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O devido processo legal em face da Lei nº 9784/99

O devido processo legal em face da Lei nº 9784/99

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Sumário: Resumo; Introdução; Capítulo I - O processo administrativo, 1.1 Considerações Iniciais, 1.2 Processo e Procedimento, 1.3 Objetivos do Processo Administrativo, 1.4 A Lei 9784/99 – Primeiros Apontamentos; Capítulo II – O devido processo legal, 2.1 Origem Histórica, 2.2 O Devido Processo Legal em Sentido Genérico, 2.2.1 Sentido Material, 2.2.2 Sentido Processual, 2.3 O Modelo de Egon Bockmann Moreira, 2.3.1 Notas Introdutórias, 2.3.2 A Proteção à "Liberdade" e aos "Bens", 2.3.3 Devido Processo Legal – Limites de Atuação, a) Posição do Autor, b) Análise Crítica aos Limites de Atuação do Devido Processo Legal – Sanções Administrativas e Medidas de Polícia de Caráter Urgente; Capítulo III - Princípios correlatos à ampla efetividade do devido processo legal no processo administrativo, 3.1 Breve Introdução, 3.2 O Princípio do Contraditório, 3.3 O Princípio da Ampla Defesa, 3.4 O Princípio da Motivação, 3.4.1 Noção, 3.4.2 Forma e Momento, 3.4.3 Fundamentos Constitucional e Legal, 3.4.4 O Problema da Ausência ou Inexatidão da Motivação nos Atos Administrativos, 3.4.5 A Dificuldade nos Casos de "Discricionariedade Administrativa", a)Posicionamento do Prof.º Celso Antônio Bandeira de Mello, b)Entendimento da Prof.ª Maria Sylvia Zanella Di Pietro, c)Concepção que defendemos; Capítulo IV - O devido processo legal em face das leis n.ºs 9784/99, 9605/98 e 6830/80, 4.1 Da Aplicabilidade da Lei n.º 9784/99 e a Lei n.º 9605/98, 4.2 O Devido Processo Administrativo na Lei n.º 6830/80; Conclusões; Anexos, Anexo 01, Anexo 02; Referências Bibliográficas.


RESUMO

A presente Monografia mostra aos seus leitores a utilidade em obter-se conhecimento das principais peculiaridades acerca do processo administrativo federal, tecendo-se considerações à sua lei reguladora (Lei n.º 9784/99), com o fito de corroborar a defesa dos cidadãos de modo amplo e efetivo, protegendo-os frente às arbitrariedades cometidas pela Administração Pública, ou por quem lhe faça as vezes. A pesquisa profunda acerca do devido processo legal é de suma importância, porquanto tal princípio é profícuo e imprescindível para um processo administrativo regular em busca de uma correta subsunção da lei ao fato em concreto, ensejando aos administrados a possibilidade de se defender antes do ato decisório que irá atingir sua esfera de interesses e direitos. Evidencie-se que o devido processo deve ser prévio na imputação de sanções administrativas. Há casos em que seu deferimento poderá ser posterior – quando da imposição de medida de polícia de caráter urgente. O princípio do devido processo legal é sustentado pelos princípios do contraditório, da ampla defesa e da motivação (apesar de autônomos e independentes entre si), integrando-se totalmente os incisos LIV e LV, ambos do artigo 5º da Carta Magna de 1988. Tais princípios ajudam a garantir a tutela dos direitos e interesses individuais, coletivos e difusos aos administrados no processo administrativo em face de outros administrados e, sobretudo, da própria Administração.


INTRODUÇÃO

O devido processo legal em face da Lei n.º 9784/99 é tema primordial a ser desenvolvido nos auspícios de nossa contemporaneidade, já que de inequívoca importância à manutenção do Estado Democrático e Social de Direito amparado pelos princípios consagrados na Constituição Federal Brasileira de 1988.

Não há dúvidas acerca do valor da ocorrência do devido processo administrativo como meio de tutela de interesses e direitos dos administrados, sobretudo em relação aos atos editados pela Administração Pública.

Para evidenciar tal aspecto, desenvolveremos este trabalho científico apresentando-o e articulando-o em quatro capítulos.

No capítulo inaugural, propiciaremos considerações acerca do processo administrativo, na esfera federal principalmente, pelo fato de nosso objeto de pesquisa tratar-se exatamente de sua lei reguladora – Lei n.º 9784/99.

Destacaremos a importância e os objetivos do processo administrativo, notadamente àqueles que pugnam pela eficiência e produção diante das funções estatais.

Em continuidade, para o findar desse capítulo, teceremos breves considerações acerca da nova lei federal ora em lume para sua correta hermenêutica e aplicação diante do caso em concreto.

Quanto à matéria perscrutada no segundo capítulo, realizaremos abordagem acerca da história da gênese do due process of law no Direito inglês e norte-americano.

Após, faremos estudo pormenorizado do devido processo legal tal como encarado na ordem jurídica brasileira atual. Para tanto, teremos como escopo análise detalhada desse princípio, consagrado expressamente em nossa Lei Maior em seu art. 5º, inciso LIV.

Prosseguindo o raciocínio em busca do desiderato almejado, explicitaremos acerca do devido processo legal nos seus sentidos processual e material, sua complexidade, alcance e conteúdo para, ao final, analisar seus limites de atuação, sobretudo em relação às sanções administrativas e medidas de polícia de caráter cautelar.

Depois das críticas concernentes ao devido processo legal, ainda caminhando longos passos para desenvolver o tema proposto, passaremos à discussão detalhada, nos planos teórico e jurisprudencial (quando necessário), dos princípios correlatos à concretização de um devido processo administrativo: o contraditório, a ampla defesa e a motivação.

Em relação ao contraditório e à ampla defesa, abordaremos seus conceitos e desdobramentos, ensejando aos nossos leitores observações pertinentes a cada qual. Com isso, obteremos suprimentos a fim de ensejar maior efetividade às relações processuais administrativas federais tendo como sustentáculo vários artigos da Lei n.º 9784/99 (quando cabível) que corroboram tais princípios.

No concernente ao princípio da motivação, traçaremos investigações de grande alcance em razão de sua importância à defesa dos administrados em face do devido processo. Diante disso, examinaremos seu conceito, a problemática de sua ausência ou inexatidão nos atos administrativos, sua presença nos atos vinculados e "discricionários", sua forma e momento, seus fundamentos constitucionais e aqueles presentes na Lei n.º 9784/99.

No desfecho desta Monografia, verificaremos a utilidade prática aliada à teoria exposta durante o desenvolvimento dos capítulos anteriores.

Destarte, estudaremos primeiramente as possibilidades de aplicabilidade subsidiária dos artigos da Lei n.º 9784/99 em relação à Lei n.º 9605/98.

Logo depois, seguirão argumentações acerca das conseqüências da ausência de um devido processo administrativo em face da Lei n.º 6830/80 em resguardo do interesse público primário.

A utilidade fundamental de todas as argumentações trazidas aos nossos leitores será demonstrar a necessidade da nova lei de processo administrativo federal como mecanismo de ensejo a um efetivo devido processo, sobretudo em defesa dos administrados, com o intuito de se obter legitimidade nas decisões - isto é, com a correta aplicação da lei ao caso concreto - evitando-se a arbitrariedade do administrador público e a afronta às garantias e direitos constitucionalmente consagrados.


Capítulo I - O PROCESSO ADMINISTRATIVO.

1.1Considerações Iniciais:

Há tempos reivindica-se uma lei de normas gerais de processo administrativo no Brasil.

Odete Medauar in A Processualidade no Direito Administrativo [1] relata que a idéia da codificação do processo administrativo iniciou-se em 1938, com Temístocles Brandão Cavalcanti quando este propôs um anteprojeto de código do processo administrativo.

Nessa época já se indagava acerca de tal deficiência no direito pátrio, lacuna insuportável àqueles que pugnam pela "eficiência e produção" [2] perante as funções estatais.

Com a edição de uma lei reguladora do processo administrativo, seja da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, lograríamos meios mais efetivos de controle por parte dos administrados frente a atos expedidos pela Administração, ofertando-lhes mecanismos legais a fim de que sejam tomadas decisões calcadas pelos princípios constitucionais e por aqueles próprios do regime administrativo.

Em especial, para o presente estudo, salientamos os princípios do devido processo legal material e processual, do contraditório, da ampla defesa e da motivação.

Uma lei geral de processo administrativo gera garantias à própria Administração Pública (ou por quem lhe faça as vezes) [3]. Traz aos agentes instrumentos hábeis para resolver o processo administrativo em consonância com o Estado Democrático de Direito, evitando-se que se edite atos administrativos eivados de ilegalidades.

Portanto, desafoga o Poder Judiciário com demandas que poderiam facilmente ter sido resolvidas no processo administrativo instaurado, além de evitar o pagamento de eventuais ônus processuais arcados pelos cofres públicos em razão da ausência de uma lei com normas fundamentais aplicáveis aos processos administrativos em geral, orientadora dos agentes públicos em como realizar determinados procedimentos nos casos concretos.

Perante esta lacuna legislativa, os agentes públicos em inúmeras situações podem proceder conforme interesse próprio, com subjetivismos e/ou arbitrariedades, sendo inegável que no Brasil há favoritismos, desatendendo-se, então, princípios inerentes ao cidadão e à própria Administração em face do interesse público.

Somente em 1999, no âmbito da União, tal situação começa a ser alterada, em razão da edição pela primeira vez no Brasil de uma lei federal de processo administrativo com normas de caráter geral.

A despeito da Lei n.º 10177, de 30/12/1998 do Estado de São Paulo e da Lei Complementar n.º 33, de 26/12/96 do Estado do Sergipe (reguladoras do processo administrativo de seus respectivos Estados), é com a edição da Lei n.º 9784/99 (que estabelece normas básicas de processo administrativo à Administração Pública Federal) que poderá ser concretizado, em escala nacional, o exercício da cidadania dos administrados.

A Lei n.º 9784/99 procura aplicar diretamente nos processos administrativos federais os princípios corroborados pela Lei Maior de 1988 a fim de combater injustiças.

Assim, de plano devemos dizer que a importância do processo administrativo é ser meio apto a controlar o modus operandi formador da decisão (ato administrativo) da Administração, tornando mais segura a prevenção às arbitrariedades. [4]

Portanto, para haver equilíbrio entre a Administração e os administrados, estes devem participar do elemento formador das decisões administrativas que irão atingi-los – o processo administrativo.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, [5] quando trata dos processos estatais, ensina que o vocábulo "processo" tem concepção ampla, pois abrange os instrumentos pelos quais se utilizam os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para a consecução de suas finalidades.

Cada qual desses três poderes estatais desempenham funções diferentes, utiliza-se de processo próprio sempre calcado pela nossa Constituição Federal, que estabelece regras de competência e forma, institui órgãos e define suas atribuições, confere-lhes prerrogativas e impõe-lhes obrigações.

Isso ocorre tendo em vista o objetivo de assegurar-se independência e equilíbrio no exercício de suas funções institucionais, além de garantir que tal exercício tenha sempre em mira o respeito aos direitos individuais assegurados constitucionalmente.

Cada um dos processos estatais realiza o cumprimento da efetivação de princípios próprios de acordo com a função incumbente a cada qual.

Por tal motivo, diferencia-se o processo legislativo (aqui o Estado elabora a lei) do judicial e administrativo (pelos quais o Estado aplica a lei), partindo do pressuposto de que o processo se apresenta como uma série de atos coordenados para a realização dos fins estatais.

Quanto ao processo administrativo, este poderá ser instaurado mediante provocação do interessado ou por iniciativa da própria Administração, estabelecendo uma relação bilateral, isto é, são partes integrantes da lide o administrado (que deduz uma pretensão) e a Administração.

A Administração Pública, ao contrário do Estado-juiz no processo judicial, quando decide não age como terceiro (estranho à controvérsia), mas como parte atuante no próprio interesse e nos estritos limites da lei. [6]

1.2 Processo e Procedimento:

A doutrina tem se preocupado em diferenciar os termos processo e procedimento. [7]

Como já há muito defendido pacificamente pela Teoria Geral do Direito [8], devemos nos filiar à corrente que defende o uso da expressão "processo".

Conceituamos o "procedimento" como um conjunto de formalidades pelas quais devem ser observadas para a prática de certos atos administrativos. É rito, que se desenvolve dentro de um determinado processo administrativo.

Explicitando acerca do sentido da expressão "processo administrativo", este seria o instrumento hábil para efetivar-se a concretização fática das garantias e direitos ou interesses individuais (ex: processo administrativo disciplinar em que o servidor público é acusado de determinada infração administrativa), difusos (ex: a contrapropaganda – art. 60, § 2º do Código de Defesa do Consumidor) e coletivos (ex: requerimento de revisão da prova de Direito Civil a todos os alunos do último ano de Direito da Universidade de São Paulo) calcados principalmente na Constituição Federal e, em segundo plano hierárquico, nas leis infraconstitucionais.

Em contrário senso, Egon Bockmann Moreira defende ser tutelado pelo processo administrativo apenas direito ou interesse individual. [9]

Preferimos utilizar a expressão "processo" administrativo, em consonância com o preceituado na Lei n.º 9784/99, que se utiliza do vocábulo "processo" e não "procedimento", além do preceituado pela própria Lei Maior, em seu art. 5º, inciso LV – "processo" administrativo. [10]

O processo administrativo vai traduzir uma série de atos, lógica e juridicamente concatenados, dispostos com o intuito de ensejar a manifestação de vontade da Administração. [11]

O importante é haver, em regra, a incidência do art. 5º, inciso LIV da Constituição Federal, principalmente para comportamentos administrativos restritivos de direito, ou, quando ampliativos, se houver conflito de interesses entre mais de um administrado.

1.3 Objetivos do Processo Administrativo:

Com o processo, quer-se atingir determinado objetivo, uma decisão. Esta, advinda do resultado de determinado processo administrativo, é ato administrativo final [12] através do qual a possibilidade ou a exigência presentes na lei em abstrato passa para o plano da concreção. [13]

Todavia, a imputação de coação pode se dar independentemente de prévio devido processo, como ocorre nos casos de medida de polícia de caráter cautelar. [14]

Quando a Administração Pública produz uma decisão final, provocada por alguém ou atuando ex officio, deverá ter ocorrido certo evento justificador de seu atuar. Daí então, este evento deve ser verificado, analisado e sopesado para vermos as medidas cabíveis diante dele. [15]

Destarte, depois de todo um processo administrativo regular, verificaremos se tal evento serve ou não como logradouro da edição do ato, para sabermos o porquê da decisão tomada pelo agente que editou o ato administrativo em comento na relação processual.

Esta decisão será motivada conforme as razões de fato e de direito apuradas no processo.

Frente a essas peculiaridades iniciais, podemos dizer, em conformidade com as lições do Prof.º Celso Antônio Bandeira de Mello, que o processo administrativo possui dois objetivos: a) resguarda os administrados; e b) concorre para uma atuação administrativa mais clarividente. [16]

O primeiro significa a possibilidade do administrado pronunciar-se antes da decisão que irá afetá-lo. Garante-se a defesa com o processo administrativo desde o primeiro ato propulsivo até o ato final, impedindo-se que os interesses do administrado sejam considerados apenas depois de atingidos, pois possibilita à parte exibir suas razões antes de ser afetado em seu direito ou interesse, resguardando ao administrado tal respaldo.

Ademais, o processo administrativo é útil para complementar a garantia da defesa jurisdicional, porque, durante seu trâmite, aspectos discricionários (de conveniência e oportunidade) passíveis de serem levantados pela parte, podem conduzir a Administração Pública a comportamentos diversos do que normalmente tomaria em proveito do bom andamento da coisa pública e de quem os exibiu em seu interesse.

Tais aspectos não poderiam ser objeto de apreciação perante o Poder Judiciário. Este irá tomar com o ato sem poder considerar senão a dimensão da legalidade a fim de anular, ou não, o ato administrativo.

É negado ao Estado-juiz a apreciação do mérito do ato administrativo editado [17], excetuando-se os casos de abuso ou desvio de poder, ou ainda quando a Administração utiliza-se de motivos inverídicos para praticar o ato. [18]

O segundo fim do processo administrativo seria sua contribuição para uma decisão mais bem informada, conseqüente, responsável.

Assim, auxilia na busca da melhor solução para os interesses públicos em causa, porquanto a Administração observa aspectos relevantes colocados pela parte que de outro modo talvez não seriam apreciados.

Resumidamente, podemos dizer que a finalidade do processo administrativo é assegurar a produção e eficiência dos comportamentos administrativos. Outrossim, eleva ao máximo as garantias do administrado em face de outros administrados e, especialmente, da própria Administração.

1.4 A Lei 9784/99 – Primeiros Apontamentos:

Antes da análise referente à Lei n.º 9784, de 29/01/1999, reguladora do processo administrativo federal, é salutar efetuarmos considerações essenciais para sua correta hermenêutica e aplicação.

Comumente, [19] os processos envolvendo solução de controvérsia ou que resultem em decisão por parte da Administração Pública, compreendem pelo menos três fases: a instauração, a instrução e a decisão.

A nova lei federal dispõe sobre regras de procedimento de todas estas fases a fim de que seja ofertada aos administrados a efetiva tutela de seus direitos e interesses, além de objetivar-se o melhor cumprimento dos fins da Administração.

