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Sindicância: ampla defesa e contraditório?

Sindicância: ampla defesa e contraditório?

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No presente artigo científico a autora visa, amparada pela doutrina de direito administrativo, abordar a aplicabilidade do principio da ampla defesa e do contraditório no instituto da sindicância administrativa.

Resumo: No presente artigo científico a autora visa, amparada pela doutrina de direito administrativo, abordar a aplicabilidade do principio da ampla defesa e do contraditório no instituto da sindicância administrativa. Apresenta-se, assim, um panorama sobre as considerações gerais da sindicância administrativa, explanando sobre suas diversas formas e naturezas, amarrando-se com a aplicabilidade ou não do principio da ampla defesa e do contraditório.

Palavras-chave: direito administrativo, sindicância, principio da ampla defesa e do contraditório.


1. Introdução

O tema proposto aborda um breve estudo dos processos administrativos que envolvem os servidores públicos municipais, no que diz respeito à sindicância, tema bastante controvertido na esfera do Direito Administrativo, principalmente no tocante à aplicabilidade ou não do princípio da ampla defesa e do contraditório nestes casos.

O Poder Público tem o dever de disciplinar os atos administrativos de seus agentes e servidores públicos que cometam alguma ilicitude no exercício de sua função, que venham acarretar prejuízos à administração. Porém, vale ressaltar, que este dever não se confunde com o poder de polícia do Estado, onde este é externo e aplica-se a todo cidadão.

Diante da ilicitude do servidor público, procederá à abertura de sindicância pela autoridade competente por intermédio de portaria, e ao final, não sendo ela decidida pelo arquivamento do processo ou pela aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até trinta dias, será instaurado processo disciplinar administrativo.

A grande discussão desse tema circunda o fato de que a sindicância é um procedimento investigatório, sumário, que elucida tão somente colher provas substancias para chegar-se a autoria e materialidade do fato, e que em tese, não se aplica os princípios do contraditório e da ampla defesa. Já o processo administrativo, deve-se atender a estes princípios.

Antes de adentrarmos ao tema central do artigo, cabe apresentar o conceito e natureza jurídica da sindicância, para somente depois, defendermos a aplicabilidade ou não dos princípios da ampla defesa e do contraditório.


2. Conceito de sindicância

Inicialmente ressaltamos que a sindicância não se confunde com processo administrativo. Para Hely Lopes Meirelles (Meirelles, 2003, p. 668. e p.666) “sindicância administrativa é o meio sumário de elucidação de irregularidades no serviço para subsequente instauração de processo e punição ao infrator”, já este, “é o meio de apuração e punição de faltas graves dos servidores públicos e demais pessoas sujeitas ao regime funcional de determinados estabelecimentos da administração”.

A sindicância é um processo sumário meramente investigativo. Gasparini (2007, p.967) resume bem seu conceito, como sendo “processo sumário de elucidação de irregularidades no serviço público, para bem caracterizá-las ou para determinar seus autores, para a posterior instauração do competente processo administrativo”.

Há quem pense diferente. Para Filho (2011, p. 985) “assim, é inafastável reconhecer a natureza de processo administrativo para a sindicância, no sentido de que todas as garantias inerentes ao devido processo legal se aplicam ao caso. Trata-se, tão somente, de um processo administrativo com procedimento simplificado, em vista da reduzida gravidade da infração a ser apurada. A sindicância se caracteriza pela simplicidade procedimental”.

Portanto, seguindo a linha do primeiro conceito a sindicância se assemelha ao inquérito policial em relação à ação penal, já que é utilizada tão somente para apuração da materialidade dos fatos e autoria da suposta irregularidade do servidor público, motivo que não se aplica os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Havendo certeza destes elementos, autoria e materialidade da irregularidade, desnecessário se faz a instauração de sindicância, e parte-se para o processo administrativo, respeitando-se, desta forma, os princípios do contraditório e da ampla defesa. Assim, a sindicância não é peça essencial do processo administrativo, podendo este iniciar-se sem a mesma. De sorte, que não será nulo o processo administrativo iniciado sem aquela.

Cada órgão dos poderes executivos normatiza a sindicância por intermédio de seus estatutos, como é o caso do paulista (Lei. 10.261/68 art. 273. e s.) e do federal (Lei 8.112/90).

Na esfera federal, a sindicância se assemelha muito ao processo administrativo disciplinar, uma vez que nos termos do art. 143. da Lei 8.112/90 a sindicância presta-se para promover a apuração de irregularidades no serviço público assegurada ao acusado ampla defesa.

