em áreas costeiras.

A complexidade das novas relações econômicas, refletidas no mundo jurídico, tem retirado do direito do mar sua característica historicamente consuetudinária, afastando-o, de igual forma, da noção de direito marítimo. O direito do mar não tem origem somente em normas costumeiras que se cristalizaram em convenções. O direito do mar, no que se refere ao direito de preservação do mar contra a poluição, insere-se na categoria do direito internacional do meio ambiente, um direito fundado, originariamente, em disposições convencionais, inéditas como normas de direito costumeiro, mas que, de certa forma, também contribuem para a formação de costumes ambientais.

As noções de res nullius e res communis omnium, atreladas à concepções românicas de direito de propriedade, da relação excludente entre a coisa e seu detentor (o meu direito de propriedade exclui o direito de outros sobre a mesma coisa) estão muito distantes da realidade do Mar. A questão não mais se detém sobre a possibilidade de o mar ser ou não apropriado por um ou outro Estado, ainda que assim declare a Convenção de Viena sobre Direito do Mar de 1982, mas, sim, sobre a disciplina de seu uso e percepção de recursos que a todos os Estados pertence e que por esta razão devem ser preservados. Mais ainda, devem ser preservados para a manutenção da qualidade de vida dos Homens e repensados em termos de um desenvolvimento sustentável·.

Admitindo-se a conceituação do bem mar como um complexo de recursos que compõem o meio ambiente marinho, resta-nos somente identificar quais sejam estes recursos para mais uma vez demonstrar quão imprópria é a discussão doutrinária sobre res nullius e res communis omnium como determinantes da natureza jurídica do mar.

Segundo JAMES A. CRUTCHFIELD [13], Professor de Economia da Universidade de Washington, os recursos marinhos dividem-se em duas grandes categorias - os recursos minoritários e os majoritários - segundo seu grau de importância econômica. Os recursos minoritários são a energia (hidrelétrica) e a água dessalinizada; os recursos majoritários são a pesca, o petróleo, o gás natural e os minerais.

Ao contrário do que prega a doutrina da res communis omnium, cada um destes recursos que compõem o mar podem ser explorados, portanto apropriados, desde que respeitados os limites de exercício de direitos impostos pela lei internacional. É neste ponto que nossa posição toca a teoria da juridicidade do mar de GIDEL. Por outro lado, o mar também não é res nullius, uma vez que o direito de se apropriar da coisa está vinculado a um acordo com outros Estados [14]. Se este direito de apropriação depende de uma relação subjacente, perde sua característica de autonomia em relação à coisa, desnaturando-a.

Posição mais moderna é aquela fundada em princípios consagrados pela Assembléia Geral das Nações Unidas na Resolução 2.749 (XXV), de 17 de dezembro de 1970, na qual se declarou, inter alia, que os fundos marinhos e oceânicos e seu subsolo para além dos limites da jurisdição nacional, bem como os respectivos recursos, são considerados patrimônio comum da humanidade [15], importando que sua exploração deva beneficiar todos os Estados [16]. Contudo, em termos de meio ambiente, o Mar é muito mais que solo e subsolo.

A solução que propomos para a questão está num tercium genus, que a pesar do latim, não está no direito romano, mas no direito internacional convencional: o mar é um conjunto de bens (direitos e obrigações) inapropriáveis em sua unidade, mas exploráveis, de acordo com regras de direito internacional.

Se não nos servem os conceitos de res nullius e res communis omnium, a noção de patrimônio comum da humanidade, de sua vez, restringe sua aplicação a somente dois dos elementos que compõe o patrimônio marinho: solo e subsolo oceânicos. Daí o imperativo de um conceito que abranja estas duas características: a impossibilidade de apropriação por um único ente e a possibilidade de sua exploração. As res nullius são inapropriáveis; as res communis, inexploráveis, pois não se prestam ao uso de alguém.


III . O meio ambiente marinho.

O objetivo deste painel é estabelecer a situação "de fato" do meio ambiente marinho, em torno da qual se verificou toda uma mobilização internacional para o combate da poluição marinha.

Em 1990 um relatório do grupo de experts das Nações Unidas sobre aspectos científicos da poluição marinha informou que os mares abertos estavam relativamente limpos, mas a destruição do habitat costeiro, se não fosse controlado, levaria à deterioração global da qualidade e produtividade do meio ambiente marinho. Este relatório afirmava que a contaminação química de áreas costeiras era um problema de muitas áreas, mas que contaminação por esgotos era muito mais séria. Outras fontes indicavam, em relação aos mares fechados e semifechados, que estes se tratam de grandes reservatórios sem drenagem. Produziram-se, então, relatórios alarmantes sustentando que o Mar Negro poderia se tornar incapaz de sustentar a vida de seus recursos marinhos e que o Mediterrâneo, Báltico [17], apesar dos esforços para prevenção e combate da poluição, estavam muitíssimo estressados.

Numa análise econômica, o meio ambiente marinho deve ser considerado tanto em relação aos seus recursos vivos quanto aos não-vivos, alguns de grande importância, outros ainda à margem da produção econômica, inexplorados por carência de métodos científicos e materiais que os tornarão de interesse econômico humano. Em termos de direito internacional do meio ambiente, "meio ambiente marinho" deve ser considerado por completo, em toda a amplitude que permite identificar suas características biológicas. A melhor definição para "meio ambiente marinho" pode ser inferida a partir da definição de "área marítima" apresentada no artigo 1º da Convenção para Proteção do Meio Ambiente Marinho do Atlântico Nordeste, assinada em Paris em 1992 [18].

Segundo esta Convenção (que no Preâmbulo reconhece a vital importância tanto do meio ambiente marinho quanto da fauna e da flora para todas as nações), sua área de aplicação estende-se às águas internas e ao mar territorial dos Estados-partes, ao mar além e adjacente ao mar territorial sob jurisdição do Estado costeiro, conforme reconhecido pelo direito internacional, bem como ao alto-mar, inclusive o solo de todas as águas internas e seu subsolo. As águas internas são definidas como as águas que se estendem da linha base para o mar territorial até o limite de água fresca. Finalmente, o limite de água fresca é aferido no período da maré baixa, estabelecendo-se no local onde o curso d’água interno adquire salinidade devido à presença da água do mar [19]. Uma definição bastante completa e ampla. Meio ambiente marinho, neste contexto, compreende todos os seres vivos e não-vivos que se estabelecem sob as águas do mar, inclusive aqueles seres vivos cuja cadeia alimentar estão inexoravelmente ligadas à vida marinha (i.e. aves marinhas).

Desta observação tem-se que o principal recurso do meio ambiente marinho consiste nas formas vivas, especialmente os pescados, os minerais dissolvidos na água e os minerais de subsolo marinho, petróleo, gases, energia direta e água fresca. Ao lado destes elementos, além das navegações, nas costas desenvolvem-se um número cada vez mais significativo de indústrias, de cidades, provocando, por conseguinte, um aumento da população, tudo se refletindo no aumento de dejetos levados ao mar: a poluição marinha.

1. A poluição marinha e o relatório Brundtland.

Em linhas gerais, poluição é tudo que o homem, direta ou indiretamente, introduz no meio ambiente, seja na forma de substâncias ou de energia, que provocam, ou podem provocar danos à saúde humana ou à dos seres vivos. No direito internacional do meio ambiente, diversas convenções de proteção do meio ambiente marinho cuidaram de definir "poluição" como a introdução pelo homem, direta ou indiretamente, de substâncias ou de energia no meio marinho, incluindo os estuários, sempre que a mesmo provoque ou possa vir a provocar efeitos nocivos, tais como danos aos recursos vivos e ao ecossistema marinho, perigo à saúde humana, entraves às atividades marítimas, incluindo entre estas a pesca e o uso legítimo do mar, alteração da qualidade da água do mar, no que se refere à sua utilização e deterioração dos locais de recreio [20].

A preocupação com a poluição do meio ambiente marinho surgiu com a constatação da insustentável poluição do meio ambiente humano, que inevitavelmente abrange os mares.

A qualidade do meio ambiente humano e a preocupação com a poluição teve sua primeira manifestação por parte da comunidade internacional em 1972, por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, ao fim da qual foi apresentada uma Declaração de 27 princípios (Declaração de Estocolmo), com destaque ao Princípio 21, específico à proteção do meio ambiente, transcrito, referido e recordado em diversas convenções sobre proteção do meio ambiente, entre as quais se inclui a Declaração do Rio de 1992, que o retoma no enunciado de seu Princípio 02 [21].

Estas preocupações levaram a Assembléia Geral das Nações Unidas a criar, em 1983, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento ("World Commission on Environmental and Development"), uma organização vinculada a governos e ao sistema da ONU, mas não sujeita ao seu controle. À Comissão então criada foram atribuídas três grandes funções: a) reexaminar as questões críticas relativas ao meio ambiente e desenvolvimento, e formular propostas realísticas para abordá-las; b) propor novas formas de cooperação internacional neste campo, de modo a orientar políticas e ações no sentido das mudanças necessárias e; c) dar aos indivíduos, organizações voluntárias, empresas, institutos e governos uma compreensão maior destes problemas, incentivando-os a uma atuação mais firme.

A Comissão constatou em audiências públicas realizadas em cinco continentes que muitas destas tendências de desenvolvimento resultavam em um número cada vez maior de pessoas pobres e vulneráveis, além de causarem danos ao meio ambiente. A Comissão se reuniu pela primeira vez em outubro de 1984 e publicou em abril de 1987 o chamando Relatório Brundtland, oficialmente denominado "Nosso Futuro Comum".