A Lei n.º 9784/99 não firmou qualquer procedimento que deva ser rigorosamente seguido nos processos administrativos em geral, todavia estabeleceu a aplicação no processo administrativo de princípios constitucionais e pertinentes ao regime administrativo, quando estabelece em todo seu bojo normas atinentes às fases de instauração (como a vedação à recusa imotivada de documentos – art. 6º, parágrafo único), instrução (proibi-se as provas obtidas por meios ilícitos – art. 30) e decisão (concluída a instrução de processo administrativo, a Administração tem o prazo de até trinta dias para decidir, salvo prorrogação por igual período expressamente motivada – art. 49).

Segundo excelentemente frisou Egon Bockmann Moreira, [20] dentro do amplo sistema de Direito Administrativo há subsistemas (conjunto de normas e princípios unos e coerentes) que diferenciam sua inúmeras faces. O processo administrativo é um desses subsistemas.

Porém, o processo administrativo não se encontra limitado à nova lei federal aduzida. Ao intérprete do Direito Público importa em primeiro plano o texto constitucional, pois nele se encontram os princípios que regem o Direito Administrativo, Processual etc.

Assim sendo, outros princípios serão tratados em capítulo em apartado neste estudo, porque de extrema relevância a qualquer referência ao processo administrativo em geral, aqui em tela o de âmbito federal em face da Lei n.° 9784/99.

Essa lei consubstanciou a concretização de princípios explícitos e implícitos da Constituição Federal (arts. 5º e 37) e aqueles do processo administrativo propriamente ditos.

Todavia, sua correta aplicação depende do administrador público e não do Poder Constituinte Originário ou Decorrente.

Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios ao desejarem dispor sobre a matéria deverão promulgar as suas próprias leis. [21]

Devemos respeitar as normas que disciplinam os processos administrativos específicos, [22] perante os quais a lei será aplicada apenas subsidiariamente (art. 69). [23]


Capítulo II - O DEVIDO PROCESSO LEGAL.

2.1 Origem Histórica:

Adiante seguirá breve relato histórico do due process of law no Direito inglês e norte-americano para, ao final, aduzirmos acerca do devido processo legal tal como é encarado pela doutrina brasileira nos tempos atuais, pois de extrema validade o estudo da cláusula como instrumento de controle da legalidade e de uma decisão mais justa em defesa do administrado.

A história da gênese do devido processo legal, tal como hoje é conceituado pela Constituição Federal Brasileira de 1988, fundamenta-se na Magna Carta de João Sem Terra, do ano de 1215, quando esta se referiu à law of the land (art. 39).

O devido processo legal surgiu em nosso ordenamento jurídico como meio de defesa do cidadão após o desenvolvimento da cláusula due process of law do Direito inglês e norte-americano, uma vez que o due process foi criado inicialmente na Inglaterra com intuito de proteção primordial ao baronato e segundo a lei da terra que, não obstante, era o próprio soberano quem ditava.

A denominação "due process of law" foi utilizada em lei inglesa de 1354, baixada no reinado de Eduardo III, quando se denominou de Statute of Westminster of the Liberties of London, por meio de um legislador desconhecido (some unknown draftsman).

Não obstante a Magna Carta fosse criada como uma espécie de garantia dos nobres contra os abusos da coroa inglesa, continha certos institutos originais e eficazes do ponto de vista jurídico, admirados atualmente por estudiosos da história do direito e da historiografia do direito constitucional. [24]

Nos Estados Unidos, já anteriormente à promulgação da sua Magna Carta de 1787, algumas constituições estaduais já consagravam a garantia do due process of law. São exemplos as de Maryland, Pensilvânia e Massachusetts, repetindo-se a regra da Magna Carta e da Lei de Eduardo III. [25]

A "Declaração dos Direitos" da Virgínia - de 16.08.1776 - tratava na secção 8ª do princípio do due process of law, prevendo esse dispositivo que "that no man be deprived of his liberty, except by the law of the land or the judgement of his peers". [26]

Em 02.09.1776 surgiu a "Declaração de Delaware", que ampliava e explicitava melhor a cláusula em sua secção 12: "That every freeman for every injury done him in his goods, lands or person, by any other person, ought to have justice and right for the injury done to him freely without sale, fully without any denial, and speedily without delay, according to the law of the land". [27]

Todavia, somente na "Declaração dos Direitos" de Maryland, de 03.11.1776, fez-se pela primeira vez expressa referência ao trinômio vida-liberdade-propriedade, hoje insculpido na Constituição Federal norte-americana, dizendo em seu inciso XXI o seguinte: "that no freeman ought to be taken, or imprisoned, or disseized of his freehold, liberties, or privileges, or outlawed, or exiled, or in any manner destroyed, or deprived of his law of the land". [28]

Após, adveio a "Declaração dos Direitos" da Carolina do Norte, em 14.12.1776, fazendo também referência à vida-liberdade-propriedade como os valores fundamentais protegidos pela lei da terra.

Posteriormente, as constituições das colônias de Vermont, de Massachusetts e de New Hampshire, transformadas depois em estados federados, adotaram o mesmo princípio do due process of law em seus territórios.

Depois desses fatos o postulado foi incorporado à Constituição da Filadélfia pelas Emendas 5ª e 14ª. [29]

No Brasil, tão somente na Constituição Federal de 1988 - pela primeira vez em nossa história - é que trouxe o princípio do devido processo legal de maneira explícita no seu art. 5º, inciso LIV.

Não obstante, seu conteúdo e efeitos não são idênticos aos da legislação estrangeira de onde a cláusula é oriunda.

É relevante ainda evidenciar a importância do Pacto de São José da Costa Rica para especificar melhor a cláusula do devido processo legal perante a Carta Magna Brasileira ora vigente. [30]

Romeu Felipe Bacellar Filho aduz que a doutrina brasileira considera atualmente o devido processo legal como princípio matriz dos demais princípios processuais constitucionais. [31]

Assiste razão ao administrativista.

Podemos refletir sobre a afirmação do referido autor por outro prisma, pelo qual motivamos nosso posicionamento. Explicamos: em nosso entender, fulminando-se o princípio da motivação, o cidadão não poderá exercitar os princípios do contraditório e da ampla defesa, e conseqüentemente, obstaculariza-se o efetivo desempenho de um devido processo legal, seja perante o órgão incumbido da decisão, seja perante futuro, quando possível, controle judicial.

Justamente por tais razões, era imperiosa a criação de uma lei geral de processo administrativo, e daí advém a importância neste país da Lei n.º 9784/99, que privilegiou a concretização daqueles princípios supra aduzidos.

2.2 O Devido Processo Legal em Sentido Genérico:

Não podemos conceituar o devido processo legal tal como era interpretado o due process of law. Este, conforme visto, caracteriza-se pelo trinômio vida-liberdade-propriedade, [32] ou seja, possui o direito de tutela àqueles bens da vida em seu sentido mais amplo: tudo aquilo concernente à tutela da vida, liberdade ou propriedade está sob a proteção da due process clause.

Conclui Nelson Nery Júnior [33] que bastaria a Constituição brasileira ora vigente ter enunciado o princípio do devido processo legal e o caput e a maioria dos incisos do art. 5º seriam dispensáveis.

Impossível tolerarmos tal entendimento. É incabível conceber o devido processo legal inserido noutras garantias e vice-versa, pois o contraditório e a ampla defesa, por exemplo, são desdobramentos que concretizam o devido processo legal, mas os princípios são independentes entre si.

Se entendermos que o devido processo legal açambarca os demais princípios e garantias previstos noutros incisos e no caput do art. 5º da Constituição Federal de 1988, estaremos liquidando um ao outro, prejudicando os cidadãos e a própria Administração diante de discrepante e inescrupulosa interpretação da Magna Carta.

Romeu Felipe Bacellar Filho [34] afirma que na via administrativa não deve ocorrer privação de liberdade ou restrição patrimonial sem o devido processo administrativo constitucionalmente consagrado, devendo ser incluído o princípio do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII) na fixação do regime processual, além dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Genericamente, [35] podemos afirmar que quando for restringida a liberdade ou bens, deverá ser observado o devido processo legal. De tal modo, ficará assegurada a submissão a prévios e conhecidos ritos processuais e a observância de limitações substanciais.

Seguindo a evolução histórica do due process of law, percebemos que no tempo de João Sem-Terra, quando o Estado era a lei, o princípio possuía uma acepção meramente formal.

Então, inicialmente, os processualistas entendiam como cumprido o due process of law quando fosse cumprido o due procedural process of law, isto é, quando cumprido o procedimento. [36]

Modernamente, no entanto, está embutido conteúdo material (substancial) ao devido processo legal.

Assim, o princípio do devido processo legal tal como colocado no ordenamento jurídico brasileiro tem conteúdo dúplice: substancial e formal.

É importante registrar a posição de Couture, citado pelo eminente jurista Romeu Felipe Bacellar Filho in Princípios Constitucionais do Processo Administrativo Disciplinar: "Couture observa que o devido processo legal compreende o direito material da lei preestabelecida e o direito processual do juiz competente. O processo desencadeia-se na forma legal dotada de todas as garantias processuais." (BACELLAR FILHO, 1998, p. 201)

Egon Bockmann Moreira corrobora tal assertiva quando afirma ser o aspecto processual do devido processo legal indissociável de sua superfície substancial, e sua parcial hermenêutica efetivar-se em razão da utilidade histórica e/ou didática. [37]

Há, pois, o substantive due process e o procedural due process, para indicar a incidência do princípio em seu aspecto substancial (no âmbito do direito material) e a tutela de direitos por meio do processo, tanto judicial, quanto administrativo, conforme determina o art. 5º, inciso LIV da Constituição Brasileira vigente.

Portanto, a aplicação do devido processo legal substantivo e processual é instrumento que ajuda garantir direitos individuais, coletivos e difusos, além do correto exercício da função administrativa, revelando-nos a importância do presente tema.

2.2.1 Sentido Material:

Em seu aspecto substancial o princípio ora em tela se manifesta em todos os campos do Direito, como a exemplo do princípio da legalidade.

Sentido material é aquele atinente ao direito material (normas que disciplinam relações jurídicas concernentes a bens e utilidades da vida).

O fato da existência do princípio da legalidade estrita à Administração Pública, devendo esta agir somente secundum legem, isto é, quando lhe é por lei permitido, indica a incidência da cláusula do devido processo no direito administrativo. [38]

É manifestação do princípio do devido processo legal o controle dos atos administrativos, pela própria administração e pela via judicial, com ressalvas a respeito do controle pelo Poder Judiciário. [39]

2.2.2 Sentido Processual:

No Brasil, tal como na esfera judicial, para produzir-se o ato próprio de cada função não se requer apenas consonância substancial dele com a norma que lhe consubstancia, mas também com os meios de produzi-la. [40]

Num Estado Democrático de Direito os cidadãos têm a garantia de que o Poder Público almeje unicamente à busca dos fins estabelecidos em lei. Estes só poderão ser perseguidos pelos modos inerentes estabelecidos para tal fim. [41]

No modus procedendi, com adscrição ao devido processo legal, residem as garantias dos indivíduos e grupos sociais. Se não fosse dessa maneira, os administrados ficariam desprovidos de meio de defesa perante a Administração. [42]

A garantia dos cidadãos não mais reside sobretudo na anterior delimitação das finalidades perseguíveis pelo Estado, mas principalmente na prévia fixação dos meios, condições e formas a que se tem de cingir para alcançá-los. [43]

Adverte Nelson Nery Júnior que a doutrina brasileira tem empregado ao longo dos anos a locução "devido processo legal" em seu sentido processual tão somente. [44]

Entendemos que a cláusula do devido processo legal, em seu sentido processual, é a possibilidade da parte ter acesso à justiça, deduzindo pretensão e defendendo-se do modo mais amplo possível, tendo como escopo instrumentos preestabelecidos para tal finalidade ser perquirida.

Através desse modo formal de proceder, atrelado ao material, [45] será oferecida maior garantia ao cidadão de justa decisão nas manifestações estatais tal como defendido na Lei Maior.

2.3 O modelo de Egon Bockmann Moreira: [46]

2.3.1 Notas Introdutórias:

Para se definir o significado do devido processo legal Egon Bockmann Moreira procurou fazê-lo positivamente, principalmente frente ao processo administrativo.

Para a compreensão do princípio trazido a lume na ordem jurídica brasileira, embasou-se na Constituição Federal de 1988 e na análise gramatical do termo "devido processo legal".

Diz o autor que este princípio estabelece três requisitos simultâneos a qualquer "aviltamento, ataque ou supressão" contra a liberdade ou bens dos particulares. São eles o processo, que este processo seja adequadamente desenvolvido e que ele (processo) seja definido em lei.

Tendo como sustentáculo de sua fundamentação estes requisitos, procurou realizar uma análise objetiva do princípio a fim de se obter sua total compreensão, os quais expomos aqui, sob nosso enfoque, para abranger o devido processo legal na sua totalidade, especialmente em face do processo administrativo.

Partiremos à análise gramatical do princípio.

Analisa o autor primeiramente a palavra "processo".

Só terá fundamento de validade a execução de ato atentatório à liberdade ou bens que esteja inserido em um processo, ou seja, o administrado não pode ser suprimido de sua liberdade ou bens sem direito a processo prévio, conforme as garantias constitucionais (como o art. 5º, XXXIII e XXXIV – direito a informações, sigilo e direito de petição; art. 5º, LV – contraditório, ampla defesa e recursos; art. 93, IX e X – fundamentação nas decisões; art. 133 – presença de advogado) e de leis específicas (como as Leis n.ºs 9784/99; 8112/90; 8666/93; 8429/92). [47]

Já quanto ao termo "devido", este se refere à adequação da atuação da Administração Pública no processo administrativo, assegurando ao administrado um Estado Democrático de Direito, a isonomia e a segurança jurídica de que seus direitos e interesses serão respeitados.

O núcleo almejado pelo Estado é o prestígio não da Administração, mas do administrado, direito aliás consagrado pelos princípios constitucionalmente previstos.

Ademais, o devido processo administrativo deve ser formal e público com vínculo estreito com os demais princípios do processo administrativo.

O devido processo para se concretizar não poderá desatender a qualquer aspecto da relação de dever-poder o qual orienta toda atividade da Administração. O aplicador da lei deve sempre observar sua competência e os fins a que ela se dirige.

Sobre a expressão "legal", cabe dizer que não tem a função de definir o princípio em foco. Não submete os dois primeiros termos supra analisados, pois não podemos conceber como legítima a supressão de liberdades e/ou bens do particular somente pelo fato de estar prevista em lei.

O termo seria desdobramento do princípio da legalidade estampado no art. 5º, inciso II da Constituição Federal.

O processo administrativo não será regular quando diminuir direito ou interesse da parte e somente estiver previsto em ato da Administração (regulamento, decreto, portaria etc.).

Somente é legítimo provimento administrativo que dê fiel execução à lei, conforme o art. 84, inciso IV da Magna Carta. [48]

Ressaltamos aqui o art. 2º, parágrafo único, inciso I, da Lei n.º 9.784/99, porque vincula a atividade processual administrativa à "atuação conforme a lei e o Direito", dando conteúdo específico ao princípio do devido processo legal.

O autor faz ainda três esclarecimentos:

a) Não é necessária a preexistência, legal e positiva, de determinado processo para que os administrados possam pleitear a defesa de seus direitos frente à Administração.

O inciso LIV, do art. 5º da Constituição Federal tem eficácia plena e incondicionada, e caso seja agredido em sua "liberdade" e/ou "bens", será suficiente que o particular externe requerimento fundamentado.

Destarte, a Administração terá o dever de mandar processá-lo adequadamente (conhecendo e instruindo o pedido, antes de proferir decisão).

b) No mesmo diapasão supra dito: as previsões legais positivadas não são exaurientes, sendo que a Constituição impõe à Administração o conhecimento pleno de todo e qualquer pedido dos particulares.

c) Se não existir norma legal positivada, se em determinado processo administrativo a Administração tomar iniciativa que possa culminar com a privação dos direitos protegidos pelo devido processo, deverão ser aplicadas extensiva ou analogicamente leis processuais em vigor.

2.3.2 A Proteção à "Liberdade" e aos "Bens":

Quanto ao alcance do devido processo legal, historicamente, reportando-nos ao conceito inglês e norte-americano do princípio ora em comento, verificamos que protege "a vida, liberdade e propriedade".

Limitando-se a aplicação da garantia à ação jurisdicionante do Estado, entendeu a Suprema Corte dos Estados Unidos que o substantive due process somente protege seguindo um conceito restrito de "vida", "liberdade" e "propriedade".

Perante nosso ordenamento jurídico isso é inaceitável em face da Constituição Federal, porque jamais poderia implicar interpretação restritiva de garantia constitucional.

O substantivo "liberdade" deve ser entendido em sentido amplíssimo, de molde a assegurar todos os direitos a ele vinculados – parcial ou totalmente, direta ou indiretamente, explícita ou implicitamente – no texto constitucional.

A Constituição Federal assegura a garantia de liberdade aos particulares, a possibilidade genérica de fazer ou deixar de fazer algo de acordo com a conveniência subjetiva da pessoa, além de direitos específicos, derivados da liberdade "pessoal" em sentido estrito (exemplos: liberdade de trabalho, crença, política, concorrência etc.).

Tais garantias são protegidas, substantiva e processualmente, pelo devido processo legal. Somente será permitida qualquer [49] restrição da Administração sobre a liberdade do administrado através de "devido processo" observando-se todas as demais garantias constitucionais e suas concretizações legais.