Exatamente nesta assertiva que entra a grande discussão de aplicabilidade ou não dos princípios da ampla defesa e do contraditório em favor do servidor público.


3. Natureza jurídica da sindicância

A expressão natureza jurídica marca a essência, a substância das coisas, significaria dizer qual o contexto no ordenamento jurídico, como delimitar a topografia do termo jurídico.

Diante desta seara, a natureza jurídica da sindicância decorre de seu próprio conceito. Porém, para elucidarmos melhor a matéria, vamos dividir a natureza jurídica da sindicância em dois tipos.

3.1. Sindicância Investigatória

Para a grande maioria dos doutrinadores do Direito Administrativo a sindicância investigatória serve tão somente para apurar os fatos conhecidos, como sua materialidade e autoria que embasarão futuro processo administrativo em caso de, ao final das investigações, tenha concluído a existência de suposta irregularidades e o autor dessas irregularidades, que vão contra os princípios da boa administração pública.

Sindicância investigatória é conceituada por Lima [1994, p. 63] como o “meio sumário de verificação ou apuração destinado a confirmar falta funcional ou irregularidade administrativa denunciada e a identificar o seu autor ou responsável, para os devidos fins disciplinares, por não estarem perfeita e devidamente definidos na denuncia vestibular, com vistas à instauração de sindicância punitiva ou de processo administrativo segundo e conforme a natureza, a gravidade e as consequências do seu cometimento e a pena aplicável ao infrator, na forma da lei.”

A sindicância investigatória não tem qualquer cunho de punir o servidor sindicado, vislumbra tão somente a investigação dos fatos para se chegar a autoria e materialidade da falta disciplinar, para, somente depois de convicto estes elementos, iniciar o processo administrativo.

Não tem procedimento formal, pode-se iniciar com um ou mais servidores designados pela autoridade competente por intermédio de portaria. Por se tratar de instrumento de investigação, dispensa-se a defesa do sindicado e publicidade de seus atos, por se tratar de simples expediente de verificação de irregularidade e sua autoria.

Segundo opinião de Gasparini (2007, p. 967) “a sindicância pode ser aberta com ou sem sindicado; exige-se somente a indicação ou descrição da falta a apurar. É dispensada a defesa do sindicado e até a publicidade, visto tratar-se apenas de simples meios de apuração de irregularidades ocorridas no serviço público e não servir de suporte para a aplicação de pena aos seus autores. Enfim, é verdadeiro processo administrativo de natureza inquisitorial”.

Para Cretella (1995, p. 589) “designados pela autoridade, o funcionário único ou os membros da Comissão Sindicante iniciam os trabalhos, investigam e, no fim chegam a uma das conclusões seguintes: a) nada de positivo foi apurado, não há irregularidades alguma, nenhum funcionário cometeu qualquer ação que causasse embaraços ao serviço público; b)algo foi positivado, houve realmente anomalias na esfera administrativa, investigação sindicante chegou ao fato e ao culpado”.

A sindicância investigatória não serve de base para aplicação de penas ou sanções administrativas, tão pouco de sugestões de punibilidade pela comissão sindicante.

3.2. Sindicância Punitiva

A sindicância punitiva, ao contrário da investigatória, fornece a prerrogativa à Comissão Sindicante de punir ou sugerir punições ao servidor que comprovadamente, por meio de trabalhos preliminares da comissão sindicante de apuração da autoria e materialidade dos fatos, tenha cometido qualquer ilicitude no exercício de suas funções dentro da esfera administrativa.

Há situações em que sendo negativa a constatação de alguma irregularidade, a Comissão Sindicante opinará ou sugerirá o arquivamento do processo.

Não podemos deixar de citar o conceito da sindicância punitiva segundo Lima (1994, p. 64) “é o meio sumário pela qual se apura a ação ou omissão, dolosa ou culposa de funcionário ou servidor que, se provada, acarretar-lhe-á a pena de repreensão, ou a de multa, ou a de suspensão máxima de 90 dias, de conformidade com a natureza e a gravidade da infração cometida e com os danos que dela provierem para o serviço público”.

É interessante salientar que a suspensão máxima de 90 dias citada pelo autor é referente ao funcionário público regido pela Lei nº 10.261/68 – Estatuto do Servidor Público do Estado de São Paulo, onde em seu art. 254, § 1º dispõe que a pena de suspensão não excederá de noventa dias.