De acordo com o Relatório Brundtland (1987), até recentemente o planeta era uma grande comunidade de Estados isolados, divididos em setores e com amplas áreas de interesse que nem sempre de alinhavam. Estes compartimentos, recentemente, começaram a se diluir. Isto se explica nas várias crises globais e da internacionalização dos modos de produção. Alterações drásticas na economia dos Estados criaram vínculos entre as economias globais e a ecologia global: um problema deixou de ser atacado de forma isolada por que passou a influir nas relações econômicas de forma direta. As crises passaram a se interligar: o desflorestamento das terras altas provoca inundações nas terras baixas, a poluição local à montante prejudica a pesca à jusante; a deterioração das terras e a desertificação provocam os movimentos de imigração de povos de um Estado a outro e com o povo vão os problemas e a deterioração de outros sistemas ecológicos. Ainda segundo o Relatório, no limite da crise econômica, a crise ambiental torna-se uma questão de segurança nacional. O progresso humano deve atender às necessidades humanas e realizar as ambições do Homem de modo sustentável. O conceito de desenvolvimento sustentável defendido no Relatório e repetido anos mais tarde no princípio 27 da Declaração do Rio 1992 [22], significa a garantia ao homem sobre a capacidade de atendimento de suas necessidades e, principalmente, a garantia de que as gerações futuras atenderão também às suas, um conceito que encontra limites na tecnologia e na organização social, bem como na capacidade da própria biosfera em absorver os efeitos da atividade humana.

O relatório Brundtland indicava tendências ambientais que ameaçavam (e continuam a ameaçar) modificar radicalmente o planeta, especialmente ameaçando a vida de muitas espécies, inclusive a humana. Segundo o relatório, a cada ano, 6 milhões de hectares de terras produtivas se transformam em desertos, o que em 30 anos, representará uma área igual à da Arábia Saudita. Anualmente são destruídos 11 milhões de hectares em florestas que se transformam em terras agrícolas de baixa qualidade, incapaz de prover o sustento dos que nela se fixam. Na Europa as chuvas ácidas matam florestas e lagos, e danificam o patrimônio arquitetônico; a queima de combustíveis tóxicos espalha na atmosfera o dióxido de carbono que está provocando o aquecimento gradual da atmosfera do planeta; certos gases industriais ameaçam comprometer a camada de ozônio, a indústria e a agricultura despejam toneladas de substâncias tóxicas que poluem a cadeia alimentar humana, os rios e as águas subterrâneas. Um quadro caótico que, pelo expressivo número de convenções (principalmente de qualidade das convenções) após 1987, ano de sua publicação, nitidamente provocou nos governos e nas instituições multilaterais a consciência de que era impossível separar a questão do desenvolvimento econômico à do meio ambiente, pois muitas formas de desenvolvimento desgastavam o meio ambiente, quando dele não necessitavam de forma direta para a própria cadeia de produção. A pobreza, afirma o Relatório, continua sendo uma das principais causas e um dos principais efeitos dos problemas ambientais do mundo. Portanto é inútil abordar estes problemas de forma específica; deve ser tratado de forma mais ampla que englobe todos os fatores que compõem o problema [23].

Conclui o Relatório que o mundo está cada vez mais poluído e com recursos cada vez mais escassos. O crescimento econômico deve apoiar-se em práticas que conservem e expandam a base dos recursos ambientais; um crescimento que possibilitará a mitigação da pobreza que vem se intensificando na maior parte do mundo em desenvolvimento. Tudo isto somente poderá se dar com uma ação política que vise diretamente administrar o meio ambiente com o intuito de assegurar o progresso continuado e garantir a sobrevivência da humanidade.

2. As formas de poluição do meio ambiente e dos recursos marinhos.

Compulsando mais de uma dezena de convenções sobre meio ambiente marinho, com especial atenção para a Convenção sobre Direito do Mar, pudemos verificar, através de um método muito simples, quais as formas de poluição do meio ambiente marinho que mereceram especial atenção do legislador internacional [24]:

a) poluição de origem terrestre: proveniente de fontes terrestres, inclusive rios, lençóis freáticos, estuários, dutos e instalações de descarga;

b) poluição proveniente de atividades relativas aos fundos oceânicos e ilhas artificiais e instalações sob jurisdição nacional, com especial atenção às atividades de extração de petróleo e gás natural;

c) poluição proveniente de atividades no leito do mar, nos fundos marinhos e em seu subsolo além dos limites da jurisdição nacional;

d) poluição por alijamento: lançamento deliberado no mar de dejetos e outras matérias a partir de embarcações, aeronaves, plataformas ou outras construções, inclusive afundamento deliberado destes no mar;

e) poluição proveniente de embarcações: derramamento involuntário de substâncias tóxicas, nocivas, bio-acumulativas ou persistentes no meio ambiente, entre as quais se incluem os óleos e hidrocarbonetos derivados do petróleo, inclusive poluição radioativa proveniente de embarcações propulsionadas por este tipo de energia;

f) poluição proveniente da atmosfera ou através dela: aeronaves e utilização do espaço aéreo, bem como transportadas na atmosfera e depositadas no mar, provenientes de descargas poluentes;

g) poluição originária das atividades de dumping,

h) poluição proveniente de atividades e testes nucleares.

Foi em torno destas formas consideradas de poluição que se estabeleceram quase a totalidade de convenções de proteção ao meio ambiente marinho.


IV. As principais Convenções de proteção ao meio ambiente marinho.

1. A iniciativa dos planos de ação regionais de proteção e desenvolvimento do meio ambiente marinho e das áreas costeiras e as primeiras Convenções de proteção do meio ambiente marinho.

2. A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1982.

3. A Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Declaração do Rio de 1992 e a Agenda 21.

1. A iniciativa dos planos de ação regionais de proteção e desenvolvimento do meio ambiente marinho e das áreas costeiras e as primeiras Convenções de proteção do meio ambiente marinho [25].

Já sabemos que a poluição do Mar, do meio ambiente marinho, provocou mudanças no comportamento econômico do Homem. Em 1974, apenas dois anos após a Conferência de Estocolmo sobre Meio Ambiente Humano, as Nações Unidas lançavam o Programa dos Mares Regionais para coordenar a implementação de uma série de planos e suportes legais para estabelecimento de acordos regionais obrigatórios entre Estados, com o fim de preservação do meio ambiente marinho.

O tema suscitava tamanha importância que mais de 120 Estados participaram da ação. Foram estabelecidos 09 planos de ação abrangendo o Mar Mediterrâneo (1975), o Mar Vermelho e Golfo de Aden (1976), o Golfo Pérsico e Arábico (1978), o Largo Caribe (1981), os Mares do Leste Asiático (1981), o Pacífico Sudoeste (1981), o Africano Oeste e Central (1981), o Pacífico Sul (1982) e o África Oriental (1985).

Estes planos de ação tinham 03 componentes básicos que seguiam a orientação adotada para ação ambiental na Conferência de Estocolmo de 1972: a) avaliação ambiental (valoração, revisão, pesquisa, monitoramento e troca de informações); b) gerenciamento ambiental (planejamento de metas, consultoria internacional e acordos) e; c) medidas de suporte (educação, treinamento, informação pública, cooperação técnica, organização e financiamento).

O compromisso dos governos em participar destes planos de ação deu origem às primeiras convenções internacionais sobre proteção do meio ambiente marinho, ainda que em caráter regional, mas que serviram para fixar os primeiros pontos comuns em direito internacional do meio ambiente. Até o presente momento 08 convenções regionais foram adotadas no âmbito do plano idealizado pelo Programa dos Mares Regionais: Convenção sobre Proteção do Mar Mediterrâneo contra Poluição (Barcelona, 1976); Convenção Regional do Kwait para Cooperação sobre Proteção do Meio Ambiente Marinho da Poluição (Kwait 1978); Convenção para Cooperação sobre Proteção e Desenvolvimento do Meio Ambiente Marinho e Costeiro da Região Oeste e Central Africana (Abidjan 1981); Convenção sobre Proteção do Meio Ambiente Marinho e Costeiro da Área do Sudeste do Pacífico (Lima 1981); Convenção Regional sobre Proteção do Meio Ambiente do Mar Vermelho e Golfo de Aden (Jeddah 1982); Convenção sobre Proteção e Desenvolvimento do Meio Ambiente Marinho da Região do Largo Caribe (Cartagena 1983); Convenção para Proteção, Gerenciamento e Desenvolvimento do Meio Ambiente Marinho e Costeiro da Região Oriental da África (Nairobi 1985); e Convenção de Proteção de Recursos Naturais e Meio Ambiente da Região do Pacífico Sul (Noumea 1986).

Todas estas Convenções, à exceção de Nairobi, estão em vigor entre mais de 120 Estados, podendo todas ser classificadas como "convenções quadro", pois podem ser suplementadas por protocolos contendo provisões para a concreta realização das medidas e objetivos colimados pelas partes contratantes.

Como convenções regionais, cada qual define uma área específica de aplicação a qual, com algumas exceções, se limitam às 200 milhas da zona econômica exclusiva e exclui as águas interiores dos Estados.

Como obrigações genéricas, estão estabelecidas obrigações de prevenir, reduzir, combater e controlar a poluição na área da convenção, podendo se identificar entre estas obrigações pelo menos oito obrigações comuns a todas elas:

a) controle da poluição causada por dumping;

b) poluição por descargas de navios;

c) oriundas da exploração e utilização da plataforma continental, solo e subsolo marinhos;

d) poluição originária de fontes terrestres;

e) cooperação em casos de emergências em poluição;

f) desenvolvimento de cooperação científica e técnica, inclusive de monitoramento de programas de pesquisa, troca de dados e informações e assistência técnica;

g) formulação e adoção de procedimentos de determinação de responsabilidade e compensação por danos causados da poluição derivada da violação da convenção,

h) dever de relatar as medidas adotadas na implementação da convenção e de seus protocolos.

Cada convenção é suplementada por um protocolo que corresponde à negociação de assuntos sobre um tema específico tratado na Convenção, de sorte que nenhum Estado pode ingressar na Convenção sem tornar-se parte de pelo menos um protocolo. O protocolo de cooperação em caso de emergências por poluição é comum em todos as oito convenções regionais.

2. A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1982 [26].

"Os estados têm a obrigação de proteger e preservar o meio ambiente marinho (art. 192)."

A Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1982, sem a menor dúvida, é um marco do direito internacional. Num único instrumento, bem compartimentado, de muitos artigos e de caráter inegavelmente universal, consolidaram-se muitas regras consuetudinárias de direito do mar e marítimo, bem como se estabeleceram regras de direito internacional para definir juridicamente todos os elementos físicos que compõe o Mar, sem descuidar de regras de preservação do meio ambiente marinho, objeto deste estudo.