Definir "liberdade" não é competência do agente público administrativo. Este não poderá exercitar determinado ato e/ou não conhecer de recurso dos particulares com fundamento em entendimento pessoal de que a questão não envolve o "direito à liberdade". Esta expressão exige vasto conhecimento da causa controversa por parte da Administração e, se for o caso, sua rejeição deverá ser motivada.

No que se refere ao termo "bens", contido na expressão constitucional do devido processo, também deve ser entendida de modo amplíssimo.

Protege-se bens materiais (são tangíveis, cuja substância é imediatamente apreendida pelos sentidos) e imateriais (bens espirituais ou ideais: não assumem forma concreta, mas têm valor econômico e/ou moral), presentes (existem no justo momento em que são considerados) e futuros (argüindo Egon Bockmann Moreira que somente em relação aos bens futuros e certos se põe a garantia do "devido processo legal", sendo que para os bens futuros e incertos, onde há pura expectativa de direito, não se autoriza o controle com lastro neste princípio).

2.3.3 Devido Processo Legal. Limites de Atuação:

a) Posição do Autor:

A Constituição Federal em seu art. 5º, inciso LIV, não restringiu as hipóteses de incidência do devido processo.

Sempre que "possível" e "útil" o devido processo legal deve ser posto em prática para regular a conduta da Administração Pública.

O termo "possível" indica as fronteiras práticas que a Administração encontra no exercício de seu dever-poder.

Afirma Egon Bockmann Moreira que em certas hipóteses seria inviável aplicar o "devido processo legal", ora em razão da alta probabilidade de perecimento imediato do interesse posto à guarda do ente público, ora pela natureza jurídica do ato a ser praticado.

Ainda que suprima "liberdade" e/ou "propriedade" dos particulares, são circunstâncias e atos excepcionais que, ou impõem a pronta e motivada tomada de decisão e ação, ou só podem ser praticados de forma pontual (exaurindo-se naquele momento).

O requisito da "utilidade" significa a aplicação do devido processo legal vinculado à potencial resultado proveitoso ao particular e/ou à Administração Pública.

Se o agente público motivadamente comprovar que há dúvida se o processo administrativo não terá qualquer utilidade prática, ele estará autorizado a praticar o ato sem prévio "processo legal", devendo tornar-se pública tal dispensa.

Fora as exceções supra aduzidas é obrigatória [50] a instalação do devido processo legal, finaliza. [51]

b) Análise Crítica aos Limites de Atuação do Devido Processo – Sanções Administrativas e Medidas de Polícia de Caráter Urgente:

Realizando-se análise crítica do modelo desenvolvido por Egon Bockmann Moreira, podemos concluir que o administrativista analisa casos de dispensa total do devido processo legal, em que realmente é ausente o processo administrativo – não há litigantes. [52]

Diante das argumentações deste autor quanto aos limites de atuação do devido processo legal, entendemos que é necessário tecermos considerações profundas em relação às medidas de polícia de caráter urgente e às sanções administrativas para fundamentarmos, a partir do nosso ponto de vista, o exame dessa discussão.

Assim, passaremos a tratar do deferimento prévio ou posterior do devido processo legal diante de um conflito de interesses entre os cidadãos e a Administração Pública.

Quando da imposição de medidas de polícia de caráter imediato (cautelares), devido à urgência, a motivação do agente para executá-la poderá [53] ser "rarefeita". [54]

Note-se que em casos de atividade de polícia administrativa, para restrições de direito de caráter cautelar, a adoção de tais procedimentos pelo agente público dá-se, muitas vezes, sem qualquer formalidade ou justificativa. [55]

Odete Medauar aproxima-se da idéia que ora tentamos expor e provar. [56]

Passada esta primeira fase, de imposição da medida de polícia de caráter cautelar, [57] ocorreria a possibilidade de uma motivação dita "exauriente" diante de um devido processo legal, e portanto, com lide e litigantes, nos termos do art. 5º, inciso LV da Constituição Federal de 1988.

Neste caso, a motivação deverá ater-se não somente quanto à possibilidade de execução imediata da medida devido ao interesse público ou outro direito, mas de uma cognição vertical profunda, exauriente, dos motivos de fato e de direito ensejadores daquela medida primeiramente executada, capaz de oferecer uma ampla defesa ao cidadão diante de um devido processo legal, para que a aplicação de possível sanção administrativa seja constitucionalmente imposta. [58]

Concluindo, admitimos em casos especialíssimos de caráter cautelar de polícia administrativa sua motivação detalhada a posteriori (depois de consumada a medida, quando diante do devido processo, deverá ocorrer a motivação "exauriente" para o interessado poder se defender), justamente porquanto o momento em que ocorre a execução da medida de polícia inexistia lide (e litigantes, portanto), pois é possível ocorrer o deferimento posterior do devido processo em tais casos.

Frisamos dois aspectos: a) para a aplicação da medida de polícia e da sanção deverá ser observado o cumprimento do devido processo legal, mas as medidas de polícia urgentes, ligadas ou não a um ilícito, em razão de sua cautelaridade, podem dispensar prévio contraditório e ampla defesa para sua aplicação; [59] b) tais medidas cautelares tanto podem ser "não-sancionadoras", quanto "cautelar-sancionadoras". [60]

Diante do devido processo, portanto, não poderão ser fabricadas razões, mas verificar se ocorreram motivos concretos para emanar tal ato e se também existia urgência e relevância que inicialmente se alegava, justificadora da execução da medida de polícia nos casos anteriormente abordados [61] (importante, caso inexistente, para a propositura de ação de reparação de danos morais ou/e materiais, com fulcro no art. 37, § 6º da Constituição Federal, em razão da arbitrariedade e ilicitude ocorrida, pela Administração Pública ou quem lhe faça as vezes).

Há árdua atribuição dos estudiosos do Direito na luta em garantir, por um lado, os preceitos do art. 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal. De outro lado, a imprescindibilidade da adoção de medida de polícia urgente em prol do interesse da coletividade. [62]

Diante do exposto, ressaltamos que não iremos nunca permitir a supressão dos direitos dos cidadãos. Devemos adotar determinadas cautelas para assegurar o Estado Democrático de Direito corroborado pela Lei n.º 9784/99 (quando esta for cabível).


Capítulo III - PRINCÍPIOS CORRELATOS À AMPLA EFETIVIDADE DO DEVIDO PROCESSO LEGAL NO PROCESSO ADMINISTRATIVO.

3.1 Breve Introdução:

O processo administrativo envolve direitos e interesses dos cidadãos e da própria Administração Pública.

Portanto, a Administração Pública deve nortear seus atos em princípios consagradores da aplicabilidade do devido processo legal, para o resguardo da ordem jurídica vigente, da segurança jurídica dos interessados integrantes de determinada relação processual e da coletividade em face do interesse público.

A Constituição Federal de 1988 estendeu o princípio do contraditório e da ampla defesa também ao processo administrativo, no art. 5º, inciso LV [63], da Constituição Federal: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". (grifos nossos)

Celso Antônio Bandeira de Mello afirma estarem consagrados nos incisos LIV e LV da Carta Magna a exigência de um processo formal regular a fim de que sejam acobertadas a liberdade e a propriedade da Administração Pública e do cidadão. Há necessidade do Poder Público, antes de tomar decisões gravosas a um dado sujeito, fazer vigorar os princípios do contraditório e da ampla defesa, no que se inclui o direito a recorrer das decisões tomadas. [64]

A Lei n.º 9784/99, prevê de maneira expressa em seu art. 2º a observância por parte da Administração Pública dos princípios da ampla defesa e do contraditório, regulando-se no âmbito infraconstitucional o cumprimento do art. 5º, inciso LV da Constituição Federal vigente de modo direto, e indiretamente o art. 5º, inciso LIV, já que se violados o contraditório e a ampla defesa, restará liquidado o princípio do devido processo legal. [65]

Não podemos deixar de reconhecer a relevância de princípios que geram ao devido processo legal maior efetividade, como o contraditório, a ampla defesa e a motivação, para sustentar os preceitos defendidos nesta Monografia.

Outros princípios, como o contraditório e a ampla defesa – posição de Odete Medauar [66] e de Ada Pellegrini Grinover, Antonio Carlos de Araújo Cintra e Cândido R. Dinamarco [67] - desdobram-se do devido processo legal.

Tal posicionamento deve ser visto com cautela, porquanto a cláusula do devido processo legal não está contido e tão pouco se confunde com outros princípios.

Tratam-se de garantias autônomas, todavia não excludentes, pois além de serem compatíveis e coabitarem no sistema jurídico brasileiro, há imposição de que sejam aplicados simultaneamente, corroborados entre si, tendo como escopo a interpretação global da Constituição.

Assim, a despeito da autonomia do devido processo legal, devemos combiná-lo com outros princípios, em razão de uma hermenêutica sistemática do ordenamento jurídico vigente e a aplicação simultânea do devido processo legal, em especial, com o contraditório, a ampla defesa e a motivação.

Nelson Nery Costa, sustenta que os princípios do processo administrativo podem ser divididos em três grupos: [68]

a)Princípios constitucionais relativos aos direitos e garantias fundamentais, constante no art. 5º da Constituição Federal: princípios da isonomia, ampla defesa, contraditório e legalidade.

b)Princípios constitucionais da Administração, previstos no caput do art. 37 do texto da Constituição: princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

c)Princípios do Processo Administrativo propriamente ditos: princípios da oficialidade, verdade material, pluralidade de instância, informalismo, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, segurança jurídica e interesse público.

Não obstante a inquestionável importância e inerência a qualquer tipo de processo administrativo de todos esses princípios citados [69] como forma de defesa dos cidadãos contra arbitrariedades e ingerências da Administração Pública, e de certo modo beneficiando a própria Administração, [70] aqui serão abordados diretamente os princípios do contraditório, da ampla defesa e da motivação, corroborando-se o devido processo legal por tais princípios.

3.2 O Princípio do Contraditório:

Os administrativistas em geral têm defendido posicionamento no sentido de que o direito de defesa exige a bilateralidade do processo, [71] determinando-se, assim, a existência do contraditório.

Diante desse fundamento, entendemos que o contraditório está inserido na ampla defesa. Aquele princípio seria a exteriorização deste, sendo divididos por uma tênue linha de diferenciação, [72] isto é, não se confundem. [73]

O princípio do contraditório significa a participação do administrado (aliás, o princípio ora em comento é aplicável a todos aqueles que pugnam na relação processual, inclusive a própria Administração) durante todo o trâmite do processo administrativo, exercendo-se o direito de influenciar ativamente a decisão a ser proferida.

Este princípio gerará o dever do órgão decisório apreciar motivadamente as intervenções que eventualmente ocorrerão. [74]

O Profº. Romeu Felipe Bacellar Filho alega, na mesma lógica, ser elemento básico para a compreensão do contraditório o fato pelo qual, se a Constituição Federal firmou tal princípio, devemos ter em mente que a decisão proferida no curso do processo não estará definida e fixada previamente em lei, pois haverá um juízo de valor, acerca dos fatos e argumentos presentes e provados no caso em concreto. [75]

Então, se há um juízo valorativo dos fatos e argumentos surgidos no processo, integra-se aqui o princípio da motivação do ato administrativo, da decisão, cuja gênese advém dos acontecimentos provados na relação processual.

No concernente à definição do princípio do contraditório, este significa a vontade de expressar o próprio ponto de vista ou argumentos diante de fatos, documentos ou alegações apresentados por outrem durante a instrução do processo.

Tal princípio é elemento caracterizador da processualidade, a fim de propiciar ao sujeito a ciência de dados, fatos, argumentos e documentos. [76]

Porém, perante o contraditório, ensejar tão só a oportunidade para produzir-se provas não é o suficiente. Devemos nos ater aos aspectos quantitativos e qualitativos de defesa a serem sopesados pelo órgão decisório. [77]

Inicialmente o contraditório era entendido unicamente no sentido do réu poder opor-se ao pedido da parte autora da demanda.

Atualmente, porém, conforme as lições de Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, citado por Egon Bockmann Moreira, concebemos o contraditório como de valor essencial do diálogo judicial na formação do juízo, fruto da colaboração e cooperação das partes com o órgão judicial e deste com as partes, segundo as regras formais do processo. [78]

A relevância da lição do jurista acima citado é a seguinte: não devemos ter em mente somente a influência das partes na relação processual, mas também observar que o Estado deve atuar ativamente na atividade desenvolvida pelos administrados, exigindo-se a participação de modo imparcial do órgão competente para emitir a decisão.

Nos processos administrativos denominados de "duais" (quando a Administração Pública é parte no processo), deverá ter diálogo cooperativo entre a Administração Pública e pessoas privadas. [79]

O Poder Público, apesar de parte integrante do processo administrativo, quando atuar como órgão emanador da decisão apta à solução da demanda deverá participar ativamente, sendo dever do Estado colaborar na interação do cidadão no processo. [80]

É imperativo que a Administração profira decisões fundadas nos princípios constitucionalmente e infraconstitucionalmente previstos, assegurando aos administrados instrumentos capazes de repelir arbitrariedades do Poder Público, sob a égide do controle pelo Poder Judiciário de atos fulminados de ilegalidades.

A Lei n.º 9784/99 aqui desempenha papel importante.

No art. 50, inciso VII e § 2º da lei federal, [81] é possibilitada a uniformização das decisões em casos da mesma natureza que geralmente poderá implicar em desconhecimento prévio dos interessados quanto ao entendimento da Administração.

Estes preceitos legais advieram em razão do grande número de leis, portarias e medidas provisórias editadas diariamente, pois sem esta prerrogativa trazida na nova lei federal a pessoa privada travaria luta unilateral. A Administração a surpreenderia com decisão fundada em dispositivo legal ou regulamentar eventualmente desconhecido. [82]

Frisamos que tal entendimento não implica em "favorecimento", já que a Administração Pública estará apenas dando ensejo à concretização do contraditório e, por conseqüência, da ampla defesa e do devido processo legal. Não se acolheria as pretensões e fundamentos dos administrados almejando-se obstar ao final do processo administrativo uma decisão justa e adequada aos fatos e argüições relatados durante seu trâmite.

O contraditório conduz a uma concepção democrática de processo. O fundamento deste princípio no âmbito do processo administrativo é a declaração do Direito nas decisões processuais de todos aqueles que o integram, e não apenas à Administração. [83]

Conforme previsto na Constituição Federal, impõe-se ao administrador o dever de fazer com que se efetive o princípio do contraditório tutelando o interesse público e do cidadão. [84]

O art. 3º, inciso III [85] da Lei n.º 9784/99 veio garantir a idéia de que deve ocorrer o devido respeito à concretização de um efetivo contraditório nas relações processuais. [86]

3.3 O Princípio da Ampla Defesa:

Originariamente, a ampla defesa tinha concepção ratione materiae restrita, era própria de Direito Processual Penal. Tal limitação advinha de interpretação literal dos textos constitucionais, que a inseriam como garantia apta a assegurar a defesa "aos acusados" e envolviam a "nota de culpa" (Cartas de 1824, 1891 e 1946) e/ou a própria prisão (Cartas de 1824, 1891, 1937 e 1946). [87]

Apenas com a Magna Carta de 1934 definiu-se o princípio sem qualquer vínculo explícito com aspectos criminais.

Hoje, com a vigência da Constituição Federal de 1988, estas divergências inocorrem. Há certeza da larga abrangência da garantia nos termos do inciso LV, do art. 5º, sem qualquer tipo de limitação, pois abarca tanto os processos que tramitam perante o Poder Judiciário na sua função jurisdicional, quanto ao processo administrativo, como explicitamente prevê nossa Carta Magna.

É direito subjetivo público outorgado aos cidadãos e à própria Administração Pública quando pólo de determinada relação processual administrativa.

Quanto ao processo administrativo, cabe aduzirmos que o princípio ora em lume dirige-se também ao prestígio do interesse público primário [88] a ele vinculado: garantia do primor na obediência ao iter previsto em lei e da excelente prática do ato administrativo final, e daí o motivo pelo qual a Administração é beneficiária da perfeição na obediência ao princípio. [89]

Para a Prof.ª Odete Medauar, há desdobramentos vinculados ao princípio da ampla defesa, em especial no processo administrativo, como ocorre em relação ao contraditório como evidenciamos no tópico anterior.

Nesse momento, cabe citá-los, não obstante, explicitando-os primeiramente na visão da autora, depois, complementado-os tecendo apreciações e esclarecimentos acerca de cada desdobramento que compõem, juntos, nossa visão do alcance deste princípio. [90] São eles: [91]

a) O caráter prévio da defesa: é a anterioridade da defesa em relação ao ato decisório. [92]

Alertamos à prerrogativa de que deve estar estabelecido de modo prévio o procedimento a ser seguido (quando previsto especificadamente por lei específica, ou seguindo, pelo menos, os ditames da Lei n.º 9784/99 nos processos administrativos federais sob sua abrangência) e as sanções que poderão ser aplicadas.

b) O direito de interpor recurso administrativo: independe de previsão explícita em lei, na posição da doutrinadora, tendo em vista o art. 5º, XXXIV, alínea "a" (direito de petição), da Constituição vigente, além do respaldo da garantia da ampla defesa.

No concernente à expressão "recursos" - colocada no art. 5º, inciso LV da Lei Maior - entendemos que possui significado de garantia de reexame de decisão proferida em processo administrativo e judicial. [93]

c) A defesa técnica: seria aquela realizada pelo representante legal do interessado, o advogado; é necessária, pois gera equilíbrio entre os sujeitos; o conhecimento do procurador contribui para uma decisão justa e legal, e sua presença evita que o representado não se deixe levar por emoções prejudicando sua defesa.