Já os servidores que estão sob a égide da Lei n.º 8.112/90 que trata do regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais aduz em seu art. 145, inciso II que a aplicação de suspensão será de até trinta dias.

Para aplicação de pequenas sanções disciplinares a servidores públicos, neste caso, aobservância da aplicabilidade dos princípios da ampla defesa e do contraditório deve ser respeitada. Caso contrário, o que ocorre na maioria das vezes o ingresso de ações contra a administração pública por estes servidores que se acharam lesados com o ato administrativo punitivo, alegando ato nulo e solicitando a revogação dos seus efeitos.


4. Da Aplicabilidade dos Princípios da Ampla Defesa e do Contraditório na Sindicância Administrativa

Para chegarmos ao tema abordado em si, necessário se fez a elucidações de conceitos e outros tópicos como anteriormente.

Como observamos diante dos dois tipos de sindicância, a investigatória e a punitiva, somente a segunda deve-se observar a aplicação dos princípios da ampla defesa e do contraditório, o que decorre de sua própria característica.

A sindicância investigativa é um modo muito simples de se apurar o autor e a materialidade, ou se de conhecimento da autoria somente a materialidade e vice-versa.

Ambos os tipos de sindicância administrativa iniciam-se da mesma forma. É nomeado um grupo de servidores gabaritados para a apuração dos fatos, quais sejam eles hierarquicamente superior ao servidor sindicado, se de conhecimento da autoria, por intermédio de portaria assinada pelo executivo, de no máximo três, podendo esse número ser reduzido de acordo com a natureza da irregularidade. Neste sentido Cretella (1995, p.589) argumenta que “para realizar a sindicância administrativa será designada comissão sindicante de três membros, mas a natureza da irregularidade poderá reduzir esse número a dois ou, conforme o caso, a um só funcionário para o trabalho de investigação”.

Ao final, o servidor responsável pela sindicância ou a comissão, ou apontará a materialidade da falta cometida pelo servidor sindicado e a indicação nominal do servidor que cometeu tal falta, ou, em não havendo materialidade do fato como falta disciplinar, sugerirá o arquivamento do processo de sindicância, já que a conclusão é de inexistência do falta disciplinar.

Cretella (1977, p. 649/650) resume bem o procedimento da sindicância. “Designados pela autoridade, o funcionário único ou os membros da Comissão Sindicante iniciam os trabalhos, investigam e, no fim, chegam a uma das conclusões seguintes: a) nada de positivo foi apurado, não há irregularidade alguma, nenhum funcionário cometeu qualquer ação que causasse embaraços ao serviço público; b) algo foi positivado, houve realmente anomalias na esfera administrativa, investigação sindicante chegou ao fato e ao culpado.”

Assim, no primeiro caso, arquiva-se o processo e no segundo caso a autoridade competente deve-se de imediato instaurar o processo administrativo para aplicação de sanção administrativa mais severa respeitando-se os princípios da ampla defesa e contraditório.

Porém, se ao final da sindicância apurou-se algumtipo penal, deve-se encaminhar via oficio a cópia do processo de sindicância para o Ministério Público tomar as devidas providencias na esfera penal.

Na sindicância punitiva a comissão pode chegar a seguintes situações: a) verifica-se que nada ocorreu, não houve materialidade da irregularidade e tão pouco autoria, opinando-se ou sugerindo-se o arquivamento; b) ao final, constata-se a materialidade e autoria das supostas irregularidades sindicada, e opina ou sugere a penalidade a ser aplicada ao servidor; c) observada que a ação praticada pelo servidor sindicado se enquadra á algum tipo penal, deve, de imediato, oficiar o Ministério Público para que este tome as providências cabíveis.

A Comissão Sindicante punitiva emite um relatório final com um dos desfechos acima. Se tratando da alternativa “b” acima, ela poderá penalizar o sindicado com advertência disciplinar que ficará arquivada no prontuário do servidor ou suspendê-lo de suas atividades pelo prazo máximo de trinta dias em se tratando de servidor civil federal ou suspensão de até noventa dias em se tratando de servidor público estadual, comunicando-o por escrito nas duas penalidades.

Em caso de servidor público municipal, observo que a grande maioria aplica-se a regras do artigo 145, da Lei nº 8.112/90 por ser mais atual do que o Estatuto do Servidor Público do Estado de São Paulo.

Nessas situações obrigatoriamente, a administração pública, por intermédio da Comissão Sindicante, deverá dar um prazo ao servidor sindicado para que o mesmo se manifeste em sua defesa. Esse prazo normalmente é de quinze dias úteis.