Não pretendemos aqui apresentar um tratado sobre a Convenção, mas destacar alguns de seus pontos atinentes à proteção e preservação do meio ambiente marinho, tema para o qual o legislador reservou a Parte XII, subdividida em outras 11 seções, assim dispostas: 1. Provisões gerais (art.192/196); 2. Cooperação global e regional (art.197/201); 3. Assistência técnica (art.202/203); 4. Monitoramento e avaliação ambiental (art.204/206); 5. Regras internacionais e legislação nacional para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio ambiente marinho (art.207/212); 6. Execução (art.213/222); 7. Garantias (art.223/233); 8. Áreas cobertas de gelo (art.234); 9. Responsabilidade (art.235); 10. Imunidade soberana (art.236); e 11. Obrigações contraídas em virtude de outras convenções sobre proteção e preservação do meio ambiente marinho (art.237).

Para não nos alongarmos por demais, decidimos destacar as disposições gerais da convenção, onde se consagraram muitos dos princípios norteadores das convenções regionais que antecederam esta Convenção. Neste sentido, reafirmou-se a obrigação de todos os Estados, inclusive os Estados não costeiros, em proteger o meio ambiente marinho. Também é garantido aos Estados a exploração de seus recursos marinhos de acordo com sua política interna em matéria de meio ambiente e com as regras de direito internacional que regulam sua exploração.

Também é reafirmado na Convenção o dever de todos os Estados em tomar todas as medidas necessárias para prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio ambiente marinho, independentemente de sua fonte, utilizando-se, para tanto, dos meios mais viáveis de que disponham e em conformidade com suas possibilidades; devem os Estados se esforçar para harmonizar suas políticas ambientais. Ainda, devem controlar todas as atividades sob sua jurisdição ou controle, de sorte a não causar prejuízos por poluição a outros Estados e seu meio ambiente, bem como não medir esforços para que a poluição causada por acidentes ou atividades sob sua jurisdição e controle não se estendam além da área onde exerçam direito de soberania. Ao tomar tais medidas, os Estados devem agir de forma a não transferir, direta ou indiretamente, os danos e riscos de uma zona para outra nem transformar um tipo de poluição em outro.

Na prevenção, redução e controle da poluição é muito importante, prevê a Convenção, que um Estado utilize sua tecnologia atentando para não introduzir de forma acidental ou deliberada espécies estranhas ou novas que produzam alterações relevantes e prejudiciais ao meio ambiente [27].

3. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992: a Declaração do Rio e a Agenda 21.

O Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Georgetown, EDITH BROWN WEISS, consultora da American Journal of International Law [28], ao tecer comentários sobre a Convenção das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, assinada no Rio de Janeiro em 14 de junho de 1992 por 170 Estados, destacou que desde 1972 os Estados estavam discutindo a proteção e o desenvolvimento econômico como elementos consistentes e antagônicos. Após a Convenção de Estocolmo praticamente todos os Estados adotaram ou aperfeiçoaram uma ou mais espécies de legislação ambiental; no âmbito do direito internacional contam-se, até 1992, mais de 870 instrumentos legais concernentes à questão do meio ambiente. Aquela Convenção teve origem na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, na qual se produziram outras duas Convenções: a Convenção-quadro sobre Mudança Climática (Nova York, 09.05.92) [29] e a Convenção sobre Biodiversidade (Rio, 05.06.92) [30]. No que se refere especificamente à Convenção sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO 92), destacam-se dois documentos: a Agenda 21 e a Declaração do Rio.

3.1. A Declaração do Rio de 1992.

A Declaração do Rio de 1992 encerrou 27 princípios a serem observados pelos Estados em questões relativas ao meio ambiente e desenvolvimento. Entre estes princípios destaca-se o de número 2, quer retoma a redação do famoso princípio 21 da Declaração de Estocolmo de 1972, no âmbito da Conferência das Nações Unidas sobre meio Ambiente Humano. [31]

Os princípios declarados dão uma excelente noção da complexidade do tratamento da questão ambiental em relação ao desenvolvimento econômico, abrangendo as seguintes áreas: 1. O papel central da humanidade; 2. Soberania sobre recursos e responsabilidade de prevenir atividades territoriais que causem danos extraterritoriais; 3. Direito de desenvolvimento; 4. Proteção ambiental; 5. Erradicação da pobreza; 6. Países em desenvolvimento; 7. Países desenvolvidos; 8. Padrões insustentáveis de produção e consumo; 9. Cooperação científica e tecnológica; 10. Acesso a informação, alargamento da participação no processos de tomada de decisões; 11. Legislação interna de meio ambiente; 12. Comércio internacional; 13. Responsabilidade e compensação pela poluição e danos ao meio ambiente; 14. Transferência internacional de atividades perigosas e substâncias; 15. Proteção preventiva ao meio ambiente; 16. Aplicação do princípio do "poluidor-pagador"; 17. Avaliação de impacto ambiental; 18. Notificação a outros Estados sobre emergências ambientais; 19. Notificação e consulta sobre atividades que possam produzir efeitos transfronteiriços; 20. Papel da mulher; 21. O papel da juventude; 22. O papel dos povos indígenas; 23. O meio ambiente e os recursos dos povos sobre opressão, dominação e ocupação; 24. Conflitos armados; 25. Paz; 26. Solução de controvérsias e, 27. Cooperação de boa fé para o desenvolvimento sustentável.

3.2. O Capítulo 17 da Agenda 21.

As negociações para a Conferência do Rio 92 tiveram início em Nairobi, Quênia, em agosto de 1990, exigindo de seus negociadores reuniões mensais até a realização da Conferência e final redação do conteúdo da Agenda 21. O cuidado com a qualidade do resultado dos trabalhos traduziu-se num extenso documento que, como o próprio nome indica, encerra 21 programas de ação de proteção ambiental e desenvolvimento.

À proteção do meio ambiente marinho reservou-se o Capítulo 17, intitulado "Proteção dos Oceanos, de Todos os tipos de Mares - inclusive Mares Fechados e Semifechados - e das Zonas Costeiras, e Proteção, Uso Racional e Desenvolvimento de seus recursos vivos." Na introdução ao Capítulo, destaca-se que "o meio ambiente marinho- inclusive os oceanos e todos os mares, bem como as zonas costeiras adjacentes - formam um todo integrado que é um componente essencial do sistema que possibilita a existência de vida sobre a Terra, além de ser uma riqueza que oferece possibilidades de um desenvolvimento sustentável. O direito internacional, tal como este refletido na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar mencionadas no presente Capítulo da Agenda 21, estabelece os direitos e as obrigações dos Estados e oferece a base internacional sobre a qual devem apoiar-se as atividades voltadas para a proteção e o desenvolvimento sustentável do meio ambiente marinho e costeiro, bem como seus recursos." Para que isto se realize, prossegue, exige-se "novas abordagens de gerenciamento de desenvolvimento marinho e costeiro nos planos nacional, sub-regional, regional e mundial - abordagens integradas do ponto de vista do conteúdo e que ao mesmo tempo de caracterizem pela precaução e pela antecipação."

Para proteção e preservação ambiental e do desenvolvimento dos Oceanos e Mares, a Agenda propõe a efetivação de 07 áreas de programas: a) gerenciamento integrado e desenvolvimento sustentável das zonas costeiras, inclusive zonas econômicas exclusivas; b) proteção ao meio ambiente marinho; c) uso sustentável e conservação dos recursos marinhos vivos de alto-mar; d) uso sustentável e conservação de recursos marinhos vivos sob jurisdição nacional; e) análise das incertezas críticas para o manejo do meio ambiente marinho e a mudança do clima; f) fortalecimento da cooperação e da coordenação no plano internacional, inclusive regional e, g) desenvolvimento sustentável das pequenas ilhas.

Destaca também a Agenda que a implementação destes programas pelos países em desenvolvimento deve se compatibilizar às respectivas capacidades tecnológicas e financeiras, bem como se adequar às suas prioridades de alocação de recursos para atender às suas exigências de desenvolvimento, dependendo, em última análise, dos recursos tecnológicos e financeiros que vierem lhe oferecer.

De modo geral, cada um dos programas responde a 04 tópicos: a) base para a ação; b) objetivos; c) atividades e ; d) meios de implementação. Vejamos como estes tópicos são respondidos no programa de proteção ao meio ambiente marinho.

Na base da ação para a proteção do meio ambiente marinho a Agenda destaca detalhes da situação de degradação do meio ambiente marinho e as primeiras diretrizes (princípios) para impedi-la. Segundo a Agenda, muitas são as fontes de poluição do meio ambiente marinho, entre as quais se destacam: fontes terrestres (responsável por 70% do total da poluição), fontes oriundas de atividades de transporte marítimos e de descargas no mar (respondendo cada uma por 10 % do total da poluição do mar). Destaca também a Agenda uma gama de poluentes que, dependendo as condições da região, da quantidade e de suas características (toxidade, persistência e bioacumulação na cadeia alimentar), são muito perigosas para o meio ambiente marinho: os esgotos, nutrientes, compostos orgânicos sintéticos, sedimentos, lixo e plásticos, metais, radionuclídeos, petróleo/hidrocarbonetos e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos.

A poluição marinha de origem terrestre pode ter origem em muitas atividades (a ocupação humana das costas, a descarga de substâncias tóxicas em rios que deságuam no mar, o uso da terra, a construção de infraestrutura costeira, a agricultura, a silvicultura, o desenvolvimento urbano, o turismo e a indústria podem afetar o meio ambiente marinho). Preocupam os especialistas, entre as fontes terrestres, a erosão e a presença de silte nas zonas costeiras. Respondendo por 70% do total da poluição marinha, o mais grave indicador da Agenda é que até aquela altura, em 1992, ainda não se tinha notícia de qualquer plano de caráter mundial voltado aos problemas da poluição marinha de origem terrestre.