A defesa técnica da parte, no processo administrativo, é aquela feita por advogado ou por bacharel em Direito.

Tal idéia, todavia, não deve ser refratária ao preceito de que a defesa exercida pelo advogado deverá ser eficaz, eficiente e produtiva no caso empírico.

Isso ocorrerá somente se o profissional do Direito escolhido pela parte para representá-lo seja preparado, habilitado para tanto, porquanto de nada adiantaria ser representado por advogado que não defende, efetivamente, seu cliente.

Apesar de geralmente [94] ser ônus da parte a eleição de determinado advogado para apresentar sua defesa, cabe ao órgão que emitirá a decisão observar se o profissional está realizando realmente a ampla defesa do cidadão, principalmente nos casos de revelia, [95] sendo-lhe obstado o devido processo legal em razão da incapacidade de seu defensor.

De nada adianta ser representado por advogado incompetente, incapaz ou inabilitado a realizar realmente eficaz defesa.

Somente pode ser considerado meio de defesa aquilo que efetivamente puder contribuir para tanto. [96]

Inclusive, a Lei n.º 9784/99, em seu art. 3º [97] enumerou determinados direitos dos administrados (prerrogativas implícitas no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal), dentre elas, a assistência por advogado.

O importante é jamais obstar o direito à defesa técnica.

d) O direito à informação geral decorrente do contraditório é o direito de: ser notificado do início do processo (contendo no texto da notificação a indicação dos fatos e bases); tomar ciência, com antecedência, das medidas ou atos atinentes à produção de provas; ter acesso aos elementos de expediente (vista, cópia, certidão etc).

Se tal direito não ocorrer, será obstacularizado a tutela de princípios previstos na Constituição e corroborados na Lei n.º 9784/99.

É totalmente incabível que a Administração aplique qualquer tipo de sanção fora do âmbito do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e dos demais princípios presentes nesta lógica de direitos.

Os acusados deverão ser informados de todos os acontecimentos que possam afetar seus interesses ou direitos, obtendo consciência dos fatos e fundamentos pelo qual está sendo acusado.

e) O direito de solicitar a produção de provas, vê-las realizadas e consideradas: não significa aqui seu exercício abusivo (ex.: ouvida de cem testemunhas, realização de provas tumultuárias, etc.), aplicando-se ao processo administrativo o art. 5º, inciso LVI da Constituição (vedação às provas obtidas por meio ilícitos).

Meras falhas formais e irrelevantes, ou requerimento de produção de prova meramente protelatória, não acarretarão qualquer tipo de vício a macular o ato.

3.4 O Princípio da Motivação:

3.4.1 Noção:

Inicialmente nos ateremos à idéia de que num processo administrativo em concreto é imperativo visualizar sistematicamente o princípio da motivação para ocorrer uma relação processual fundamentada também em outros princípios inerentes ao preceituado pela Carta Magna vigente exarados de maneira mais concreta na Lei n.º 9784/99.

Diante disso, o interessado deverá possuir conhecimento pleno das razões de fato e de direito do ato administrativo que atinge sua esfera subjetiva para realizar defesa completa e satisfatória, para refutar ou concordar (no todo ou em parte) com o administrador público.

O princípio da motivação, assim, é dado como essencial e obrigatório aos processos administrativos, exarando-se os fundamentos normativo e fático da decisão, enunciando-se, quando necessário, as razões técnicas, lógicas e jurídicas sustentadoras do ato administrativo conclusivo, para avaliarmos sua procedência jurídica e racional na relação empírica desencadeadora do processo administrativo e o conseqüente ato decisório. [98]

Celso Antônio Bandeira de Mello in Curso de Direito Administrativo, traz argumentos de enorme valia acerca do princípio ora em estudo:

Princípio da motivação, isto é, o da obrigatoriedade de que sejam explicitados tanto o fundamento normativo quanto o fundamento fático da decisão, enunciando-se, sempre que necessário, as razões técnicas, lógicas e jurídicas que servem de calço ao ato conclusivo, de molde a poder-se avaliar sua procedência jurídica e racional perante o caso concreto. Ainda aqui se protegem os interesses do administrado, seja por convencê-lo do acerto da providência tomada – o que é o mais rudimentar dever de uma Administração democrática -, seja por deixar estampadas as razões do decidido, ensejando sua revisão judicial, se inconvincentes, desarrazoadas ou injurídicas. Aliás, confrontada com a obrigação de motivar corretamente, a Administração terá de coibir-se em adotar providências (que de outra sorte poderia tomar) incapazes de serem devidamente justificadas, justamente por não coincidirem com o interesse público que está obrigada a buscar. (BANDEIRA DE MELLO, 2000, p. 433)

3.4.2 Forma e Momento:

Quanto à forma e ao momento de motivação do ato, revela a Prof.ª Maria Sylvia Zanella Di Pietro [99] que, em regra, não são exigidas formas específicas, podendo ou não ser concomitante com o ato, além de se realizar a motivação em determinados casos por órgão diverso daquele proferidor da decisão.

Freqüentemente a motivação consta de pareceres, informações, laudos, relatórios, avaliações feitos por órgãos, sendo apenas indicados como fundamento da decisão. Nesse caso, eles constituem a motivação do ato, dele sendo parte integrante. [100]

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, ausência de motivação faz o ato inválido sempre que sua enunciação, prévia ou contemporânea à emissão do ato, seja requisito indispensável para proceder-se a tal averiguação. [101]

Em várias hipóteses seria inócuo se a Administração aduzisse motivação depois de produzido ou impugnado o ato, pois não se poderia ter ampla certeza de que as razões tardiamente alegadas existiam efetivamente ou haviam sido tomadas em conta quando de sua emanação. [102]

O momento em que ocorre a motivação, está intimamente atrelada ao momento da defesa do administrado diante do devido processo quanto ao ato administrativo exarado.

Desse modo, a ampla defesa pressupõe a motivação, sendo profícuo à manutenção de atitudes refratárias à arbitrariedade do agente administrativo, pois é através dela que poderemos verificar se o administrador público agiu conforme os princípios da legalidade estrita, da finalidade e da razoabilidade, sobretudo quando dispõe de certa discricionariedade administrativa.

3.4.3 Fundamentos Constitucional e Legal:

É importante ainda salientar os fundamentos constitucionais e os presentes na Lei n.º 9784/99 do princípio da motivação. [103]

O fundamento constitucional da obrigação de motivar está expresso de modo implícito tanto no art. 1º, inciso II, que indica a cidadania como um dos fundamentos da República, quanto no parágrafo único deste preceptivo, segundo o qual todo poder emana do povo, além do regramento previsto no art. 5º, inciso XXXV, assegurador do direito à apreciação judicial nos casos de ameaça ou lesão de direito. [104]

Explicamos a correlação de tais fundamentos ao princípio ora em lume porquanto é reclamada a motivação quer como afirmação do direito político dos cidadãos ao esclarecimento do fundamento das ações realizadas por aqueles que geram negócios a eles atinentes por serem titulares últimos do poder, quer como direito individual de não serem obrigados a submeterem-se às decisões arbitrárias, pois desmotivadas, devendo somente se conformar àquelas ajustadas às leis.

Na Lei n.º 9784/99, o princípio da motivação está disposto no art. 2º, caput. [105] Há também no art. 2º, parágrafo único, inciso VII [106], a exigência de indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão. Ademais, o art. 50 [107] estabelece a obrigatoriedade de motivação, com indicação dos fatos e fundamentos jurídicos.

Ao analisarmos o art. 50 da Lei n.º 9784/99, verificamos, em regra, hipóteses de motivação obrigatória relativas a atos que de certa forma afetam direitos ou interesses individuais, demonstrando-se a preocupação maior com os destinatários dos atos administrativos, e não com o interesse da própria Administração.

No entanto, consideramos a enumeração contida no dispositivo como o mínimo a ser necessariamente observado. Não podemos excluir a necessidade da motivação em outras hipóteses em que é fundamental para fins de controle de legalidade dos atos administrativos.

Embora correto o arrolamento do art. 50 da Lei n.º 9784/99, traz consigo restrição intolerável. A Administração Pública pode praticar certos favoritismos ou liberalidades com recursos públicos e, por tal motivo, a motivação deve ocorrer em determinados atos ampliativos de direito [108] não inseridos no referido dispositivo.

Diante disso, só não entendemos como inconstitucional [109] a restrição contida no art. 50 da Lei n.º 9784/99, afrontando-se o princípio do Estado Democrático de Direito, pois seu rol é meramente exemplificativo. [110]

3.4.4 O Problema da Ausência ou Inexatidão da Motivação nos Atos Administrativos:

Em que pese a presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e auto-executoriedade dos atos administrativos como condição de sobrevivência da Administração no cumprimento do interesse público que é dever seu guardar, [111] tais atos devem ser motivados para o administrado poder se defender diante do devido processo.

Havendo ausência ou inexatidão de motivação, haverá ilegalidade.

Os interessados teriam aqui como sustentação para sua defesa os princípios da moralidade administrativa, da razoabilidade, da legalidade e do devido processo legal. Ausentes tais garantias não teríamos um real controle da vontade da Administração (ato administrativo realizado pelo agente público). Ficaríamos sujeitos à ocorrência de atos possivelmente arbitrários.

Duas são as principais utilidades da motivação: o convencimento do próprio agente que assume a decisão e dos destinatários da mesma. [112]

Diante disso, a motivação deverá ser concisa, congruente e clara, isto é, uma decisão interligada entre as argüições e fatos trazidos pelas partes de maneira que não restem dúvidas aos destinatários do ato, em razão da finalidade legal a ser atingida por ele.

Por fim, quanto ao controle pelo Poder Judiciário dos atos administrativos, o princípio ora em lume revela ser primordial, pois o magistrado somente terá condições de fazê-lo se tiver acesso aos motivos de fato e de direito do ato.

Assim, o ato sem a devida motivação ofende a diversos princípios e garantias dados à defesa da parte interessada, constituindo-se ilegalidade.

Tal ato poderá ser atacado por Mandado de Segurança, porquanto fere direito líquido e certo do impetrante. Este não poderá se socorrer da tutela jurisdicional ou se defender na esfera administrativa de modo concreto e eficaz, porquanto não irá conhecer os motivos de fato e de direito que ensejaram e justificam o ato administrativo de seu interesse. [113]

Diga-se ainda que os atos administrativos não têm força de coisa julgada, instituto exclusivo do Judiciário. Portanto, se o ato administrativo afronta dispositivo legal o ato poderá ser dado como ilegal pelo Judiciário a qualquer momento. [114]

Ficaria obstado ao administrado exercer seu direito de ação perante o Poder Judiciário sendo desmotivada a decisão no âmbito administrativo. E aqui está a importância da motivação diante do devido processo, pois sem ela se obstacularia direito de ação previsto pela Constituição.

Explicando melhor: partindo-se do pressuposto de que é vedado ao Poder Judiciário o ataque do mérito [115] do ato administrativo, [116] com a exceção de abuso ou desvio de poder pelo agente emanador do ato (ou ainda quando a Administração utiliza-se de motivos inverídicos para praticá-lo), se o ato não for devidamente fundamentado em suas razões tanto de fato como de direito, o Judiciário ficará "inerte" (em termos).

Diga-se isto, pois no máximo o magistrado poderá declarar o ato nulo e determinar que a Administração Pública profira outra decisão (ato administrativo) tendo em vista a afronta ao Princípio da Legalidade, [117] mas agora de forma motivada para o administrado prejudicado em seu direito ou interesse exercer o contraditório e a ampla defesa, reforçando a presença imperiosa do devido processo legal.

Daí advém a pertinência da motivação como fundamento constitucional e persistido na Lei n.º 9784/99. [118]

Celso Antônio Bandeira de Mello in Curso de Direito Administrativo fornece sustentáculo à tese acima defendida quando argumenta que:

(...) os atos administrativos praticados sem a tempestiva e suficiente motivação são ilegítimos e invalidáveis pelo Poder Judiciário todas vez que sua fundamentação tardia, apresentada apenas depois de impugnados em juízo, não possa oferecer segurança e certeza de que os motivos aduzidos efetivamente existiam ou foram aqueles que embasaram a providência contestada. (BANDEIRA DE MELLO, 2000, p. 84)

3.4.5 A Dificuldade nos Casos de "Discricionariedade Administrativa":

a. Posicionamento do Prof.º Celso Antônio Bandeira de Mello: [119]

Em algumas hipóteses de atos vinculados (aduzindo o autor que tais atos são aqueles nos quais existe praticamente aplicação imediata da lei, sendo ausente quaisquer juízos subjetivos por parte do administrador emitente do ato) a simples menção do fato e da regra de Direito aplicável pode ser suficiente, pois implícita a motivação.

Todavia, nos atos administrativos "discricionários" [120] ou em que a prática do ato, mesmo vinculado, dependa de certa apreciação dos fatos e das regras jurídicas em causa, será imprescindível motivação detalhada, de maneira prévia ou concomitante.

Dá-se como exemplo a tomada de decisões em procedimentos nos quais exista uma situação contenciosa, como no chamado processo administrativo disciplinar, ou em determinados processos em que vários interessados concorrem a um mesmo objeto, como nas licitações.

Ramón Real, citado por Celso Antônio Bandeira de Mello, aduz ser o dever de motivar exigência de uma administração democrática, a qual deve existir em um Estado Democrático de Direito. Os cidadãos devem pretender saber as razões (de fato e de direito) pelas quais são tomadas as decisões expedidas por aqueles que devem servi-los. [121]

b . Entendimento da Prof.ª Maria Sylvia Zanella Di Pietro: [122]

A briosa administrativista argumenta que não há mais discussão se a obrigatoriedade da motivação alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias.

A obrigatoriedade de motivação dos atos administrativos, em regra, é necessária, tanto para os atos vinculados, quanto aos "discricionários", já que essencial para o controle de legalidade dos atos administrativos (pelos interessados e pela própria Administração Pública).

c. Concepção que defendemos:

Resumindo, pode-se dizer que, em regra, [123] o ato "discricionário", se não motivado, será nulo.

Já quanto ao ato vinculado, devemos ter em mente fatos que adiante argumentaremos.

Aduzindo acerca do conceito de ato vinculado trazido por Celso Antônio Bandeira de Mello, como acima preconizado, tais atos seriam aqueles em que existe quase uma aplicação instantânea da lei, sendo ausente quaisquer juízos subjetivos por parte do administrador emitente do ato.

Então, quando o eminente administrativista argumenta existirem atos administrativos, mesmo os vinculados, cuja prática depende de apreciação dos fatos e das regras jurídicas em causa, entendemos que a subsunção do fato à norma deve ser motivada exaurientemente.

Assim sendo, nos atos administrativos vinculados [124] (em que, realmente, terá o agente administrativo a possibilidade de tomar uma única conduta frente a norma aplicável), não basta, sempre, a simples menção do fato e da norma aplicável para a sua motivação.

Além disso, os atos vinculados são, do mesmo modo que os discricionários, passíveis do controle pelo Poder Judiciário em razão do exercício do direito de ação trazido pela Constituição Federal em seu art. 5º, inciso XXXV. Tal direito ficaria impedido se não fosse motivado o ato (nos moldes anteriormente colocados), obstando-se conseqüentemente o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.


Capítulo IV – O DEVIDO PROCESSO LEGAL EM FACE DAS LEIS N.ºs 9784/99, 9605/98 E 6830/80:

4.1 Da Aplicabilidade da Lei n.º 9784/99 e a Lei n.º 9605/98:

Neste capítulo tentaremos demonstrar a importância de todo o exposto e defendido nesta Monografia quanto ao devido processo legal em face da Lei n.º 9784/99.

Inicialmente, é salutar fazermos considerações essenciais à correta aplicação da lei de processo administrativo federal.

A Lei n.º 9784/99 respeitou normas que disciplinam os processos administrativos específicos, perante os quais a lei será aplicada apenas subsidiariamente.

No que concerne à subsidiariedade colocada no art. 69 [125] da Lei n.º 9784/99, verificamos que havendo disposição específica (em processos administrativos específicos) vale esta, em razão do princípio da especialidade, ou seja, a lei em comento deve ser aplicada subsidiariamente quando norma específica não dispuser em contrário.

Tal aplicação (art. 69 da lei federal) vem reproduzir o exarado no art. 2º, § 2º da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC). [126]

Colacionadas as explicações feitas pelo Prof.º Caio Tácito acerca da Lei n.º 9784/99, trazidas por Luiz Augusto Paranhos Sampaio, in Processo Administrativo, [127] acreditamos que o posicionamento adotado objetivando a aplicabilidade da lei federal apresenta-se correto. [128]

Todavia, diante de certa complexidade da aplicabilidade ora em foco, passaremos a analisar o devido processo legal, no âmbito administrativo, em face da Lei n.º 9.605/98 (que dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente), verificando a aplicação, em caráter subsidiário, da Lei n.º 9784/99.

Para tanto, tem-se como supedâneo de estudo primeiramente o art. 70, § 4º da lei n.º 9605/98:

Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

(...)

§ 4º. As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei.

De modo resumido, cumpre aqui sustentar a aplicação do art. 5º, incisos LIV e LV da Lei Maior quando da apuração das infrações administrativas, conforme manda a lei no seu art. 70, parágrafo quarto, para manifestar-se e defender-se a parte interessada acerca do ato administrativo proferido.