A sindicância para que atinja sua finalidade, deve reunir, entre outros elementos, os seguintes requisitos principais: rapidez, objetividade e precisão.

O artigo 5º, inciso LV da Constituição Federal, assegura o princípio da ampla defesa e do contraditório ao sindicado. Meirelles (2001, p. 648) nos revela que “o principio da garantia de defesa, entre nós, está assegurado no inc. LV do art. 5º da CF, juntamente com a obrigatoriedade do contraditório, como decorrência do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV).”

A grande parcela esmagadora dos doutrinadores do Direito Administrativo admite a sindicância somente como um mero ato sumário de elucidação de materialidade de fatos supostamente irregulares e de sua autoria, ou somente a elucidação de materialidade, no caso de se ter conhecimento da autoria, equiparando-se a sindicância ao inquérito policial no Direito Penal.

Um dos grandes conhecedores do Direito Administrativo, Cretella (1995, p. 588) entende que “estabelecendo-se um paralelo, mais ou menos aproximado, entre o que ocorre no âmbito penal e na esfera administrativa, é licito dizer, sob a fórmula de proporção matemática, que a sindicância está para o processo administrativo assim como o inquérito policial está para processo penal”.

Mas é cada vez mais comum na administração pública, iniciar a sindicância investigativa e ao deparar-se com positividade do fato irregular e seu autor, surge à necessidade de punir a conduta indesejada desse servidor. Caso a sindicância sirva-se de meio para apuração de falta e eventual punição aplicada ao servidor, é relevante a necessidade da administração pública de preservar a aplicabilidade do principio da ampla defesa a que se refere o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal.

Segundo Meirelles (2001, p.656) “a sindicância tem sido desvirtuada e promovida como instrumento de punição de pequenas faltas de servidores, caso em que deverá haver oportunidade de defesa para validade da sanção aplicada”.

Dessa forma, cumpre a Administração ver quais procedimentos devem ser adotados para evitar eventuais nulidades, decorrentes diretamente do fato de não haver proporcionado o direito de defesa ao servidor a quem imputa o cometimento do fato irregular.

Uma das primeiras providências a serem tomadas é verificar a gravidade da conduta e a pena que seria aplicada ao servidor sindicado. Havendo a possibilidade de que ao servidor venha a ser aplicada pena mais leve - advertência ou suspensão que não exceda de 30 dias ou 90 dias, sendo ele servidor federal ou estadual, respectivamente - o mesmo procedimento deverá ser averiguado e colocado em prática pela administração não se admitindo, entretanto, a aplicação direta da penalidade sem que previamente exercite o servidor o seu direito de defesa.

A Lei Federal n.º 8.112/90 que trata do regime jurídico dos servidores públicos civil da União, das autarquias e das fundações públicas federais deixa bem claro que é direito taxativo do sindicado a aplicação do principio da ampla defesa. O art. 143. da referida Lei dispõe que “a autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa.”

Segundo o autor Filho (2011, 985/986) o mesmo tratou do tema dizendo que:

Presume-se que os fatos sejam suficientemente simples para dispensar complexidade probatória. No entanto, isso não elimina o direito ao contraditório e a ampla defesa, desde que a sindicância seja apta a produzir qualquer efeito punitivo a um sujeito. Por conseguinte, o interessado deverá ser notificado para defender-se, tão logo seja instaurada a sindicância. Caberá a ele o ônus de promover a sua defesa e o direito de pleitear a produção de provas.

Até mesmo na avaliação de um estágio probatório, a administração pública, ao reprovar o servidor, não confirmando a sua posse, terá que possibilitar ao avaliado a chance de defender-se e provar que as notas que lhe foram atribuídas não correspondem com a prestação dos serviços efetivados.

No Superior Tribunal de Justiça é pacífico o entendimento da observância destes princípios na sindicância desde que punitiva. Vejamos os julgados:

1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido da prescindibilidade da instauração de processo administrativo disciplinar para exoneração de servidor em estágio probatório, mostrando suficiente a abertura de sindicância, desde que assegurados os princípios da ampla defesa e do contraditório,como ocorreu na espécie. 3. É assente na jurisprudência desta Corte Superior de Justiça o entendimento de que o controle jurisdicional dos processos administrativos se restringe à regularidade do procedimento, à luz dos princípios do contraditório e da ampla defesa, sem exame do mérito do ato administrativo. 4. Recurso ordinário a que se nega provimento.