Outra forma de poluição destacada na Agenda é a poluição marinha provocada por atividades de transporte e pelas atividades marítimas. Segundo o documento, cerca de 600 mil toneladas de petróleo são despejadas no mar anualmente em decorrência de operações normas de transporte marítimo, acidentes e descargas ilegais. Excetuam-se destas atividades aquelas de exploração e produção de petróleo em alto-mar, muito bem reguladas por normas internacionais relativas às descargas próximas às maquinarias (a conferência examinou seis convenções regionais para a fiscalização de descargas nas plataformas), e que representam, portanto, uma fração muito pequena da poluição total do mar.

Em linhas gerais de proteção ao meio ambiente marinho, destaca a base de ação a necessidade de se "adotar uma abordagem de precaução e antecipação, mais do que de reação". Isto significa que não se deve mais aguardar pelo efeito prejudicial ao meio ambiente, ou pela certeza científica de que ele irá ocorrer, para que se tomem medidas efetivas de proteção ao meio ambiente. De acordo com a Agenda, para que isto se realize "é necessário, inter alia, adotar medidas de precaução, avaliações dos impactos ambientais, tecnologias limpas, reciclagem, controle e redução de esgotos, construção e ou melhoria das centrais de tratamento de esgotos, critérios qualitativos de gerenciamento para o manejo adequado de substâncias perigosas e uma abordagem abrangente dos impactos nocivos procedentes do ar, da terra e da água. Seja qual for a estrutura de gerenciamento adotada, ela deverá incluir a melhoria dos estabelecimentos humanos costeiros e o gerenciamento e desenvolvimento integrados das zonas costeiras."

Determinada a base de ação, cuidou a Agenda de traçar os objetivos para que se realize a efetiva proteção ao meio ambiente marinho, recorrendo à expressa menção e reafirmação dos princípios gerais da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar (Parte XII) relativas à proteção do meio ambiente marinho. Sob o compromisso de "impedir, reduzir e controlar a degradação do meio ambiente marinho, de forma a manter sua capacidade de sustentar e produzir recursos vivos", definiram-se os seguintes objetivos:

a) definir critérios preventivos, de precaução e de antecipação, de modo a evitar a degradação do meio ambiente marinho e reduzir o risco de haver efeitos a longo prazo ou irreversíveis sobre o mesmo;

b) assegurar a realização de avaliações prévias de atividades que possam apresentar impactos negativos significativos sobre o meio ambiente marinho;

c) Integrar a proteção do meio ambiente às políticas gerais pertinentes às esferas ambiental, social e de desenvolvimento econômico;

d) Desenvolver incentivos econômicos, conforme apropriado, para a aplicação de tecnologias limpas e outros meios compatíveis com a internacionalização dos custos ambientais, por exemplo o princípio do "poluidor- pagador", com o objetivo de evitar a degradação do meio ambiente marinho;

e) melhorar o nível de vida das populações costeiras, especialmente nos países em desenvolvimento, de modo a contribuir para a redução da degradação do meio ambiente costeiro e marinho.

Para a consecução destes objetivos, os Estados concordam em cooperar por meio de mecanismos internacionais que proporcionem recursos financeiros e apoio técnico para que se tenha acesso a tecnologias limpas e pesquisas pertinentes.

Aquelas fontes de poluição inicialmente destacadas pelo Programa da Agenda sobre Proteção ao Meio Ambiente oriundas de fontes terrestres, de atividades marítimas e de descargas no mar, são tratadas de forma sistemática no "desenvolvimento das atividades relacionadas a gerenciamento da prevenção, redução e controle da degradação do meio ambiente marinho". A necessidade de atualizar, fortalecer e ampliar as Diretrizes de Montreal são colocadas lado a lado com a necessidade de viabilização de acordos internacionais que permitam, em termos financeiros e tecnológicos, uma maior eficácia na identificação das substâncias que mais degradam o meio ambiente e na implementação das ações antecipatórias de proteção.

Merecem destaque no documento, dada a sua grande importância como fonte poluidora do meio ambiente marinho, os esgotos, que são tratados sob a forma de medidas prioritárias para que os Estados revejam seus planos de desenvolvimento costeiro e estabelecimentos humanos. Entre as medidas de controle de esgotos são destacadas: a criação de centrais de tratamento de esgotos para proteção de criadouros de mariscos e de áreas de banho humanas; a necessidade de tratamento de efluentes domésticos e industriais para se tornarem compatíveis com os sistemas; o tratamento primário de esgotos municipais descarregados em rios, estuários e no mar. Também são consideradas as emissões de outros poluentes que não esgotos: compostos orgânicos halogenados e sintéticos, descargas antrópicas de nitrogênio e fósforo (problemas de eutrofização), uso de pesticidas e fertilizantes nocivos ao meio ambiente. Ainda, são previstas ações de controle da destruição física das costas: controle e prevenção da erosão e do silte na costa, resultante de fatores antrópicos relacionados, inter alia, às técnicas e prática de uso da terra e de construção.

Para formas de degradação relacionadas às atividades marítimas, são ditadas medidas adicionais para fazer frente à degradação por atividades de navegação e de alijamento, entre as quais se assinalam: o cumprimento das regras da MARPOL sobre descargas ilegais (Parte II da Convenção do Mar) e o apoio à ratificação, ampliação e participação mais ampla nas convenções pertinentes sobre alijamento no mar, inclusive com a pronta conclusão de uma estratégia futura para a Convenção de Londres, no qual deverão as partes tomar medidas adequadas para por fim ao alijamento nos oceanos e à incineração de substâncias perigosas.

Finalmente, nas disposições sobre os meios de implementação do programa de proteção ao meio ambiente marinho, é dado ênfase a 04 planos de desenvolvimento: a) financiamento e estimativa de custos (calculado pelo Secretariado da Conferência em US$200 milhões anuais, entre 1993 e 2000, para implementação do programa); b) meios científicos e tecnológicos (estudo sobre uso e produção de novas substâncias, transferência de tecnologias para identificação de métodos limpos e econômicos de combate à poluição); c) desenvolvimento de recursos humanos (treinamento de pessoal de países em desenvolvimento sobre prevenção, redução e eliminação da degradação do meio ambiente) e ; d) fortalecimento institucional (a partir da criação de instituições de pesquisa em países em desenvolvimento, com a criação de um mecanismo internacional de financiamento para a aplicação de tecnologias adequadas ao tratamento dos esgotos).


V. A poluição do meio ambiente marinho e o princípio da precaução

[32].

1. Introdução ao princípio da precaução.

A fim de desenvolver políticas efetivas em relação ao meio ambiente, os negociadores das Convenções precisam ter em mãos os melhores dados científicos, especialmente quanto à sua precisão. Entretanto, ao lado de poucas certezas, pairam muitas incertezas científicas, as quais podem ser consideradas, inter alia, como a evidência epidemiológica do nexo causal entre as atividades e os seus impactos, situação na qual os danos tornam-se mais significantes ou até mesmo irreversíveis, por vezes cumulativos por longo tempo ou provocando a combinação de efeitos poluentes. Estas incertezas têm historicamente dificultado muito a criação de leis internacionais de proteção ao meio ambiente. Para evitar uma paralisia causada pela incerteza, alguns instrumentos de direito internacional de proteção ao meio ambiente criados a partir dos anos 80 têm permitido (ou compelido) os Estados partes a proceder termos de um precautionary appoach. Esta abordagem foi pioneira na legislação ambiental alemã durante os anos 70 e 80, onde foi denominada de "princípio da precaução", ou "Vorsorgeprinzip", e não nos supreende vê-lo inserido em Convenções das quais faça parte a República Federal da Alemanha.

O precautionary approach tem sua origem na rejeição dos conceitos inerentes ao princípio da capacidade assimilativa. Este princípio de meio ambiente é baseado na premissa de que a ciência poderia determinar com precisão a capacidade assimilativa do meio ambiente a qual, de sua vez, poderia determinar o tempo suficiente para a tomada de medidas preventivas para sua correção. De acordo com ELEN HEY [33], este princípio está baseado em certas premissas relativas ao relacionamento entre o meio ambiente, a ciência, a tecnologia e a economia.

De forma simples, o princípio da capacidade assimilativa assume que: a ciência pode prover soluções técnicas para mitigar os danos ambientais uma vez que estes podem ser previstos; se podem ser previstos, então há tempo suficiente para agir; agindo desta forma há melhor emprego de recursos financeiros.

As falhas na aplicação deste princípio baseado na prevenção que, portanto, necessita de provas científicas de que os efeitos danosos de atividades e substâncias podem vir muito mais tarde, levou à adoção do precautionary approach.

HEY assevera que o conceito requer que os políticos adotem um princípio que reconheça que os erros são cometidos ao lado do excesso de proteção ao meio ambiente e que podem requerer uma ação de precaução antes da prova científica do efeito danoso. Qualquer formulação do princípio da precaução é, antes de tudo, uma ferramenta para decisão em situação de incerteza científica a qual, efetivamente, altera a lista de dados científicos.

Por outro lado, é questão de política estratégica que direciona a maneira pela qual os políticos, com o intuito de proteger o meio ambiente, aplicam a ciência, a tecnologia e a economia. O princípio da precaução é baseado em novas premissas que incluem a vulnerabilidade do meio ambiente, as limitações da ciência em prever os efeitos dos danos ambientais e a disponibilidade de alternativas sobre processos e produtos menos poluentes. Alguns especialistas perceberam a importância deste approach como um paradigma para o direito internacional ambiental, a partir de uma perspectiva predominantemente econômica e antropocêntrica dirigida primariamente a um ecocêntrica ponto de vista.

A adoção deste approach inicialmente tendeu ser restrita a situações específicas a às atividades associadas com riscos sérios de danos. Este approach pode ser justificado a partir da premissa de que todo dano pode ser irreversível ou ser indenizado por altos custos. Entretanto, a adoção deste approach em uma larga variedade de instrumentos internacionais e a sua consolidação na Declaração do Rio 92 [34] têm incitado em alguns autores, como MCINTYRE e MOSEDALE, a idéia de que este princípio da precaução teria se cristalizado como um costume de direito internacional [35].

Ainda que se pudesse estabelecer o princípio da precaução como um costume de direito internacional, o que não é objeto deste estudo, outras incertezas permanecem sem resposta, em particular devido ao fato de que ele aparece através de uma variedade de formas, fazendo com que o conteúdo preciso da obrigação que ele encerra permaneça objeto de incertezas.