Vamos agora à análise do art. 71 da Lei 9605/98:

Art. 71. O processo administrativo para apuração de infração ambiental deve observar os seguintes prazos máximos:

I- vinte dias para o infrator oferecer defesa ou impugnação contra o auto de infração, contados da data da ciência da autuação;

II- trinta dias para a autoridade competente julgar o auto de infração, contados da data da sua lavratura, apresentada ou não a defesa ou impugnação;

III- vinte dias para o infrator recorrer [129] da decisão condenatória à instância superior do Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, ou à Diretoria de Portos e Costas, do Ministério da Marinha, de acordo com o tipo de autuação;

IV. cinco dias para o pagamento da multa, contados da data do recebimento da notificação. (grifos nossos)

Este artigo revela o rito a ser seguido a fim de que seja imposta sanção administrativa de maneira a não violar a Constituição Federal nos moldes referidos no art. 70 da Lei n.º 9605/98.

Para superar-se o requisito legal elencado no art. 71, inciso I, o prazo [130] inicial para oferecer defesa ou impugnação contará da data da ciência (do interessado) da autuação.

Mas a Lei n.º 9605/98 silenciou [131] no concernente ao procedimento que deve o administrador seguir para implementar o comando legal.

Portanto, deverá o agente administrativo ater-se aos termos (requisitos) elencados nos artigos 26, 27 e 28 da Lei n.º 9784/99 [132] quanto à comunicação dos atos, conforme já abordamos no estudo do princípio da ampla defesa quanto ao direito à informação geral.

Os requisitos elencados no § 1º, do art. 26, da Lei n.º 9784/99, são o mínimo necessário para não se obstar o direito de defesa do cidadão, comunicando-o de tudo aquilo quanto for necessário para tanto.

O administrador público deve correlacionar o maior número possível de informações à defesa de modo claro e preciso.

Em face dos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e da motivação, a defesa do autuado deverá estar em consonância com os artigos 2º, parágrafo único, inciso X e 38 da Lei n.º 9784/99. [133]

Observando-se tais desideratos, poderá ser realizado um processo administrativo dotado de maior segurança jurídica aos cidadãos. Evitam-se arbitrariedades dos agentes públicos, resguardando-se os preceitos constitucionais estampados no art. 5º, incisos LIV e LV da Lei Maior a fim de uma correta aplicação da lei ao caso concreto.

Diminuindo-se a quantidade de atos ilegais, menores são as possibilidades de ações judiciais, desafogando-se o Poder Judiciário e reduzindo-se a lesão financeira dos cofres públicos com o pagamento de eventuais ônus processuais a título de sucumbência.

Diante disso, tanto a Administração, quanto a parte interessada, poderão desfrutar das vantagens de um devido processo administrativo.

4.2 O Devido Processo Administrativo na Lei n.º 6830/80:

Para instruir o presente apontamento, utilizamos como base de conhecimento as lições do Juiz Federal Zuudi Sakakihara in Execução Fiscal – Doutrina e Jurisprudência [134] e entendimento jurisprudencial adiante reproduzido.

O autor comenta o artigo 41, caput da Lei n.º 6830/80 no concernente ao processo administrativo correspondente à inscrição de Dívida Ativa, à execução fiscal ou à ação proposta contra a Fazenda Pública.

Analisaremos primeiramente a imperiosa presença do devido processo legal no âmbito do processo administrativo instaurado, observando-se o art. 41, caput da referida lei.

O artigo está assim disposto: "Art. 41. O processo administrativo correspondente à inscrição de Dívida Ativa, à execução fiscal ou à ação proposta contra a Fazenda Pública será mantido na repartição competente, dele se extraindo as cópias autenticadas ou certidões, que forem requeridas pelas partes ou requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público." (grifos nossos)

Ao contrário dos demais títulos executivos extrajudiciais presentes no art. 585 do Código de Processo Civil, a certidão da dívida ativa é decorrente de crédito constituído unilateralmente pela Fazenda Pública, o que é feito, reiteradas vezes, contra a vontade do devedor.

Por esta razão, é de extrema importância o processo administrativo em que se funda a dívida ativa, porquanto neste momento o devedor terá como impugnar a constituição do crédito da Fazenda Pública, corroborado pelo devido processo administrativo (artigo 5º, incisos LIV e LV da Constituição), sob pena de nulidade do crédito tributário da Fazenda Pública inscrito em dívida ativa.

Ademais, o caput do artigo 41, supra aduzido, dita como imperioso o fornecimento de cópias ou certidões referentes ao processo administrativo, reforçando-se o contido no art. 5º, XXXIV da Constituição Federal, e ainda no art. 3º, II da Lei n.º 9784/99.

Vale, pois, colacionar o seguinte julgado:

PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA APLICADA PELO IBAMA. VÍCIOS CONTIDOS NO AUTO DE INFRAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PROCESSO ADMINISTRATIVO COM AS FORMALIDADES LEGAIS.

1. Se é certo que a certidão de dívida ativa goza de presunção de certeza e liquidez, não prescinde ele de regular processo administrativo em que tenham sido observados os princípios constitucionais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

2. Havendo irregularidades no auto de infração e no processo administrativo instaurado, nula a certidão de dívida ativa dele decorrente.

3. Apelação e remessa improvidas.

A defesa, garantia constitucional de todo acusado, em processo judicial ou administrativo, compreende a ciência da acusação, a vista dos autos na repartição, a oportunidade para oferecimento de contestação e provas, a inquirição de testemunhas e o devido processo legal. Processo administrativo sem oportunidade de ampla defesa, ou com defesa cerceada, é nulo.

Não se pode, pois, chamar de processo administrativo, um simples auto de infração, viciado em seu preenchimento (...) acompanhado de um aviso de que o autuado não pode mais se defender na esfera administrativa.

O auto de infração instaura a instância e mesmo que o contribuinte concorde ou não defenda, deve obrigatoriamente haver julgamento. Se o contribuinte não se defende, deverá assim mesmo haver julgamento, embora à sua revelia, podendo a decisão ser favorável ao contribuinte ou reconhecida a nulidade, de ofício.

A dívida regularmente inscrita goza de presunção de certeza e liquidez, presunção que não é absoluta e, quando a Administração erra de fato ou de direito ou infringe a legalidade, ao invés de guardiã desta, estará deixando de cumprir sua função.

O embargante alega que não recebeu notificação alguma, portanto, contra o mesmo não se instaurou processo administrativo, enquanto o embargado limita-se a dizer: "mesmo que o Auto de Infração tenha sido recebido por um subordinado ou conhecido, do autuado, o ilícito foi efetuado no interesse deste", porque, "o agente autuante não é vidente para adivinhar seus dados."

O devido processo legal repugna tal simploriedade.

Como bem disse o parquet, "mesmo diante da ausência de prova da formalização do crédito tributário, requereu o embargado, o julgamento antecipado da lide, perdendo a oportunidade de provar a regularidade desse crédito".

Sem a comprovação da existência de um crédito regularmente constituído, a certidão de dívida ativa, que embasou a execução embargada, está despida dos requisitos de certeza e liquidez, despida de força executiva.

(AC n.º 94.01.16132-1/MG, TRF 1ª Região, 3ª Turma, DJ de 29/11/1996, p. 91774, Relator Juiz Osmar Tognolo). (grifamos)

Assim, verificamos a importância do devido processo administrativo a fim de se evitar a supressão do direito de defesa do interessado e, por outro lado, para que não se prejudique a Administração Pública, pois a nulidade do processo administrativo acarretará a nulidade da inscrição da dívida, contaminando a certidão da dívida e a conseqüente execução fiscal de vício insanável.

Mais uma vez, portanto, é de se aplicar, ainda que subsidiariamente, a Lei n.º 9784/99, com mandamentos fundamentais a obter-se o mínimo necessário para a realização do devido processo legal nos processos administrativos federais.


Conclusões:

A importância do processo administrativo é notadamente lograr meios mais efetivos de controle por parte dos administrados de atos expedidos pela Administração Pública, já que lhes oferece mecanismos legais para exigir decisões calcadas nos princípios constitucionalmente previstos à Administração e naqueles próprios do regime administrativo.

É tentativa de obstar a edição de atos administrativos eivados de ilegalidade em prol da tutela dos direitos e interesses individuais, coletivos e difusos dos cidadãos.

Desse modo, o processo administrativo é meio apto a controlar o modus operandi formador da decisão da Administração, tornando mais segura e isonômica a relação processual a fim de obter-se decisão que seja, efetivamente, legítima, isto é, com a correta aplicação da lei e dos princípios constitucionais aos fatos argüidos e provados na relação processual.

O due process of law era espécie de garantia dos nobres contra os abusos da coroa inglesa. Nessa época, possuía acepção meramente formal, isto é, era cumprida a cláusula quando cumprido o due procedural of law – o procedimento.

Atualmente, porém, o devido processo legal é destinado à coletividade como meio de defesa dos cidadãos e em sentido dúplice: processual e material. Assegura-se a submissão a prévios e conhecidos ritos processuais e a observação a limitações substanciais.

Genericamente, podemos afirmar que quando restringida a liberdade ou bens do administrado, deve ser observado o devido processo.

A expressão "processo" presta-se à acepção de que, em regra, o administrado não pode ser restringido em sua liberdade ou bens sem direito a um prévio devido processo. Dizemos "em regra", pois haverá casos de imposição de medida de polícia de caráter urgente em que seu deferimento será a posteriori, como a seguir fundamentaremos.

Porém, se o administrado ficar inerte, não utilizar seu direito ao devido processo, ou, ainda, quando sua impugnação não for suficientemente eficaz a refletir os fatos que lhe são atribuídos, o ato administrativo de imputação do ilícito poderá converter-se em ato de imposição da sanção cabível, em razão das presunções de legitimidade do ato e veracidade de tais fatos.

O termo "devido" tem o significado de dever do Estado assegurar ao cidadão que seus direitos e interesses sejam respeitados quando houver determinado processo administrativo, no qual se apresente conflito de interesses.

O real alcance do adjetivo "legal", decorrente do art. 5º, inciso II da Constituição Federal e insistido na Lei n.º 9784/99 em seu art. 2º, parágrafo único, inciso I, é vincular a atividade processual administrativa à atuação conforme a lei e o Direito. Não há legítima supressão da liberdade ou bens pelo simples fato de estar previsto em lei

Aduzimos ainda que mero ato da Administração não é meio apto à restrição de direitos do administrado. Tais atos somente serão legítimos quando estiverem dando fiel execução à lei.

Por último, vale frisar que o art. 5º, inciso LIV da Carta Magna tem eficácia plena e incondicionada. Sendo assim, se o cidadão for restringido em sua liberdade ou bens, será suficiente o particular externar requerimento fundamentado que a Administração deverá mandar instaurar o processo adequado, independentemente da pré-existência legal deste, podendo, então, quando possível, ser aplicadas extensiva e analogicamente leis processuais em vigor.

No concernente ao alcance do devido processo legal, devem ser analisados os termos liberdade e bens de modo amplo, para assegurar o maior número possível de direitos a eles vinculados.

Quanto aos limites de atuação do devido processo legal, concluímos que no momento da imposição da anunciada e correspondente sanção administrativa não seria possível dar-se deferimento do devido processo após sua consumação. Já para as medidas de polícia de caráter urgente, em certos casos, seria possível seu deferimento posteriormente à sua imposição.

Por tal razão, a motivação (como requisito do administrado poder angariar meios de apresentar defesa diante de uma pretensão resistida) poderá ocorrer posteriormente à execução da medida de polícia, pois estaríamos diante de caso de dispensa de prévio contraditório e ampla defesa. Diante do devido processo, com lide e litigantes, é imprescindível a motivação detalhada.

Evidenciamos que tanto para a medida de polícia, quanto para a aplicação da sanção, deveremos observar o devido processo legal, mas para as medidas de polícia urgentes, ligadas ou não a um ilícito, em razão de sua cautelaridade, podem dispensar prévio contraditório e ampla defesa para sua aplicação.

Se constatada a ilegitimidade da coação, caberá ação de indenização contra a Administração, com fulcro no art. 37, § 6º da Constituição Federal.

Há total autonomia entre os princípios do contraditório, da ampla defesa e da motivação, mas seus fins de existência somente serão relevantes se considerados como interligados entre si a fim de ensejar o fiel cumprimento a um devido processo administrativo. Há integração total, assim, entre os incisos LIV e LV da Lei Maior.

Registramos que a própria Lei n.º 9784/99 regula em seu art. 2º a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, regulando-se infraconstitucionalmente o cumprimento do art. 5º, inciso LV da Constituição Federal de modo direto e indiretamente o art. 5º inciso, LIV, porquanto se violados o contraditório e a ampla defesa, restará liquidado o devido processo.

O direito de defesa exige a bilateralidade do processo, isto é, em regra, quando determinado fato ou direito é alegado por um pólo da relação processual, o outro também deve ser ouvido e lhe oportunizado direito de resposta às argüições perscrutadas.

O contraditório é a exteriorização do princípio da ampla defesa, não obstante sejam eles inconfundíveis, pois aquele se efetiva em momento anterior ao exercício deste. Somente após a ciência do litigante acerca das razões de fato e de direito imputadas-lhe, poderá exercer a ampla defesa.

Entende-se o princípio do contraditório como a vontade da parte litigante expressar o próprio ponto de vista ou argumentos em face das alegações de fato e de direito apresentadas durante a relação processual. É elemento caracterizador da processualidade, ensejando ciência à parte de todos os aspectos qualitativos e quantitativos a serem sopesados pelo órgão com aptidão decisória.

Suas finalidades são: equilibrar as forças presentes na relação processual para não gerar ilegalidades e assegurar ao cidadão a chance de influenciar na atividade da Administração, devendo esta auxiliar isonomicamente as partes do processo, democratizando-o.

Se o contraditório está firmado como princípio previsto na Constituição Federal, devemos ter em mente que haverá um juízo de valor pelo órgão decisório frente às alegações provadas no processo, integrando-se também ao devido processo o princípio da motivação. O contraditório e a ampla defesa necessitam, para se concretizar, da motivação dos atos administrativos – quando a Administração decide no processo.

Assim, deve ser exigida a participação ativa da Administração quando esta age como parte no processo administrativo, atuando o órgão apto a decidir de modo imparcial.

O princípio da ampla defesa é prerrogativa constitucional prevista aos cidadãos e à própria Administração quando parte de determinada relação processual que incida sobre liberdade ou bens dos interessados, garantindo-se à coletividade a obediência ao iter legalmente previsto à prática do ato administrativo final no processo.

Destacamos o caráter prévio da defesa - como um dos desdobramentos da ampla defesa - em dois sentidos. Primeiro, trata-se do direito de efetivar-se a defesa anteriormente ao ato decisório. Segundo, deve estar estabelecido de modo prévio o procedimento a ser seguido (se previsto em lei específica, ou, seguindo os ditames da Lei n.º 9784/99, quando cabível em função de sua aplicabilidade subsidiária prevista no art. 69) e as sanções que poderão ser aplicadas.

O princípio da motivação é essencial e obrigatório diante de um devido processo administrativo, não exigindo, geralmente, formas específicas para sua repercussão.

Consiste na obrigatoriedade de que sejam explicitados os fundamentos fáticos e normativos da decisão. Avalia-se com a motivação se há procedência jurídica e racional na relação empírica (fática) que desencadeou o processo administrativo e o conseqüente ato decisório, frente àquilo que foi devidamente alegado e provado na relação processual. Assim, o cidadão poderá refutar ou concordar com as alegações e argumentos do administrador público repercutidos no ato decisório.

Se não há motivação do ato, ou esta for inexata, o administrado não pode se defender no processo administrativo, há aqui ilegalidade. Fulminar-se-iam os princípios da moralidade, da legalidade, da razoabilidade e do devido processo legal. Por tal motivo, se houver ausência de motivação prévia ou contemporânea à emissão do ato, este poderá ser invalidado – ressalvados os casos de medida de polícia de caráter urgente.

O art. 50 da Lei n.º 9784/99 arrola hipóteses de motivação obrigatória, mas não repercute o dever da motivação a determinados atos ampliativos de direito que necessitam de motivação detalhada. Não obstante, como o rol deste artigo é meramente exemplificativo, entendemos que não há inconstitucionalidade.

A finalidade do princípio ora em lume é ensejar o direito de defesa do cidadão diante do devido processo administrativo ou judicial, se desejá-lo. Desse modo, controlam-se os atos da Administração perante possível demanda judicial, salientando-se que ato administrativo não possui força de coisa julgada.

Ausente a motivação, até mesmo o direito de ação seria prejudicado. Partindo-se do pressuposto de que é vedado ao Poder Judiciário o ataque do mérito do ato administrativo, com a exceção de ocorrer abuso ou desvio de poder pelo agente que edita do ato, se este não for devidamente fundamentado em suas razões tanto de fato como de direito, a tutela jurisdicional ficará inerte (em termos).

Dizemos "em termos", porquanto o magistrado poderá, se possível, declarar o ato nulo e determinar que a Administração Pública profira outra decisão em razão da afronta ao princípio da legalidade, mas agora de forma motivada para o administrado prejudicado em seu direito ou interesse exerça o contraditório e a ampla defesa, reforçando-se o direito ao devido processo legal.

Dentro do aspecto concernente ao princípio da motivação, avaliamos seus limites de atuação nos atos vinculados e "discricionários" (atos em que a Administração manifesta competência discricionária) e, sobretudo, quanto aos atos restritivos e ampliativos de direito.

Somente dessa maneira aqueles que pugnam pela eficiência e produção do processo administrativo poderão angariar mecanismos de defesa reais para tanto.