(STJ - RMS 22567 MT 2006/0185347-8, Rel. Min. OG Fernandes. Julg. 28/04/2011. DJ 11/05/2011)

MANDADO DE SEGURANÇA - LITISPENDÊNCIA NÃO CONFIGURADA – LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM - DIREITO ADMINISTRATIVO – SINDICÂNCIA INVESTIGATIVA OU APURATÓRIA DE SUPOSTA INFRAÇÃO COMETIDA POR SERVIDORES PÚBLICOS - NATUREZA INQUISITORIAL - DESNECESSIDADE DE CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA - AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO AO ACESSO ÀS INFORMAÇÕES CONSTANTES DO PROCESSO. 1. Distintos os atos combatidos no presente writ em relação aos tratados no MS 19.242/DF, não se configura a litispendência aduzida pela autoridade impetrada. 2. Sendo o Ministro Chefe da Controladoria-Geral da União signatária das respostas oferecidas aos questionamentos feitos pelos impetrantes, evidencia-se sua legitimidade passiva ad causam. 3. Tratando-se a sindicância investigativa ou apuratória de procedimento com natureza inquisitorial e preparatória, prescinde ela da observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, os quais serão devidamente respeitados se desse processo sobrevier formal acusação aos servidores públicos. Precedentes. 4. À luz dos arts. 7º, § 3º, e 23, VIII, da Lei 12.527/2011, bem como do art. 6º da Portaria CGU nº 335/2006, considerando o caráter sigiloso do conteúdo do procedimento apuratório, não se vislumbra direito líquido e certo dos impetrantes ao acesso às informações constantes do processo, notadamente as relativas à pessoa do denunciante. 5. Segurança denegada.

(MS 19243/DF. Rel Min. Eliana Calmon. Data do Julgamento 11/09/2013. DJ 20/09/2013)

No Supremo Tribunal Federal o entendimento não diverge:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. OBSERVÂNCIA.1. A Constituição Federal assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.2. Processo Administrativo, precedido de sindicância, em que foi assegurado ao servidor o exercício da ampla defesa e do contraditório. Nulidade. Inexistência. Agravo regimental não provido.

(RE – AgR 329450 RJ. Rel. Min. Mauricio Correa. Julg. 20/08/2002 DJ 25/10/2002)

Agravo regimental no agravo de instrumento. Servidor. Militar. Sindicância.Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. Processo administrativo disciplinar. Demissão. Princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Ofensa reflexa. Legislação infraconstitucional. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Esferas penal e administrativa. Independência. Exclusão da corporação. Comando-Geral da Polícia. Competência. Possibilidade. Precedentes. 1. A jurisdição foi prestada pelo Tribunal de origem mediante decisão suficientemente motivada. 2. A Corte de origem concluiu, com base na legislação infraconstitucional e nos fatos e nas provas dos autos, que não houve violação dos princípios da ampla defesa e do contraditório, uma vez que a sindicância seria mero procedimento investigatório e que no PAD teria sido oportunizada defesa ao ora agravante. Concluiu, também, que houve apuração da falta disciplinar que resultou na demissão do militar e que a Administração dispunha de elementos comprobatórios bastantes, havendo essa sanção administrativa sido aplicada dentro dos ditames legais e de forma fundamentada. 3. Inadmissível, em recurso extraordinário, a análise da legislação infraconstitucional e o reexame de fatos e provas dos autos. Incidência das Súmulas nºs 636 e 279/STF. 4. Esta Corte já assentou a independência entre as esferas penal e administrativa. 5. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o art. 125, § 4º, da CF somente se aplica quando a perda da graduação for pena acessória de sanção criminal aplicada em processo penal, não ocorrendo, como no caso dos autos, quando o Comando-Geral da Polícia aplicar pena de demissão após apuração de falta grave em processo administrativo disciplinar. 6. Agravo regimental não provido.

(AI 817415 AgR/MG Rel. Min. Dias Toffoli. Julg. 05/02/2013, DJe 21/03/2013)

Até na aplicação de penalidade de advertência, que seria a forma mais branda de punição administrativa, que deverá ser sempre precedida de apuração da infração mediante sindicância, é assegurada a ampla defesa do acusado, quiçá numa pena de suspensão.

Esta necessidade da defesa na sindicância é plenamente justificada, não só pelo inciso LV do Art. 5º da Constituição Federal, mas também que dela poderá resultar em “arquivamento do processo”, “aplicação de penalidade de advertência ou suspensão de até 30 (trinta) dias” e “instauração de processo disciplinar” (art. 145. da Lei 8.112/90). Este último em caso de suspensão superior a 30 dias, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, ou destituição de cargo em comissão, será obrigatória a instauração de processo disciplinar (art. 146. da Lei 8.112/90).