2. O princípio da precaução no direito internacional do meio ambiente.

Diferentes formulações do princípio da precaução podem ser encontradas em uma grande variedade de instrumentos internacionais. Estes instrumentos incluem acordos obrigatórios e não obrigatórios, instrumentos de abrangência e aplicação global e regional, instrumentos relativos a meio ambientes ou atividades ambientais específicas e instrumentos que encerram princípios gerais de ação ambiental.

O princípio da precaução tem recebido suporte consistente em instrumentos relativos à poluição do meio ambiente marinho. Uma das primeiras expressões podem ser encontradas no Preâmbulo da Declaração Ministerial de Bremen de 1984, apresentada na Conferência Internacional sobre Proteção do Mar do Norte permitindo aos Estados anteciparem suas ações, não esperando por provas conclusivas dos efeitos prejudiciais de determinada atividade para agirem [36]. Subseqüentemente, em 1987, a Declaração Ministerial de Londres na II Conferência sobre o Mar do Norte, mencionou de modo específico o princípio da precaução [37]. Os Estados participantes deram uma indicação de como o princípio seria implementado por meio de um acordo em aceitar o princípio de salva guarda do ecossistema marinho do Mar do Norte pela redução das emissões poluentes de substâncias persistentes, tóxicas e passíveis de bio-acumulação na origem pelo uso da melhor tecnologia disponível e outras medidas apropriadas [38].

Na III Conferência do Mar do Norte, realizada na Haia em 1990, os Ministros novamente endossaram o princípio, garantindo a continuidade de sua aplicação. De acordo com FREESTONE [39], a inclusão de um compromisso de continuar a aplicação do princípio do Preâmbulo da Declaração da Haia é de grande significância, pois ela representa que todas as áreas de trabalho da Conferência se sujeitaram ao princípio.

Uma recomendação de 1989 (Recomendação PARCOM 89/1), adotada pela Comissão criada em 1974 pela Convenção de Paris sobre Prevenção da Poluição do Meio Ambiente Marinho Originária de Fontes Terrestres [40], declarou que a Convenção abrangia o princípio da precaução e reproduziu integralmente o texto do parágrafo XVI, 1, da Declaração de Londres de 1987. Outra recomendação passada na mesma reunião enfatizou a lista de aplicações da melhor tecnologia disponível para dar efeito ao princípio geral da precaução. Numa recomendação subsequente, a Recomendação PARCOM 90/1 da Comissão de Paris, forneceu-se os primeiros passos para uma aplicação mais concreta do princípio pela definição da melhor tecnologia disponível para alguns setores específicos da indústria, mais precisamente sobre o setor de ferro e aço.

Instrumentos mais recentes sobre poluição marinha em estreita ligação com conceitos de prevenção e precaução têm expressado o princípio da precaução em termos mais precisos. Por exemplo, a Convenção de Paris para a Prevenção do Meio Ambiente Marinho no Nordeste do Atlântico, de 1992 [41], indicou que medidas preventivas serão tomadas quando houver razoáveis concordâncias de interesses, até mesmo quando não há provas conclusivas do nexo causal entre as substâncias (quantidade) e seus alegados efeitos [42]. Esta previsão foi implementada tendo como parâmetro a "Prior Justification Procedure" da Comissão de Oslo [43], por meio da qual substâncias não podem ser introduzidas se estas tiverem sido indicadas com uma margem aceitável de incerteza de que não causam danos ao meio ambiente. Quando este requerimento não for possível, à sustância deve ser aplicada o mais genérico nível de aplicação da melhor tecnologia ou prática disponível.

A Convenção do Mar Báltico de 1992 contém dispositivo similar quanto ao princípio e prevê que medidas preventivas serão tomadas ainda quando não houver razão para assumir que o dano pode ser causado, ainda que não exista prova conclusiva do nexo causal entre as substâncias e seus alegados efeitos [44].

Em Outubro de 1989 as partes contratantes da Convenção de Barcelona para a Proteção do Mar Mediterrâneo contra Poluição concordaram com a integral adoção do princípio da precaução em relação à prevenção e eliminação da contaminação da área do Mar Mediterrâneo [45] e determinou ao Secretariado a revisão do Protocolo de Dumping, a fim de verificar a necessidade de emendas. Também em outubro de 1989 o Conselho Nórdico da Conferência sobre Poluição dos Mares concordou sobre a necessidade de uma efetiva ação de precaução que poderia ser a salva-guarda do ecossistema marinho através, dentre outras coisas, da eliminação e prevenção das emissões poluentes sobre as quais não havia razão para acreditar que danos, ou efeitos prejudiciais, podem ser causados até mesmo quando é inadequada ou inconclusiva a prova científica do nexo causal entre as emissões e seus efeitos [46]. Na contramão desta tendência, no II Encontro das Partes da Convenção de Cartagena para Proteção e Desenvolvimento do Meio Ambiente Marinho da Região do Caribe [47], em 1983, uma proposta do México para que o princípio da precaução fosse adotado como um princípio operacional para todas as decisões que teve oposição dos Estados Unidos.

A Decisão 15/27 de 1989 do "UN Environment Programme Governing Council" asseverou que aguardar por provas científicas sobre o impacto de discargas poluentes no meio ambiente marinho pode resultar em danos irreversíveis ao meio ambiente, bem como evitável sofrimento humano, recomendando que todos os governos adotassem o princípio da ação por precaução como base de suas políticas de eliminação da poluição marinha.

Em seu relatório de 1990 sobre Direito do Mar, o Secretário-Geral da ONU expressamente reconheceu a considerável significância do princípio para ações futuras de proteção do meio ambiente marinho e conservação dos recursos marinhos, reportando-se a recentes endossos de fori internacionais [48].

Finalmente, a Comissão da ONU preparatória para a Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento foi mais específica quando identificou como prioridade a aplicação do princípio da precaução, implementado-a a partir de métodos de produção menos poluentes em níveis globais, nacionais e regionais atingindo todas as substâncias sintéticas e persistentes que direta ou indiretamente atingem o meio ambiente marinho.

3. A casuística internacional de reconhecimento do princípio da precaução.

O caso dos testes nucleares entre França e Nova Zelândia e o caso NIREX.

3.1 O caso dos testes nucleares entre França e Nova Zelândia (1995) [49].

Não é preciso muito esforço para recordarmos dos testes nucleares realizados pela França no atol de Mururoa em 1995, um conjunto marítimo situado no Oceano Pacífico na região da Polinésia Francesa. Inconformada com os testes, a Nova Zelândia provocou a levou o julgamento de seu caso à Corte Internacional de Justiça, onde o caso foi julgado favoravelmente à França na segunda metade de1995. Em suas alegações a Nova Zelândia sustentou que a conduta da França era ilegal por causar, ou parecer causar, a introdução no meio ambiente marinho de material radiativo, por esta razão a França estaria obrigada, antes mesmo de executar testes nucleares subterrâneos, a fornecer provas de que os testes não resultariam na introdução deste material no meio ambiente, respeitando o princípio da precaução, amplamente aceito no direito internacional moderno.

Enquanto a maioria da Corte negou o pedido da Nova Zelândia sem a necessidade de examinar o mérito do caso, três juízes em opinião divergente entenderam que a corte deveria julgar o mérito (KONOMA, PALMER E WEERAMANTRY).

O primeiro destes juízes, KONOMA foi o mais cuidadoso a abordar o tema da precaução, observando que havia, provavelmente, por parte da França um dever de não causar danos sérios ao meio ambiente, os quais razoavelmente podem ser evitados. Ele, entretanto, considerou que a Nova Zelândia havia levado à Corte elementos suficientes para se estabelecer um caso prima facie (o que permitia julgamento de mérito), principalmente devido à indicação de que havia provas científicas de que a contaminação do meio ambiente marinho era um risco real e decorrente dos testes subterrâneos.

O juiz PALMER concluiu que dois elementos - o princípio da precaução e a exigência específica de uma avaliação de impacto ambiental - deveriam ser tomadas em relação aos sítios onde as atividades poderiam produzir efeitos significantes sobre o meio ambiente. PALMER percebeu que, obviamente, era impossível para a Corte encontrar conclusões firmes sobre tais efeitos somente com os elementos trazidos pelas partes.

O terceiro juiz, WEERAMANTRY afirmou que o princípio da precaução (o qual ele notou estar ganhando apoio como parte do direito internacional do meio ambiente) é a resposta necessária para um problema claro e evidente mostrado neste caso. Havendo evidências suficientes de que um dano irreversível ao meio ambiente pode surgir de uma atividade, é muito difícil para uma pessoa, na posição de reclamante numa ação, provar os fatos com base em informações que estão em posse dos que desenvolvem a atividade perigosa.

WEERAMANTRY anotou que a Nova Zelândia foi capaz de levar à Corte algumas informações relevantes para o julgamento do caso a seu favor, mas era a França quem possuía as informações concernentes aos aumentos de emissões radioativas.

De acordo com as informações levadas à Corte, WEERAMANTRY concluiu que havia uma exigência prima facie por uma avaliação de impacto ambiental de acordo com as atuais exigências do direito internacional. A exigência de uma avaliação de impacto ambiental, segundo o juiz, está atrelada ao princípio da precaução.

Ainda, WEERAMANTRY considerou que a Nova Zelândia havia estabelecido um caso prima facie, mostrando que os perigos levantados perante a Corte em 1973 atinentes a testes nucleares estavam novamente presentes, pois estava quebrado o direito de todos os membros da comunidade internacional de ser verem livres da ameaça de testes nucleares que dão origem a partículas nucleares e serem preservados da injustificada contaminação radioativa do meio ambiente.

Argumentava WEERAMANTRY que havia um princípio suficientemente bem estabelecido de direito internacional para que a Corte decidisse sobre as situações de ameaça ao meio ambiente: deve-se provar que estas atividades não produzem consequências fora a área sobre a qual se desenvolvem. Neste ponto de vista, a Corte poderia considerar que o dano ao meio ambiente alegado pela Nova Zelândia é um prima facie estabelecido na ausência de provas por parte da França de que os testes nucleares são ambientalmente seguros.