Quanto aos atos "discricionários", se não motivados, regra geral, serão nulos. Haverá casos em que não precisarão ser motivados para serem tidos como válidos e legais, como nos atos ampliativos de direito que beneficiem apenas um administrado, sendo obrigatórios se diante de presumido ou concreto conflito de interesses.

Mesmo quanto aos atos vinculados, existirão hipóteses em que não bastará a simples menção do fato e da norma a ele aplicável para estar presente a motivação, porque dependerá de certa apreciação e cotejamento dos fatos e regras jurídicas em causa, ocorrendo daí a motivação exauriente.

Os atos vinculados e "discricionários" são passíveis de controle pelo Poder Judiciário. O direito de ação constitucionalmente previsto não pode ser obstado pela ausência de motivação quando esta é imperiosa, além, é claro, de sua importância no processo administrativo.

Quanto ao exame do devido processo em face das leis n.ºs 9784/99, 9605/98 e 6830/80, os desideratos ali considerados auxiliam para constatar-se que a Administração Pública deve nortear seus atos em princípios consagradores da aplicabilidade do devido processo administrativo para o resguardo da ordem jurídica vigente, da segurança jurídica dos interessados integrantes de determinada relação jurídica processual e da própria coletividade em face do interesse público primário.

Daí a importância da Lei n.º 9784/99, já que veio corroborar, nos processos administrativos federais em que sua aplicabilidade subsidiária torna-se obrigatória, os princípios e procedimentos atinentes e imprescindíveis ao desencadeamento de um devido processo.

Todavia, ainda é fundamental que o Poder Judiciário redobre seus cuidados ao examinar processos administrativos para não se permitir continuidade às violações ao Estado Democrático de Direito, seja qual for o pretexto, reverenciando sempre, além dos princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade pela Administração-juiz, os preceitos do art. 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal de 1988.


Anexos

Anexo 01:

Apesar de inicialmente tenhamos concordado com a sentença ora em anexo, acabamos por nos convencer que em situações nas quais o ato administrativo é discricionário e ampliativo de direito, se não gera conflito de interesses, não haveria necessidade de motivação.

Por tal motivo, exposado no rodapé n.º 108, não podemos concordar com a sentença ora colacionada, pois, tratando-se de gratificação a um dado servidor público, considerado pelo agende que o avaliou, individualmente, não seria imprescindível a motivação. Não há qualquer ato restritivo de direito na situação em concreto. Não há, então, porquê se defender.

Vejamos o inteiro teor da sentença monocrática:

3ª VARA FEDERAL DE CURITIBA/PR.

Mandado de Segurança n.º 2000.70.00.031430-6.

Impetrante: NORBERTO ANTUNES SAMPAIO.

Impetrado: SUPERINTENDENTE REGIONAL DA RECEITA FEDERAL DA 9ª REGIÃO FISCAL EM CURITIBA/PR.

S E N T E N Ç A

1. RELATÓRIO:

NORBERTO ANTUNES SAMPAIO, já qualificado na exordial (fls. 03/23) ajuizou Mandado de Segurança contra do SUPERINTENDENTE REGIONAL DA RECEITA FEDERAL DA 9ª REGIÃO FISCAL EM CURITIBA/PR, pedindo que se reconheça a ilegalidade do ato administrativo consubstanciado na FADI (Ficha de Avaliação de Desempenho Individual) do Impetrante, declarando sua nulidade e fixando a GDAT (Gratificação de Desempenho da Atividade Tributária) no teto máximo de 30% (trinta por cento), referente à parcela individual no trimestre de abril, maio e junho de 2.000.

Suscita o Impetrante que a carreira de Auditor Fiscal do Tesouro Nacional reestruturou-se, substituindo a RAV (Retribuição Adicional Variável) pela GDAT (atribuída de acordo com o efetivo desempenho e das metas de arrecadação fixadas pela Administração). Alega que a Medida Provisória n.º 1.915/99 fixou, enquanto não fosse regulamentada a GDAT, em 30% o percentual máximo dessa gratificação. O valor do quantum aferido a tal título estaria condicionado à avaliação de desempenho aferida trimestralmente.

Argúi ainda em sua peça pórtico que submetido à sua primeira avaliação, correspondente ao segundo trimestre de 2.000, teria sido injustiçado e perseguido politicamente, tendo em vista atividade sindical a qual já esteve vinculado. Assim, obteve resultado que entendeu insatisfatório quanto à sua avaliação, resultando na redução do percentual relativo à GDAT.

Ingressou na via administrativa através de pedido de reconsideração à Chefia do Setor, porém, não obteve êxito e, tendo recorrido, o Superintendente Regional da Receita Federal ratificou parecer anteriormente proferido (fls. 26/48).

A liminar foi indeferida às fls. 51/52.

A autoridade impetrada prestou informações (fls. 54/58) argüindo, preliminarmente, a falta de comprovação documental do impetrante a fim de que se provasse que a avaliação não refletiu seu efetivo desempenho, aduzindo que não é qualquer pontuação abaixo da máxima que deve ser justificada porquanto o administrador não teria tempo para outra tarefa.

Afirma que a motivação do ato de avaliação é padronizada pela própria norma que instituiu a GDAT tendo em vista a necessidade de uniformização; que a motivação e o motivo do ato administrativo de avaliação estão contidos de plano nas próprias normas que instituem a Portaria do SRF n.º 625/2000 vigente na época dos fatos; que a avaliação do desempenho funcional que ora se impugna é ato discricionário, e a presente lide não apresenta qualquer extravasamento da autoridade hierarquicamente superior que avaliou o servidor, ou por parte da autoridade que julgou o recurso administrativo, ensejando a impossibilidade da manifestação do Poder Judiciário.

Às fls. 72/75 o Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da segurança.

É o relatório. Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO:

PRELIMINARMENTE.

Primeiramente, é importante relatar que o direito líquido e certo auferido como condição da ação para o exercício da via mandamental é aquele que recai sobre fatos incontestáveis. Conforme a lição de Costa Manso, "desde que sejam incontestáveis os fatos, resolverá o juiz a questão de direito, por mais intrincada que se apresente. E, se concluir que a regra jurídica, incidindo sobre aqueles fatos, configura um direito da parte, haverá direito líquido e certo".

Alega preliminarmente o impetrado que há ausência de prova documental no sentido de que a avaliação não refletiu seu desempenho funcional.

Considera-se líquido e certo o direito, independentemente de sua complexidade, quando os fatos a que deva aplicá-lo sejam demonstráveis de plano; é dizer, quando independam de instrução probatória, sendo comprováveis por documentação acostada quando da impetração da segurança ou, então, requisitada pelo juiz a instâncias do impetrante, se o documento necessário estiver em poder de autoridade que recuse fornecê-lo (art. 5º, parágrafo único, da Lei 1.533). Posto que esta medida judicial destina-se a proteger o direito violado ou que esteja sob iminente ameaça de violação, o juiz, em sendo requerido pela parte, deverá liminarmente, inaudita altera parte, suspender o ato impugnado, caso sejam relevantes os fundamentos do pedido e haja risco de que, não sendo adotada tal providência, resulte ineficaz a decisão final, se vier a ser concessiva da segurança (art. 7º, II, da lei citada). [135] (grifo nosso)

Assim, resta incabível a preliminar ora suscitada, pois os fatos foram demonstrados de plano pelo impetrante quando da impetração do writ (fls. 26/48), destacando-se sua Ficha de Avaliação de Desempenho Individual (ato administrativo) e o processo administrativo interposto.

Apenas adentrando no exame do mérito do presente Mandado de Segurança restará comprovada ou não a existência do direito para a concessão da segurança.

DO CONTROLE JUDICIAL.

É entendimento majoritário que o Poder Judiciário não pode analisar o mérito (conveniência e oportunidade) do ato administrativo, revogando-o, cabendo este apenas à própria Administração.

Excetua-se a assertiva nos casos de desvio ou abuso de poder, ou quando a Administração Pública utiliza motivos inverídicos para praticar o ato (Teoria dos Motivos Determinantes). Porém, caberá então ao Poder Judiciário tão só anular o ato administrativo fulminado de ilegalidade. [136]

Igualmente a falta de motivação gera nulidade do ato a qual pode ser declarada pelo Poder Judiciário, pois, o ato não motivado está irremissivelmente maculado de vício.

O pedido do impetrante de que seja fixado por este juízo a GDAT no seu teto máximo de 30% (trinta por cento) relativo ao trimestre de abril, maio e junho de 2.000 resta improcedente, pois, tratando-se de ato discricionário, "o controle judicial é possível mas terá que respeitar a discricionariedade nos limites em que ela é assegurada à Administração Pública pela lei." [137]

Desse modo, o Poder Judiciário quando provocado deverá dizer se a Administração Pública agiu de acordo com a lei e sua competência, ainda que tal ato emanado tenha sido realizado calcado na faculdade discricionária por parte do agente emanador do ato administrativo. Isso se deve em razão de mera possibilidade de lesão ao patrimônio individual ou até mesmo público.

DO PRINCÍPIO DA MOTIVAÇÃO — Art. 93, X da Constituição Federal.

Sustenta a autoridade impetrada à fl. 56 do presente mandamus que "Portanto, a motivação e o motivo, este o conteúdo daquele, estão contidos nas próprias normas que instituem a avaliação funcional, principalmente na citada Portaria. Pois não poderia ser de outra maneira, já que, se fosse deixado ao livre alvitre de cada avaliador o preenchimento do conteúdo da motivação, haveria uma excessiva liberdade por parte deste avaliador que se utilizaria de critérios próprios provocando distorções".

Todavia, doutrina majoritária é refratária à argumentação supra aduzida.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in Direito Administrativo Moderno, ed. ATLAS, 13ª edição, 2.001, p. 82, "O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões".

Salienta Di Pietro que a doutrina segue uníssona no sentido de que é obrigatório o cumprimento do princípio ora em tela em qualquer tipo de ato, seja ele vinculado ou discricionário, tendo em vista servir essencialmente como controle da legalidade dos atos administrativos.

"A imparcialidade é igualmente reforçada e garantida pelo dever de motivação dos atos administrativos. A exposição dos fundamentos do ato é um dos pontos em que se tornará ainda mais claro o prestígio e essa face do princípio da moralidade.

Todas as razões das partes envolvidas na relação processual devem ser expressamente enfrentadas e motivadamente decididas. Caso contrário a decisão será parcial e, também por esse motivo, nula". [138]

Aludido entendimento também encontra sustentáculo no princípio do devido processo legal, no seguinte sentido: Como pode o cidadão defender-se, seja num processo administrativo ou jurisdicional, apenas de meras notas de avaliação que se utiliza de parâmetros padrões, tanto para avaliações de critérios subjetivos ou objetivos, exaradas por autoridade hierarquicamente superior sem ao menos fundamentá-las? Assim, fulminado estaria princípio constitucionalmente consagrado pela Carta Magna, no art. 5º, inciso LIV, já que, se obstado o direito do servidor em tomar conhecimento de qualquer motivação da nota que lhe tenha sido dada, o processo administrativo está maculado de vício insanável.

Aplicando-se o devido processo legal em seu sentido material (substantive process) ter-se-á a garantia dos direitos individuais, coletivos e difusos, além do correto exercício da função administrativa.

Relacionando os incs. LIV e LV (do art. 5º da Constituição Federal), pode-se dizer que o segundo especifica, para a esfera administrativa, o devido processo legal, ao impor a realização do processo administrativo, com as garantias do contraditório e ampla defesa, nos casos de controvérsia e ante a existência de acusados. No âmbito administrativo, desse modo, o devido processo legal não se restringe às situações de possibilidade de privação de liberdade e de bens. O devido processo legal, desdobra-se, sobretudo, nas garantias do contraditório e ampla defesa, aplicadas ao processo administrativo. [140] (inserção nossa)

Assim, resta prejudicado o direito ao recurso no âmbito do processo administrativo, pois, não obstante ele seja ofertado, ninguém pode exercer o contraditório e a ampla defesa sobre atos administrativos desertos de motivação, tão pouco a autoridade que analisa o referido recurso interposto poderá julgá-lo sem o conhecimento do porquê da atribuição ao servidor público de nota 10,0 (dez) ou 7,0 (sete), seja critério de índole objetiva ou subjetiva (já que avaliar qual critério de avaliação pode ser classificado como um ou outro também é de ordem eminentemente intersubjetiva), seja ato discricionário ou vinculado.

Ademais, deve-se ter em mente que a GDAT, apesar de tratar-se de gratificação, é direito e interesse do Requerente. Portanto, a avaliação exarada, se inferior à nota máxima, já obsta parte desse direito à gratificação. Partindo do pressuposto que se partirmos do marco zero, estar-se-ia realizando juízo de exceção. Desse modo, a autoridade avaliadora deve partir do marco máximo, isto é, de avaliação com nota máxima (10,0 — dez) ensejando gratificação integral e, a partir de então, ao analisar cada critério avaliatório, deduzir de acordo com a média final das notas o percentual a ser descontado do máximo que se pode obter a tal título (conforme preconiza a indigitada Portaria). Todavia, isto deve ser realizado de modo fundamentado, seguindo o princípio de que se deve dar os fatos para que seja dado o direito a fim de que seja ofertada a possibilidade do exercício do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal com grau máximo de efetividade.

Sustenta-se o entendimento acima explicitado na Lei n.º 9.784/99 — que regula o Processo Administrativo no âmbito da Administração Pública Federal Direta e Indireta. O princípio da motivação está elencado no seu art. 2º, caput, devendo-se ainda observar o seu parágrafo único, inciso VII, além do art. 50, inciso I, aplicáveis ao caso concreto:

"Art. 2º — A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência". (grifo nosso).

"Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

(...)

VII- indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;"

(...)

"Art. 50 — "Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e fundamentos jurídicos, quando:

I- Neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;"

Tendo em vista o caráter subsidiário da Lei n.º 9.784/99, conforme reza o art. 69 ("Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei."), entendo que totalmente aplicável à lide sub judice, impondo-se como dever de interesse público do servidor e até mesmo da própria Administração Pública a ampla motivação dos critérios de avaliação.

A argüição do impetrante de que estaria sendo vítima de perseguição política, tendo em vista que já participou de atividade sindical inclusive como Presidente da Delegacia Sindical da Região, indicando mero indício de tendenciosidade do avaliador não encontra na seara estrita do Mandado de Segurança foro adequado para sua comprovação.

3. DISPOSITIVO:

Isso posto, concedo parcialmente a segurança, reconhecendo a ilegalidade do ato administrativo consubstanciado na Ficha de Avaliação de Desempenho Individual — FADI (fl. 42) e portanto sua nulidade, devendo a autoridade que primeiramente emanou o referido ato administrativo efetuar nova avaliação referente ao período de abril a junho do ano de 2.000, motivando cada nota atribuída ao impetrante.

Incabível a condenação em honorários advocatícios, em conformidade com entendimento sumulado pelo STF e STJ.

Custas na forma da lei.

Decorrido o prazo legal para recursos voluntários, com ou sem eles, encaminhem-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região para reexame necessário.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Curitiba, 09 de abril de 2.001.

JOEL ILAN PACIORNIK.

Juiz Federal da 3ª Vara.

Anexo 02:

A fim de ilustrar nosso entendimento esposado no item 2.3.3, "b)" deste modesto estudo, colacionamos jurisprudência extraída do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Entende-se aqui presente exemplo concreto de medida de polícia de caráter "cautelar-sancionadora".

Observe-se o inteiro teor do Acórdão:

"ADMINISTRATIVO. PRODUTO FARMACÊUTICO INÓCUO. SUSPENSÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOBSERVÂNCIA. AUSÊNCIA DE NOCIVIDADE À POPULAÇÃO. ILEGALIDADE. LEI N.º 6.437/77. DECRETO N.º 79.094/74.

I- A suspeita de nocividade do produto farmacêutico autoriza a proibição imediata e cautelar da sua produção e comercialização (Decreto n.º 79.094/77, art. 8º).

II- De outra parte, se a suspeita da Secretaria de Vigilância Sanitária é a de que o medicamento já registrado é meramente inócuo, a sua suspensão, exatamente por não haver perigo à população, deve ser precedida de processo administrativo regular em que seja oferecida ampla oportunidade de defesa à empresa fabricante, revelando-se abusivo e ilegítimo o ato que, de inopino, sem que o devido processo legal tenha sido cumprido, impede a livre comercialização daquele.

III- Apelação provida para conceder a segurança, até que reste comprovada a ineficiência do produto ao cabo do processo administrativo.

(grifos nossos)

(TRF 1ª Região, 1ª Turma, AMS n.º 95.01.27887-5/DF, Relator: Juiz Aldir Passarinho Júnior, DJ 07/08/1997, p. 60827)

Por unanimidade, deu-se provimento à apelação.

RELATÓRIO

O Exmo. Sr. Juiz Aldir Passarinho Júnior: - Adoto o relatório que integra a r. decisão singular, verbis:

"Trata-se de mandado de segurança, com pedido de liminar, impetrado por PRODOME Química e Farmacêutica Ltda., qualificada na inicial, contra ato do Diretor do Departamento Técnico-Normativo da Secretaria de vigilância Sanitária que interditou cautelarmente medicamentos de sua fabricação. Requer a observância do devido processo administrativo legalmente previsto para o caso concreto.

Foi indeferida a liminar pleiteada (fl. 51).

A autoridade indigitada como coatora prestou informações de fls. 149-72 fora do prazo a ela assinado.