Assim, tanto na sindicância, como no inquérito, deve-se garantir ao acusado ou investigado sempre os meios de defesa e o contraditório, para possibilitar que a verdade seja a prevalente, pois no campo administrativo não se admite mais o ordenamento de atos acusatórios com cunho persecutórios, onde a verdade já é supostamente sabida pela Comissão Sindicante, que sentencia com base em provas e elementos construídos sem que fossem dada a chance de serem contestados ou refutados pelos servidores sindicados. E exatamente para liquidar com estas perseguições, é que o constituinte atual não permite mais a utilização de meios que impossibilitam o cerceamento de defesa do investigado.

Em toda sindicância ou processo administrativo interno, por mais sumária que tenha que ser a apuração, está presente a garantia de defesa, corolário do dogma constitucional do devido processo legal, sempre com o intuito de evitar-se o cometimento de injustiças ou perseguições.

Dessa forma, as Comissões de Sindicância criadas para promoverem a apuração imediata de fatos constantes em procedimentos administrativos, deverão ater-se ao preconizado no art. 143. da Lei 8.112/90, garantindo ao acusado a ampla defesa, como determina a citada norma legal.

A observância ao princípio da ampla defesa no processo administrativo, norma consagrada na Constituição Federal, art. 5º, inciso LV, deve ser verificada até mesmo na fase inicial sumária, que é a sindicância, com a garantia mínima preconizada pela ampla defesa, não podendo ser desprezada pelas Comissões de Sindicância esta etapa, isto porque a apuração de infração disciplinar, mediante sindicância ou processo disciplinar que são espécies de um gênero mais amplo, que é o processo administrativo, deverá ser sempre cultuada pela defesa mais ampla possível.

O doutrinador Filho (2011, p. 994) afirma que “na democracia republicana consagrada pela constituição de 1988, a autoridade administrativa tem o dever de reconhecer ao acusado o direito de produzir todas as provas reputadas pelo próprio acusado como necessárias a defesa própria.


5. CONCLUSÃO

Podemos concluir, extraindo elementos do texto acima, que o princípio da ampla defesa indicado no artigo 5º, inciso LV da Carta Maior, devem ser observados e aplicados pela administração pública, em todas as sindicâncias em que acarretarem punição ao servidor acusado, seja ela uma punição de advertência, suspensão ou até mesmo de arquivamento, que talvez seja esta última decisão a de maior interesse do acusado, embora o mesmo não impetre qualquer recurso para anular tal decisão, o que é óbvio.

É um direito consubstancial do acusado de ficar ciente de todos os atos da sindicância e de sua conclusão para que o mesmo tenha a chance de se defender pessoalmente ou por intermédio de um advogado dativo.

A administração pública não pode se valer do elemento sindicância para praticar perseguições e até mesmo punições exageradas sem dar a oportunidade do acusado em apresentar sua defesa.

Até mesmo em fase probatória o servidor é protegido pela ampla defesa, onde o mesmo tem o direito de corroborar provas que comprovem que as notas recebidas no estágio probatório pelo superior imediato não condizem com sua postura e rendimento dos serviços efetuados.

A não observância da ampla defesa em favor do servidor acusado pela administração pública acarreta a pena de cometimento de ato nulo, com repercussão na própria validade da apuração interna.


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Abstract: In this research paper the author seeks supported by the doctrine of administrative law, address the applicability of the principle of defense and of the adversarial institution of administrative investigation. Thus presents an overview of the general considerations of administrative investigation, explaining about its many forms and natures, by tying up with the applicability or otherwise of the principle of legal defense and contradictory. Will also focus on the institution of truth known in administrative investigations, the objective is to analyze the various forms of inquiries, and study the applicability of the principle of defense and of the adversarial herein, seeking to assist and clarify the issues at stake

Keywords: administrative law, syndication, principle of defense and of the adversarial.


Autor

  • Daniela Ronconi

    Formada em direito pela Unitoledo de Araçatuba, Pós-graduada em Direito Administrativo e Gestão Pública Municipal pela Unitoledo, funcionária pública, Coordenadora do Núcleo de Execuções do Municipio de Penápolis-SP, membro titular do Conselho Municipal de Educação e do Conselho de Alimentação Escolar do municipio de Penápolis-SP.

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