No que se refere à questão sobre o local de testes ser seguro quanto à retenção dos efeitos nucleares, próprio para preservar todo o meio ambiente marinho e a alimentação humana, WEERAMANTRY declarou: "pode ser que a França disponha de material que prove que o local dos testes seja ambientalmente seguro, mas não forneceu à Corte qualquer tipo de prova a respeito. Tendo como base o curso dos eventos geológicos, a garantia de estabilidade de ilhas em formação a centenas de milhares de anos não parece ser uma garantia verossímil ou provável."

3.2. O caso NIREX [50].

O princípio da precaução também foi reconhecido pelo Governo da Irlanda num caso envolvendo o risco de entrada de material radioativo no meio ambiente marinho deste Estado. Em 1996 a Irlanda submeteu a julgamento um inquérito público no Reino Unido para investigar facilitação de testes de conveniência para depósito de lixo nuclear em uma área localizada em território britânico nas costas da Cumbria, adjacências do Mar da Irlanda. Este caso ficou conhecido como caso NIREX, o mesmo nome da companhia que realizaria o depósito do lixo.

A Irlanda argumenta que o princípio da precaução impunha ao governo britânico deveres em relação à sua aplicação. Em particular, o princípio é levantado em três pontos específicos: primeiramente, antes de se depositar material tóxico em área costeira, locais em áreas não costeiras deveriam ter sido pesquisados, pois nestes locais vazamentos podem ser mais bem contidos, diminuindo os riscos de poluição transfronteiriça.

Em segundo lugar, faltava qualquer evidência de que foram consideradas quaisquer avaliações de impacto ambiental do proposto depósito, em particular no meio ambiente marinho, mais uma evidência de que o princípio não estava sendo obedecido.

Finalmente, foi argumentado que o princípio da precaução invertera o ônus da prova sobre ausência de risco ambiental, retirando-o dos proponentes e atribuindo-os aos virtuais poluidores. De acordo com o princípio da precaução, bastavam estes três argumentos para que se chegasse à conclusão de que cumpria ao governo irlandês indicar a mera possibilidade de consequências adversas para a Irlanda decorrentes da implantação do depósito de lixo nuclear.

Assim, deve a companhia, e em último caso o governo britânico, demonstrar que não haveria contaminação do meio ambiente marinho, contrariamente ao que acreditava a Irlanda, um dever que falharam em cumprir. A Irlanda também assinalou em sua petição a necessidade de uma completa avaliação de impacto ambiental e de disponibilização de informações públicas concernente a locais alternativos de depósito.

Apesar dos apelos ao princípio da precaução, o caso resolveu-se com base na legislação da Comunidade Européia, sem a necessidade de aplicar normas de direito internacional [51], mas vale o caso como reconhecimento da Irlanda do princípio.

Da análise de ambos os casos concluímos que, a fim de expandir o uso do princípio da precaução Nova Zelândia e Irlanda enfatizaram o potencial perigo de certas atividades, inclusive quanto a perigos não tão visíveis, menos óbvios. Veja-se o exemplo da arbitragem Lac Lannoux [52] entre França e espanha em 1957, cujo pleito da Espanha cuidou de demonstrar os efeitos econômicos negativos e direitos sofridos por seus nacionais em razão de atividade levada a efeito dentro do território da França, efeitos facilmente identificados e quantificados por todos os Estados.

Mutatis mutandis, embora os pleitos da Nova Zelândia (testes nucleares) e Irlanda (caso NIREX) não se relacionem a perdas econômicas, mas a danos ambientais, o paralelo entre os efeitos que antecipadamente podem ser evitados indica que estes Estados estão buscando proteger seu direito em não serem afetados por efeitos de atividades danosas produzidas em outros Estados, um direito que está sendo violado. Na linha de argumentação destes dois Estados, fundada no princípio da precaução, a simples exposição ao risco de danos ambientais justifica suas ações em ter garantias e mecanismos de proteção de seus interesses, que também se estendem aos seus oponentes, França e Reino Unido, que devem dispor de mecanismos locais para minimizar os riscos de danos ambientais em áreas sob suas jurisdições.

4. O conteúdo do princípio da precaução.

Elen HEY [53], estudiosa do princípio da precaução, identificou algumas características gerais deste princípio em suas várias aplicações. A fim de assegurar que a falta de certeza científica não seja usada como razão para protelar medidas para aumentar a qualidade do meio ambiente, HEY afirma que o princípio estabelece que: a) métodos limpos de produção, melhor tecnologia disponível e melhores práticas ambientais devem ser aplicadas; b) métodos compreensivos de avaliação econômica e ambiental devem ser usados para decidir sobre medidas de aumento da qualidade do meio ambiente; c) pesquisa, particularmente científica e econômica que contribuam para melhorar a compreensão a longo prazo das opções disponíveis, devem ser simuladas; d) procedimentos legais, administrativos e técnicos que facilitem a implementação deste princípio devem ser aplicados e onde não esteja disponíveis, devem ser desenvolvidos.

5. O reconhecimento do princípio da precaução: Capítulo 17 da Agenda 21 - a proteção do meio ambiente marinho, costeiro e das ilhas.

Vimos em nossos estudos apresentados no Capítulo IV, tópico 3.2., que a Agenda 21, documento elaborado na Convenção sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 1992) reservou o Capítulo 17 para o programa de proteção aos Oceanos e Mares.

O princípio da precaução, mencionado expressamente na Introdução ao referido Capítulo 17, aplica-se a todas as áreas abordadas no programa de desenvolvimento dos Oceanos e Mares. [54].

No programa de "gerenciamento integrado e desenvolvimento sustentável das zonas costeiras e marinhas, inclusive zonas econômicas exclusivas", princípio da precaução é mencionado como medida necessária para atingir os objetivos da Agenda. O parágrafo 17.5, d, estabelece que, inter alia, devem os Estados "adotar medidas preventivas e de precaução na elaboração e implementação dos projetos, inclusive com a avaliação prévia e observação sistemática dos impactos decorrentes dos grandes projetos".

Outra expressão clara da adoção do princípio da precaução encontra-se no parágrafo 17.6, d, que estabelece, entre os mecanismos de coordenação nacional das atividades relacionadas ao gerenciamento, "a avaliação prévia do impacto sobre o meio ambiente, a observação sistemática e o acompanhamento dos principais projetos, inclusive a incorporação sistemática dos resultados ao processo de tomada de decisões."

De modo específico ao programa de "proteção do meio ambiente marinho", o princípio é declarado no parágrafo 17.21, como própria base de ação: "(P)ara impedir a degradação do meio ambiente marinho é preciso adotar uma abordagem de precaução e antecipação, mais do que de reação. Para tanto é necessário, inter alia, adotar medidas de precaução,avaliações dos impactos ambientais, tecnologias limpas, reciclagem, controle e redução de esgotos, construção e ou melhoria das centrais de tratamento de esgotos, critérios qualitativos de gerenciamento para o manejo adequado de substâncias perigosas e uma abordagem abrangente dos impactos nocivos procedentes do ar, da terra e da água. Seja qual for a estrutura de gerenciamento adotada, ela deverá incluir a melhoria dos estabelecimentos humanos costeiros e o gerenciamento e desenvolvimento integrados das zonas costeiras."

Novamente nos objetivos de proteção ao meio ambiente, é retomado o princípio da precaução no parágrafo 17.22: "Os Estados, em conformidade com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar relativas à proteção e à preservação do meio ambiente marinho, comprometem-se, de acordo com suas políticas, prioridades e recursos, a impedir, reduzir e controlar a degradação do meio ambiente marinho, de forma a manter sua capacidade de sustentar e produzir recursos vivos. Com esta finalidade é preciso: a) definir critérios preventivos, de precaução e de antecipação, de modo a evitar a degradação do meio ambiente marinho e reduzir o risco de haver efeitos a longo prazo ou irreversíveis sobre o mesmo; b) assegurar a realização de avaliações prévias de atividades que posam apresentar impactos negativos significativos sobre o meio ambiente marinho; c) Integrar a proteção do meio ambiente às políticas gerais pertinentes às esferas ambiental, social e de desenvolvimento econômico; d) Desenvolver incentivos econômicos, conforme apropriado, para a aplicação de tecnologias limpas e outros meios compatíveis com a internacionalização dos custos ambientais, por exemplo o princípio do "poluidor pagador", com o objetivo de evitar a degradação do meio ambiente marinho; e) melhorar o nível de vida das populações costeiras, especialmente nos países em desenvolvimento, de modo a contribuir para a redução da degradação do meio ambiente costeiro e marinho", um belo conjunto de medidas de precaução.


VI. Considerações finais.

O mar é um todo integrado de recursos vivos e não-vivos que compõe, em seu conjunto, o chamado meio ambiente marinho. Como um bem protegido pelo direito, a natureza jurídica do mar se revela na máxima "o mar é um conjunto de bens (direitos e obrigações) inapropriáveis em sua unidade, mas exploráveis, de acordo com regras de direito internacional".

O desenvolvimento econômico, historicamente antagônico, incompatível com a idéia de preservação do meio ambiente, apesar do esforços para implementação de técnicas de produção mais limpas, da aplicação da melhor técnica disponível (BAT- "Best Available Technique") e da implementação de regras de gerenciamento e manejo mais seguros do meio ambiente, ainda dá causa à produção de substâncias tóxicas e nocivas à saúde humana e ao meio ambiente, provocando toda sorte de "poluição". Quando esta poluição atinge o mar, levada pelos rios, oriundas da terra, ou carregadas através da atmosfera, estamos cuidando da poluição do meio ambiente marinho.

Em termos quantitativos, muito foi feito pela Comunidade Internacional em termos de regulamentação para prevenção da poluição do meio ambiente marinho, contudo, em termos qualitativos, que abrange de certa forma a questão da efetividade e eficácia, há muito que se trabalhar, seja entre os países em desenvolvimento, seja entre os países desenvolvidos.