O Parquet Federal apresentou parecer de fls. 136/47."

Sentenciando, o MM. Juiz Federal da 16ª Vara do Distrito Federal, Dr. Francisco Neves da Cunha, denegou a segurança, adotando essencialmente as razões da manifestação do parquet federal em 1ª instância (fls. 182/192).

Incorformada, apela a impetrante às fls. 194/207, com contra-razões de fls. 212/214.

Parecer da douta Procuradoria Regional da República às fls. 221/229, pela Dra. Lucia Ferreira Cunha, no sentido da confirmação do decisum.

É o relatório.

VOTO

O Exmo. Sr. Juiz Aldir Passarinho Junior (Relator): Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato do Diretor do Departamento Técnico-Normativo da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde, que suspendeu a fabricação e comercialização do medicamento denominado "Periatin BC", produzido pela Impetrante.

Quando do julgamento do Agravo de Instrumento n.º 94.01.30216-2/DF, que objetivava assegurar a continuidade do produto no mercado até a apreciação do mérito do presente writ, assim me manifestei no voto condutor do acórdão:

"Com efeito, não há confundir-se medicamento inócuo com produto nocivo. O primeiro não faz nem bem, nem mal à saúde, enquanto o segundo, evidentemente, a prejudica. Daí porque o legislador previu trâmite administrativo distinto para a última hipótese, no Decreto n.º 79.094, de 05.01.77, verbis:

Art. 7º. Quando verificado que determinado produto, até então considerado útil, é nocivo à saúde ou não preenche os requisitos estabelecidos, o órgão de vigilância sanitária competente do Ministério da Saúde exigirá a modificação devida da fórmula de composição e nos dizeres dos rótulos, das bulas e embalagens, sob pena de cancelamento do registro e da apreensão do produto em todo território nacional.

Art. 8º. Como medida de segurança sanitária e à vista de razões fundamentadas o órgão de vigilância sanitária competente do Ministério da Saúde, poderá, a qualquer momento, suspender a fabricação e venda de qualquer dos produtos de que trata este Regulamento, o qual, embora registrado, se torne suspeito de Ter efeitos à saúde humana."

Em momento algum a autoridade sanitária informou que o produto em comento era nocivo, de modo a justificar, aí sim, com toda a razão, a sua imediata retirada do mercado consumidor e a paralisação de seu fabrico. Apenas suspeita que seja inócuo, e por isso determinou que a empresa justificasse a sua eficácia. Não obstante, tomou medida preventivas extrema e desnecessária, já que a urgência não tinha razão de ser.

Quando do registro do medicamento, este passa pela competente análise do governo com relação a sua segurança e eficácia terapêutica, consoante se verifica das exigências legais para a liberação para produção e venda (cf. 18 e seguintes do Decreto n. 79.094/77), destacando-se a seguinte disposição:

"Art. 25. Será negado o registro de medicamento, que não contenha em sua composição, substância reconhecidamente benéfica do ponto de vista clínico e terapêutico."

A Lei n.º 6.437, de 20.08.77, que configura as infrações à legislação sanitária federal, também prevê rito administrativo específico para a apuração da falta, excluindo a interdição do produto salvo nos casos "... em que sejam flagrantes os indícios de alteração ou adulteração do produto... " ou quando constatadas, através de análises laboratoriais ou no exame dos processos "... ações fraudulentas que impliquem em falsificação ou adulteração" (art. 24, parágrafos 2º e 3º).

Nenhuma dessas irregularidades é atribuída à empresa impetrante.

Portanto, a presunção é a de que o Periatin B-C,, quando do registro original e das posteriores renovações, atendeu aos requisitos da saúde pública, revelando predicados de cura para comercialização.

Destarte, improvada a sua nocividade, única hipótese em que poderia o medicamento ser de pronto retirado do mercado, a ação da autoridade administrativa revela-se abusiva, ilegítima e altamente lesiva para a empresa, em face da descontinuidade da fabricação e, em especial, do próprio descrédito que o ato precipitado irá acarretar. O reexame ou reavaliação do registro pode se processar sem tal medida extrema, com observância ao due process of law.

Observa o saudoso Hely Lopes Meirelles, em excelente passagem lembrada pela impetratne, que:

" O poder administrativo concedido à autoridade pública tem limites certos e forma legal de utilização. Não é carta branca para arbítrios, violência, perseguições ou favoritismos governamentais. Qualquer ato de autoridade, para ser irrepreensível, deve conformar-se com a lei, com a moral da instituição e com o interesse público. Sem esses requisitos o ato administrativo expõe-se a nulidade.

(...)

O abuso do poder ocorre quando a autoridade, embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites de suas atribuições ou se desvia das finalidades administrativas.

O abuso do poder, como todo ilícito, reveste as formas mais diversas. Ora se apresenta ostensivo como a truculência, às vezes dissimulado como o estelionato, e não raro encoberto na aparência ilusória dos atos legais. Em qualquer desses aspectos – flagrante ou disfarçado – o abuso do poder é sempre uma ilegalidade invalidadora do ato que o contém... "

(In "Direito Administrativo Brasileiro", 17ª ed., Malheiros, p. 93/95)

"Em suma, a suspensão do medicamento se fez de forma ilídima, ferindo direito líquido e certo da empresa fabricante ao processo administrativo regular e à apresentação de defesa antes de lhe ser imposta, e desnecessariamente, ao que consta dos autos, prejuízo de dificílima reparação. E, exatamente por tal circunstância, merecia a agravante proteção liminar para assegurar a eficácia da prestação jurisdicional que será dada ao cabo do writ, sob pena de perecimento, de antemão, do direito por ela sustentado."

(1ª Turma, unânime, DJU de 06.02.95)

Agora, reexaminando a matéria em sede de apelação, ratifico meu pensamento anterior quando à ilegitimidade do ato impetrado.

Especificadamente quanto ao medicamento em apreço – Periatin BC – diz o órgão impetrado o seguinte (fls. 169/170):

"A empresa Prodome Química e Farmacêutica Ltda., possui registro nesta Divisão para o produto Periatin, cujo princípio ativo é a ciproheptadina, antihistamínico derivado da piperidina com indicação para rinites alérgicas, rinite vasomotora, conjuntivite alérgica causada pela inalação de alergenos, alergia ao frio, dermatografismo (indicações aprovadas pelo FDA – USA).

(...)

Posteriormente à concessão de registro para o produto Periatin, foi protocolado nesta Divisão, solicitação de registro para o produto Periatin BC, uma associação com os seguintes componentes ativos:

- Cloridrato de ciproheptadina 4 mg.

- Cloridrato de tiamina (vit. B1) 0,6 mg.

- Ribloflavina (vit. B2) 0,75 mg

- Cloridrato de Piridoxina (vit. B6) 0,67 mg.

- Niacinamida 6,67 mg.

- Ácido ascórbico 21,67 mg.

A justificativa para associação da ciproheptadina com vitaminas do complexo B e vit. C é a sua utilização como estimulante do apertite e prevenção da carência vitamínica associada em documentação técnica do processo.

Não constam na instrução do processo, como estabelecido pela legislação sanitária em vigor trabalhos científicos (estudos pré-clínicos e clínicos), que demonstrem vantagens dessa associação em relação às eficácia terapêutica, bem como a comprovação de registro desse produto no país de origem ou em outros países.

Com referência a indicação como estimulante do apetite, citada do Martindale e USP DI, cabe ressaltar o seu crescente desuso na prática médica pediátrica moderna, bem como rever a relação risco-benefício dessa indicação em função dos efeitos colaterias ocasionados pela utilização dos anti-histamínicos das quais podemos citar:

SNC: Sedação e sonolência (transitória), tonturas, distúrbio de coordenação, confusão, excitação, nervosismo, temor, irritabilidade, insônia, parestesias, entre outras relacionadas ao sistema cardiovascular, digestivo, geniturinário, respiratório, hematológico, sentidos especiais e segmento.

Podemos citar ainda, o fato de que a segurança e eficácia em crianças abaixo de 2 anos ainda não estão estabelecidas."

Data venia, as informações não parecem espelhar a realidade, porquanto a impetrante já possui o registro do medicamento Periatin BC, como se infere às fls. 40/41, de modo que as suas qualidades terapêuticas foram examinadas pelo Ministério da Saúde, evidentemente antes da expedição do citado registro.

Também se conclui das informações que não houve afirmação taxativa quanto à nocividade do produto. O que deseja o impetrado é, mesmo, que inobstante a concessão do registro, a empresa impetrante prove a qualidade terapêutica, suspendendo a sua fabricação e comercialização até lá, ato que não encontra qualquer apoio na legislação que rege a espécie, como dito antes.

Examinando caso quase idêntico, este colegiado assim decidiu:

"ADMINISTRATIVO. PRODUTO FARMACÊUTICO INÓCUO. SUSPENSÃO. DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOBSERVÂNCIA. AUSÊNCIA DE NOICIVIDADE À POPULAÇÃO. ILEGALIDADE. LEI N.º 6.437/77. DECRETO N.º 79.094/74.

I- A suspeita de nocividade do produto farmacêutico autoriza a proibição imediata e cautelar da sua produção e comercialização (Decreto n.º 79.094/77, art. 8º).

II- De outra parte, se a suspeita da Secretaria de Vigilância Sanitária é a de que o medicamento já registrado é meramente inócuo, a sua suspensão, exatamente por não haver perigo à população, deve ser precedida de processo administrativo regular em que seja oferecida ampla oportunidade de defesa à empresa fabricante, revelando-se abusivo e ilegítimo o ato que, de inopino, sem que o devido processo legal tenha sido cumprido, impede a livre comercialização daquele.

III- Apelação provida para conceder a segurança, até que reste comprovada a ineficiência do produto ao cabo do processo administrativo."

(AMS n.º 94.01.28479-2, Rel. Juiz Aldir Passarinho Júnior, unânime, julg. 21.11.95)

Ante o exposto, dou provimento à apelação para, reformando a r. sentença a quo, conceder a segurança, assegurando a permanência do produto no mercado até que reste comprovada a sua ineficiência em processo administrativo regular, ou que se venha a concluir pela sua eventual nocividade, em ato específico do Poder Público.

Cumpre, finalmente, ressaltar que a assertiva constante do item 9 (fl. 6) da petição inicial deve-se, certamente, a erro material na confecção da peça, como corretamente observado no parecer ministerial de fls. 137/138.

Custas pelo impetrado, em reposição, nos termos da Súmula n.º 1, do TRF-1ª Região.

É como voto."


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Notas

1. MEDAUAR, Odete. A Processualidade no Direito Administrativo. RT, São Paulo, 1993, p. 155.

2. FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo, Malheiros, São Paulo, 2001, p. 25.

3. Vide item 3.2, quando tratamos acerca do princípio da ampla defesa dirigir-se ao prestígio do interesse público primário a ele vinculado, pretendendo garantir a obediência ao iter previsto em lei e da prática do ato administrativo final.

4. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, 13ª ed., Malheiros, São Paulo, 2000, p. 424: "Seu relevo decorre do fato de ser um meio apto a controlar o "iter" de formação das decisões estatais, o que passou a ser um recurso extremamente necessário a partir da multiplicação e do aprofundamento das ingerências do Poder Público sobre a Sociedade. Estas se alargaram e se intensificaram como fruto das profundas transformações ocorridas na concepção de Estado e, pois, das missões que lhes são próprias."

5. PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Direito Administrativo, 8ª ed., São Paulo, Atlas, 2001, p. 492.

6. José Cretella Jr. propõe idéia equânime em sua obra Prática do Processo Administrativo, RT, 1998, p. 40 quando aduz o seguinte: "Não obstante se trate de binômio, não de trinômio (como no direito processual civil), as partes em ação, na realidade são contrapostas (contra: Villar y Romero, Derecho Procesal Administrativo, 1944, p. 18 e 55), defendem não raras vezes interesses antagônicos: os administrados, pleiteando os direitos que a lei lhes faculta, a Administração velando para que os deveres sejam observados, ambos, enfim, em última análise, fornecendo elementos para que a justiça figure sempre em primeiro plano e o Estado atinja do melhor modo o fim elevado a que se propõe realizar."

7. Há ainda certa divergência doutrinária e pelo fato de determinadas legislações, como o Código de Defesa do Consumidor, inúmeras vezes referirem-se equivocadamente ao termo "procedimento" administrativo (ex: art. 59, caput da Lei n.º 8078/90), diferenciaremos neste estudo tais termos.

8. É comum que se confunda processo com procedimento, todavia, nos ditames de Maria da Glória Colucci e José Maurício Pinto de Almeida in Lições de Teoria Geral do Processo, 4ª ed., Juruá, 1997, p. 121, "o que caracteriza o processo é seu conteúdo finalístico, na qualidade de instrumento de que se vale o Estado para solução de conflitos de interesses. (...) "Por procedimento se entende a seqüência de atos (...) que se interligam e têm por objetivo comum o provimento final (a decisão)." " (...) é a exteriorização do processo."

9. MOREIRA, Egon Bockmann. Processo Administrativo – Princípios Constitucionais e a Lei 9.784/99, Malheiros, São Paulo, 2000, p. 58: "(...) instrumento de garantia e satisfação dos direitos individuais celebrados na Constituição e leis infraconstitucionais".

10. Para a Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, ob. cit., p. 493, há quatro sentidos diferentes para a expressão ora em comento: "1. num primeiro sentido, designa o conjunto de papéis e documentos organizados numa pasta e referentes a um dado assunto de interesse do funcionário ou da administração; 2. é ainda usado como sinônimo de processo disciplinar, pelo qual se apuram as infrações administrativas e se punem os infratores; nesse sentido é empregado no art. 41, § 1º, da Constituição Federal, quando diz que o servidor público estável só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada a ampla defesa; 3. em sentido mais amplo, designa o conjunto de atos coordenados para a solução de uma controvérsia no âmbito administrativo; 4. como nem todo processo administrativo envolve controvérsia, também se pode falar em sentido ainda mais amplo, de modo a abranger a série de atos preparatórios de uma decisão final da Administração."(grifamos)

11. Celso Antônio Bandeira de Mello (ob. cit., p. 417), utiliza indiferentemente a expressão "processo" ou "procedimento" administrativo. Conceitua, pois, o processo administrativo como "uma sucessão itinerária e encadeada de atos administrativos que tendem, todos, a um resultado final e conclusivo."

12. Por exemplo: exoneração de servidor público efetivo é ato administrativo - decisão advinda após um processo administrativo disciplinar.

13. Celso Antônio Bandeira de Mello (ob. cit., p. 418) preleciona que "(...) não é difícil perceber que um procedimento sempre haverá, pois o ato, (...), não surge do nada. Tal procedimento – isto sim – terá sido mais ou menos amplo, mais ou menos formalizado, mais ou menos acessível aos administrados, mais ou menos respeitador de exigências inadversáveis do Estado de Direito ou de regras explícitas do ordenamento positivo. Sua ocorrência é induvidosa, exista ou não uma lei geral de processo ou procedimentos administrativos."

14. Vide item 2.3.3, "b)".

15. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ob. cit., p. 421.

16. Idem. Ibidem, p. 427.

17. Vide item 3.4.2.

18. PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Ob. cit., p. 202: "Algumas teorias têm sido elaboradas para fixar limites ao exercício do poder discricionário, de modo a ampliar a possibilidade de sua apreciação pelo Poder Judiciário.

Uma das teorias é a relativa ao desvio de poder, formulada com esse objetivo; o desvio de poder ocorre quando a autoridade usa do poder discricionário para atingir fim diferente daquele que a lei fixou. Quando isso ocorre, fica o Poder Judiciário autorizado a decretar a nulidade do ato, já que a Administração fez uso indevido da discricionariedade, ao desviar-se dos fins de interesse público definidos na lei.

Outra é a teoria dos motivos determinantes, (...): quando a Administração indica os motivos que a levaram a praticar o ato, este somente será válido se os motivos forem verdadeiros. Para apreciar esse aspecto, o Judiciário terá que examinar os motivos, ou seja, os pressupostos de fato e as provas de sua ocorrência. Por exemplo, quando a lei pune um funcionário pela prática de uma infração, o Judiciário pode examinar as provas constantes do processo administrativo, para verificar se o motivo (a infração) realmente existiu. Se não existiu ou não for verdadeiro, anulará o ato."

19. O registro para porte de armas, por exemplo, prescinde da fase instrutória.

20. MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit., p. 59.

21. José Cretella Jr. (ob. cit., p. 05), afirma que a Lei n.º 9784/99 se trata de: "(...) lei federal especial, e não como o Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil, o Código de Processo Penal, que são leis federais gerais que abrangem todos os brasileiros. Esta lei restringe-se ao processo administrativo no âmbito da União. Tão só. Quem legisla exclusivamente sobre direito processual, no Brasil, é, sem dúvida alguma, a União (art. 22, I, da CF). Ora, o processo administrativo, que não é processo nem direito processual, mas mero procedimento, é matéria de competência de qualquer das esferas – a municipal, a distrital, a estadual e a federal."

22. Celso Antônio Bandeira de Mello (ob. cit., p. 442) aduz o seguinte: "É importante anotar que a lei em causa [Lei n.º 9784/99] aplica-se apenas subsidiariamente aos processos administrativos específicos, regidos por leis próprias, que a elas continuarão sujeitos. Como é lógico, aplica-se integralmente a quaisquer outros processos administrativos." (observações nossas)

23. Deverá incidir, por exemplo, sobre o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, a Lei n.º 8112/90, arts. 143 a 182, quando possível sua aplicação subsidiária.