Em resposta a esta necessidade de proteção ao meio ambiente, não apenas de forma preventiva, mas antecipatória, as novas tendências do direito internacional, especialmente no âmbito do direito internacional do meio ambiente, tem reconhecido a aplicação do "princípio da precaução" como forma de evitar que se estabeleçam os elementos que propiciem os efeitos danosos.

Certamente, os temas da poluição marinha e do princípio da precaução são muito mais amplos que o objeto desta dissertação. Nestas considerações finais, é interessante que se advirta que cada uma das formas de poluição do meio ambiente marinho, cujos efeitos são combatidos em mais de uma centena de convenções, protocolos e anexos, não podem ser estudadas de forma isolada. Em nossas leituras duas dezenas destas convenções (relacionadas na bibliografia específica deste trabalho), verificamos que é muito comum se prevenir uma espécie de poluição simultaneamente a outra, afinal, como as convenções se adaptam a situações fáticas, não há como compartimentar ou excluir determinada poluição em detrimento de outra, pois é exatamente neste ponto, na coexistência simultânea de várias espécies de poluição que reside todo o malefício à saúde humana e ao meio ambiente.

Como destacaram alguns autores, não é possível cuidar de desenvolvimento voltando-se contra a preservação do meio ambiente, como também não é possível combater uma poluição deixando de lado outras manifestações de desídia do homem com a preservação da vida. O meio ambiente é um todo integrado de elementos que se inter-relacionam.

Finalmente quanto ao princípio da precaução, sua interpretação e aplicação não devem ser levadas ao extremo de impedir o desenvolvimento econômico. Entendemos que o princípio representa o ponto de equilíbrio entre o desejo de preservação da Vida (um valor moral) e o desejo de desenvolvimento (valor econômico). Mas como estes valores não são, de fato, ponderáveis de forma isolada, senão numa base filosófica, a aplicação do princípio deve seguir parâmetros de razoabilidade. A interpretação que emprestamos ao princípio, sem que sua aplicação represente um entrave ao desenvolvimento, ou que sua negativa provoque os chamados efeitos deletérios à saúde humana e do meio ambiente, é uma interpretação que se pauta por uma política antecipatória que cuide de determinar regras de desenvolvimento já com vistas à conservação do meio ambiente.


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RANGEL, Vicente Marotta, "Direito e Relações Internacionais", 5ª ed. rev e atual., RT, São Paulo, 1997.

2. Índice Bibliográfico de convenções e casos mencionados neste trabalho:

(constantes da publicação do "American Journal of International Law", International Legal Materials - ILM, dados na forma "número ILM ano, página").

11 ILM 1972, 1294; "Convention on Prevention of Marine Pollution by Dumping of Wastes and other Matter".

13 ILM 1974, 352; "Conference on Prevention of Marine Pollution from Land-based Sources".

13 ILM, 1974, 511; art. 6; "Nordic Environmental Protection Convention".

13 ILM 1974, 544: "Helsinki Convention on the Protection of the Marine Environment of the Baltic Sea Area".

13 ILM 1974, 605; "International Conference on Marine Polllution: Protocol onIntervention on the High Seas in case of Marine Pollution".

19 ILM 1980, 841; "Convention on the Conservation of Antartic Marine Resources".

21 ILM, 1982, 1261; "UN Convention on the Law of the Sea".

22 ILM 1983, 227; "Convenção de Cartagena para Proteção e Desenvolvimento do Meio Ambiente Marinho da Região do Caribe", em 1983;

26 ILM 1987, 1529; "Convenção de Viena de 1985 para Proteção da Camada de Ozônio".

26 ILM 1987, 1550; "Protocolo de Montreal de 1987 sobre Substâncias de Destróem a Camada de Ozônio".

30 ILM 1991, 802; "UN ECE Convention on Environmental Impact Assesment in a Transboundary Context (the Espoo Convention)".

30 ILM 1991, 1455; "Protocol on Environmental Protection to the Antartic Treaty1991; Annex IV".

31 ILM 1992, 814; "Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento".

31 ILM 1992, 822; cons. 8; "UN Convention on Biological Diversity".

31 ILM 1992, 849; 3º cons. e art. 3,3; "UN Framework Convention on Climate Change".

31 ILM 1992, 874; "Rio Declaration".

31 ILM 1992, 1312; "UN ECE Convention on the Protection and Use of Transboundary Watercourses and International Lakes" (not in force).

31 ILM, 1992, 1330; "Annex III, UN ECE Convention on Transboundary Effects of Industrial Accidents" (not in force).

32 ILM 1993, 1069; "Convention Concerning to Environmental Protection of the Black Sea and Northeast Atlantic".

3. Outras fontes.

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"International Conference on Ocean Management in Global Change", Gênova, 22-26 de julho de 1992, "Ocean Management in Global Change", publicado por PAOLO FABBRI, 1992.

Senado Federal, "CONFERÊNCIA das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento", Agenda 21, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996.


Notas

01 A denominação Law of nations representa o direito internacional clássico, que se contrapõe ao direito internacional moderno: international law. No que se refere ao direito do mar, note-se a observação da Suprema Corte dos Estados Unidos, ainda em 1871, que bem refletia a idéia de law of the sea ainda no âmbito da law of nations: caso the Scotia, Suprema Corte dos Estados Unidos, 1871 (BRIGGS, Herbert W., "The Law of Nations, Cases, Documents and Notes", NY, 1944, p. 26). O caso tratou da colisão entre o navio americano Berkshire e o navio inglês Scotia, provocado por erros de sinalização do Berkshire, decorrente da não observação de regras costumeiras de navegação ("regulations for preventing collisions at sea") aceitas por numerosos Estados marítimos como regras de uso do mar, abrangidas por uma regra consuetudinária maior: the law of the sea. A aplicação do direito interno dos Estados envolvidos foi afastada, visto que a colisão ocorrera em alto mar. A justificar a aplicação da law of the sea (law of nations), em certa altura diz-se: "The question until remais, what was the law of the place where the collision occured, and at the time when it occured. Conceding that it was not the law of the United States, nor that of Great Britain, nor the current obligations of the two governments, but that it was the law of the sea, was it the ancient maritime law, that which exist before the commercial nations of the world adopted the regulations of 1893 and 1864, or the law changed after those regulations were adopted? That law is universal obligation, and no statute of of one or two nations can create obligations to the world. Like all the law of nations, it rests upon the commom consent of civilized communities."

02 CAVALCANTI, Brenno Machado Vieira; "Natureza Jurídica do Mar", Editora Jornal do Comércio, Rio de Janeiro, 1943, p.73.

03 CAVALCANTI op. cit, p.73.

04 CAVALCANTI, idem..

05 FAUCHILLE, Paul, "Traité du Droit International Public", tomo I, 2ª parte, Paris, 1935, p. 14/15.

06 LA PRADELLE, G., "La Mer", Paris, 1934, p. 166.

07 GIDEL, Gilbert, "Le Droit International Public de la Mer", Chatearroux, 1932.

08 GIDEL, op. cit., p. 225.

09 CAVALCANTI, op cit, p. 80.

10 BUSTAMANTE Y SIRVEN, "Derecho Internacional Publico", tomo I, Havana, 1933, p. 414.

11 DEVAUX, Jean, "Traité Élementaire du Droit International Public", Paris, 1935, p. 315.316.

12 Veja-se a definição de mar estabelecida na Convenção sobre Dumping de Dejetos no Mar, assinada em Londres em 13.12.72 por 80 Estados: "Sea means all marine waters other than internal waters of States." (In 11 ILM 1972, 1291). Esta definição será melhor compreendida mais adiante, quando a relacionarmos com poluição do meio ambiente marinho.

13 CRUTCHFIELD, James A., "Resources from the Sea", in "Public Policy Isues in Resource Management", coletânea de artigos organizada por Saunders English, Seattle, 1973, p. 105/127.

14 Veja-se como destoa da noção de res nullius, regulada pelo ius privatum, quando colocamos o Estado como ente apropriador do bem. São absolutamente incompatíveis as noções de ius gentium e de direito internacional.

15 IMBRICA, Maria Nazaré Oliveira,"O princípio do Patrimônio Comum da Humanidade", tese apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo para obtenção do grau de doutora em Direito Internacional, 1980, p. 136 - características do conceito: ausência de propriedade, fins pacíficos, gestão internacional, divisão de rendas e dos lucros da exploração.

16 Preâmbulo da "UN Conference on the Law of the Sea", 21 ILM 1261 (1982);ver também RANGEL, Vicente Marotta, "Direito e Relações Internacionais", 5ª ed. rev..e atual., RT, São Paulo, 1997, p. 338.

17 Dados destes relatórios provocaram a elaboração da "Convention Concerning to Environmental Protection of the Black Sea and Northeast Atlantic" (32 ILM 1993, 1072); da Convenção de Barcelona de 1989 para a Proteção do Mar Mediterrâneo contra Poluição; e a revisão da "Helsinki Convention on the Protection of the Marine Environment of the Baltic Sea Area" (13 ILM 1974, 544).

18 "Convention for Protection of the Marine Environment of the North-East Atlantic", in 32 ILM 1993, 1069, Paris, 22.09.93: reconhece a importância vital do meio ambiente marinho para as nações; reporta-se aos princípios das Conferências de Estocolmo 1972 e Rio 1992 e faz expressa referência aos princípios consagrados na parte XII da Convenção sobre Direito do Mar de 1982.

19 "Convention for Protection of the Marine Environment of the North-East Atlantic", in 32 ILM 1993, 1069, Paris, 22.09.93, artigo 1º, "a) Maritime areas..; b) internal waters...; c) freshwater limit...".

20 "UN Convention on the Law of the Sea", 1982, in 21 ILM 1982, 1261: artigo 1, 4; "Convention for Protection of the Marine Environment of the North-East Atlantic"; in 32 ILM 1993, 1069, artigo 1, d.; "Helsinki Convention on the Protection of the Marine Environment of the Baltic Sea Area", in 13 ILM 1974, 544.

21 "Principle 21: States have, in accordance with the Charter of United Nations and the principle of international law, the sovereign right to exploit their own resources pursuant to their own environmental policies, and the responsibility to ensure that activities within their jurisdiction or control do not cause damage to the environment of other States or of areas beyond the limits os national jurisdiction."

22 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, in 31 ILM 1992, 874.

23 Ao analisarmos o conteúdo da Agenda 21, documento produzido na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro1992, in 31 ILM 1992, 814), percebemos que toda esta preocupação do Relatório Brundtland (1987) é retomada para o estabelecimento de programas de ação para cada um dos projetos ali concebidos. Veja-se, por pertinente, o desenvolvimento do Capítulo 17 que cuida dos Oceanos e Mares, no qual se tem as provisões acerca da proteção do meio ambiente marinho.

24 Ver também: MORIN, Jacques Yvan, "La pollution des Mers au Regard du Droit International", in Colloquium, "The Protection of the Environment and International Law", p. 239; curso ministrado em 1973 na Academia de Direito Internacional da Haia.

25 NECKES, Stjepan, "The Protection and Development of the Marine Environment: UNEP’S Oceans and Coastal Areas Programme", in "Ocean Management in Global Change", coleção de artigos sobre a "International Conference on Ocean Management in Global Change" (Conferência de Colombo 92), realizada em Gênova, em 22-26 de julho de 1992.

26 Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar, 1982, RANGEL, Vicente Marotta, op. cit, p. 337 e 21 ILM 1982, 1261.

27 Estas linhas gerais integram a redação dos artigos 192 a 196 da Convenção..

28 Convenção das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, assinada no Rio de Janeiro em 14 de junho de 1992, in 31 ILM 1992, 814.

29 "Framework Convention on Climate Change", 31 ILM 1992, 849.

30 "Convention on Biological Diversity", in 31 ILM 1992, 818.

31 Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, in 31 ILM 1992, 874, Princípio 02: "States have, in accordance with the Charter of United Nations and the principle of international law, the sovereign right to exploit their own resources pursuant to their own environmental policies, and the responsibility to ensure that activities within their jurisdiction or control do not cause damage to the environment of other States or of areas beyond the limits of national jurisdiction."

32 Esta parte do estudo representa a reprodução e adaptação do artigo de MCINTYRE, Owen & MOSEDALE, Thomas,"The precautionary principle as a norm of customary international law", in "Journal of Evironmental Law", vol. 5, nº 1, p. 71/90, Oxford University Press, 1993, com extensa referência bibliográfica. A literatura especializada distingue o "precautionary approach" do "precautionary principle" (MCINTYRE & MOSEDALE, op. cit. e WEISS, Edith Brown, op. cit.). O precautionary approach, cuja tradução rouba-lhe o sentido, significa uma aparente precaução, ou seja, uma prevenção que muito se assemelha a uma precaução, isto por que há distinção entre precaução e prevenção. Precaução, sinônimo de antecipação, aplica-se à incerteza sobre os efeitos de determinada ação; prevenção, aos efeitos previsíveis. Já o precautionary principle é autêntico princípio que permite ao Estado antecipar-se em medidas protetoras do meio ambiente, ainda que inexista prova científica de que determinado fato possa causar dano à saúde humana e ao meio ambiente. Dada a pobreza da tradução do termo precautionary approach, somente quanto a este termo usaremos a forma em inglês, de sorte que a referência ao precautionay principle se fará como "princípio da precaução", o que facilitará o leitor na identificação do conteúdo de um e outro.

33 HEY, Elen, "The Precautionary Concept in Environmental Policy and Law: ‘Institutionalizing Caution’", in "Georgetown International Environmental Law Rewiew", nº 4, 1992, p. 308.

34Conference on Environment and Development, Rio Declaration: Principle 15: In order to protect the environment, the precautionary approach shall be widely applied by States according to their capabilities. Where there are threats of serious or irreversible damage, lack of full scientific certainty shall not be used as a reason for postponing cost-effective measures to prevent environment degradation", 31 ILM (1992), 879.

35 MCINTIRE e MOSEDALE op. cit.

36 "Must not wait for proof of harmful effects before taking action", MCINTIRE & MOSEDALE op. cit, p. 224.

37 Article VII: "In order to protect the North Sea from possibly damage effects of the most dangerous substances, a precautionary approach is necessary which may require action to control inputs of such substances even before a casual link has been established by absolutely clear scientific evidence", in MCINTYRE & MOSEDALE et al, p. 224.

38 "Artigo XVI:... accept the principle of safe-guarding of marine ecosystem of the North Sea by reducing polluting emissions of substances that are persistent, toxic and liable to bio-accumulate at source by the use of the best available technology and other appropriate measures". Idem.

39 D. FREESTONE, in MCINTYRE & MOSEDALE op. cit, p. 223, nota 13 e p. 224, nota 19.

40 "Convention for Prevention of Marine Pollution from Land-based Sources", Paris, 21.02.74, in 13 ILM 1974, 352.

41 "Convention for the Protection of the Marine Environment of the North-East Atlantic", Paris, 22.09.92, in 32 ILM 1993,1069.

42 Idem, art. 2, 2, a: "The Contracting Part shall applies the precautionary principle, by virtue of preventive measures are to be taken when there is reasonable grounds for concern that substances or energy....even when there is no conclusive evidence of a casual relationship between inputs and their alleged effects".

43 A Comissão foi criada na âmbito da Convenção para Prevenção de Poluição do Meio Ambiente Marinho por Dumping de Navios e Aeronaves, assinada em Oslo em 15.02.72. Como a Convenção não prevê a eliminação da prática de dumping, apenas a regula, o Prior Justification Procedure da Comissão prima pelo rigor, o que lhe tem valido críticas como a mais rigorosa aplicação do princípio da precaução, especialmente quanto ao local e ao depósito de resíduos industriais, para o qual prevalece o dever de provar que não existe alternativa em terra para o local de depósito e de que o material não causa danos ao meio ambiente marinho. (in 11 ILM 1972, 262).

44 "Convenção de Helsinque sobre a Proteção do Meio Ambiente Marinho da Área do do Mar Báltico, Artigo 3, 2: "...when there is no reason to assume...even when there is no conclusive evidence of a casual relationship betwen inputs and their alleged effects.", in MCINTYRE & MOSEDALE op. cit., p. 225.

45 " To fully adopt the principle of precautionary approach regarding the prevention and elimination of contamination in the Mediterranean Sea area"..., in MCINTYRE & MOSEDALE op. cit., p. 225, nota 32.

46 MCINTYRE & MOSEDALE op. cit., p. 226, nota 33.

47 "Convention for the Protection and Development of the Marine Environment of the Wider Caribbean Region", Cartagena de Indias, 24.03.83, in 22 ILM 1983, 227.

48 UN Doc A/45/721, 19 de novembro de 1990, 20, § 6.

49 CIJ, 22.09.95, in ICJ Report 1995, 288.

50 "Public Inquiry concerning an appeal by United Kingdom NIREX Ltd concerning the construction of a rock Characterization Facility at long lands Farm, Gosforth, Cumbria: Statement on behalf of Minister of State at the Departament of Transport, Energy and Communication, Dublin , Ireland", in MCINTYRE & MOSEDALE op. cit., p. 234, nota 78.

51 WEERAMANTRY declarando opinião dissidente em recente julgamento da CIJ (caso dos testes nucleares entre França e Nova Zelândia), asseverou: "...the provision in the Maastritch Treaty, incorporating the precautionary principle as the basis of the European Community policy on the environment (article 130r(2)) would lead one of the expect that the principle thus applicable to Europe would applies also to European activity in other global theatres", MCINTYRE & MOSEDALE, op. cit., p. 231; vide também supra, nota 50.

52 "Lake Lannoux Arbitration", in "American Journal of International Law", nº 53, p. 156, 165 e 171.Trata-se de questão envolvendo a França e a Espanha, julgado por uma Corte Arbitral em 16.11.57, fundada na delimitação e interpretação do Tratado de Bayonne de 16.05.1866, e seu posterior Ato Adicional, que delimitaram as fronteiras entre os dois Estados, estabelecendo um regime comum para o uso das águas em fronteira. Em 1950 o governo francês pretendia construir uma hidrelétrica no Lago Lannoux (que estava totalmente em território francês), mas que, na visão da Espanha, provocaria diminuição do volume d’água do rio Carol que corria do território francês para o espanhol, onde servia para abastecimento de projetos de agricultura. A Espanha reclamou um acordo prévio por parte da França para construção da hidrelétrica, já que haveria alteração do volume d’água na bacia hidrográfica na região de fronteira (art. 11 do Tratado de Bayonne). A Corte decidiu favoravelmente à França, declarando não ter havido violação do artigo 11 do Tratado de Bayonne ou de seu Ato Adicional, nem a França violou o direito internacional em não consultar a espanha para construção da hidrelétrica.

53 HEY, Elen, op. cit.; ver também.MCINTYRE & MOSEDALE op. cit., p. 236, nota 92.

54 "Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento", Agenda 21, Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1996, Capítulo 17, Introdução: "... O direito internacional, tal como este refletido na Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar mencionadas no presente Capítulo da Agenda 21, estabelece os direitos e as obrigações dos Estados e oferece a base internacional sobre a qual devem apoiar-se as atividades voltadas para a proteção e o desenvolvimento sustentável do meio ambiente marinho e costeiro, bem como seus recursos. Isso exige novas abordagens de gerenciamento de desenvolvimento marinho e costeiro nos planos nacional, sub-regional, regional e mundial - abordagens integradas do ponto de vista do conteúdo e que ao mesmo tempo de caracterizem pela precaução e pela antecipação, como demonstram as seguintes áreas de programas: a) gerenciamento integrado e desenvolvimento sustentável das zonas costeiras, inclusive zonas econômicas exclusivas; b) proteção ao meio ambiente marinho; c) uso sustentável e conservação dos recursos marinhos vivos de alto-mar; d) uso sustentável e conservação de recursos marinhos vivos sob jurisdição nacional; e) análise das incertezas críticas pra o manejo do meio ambiente marinho e a mudança do clima; f) fortalecimento da cooperação e da coordenação no plano internacional, inclusive regional; g) desenvolvimento sustentável das pequenas ilhas."


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORE, Rodrigo Fernandes. A poluição do meio ambiente marinho e o princípio da precaução. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3194. Acesso em: 25 abr. 2024.