Quando em conflito com dispositivos da lei especial, revoga-os, pois se almeja, com a nova lei federal, assegurar a aplicação de princípios importantíssimos à efetivação do devido processo legal no âmbito administrativo federal. A disposição especial irá disciplinar o caso especial se não colidir com a normação genérica da lei geral, podendo daí vigorar simultaneamente. Vide item 4.1.

24. NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal, 4ª ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1997, p. 28.

25. Idem. Ibidem, p. 28.

26. Traduzindo-se: "que nenhum homem seja privado de sua liberdade, exceto pela lei da terra ou seu julgamento por seus pares".

27. Idem: "que todo homem seja livre para que todo dano feito em seus bens, terras/propriedades, ou a si próprio/vida, por qualquer outra pessoa, deva ter justiça e direito ao dano a ele feito livremente sem venda, completamente sem qualquer negação e rapidamente, sem demora, de acordo com a lei da terra".

28. Idem: "que nenhum homem livre deveria ser levado, ou preso da propriedade livre e alodial dele, liberdades ou privilégios, ou proscrito, ou exilado, ou de qualquer maneira destruído, ou privado de sua lei da terra".

29. Relata Egon Bockmann Moreira (ob. cit., p. 163) que "(...) durante séculos, a cláusula due process of law manteve seu significado originário de garantia de julgamento genuíno, segundo a "lei da terra". Contudo – e como é próprio do sistema do common law -, o conceito do adequado processo legal foi-se enriquecendo, ganhando novas dimensões e significados. Assim, da exigência primitiva de um processo formalizado, o princípio passou a compreender também (...) o requisito da prévia citação para a demanda e da oportunidade da defesa."

30. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo, 14ª ed., 1997, p. 85: "A Convenção Americana sobre Direitos Humanos, devidamente ratificada pelo Brasil, foi integrada ao nosso ordenamento pelo dec. n. 678, de 6 de novembro de 1992. A partir daí, e nos estritos termos do § 2º do art. 5º Const., supra transcrito, os direitos e garantias processuais nela inseridos passaram a ter índole e nível constitucionais, complementando a Lei Maior e especificando ainda mais as regras do devido processo legal."

31. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Princípios Constitucionais do Processo Administrativo Disciplinar, Max Limonad, 1998, p. 199.

32. MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit., p. 223: "Isso pelo motivo lógico de que a Constituição não permite qualquer investida contra a vida, a não ser na hipótese excepcional do "caso de guerra declarada" (art. 5º, inciso XLVII, c/c art. 84, inciso XIX). A proibição à pena de morte é cláusula pétrea (CF de 1988, art. 60, § 4º, inciso IV), o que impede sua alteração em qualquer momento futuro. Não haveria sentido em se cogitar da supressão da vida desde que precedida do devido processo legal. O inciso LIV do art. 5º da CF não poderia se destinar a trair o espírito da Constituição.

A toda evidência, e caso admitida a possibilidade da pena de morte nas hipóteses de "crimes de guerra" praticados durante a "guerra declarada", haverá de ser observada a configuração de um devido processo legal, com aplicação da ampla defesa e contraditório."

33. NERY JÚNIOR, Nelson. Ob. cit., p. 38.

34. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Ob. cit., p. 202.

35. Vide item 2.3.3, "b)", onde verificaremos que há casos de dispensa de prévio devido processo.

36. NERY JÚNIOR, Nelson. Ob. cit., p. 33: "Quando instituído o due process no sistema jurídico inglês pela Magna Carta de 1215, ressaltava seu aspecto protetivo no âmbito do processo penal, sendo, portanto, de cunho eminentemente processualístico àquela ocasião.

O conceito de "devido processo" foi-se modificando no tempo, sendo que doutrina e jurisprudência alargaram o âmbito de abrangência da cláusula de sorte a permitir interpretação elástica, o mais amplamente possível, em nome dos direitos fundamentais do cidadão.

Posteriormente os diplomas legais dos países do common law adotaram alguns dos desdobramentos do due process, fazendo-os constar de modo explícito nas normas legais. Exemplo disso nos dá a Constituição norte-americana, que pelo seu art. 1º, Secção 9ª, nº III, proíbe o bill of attainder, espécie de ato legislativo que considerava o cidadão culpado sem prévio julgamento, bem como veda a edição de leis penais com efeito retroativo (ex post facto law)."

37. MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit., p. 214: "Em suma, e irremediavelmente, a garantia do art. 5º, inciso LIV, da CF engloba incindíveis aspectos "processuais" e "substanciais". Isso porque: a) a compreensão genérica do due process of law assim o impõe; b) a evolução histórica da cláusula não permite a exclusão de uma das espécies de proteção com fundamento exclusivo na dicção genérica da garantia; c) não foi feita a diferenciação no corpo do texto constitucional, o que vedaria ao intérprete estabelecê-la sponte propria; e d) o princípio da máxima eficácia proíbe a interpretação restritiva de normas constitucionais que estabelecem direitos e garantias."

38. NERY JÚNIOR, Nelson. Ob. cit., p. 34: "A Administração Pública deve agir sempre nos limites de sua atribuição, nunca contra legem ou praeter legem, mas somente secundum legem, de conformidade com a lei e dentro dos estritos limites desta. É o princípio da submissão da administração à lei, retratando a manifestação da noção do Estado de Direito."

39. Como já fundamentado no item 1.3.

40. Edgar Silveira Bueno Filho in O direito à Defesa na Constituição, p. 43, citado pelo Prof.º Daniel Ferreira in Sanções Administrativas, Malheiros, 2001, p. 103, mostra-nos outra face do devido processo: de que deve ser trilhado não só em relação à aplicação da lei ao caso concreto, mas também no momento anterior, quando da sua edição.

41. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ob. cit., p. 420.

42. Idem. Ibidem.

43. Idem. Ibidem.

44. Veja-se a enumeração das garantias dela oriundas segundo Nelson Nery Júnior (ob. cit., p. 38): "a) direito à citação e ao conhecimento do teor da acusação; b) direito a um rápido e público julgamento; c) direito ao arrolamento de testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os tribunais; d) direito ao procedimento contraditório; e) direito de não ser processado, julgado ou condenado por alegada infração às leis ex post facto; f) direito à plena igualdade entre acusação e defesa; g) direito contra medidas ilegais de busca e apreensão; h) direito de não ser acusado nem condenado com base em provas ilegalmente obtidas; i) direito à assistência judiciária, inclusive gratuita; j) privilégio contra a auto-incriminação."

45. Apesar das disposições a respeito do devido processo legal material e processual, somente a expressão tal como prevista no art. 5º, inciso LV da Constituição Federal fornece uma completa compreensão do princípio.

46. MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit., pp. 213 – 225.

47. Frisamos aqui observação importante perscrutada pelo Prof.º Daniel Ferreira (ob. cit., pp. 111 e 112): "Em hipótese de inércia do imputado, que não faz uso de seu direito constitucionalmente protegido ao contraditório e à ampla defesa, nada obsta a que o ato administrativo de imputação do ilícito se converta em ato de imposição da correspondente e anunciada sanção, até mesmo porque aquele gozava (e permanece gozando) de presunção de legitimidade e, por decorrência, de presunção de veracidade acerca dos fatos que lhe dão suporte. O mesmo se dá nos casos em que a "impugnação" não for suficiente em si para elidir referida presunção."

48. MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit., p. 218: "Assim, o regulamento não pode criar, de forma inédita e autônoma, sem qualquer lastro normativo próprio, específico e circunscrito (standard), obrigações e deveres às pessoas privadas. Não é viável que a autoridade administrativa inaugure a ordem jurídica através da emanação de regras que restrinjam o universo de direitos constitucional e/ou legalmente assegurados aos administrados."

49. Excetue-se, em nossa opinião, alguns casos de medida de polícia de caráter cautelar, em que poderá ocorrer restrição ao administrado e só após a coação ocorrer o devido processo (v. item 2.3.3, "b)").

50. MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit., p. 225: "Como já consignado, o particular poderá, a priori ou a posteriori, requerer administrativamente o início do "processo", cuja instalação é cogente e deverá obedecer aos parâmetros constitucionais. Nessa hipótese têm incidência as regras gerais sobre responsabilidade, tanto para o administrado que pleiteia eventual desnecessária e inútil instalação do "devido processo" (responsabilidade subjetiva) como para a Administração Pública que não dá margem ao imprescindível "devido processo" (responsabilidade objetiva)."

51. FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adílson Abreu. Ob. cit., p. 25: "(...) no campo da licitude, apenas os atos instantâneos ou urgentíssimos (v.g., extinção de um incêndio, prevenção de um desabamento iminente) ou os não-imediatamente conectados a uma volição (v.g., a passagem de um sinal luminoso do amarelo para o vermelho) independem de prévia processualização. Fora daí, a administração e processo administrativo serão conceitos sinônimos."

52. MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit., pp. 224 e 225: "Há hipóteses concretas em que é absolutamente inviável a instalação do ‘devido processo legal’ (...)". Aqui, o ilustre administrativista refere-se ao termo ‘possível’. Na mesma linha de raciocínio, agora desenvolvendo os limites de atuação quanto ao termo ‘utilidade’, aduz o autor que: "Mais uma vez, a possibilidade de dispensa do ‘devido processo legal’ é hipótese invulgar e somente será legítima caso comprovada, fundamentada e tornada pública a absoluta inutilidade do processo."

53. Diga-se "poderá", porque quando possíveis o contraditório e a ampla defesa para tais medidas de polícia de caráter imediato, estes princípios deverão ser observados, conforme as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, 2001, p. 705 e reafirmados pelo Prof.º Daniel Ferreira in Sanções Administrativas, 2001, p. 23. Nesta seara, estar-se-á diante do devido processo legal, sendo cogente a presença da motivação detalhada sob pena de afronta à Constituição Federal.

54. Se o agente está executando determinada medida de polícia, por óbvio é porque tem razões de fato e de direito para tanto (pelo menos em tese, se não se tratar de ato ilícito por ele praticado).

Diz-se "rarefeita", pois as justificativas que legitimam seu ato serão: a) razões de fato: o perigo iminente no caso em concreto que lhe impõe o dever de tomar providências imediatas, que segundo os padrões do homem médio verifica-se que não ensejaria delongas para que perecesse o objeto tutelado, ou melhor, para resguardar bem que a priori merece sua imediata defesa; b) razões de direito: o interesse da coletividade, a vida, ou outros valores amparados pelo Direito pátrio.

A motivação "rarefeita", estará no caráter subjetivo adotado pelo próprio agente o qual pode realizá-la no momento em que emana e já imediatamente executa a medida, fundamentado no tipo legal no qual se funda sua atitude, o que, para nós, não é a verdadeira motivação, e daí o motivo pelo qual defendemos que em tais possibilidades poderá se dar a motivação realmente detalhada posteriormente à execução da medida de polícia, pois estaríamos diante de caso de dispensa de prévio contraditório e ampla defesa.

55. FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adílson Abreu. Ob. cit., pp. 115-116: "É prática usual na Administração Pública, especialmente por parte de órgão e entidades que exercem atividades de polícia administrativa, a adoção de medidas restritivas de direitos sem qualquer formalidade ou justificativa, com suposta finalidade cautelar. São medidas dessa natureza a suspensão preventiva, a apreensão de bens, o fechamento de um estabelecimento, a proibição de comercialização de alguns produtos etc. Tais atitudes, salvo quando adotadas em situações especiais, (...), soem ser absolutamente nulas."

56. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, p. 202: Diz a autora que em casos em que envolva risco de vida e segurança da população, poderá haver defesa posterior, ex.: embargo de obra com risco de desabamento e interdição de atividades perigosas.

57. FERREIRA, Daniel. Ob. cit., p. 23: Utilizaremos aqui as argüições expostas por nosso mestre quando diferencia situações peculiares às sanções e à medida de polícia dita urgente/cautelar. Observam: "(...) sempre deverá ser observado o devido processo. Ocorre que para as medidas de polícia é possível seu deferimento a posteriori, isto é, depois de consumada a coação; já para as sanções isto não se dá (...). anote-se, ainda, que mesmo em sede de tais medidas, quando possíveis o prévio contraditório e ampla defesa, em nível administrativo, ou a obtenção de equivalente autorização judicial (...), se há de observá-los, sob pena de invalidação." E, na p. 112 da indigitada obra, sustenta o autor que: "(...) não há qualquer violação ao devido processo legal se a sanção, embora anunciada com a imputação, só se faça juridicamente sentir depois de efetivamente garantida defesa prévia ao acusado – o que não se nega ocorra em sede de multas tributárias ou de trânsito."

58. Idem. Ibidem, p. 23: "Contudo, ao depois, em regra e mediante regular processo, impõe-se deferir ao administrado oportunidade de defesa, mediante a qual, inclusive se constatada a ilegitimidade da medida, ou seu excesso injustificado, incumbirá ao Estado o dever de indenizar todos os prejuízos decorrentes da sua equivocada atuação."

59. Idem. Ibidem, p. 109: "Registre-se, outrossim, que também tratamos de tais medidas cautelares, todavia reconhecendo-as como de duas naturezas distintas: as ‘cautelares propriamente ditas’, que serviriam para suspender a execução material das condutas incompatíveis com o interesse público (não-sancionadoras), e as de natureza ‘cautelar-sancionadora’, cuja implementação objetivaria garantir a futura aplicação da sanção (com prévio contraditório e ampla defesa) no caso de efetiva comprovação do ilícito praticado (conforme item 1.6 do Capítulo I)" (grifos nossos)

60. Vejamos os seguintes julgados acerca do tema ora enfocado:

"Administrativo. Poder de Polícia Sanitária. Processo Administrativo. Penalidade. Ausência de defesa. (Lei n.º 6.437/77 e CF/88, art. 5º, LV).

1. Ainda que exercendo seus poderes de polícia (auto tutela), a Administração não tem o direito de impor gravames e sanções, que direta ou indiretamente, atinjam o patrimônio dos administrados, sem preservar-lhes a garantia do due process of law. Precedentes do STF (RE n.º 153540-7-SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJU de 15.09.95)

2. Desrespeitados os ditames contidos na Lei n.º 6.437/77, que tornam efetivos, in casu, os princípios do contraditório e da ampla defesa insubsistente é o ato administrativo que interditou e cancelou a autorização de funcionamento da empresa impetrante.

Remessa oficial improvida. Sentença confirmada.

(TRF da 1ª Região, 2ª Turma, REO n.º 89.01.01664-8/DF, Relator Juiz Jirair Aram Megueriam, DJ: 16.11.98, p. 242)."

"Administrativo. Posto de revenda de combustível. Infrações. CNP. Interdição sumária. Ilegalidade.

- Autuado um estabelecimento de revenda de combustíveis por infrações que não evidenciam imediato perigo ou grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou às finanças públicas, a penalidade de interdição, por sua gravidade, deve ser precedida do competente processo administrativo em que se assegure ao autuado a mais ampla defesa. Se tal não ocorre, afigura-se ilegal o ato de interdição sumária, aplicada ao arrepio do disposto no artigo quinto, inciso LV da Constituição Federal.

Remessa a que se nega provimento.

(TRF da 5ª Região, 1ª Turma, REO 90.05.00768-0, Relator Juiz Orlando Rebouças, DJ: 18.06.90)"

61. É relevante aduzirmos acerca das colaborações trazidas por Fábio Medina Osório in Direito Administrativo Sancionador, São Paulo, RT, 2000, p. 403 para corroborar esta tese. O referido autor aduz que quando se dá o flagrante da infração, o administrador público exige, fundado na lei, o pagamento da multa, sob pena de adotar-se medidas coercitivas. Não obstante, aduz que o cidadão não pode nunca ser obrigado a pagar multa imediatamente à autoridade sem a garantia da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, com a ressalva de que poderia ocorrer algo diferente: o administrador público poderia adotar medida cautelar para garantir o eventual adimplemento da multa ou qualquer outro tipo de sanção administrativa. Ademais, registre-se que para ter-se razoável defesa ao interessado, necessário garantir a possibilidade de que não haja presunções absolutas em seu desfavor.

62. Hely Lopes Meirelles in Direito Administrativo Brasileiro, 25ª ed., MALHEIROS, São Paulo, 2000, p. 94, ensina que quando a Constituição Federal fala no art. 5º, LV, em "litigantes" ao lado da expressão "acusados", jurisdicionalizou-se o processo administrativo. Argúi-se que quanto aos "acusados" já estavam presentes os princípios da ampla defesa e do contraditório. Todavia o mesmo não ocorria no que tange à palavra "litigantes", sendo esta uma das grandes novidades da atual Constituição Federal Brasileira, resultando no que o administrativista denominou de "fenômeno da processualidade administrativa".

63. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ob. cit., p. 85.

64. Cumpre aqui também indicar os demais fundamentos legais em que estão presentes os princípios do contraditório e da ampla defesa na Lei n.º 9784/99, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro (ob. cit., pp. 502 e 503): art. 2º, caput e parágrafo único, X; art. 3º, II, III e IV; art. 26, caput, §§ 2º, 3º, 4º e 5º; art. 27, caput e parágrafo único; art. 28, caput, art. 38, caput, art. 39, caput, art. 39, caput, art. 41, caput, art. 44, caput, art. 46, caput e art. 62, caput.

65. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, 4ª ed., Revista dos Tribunais, 2000, p. 200.

66. GRINOVER, Ada Pellegrini; CINTRA Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO Cândido R., A Teoria Geral do Processo 1997, p. 83.

67. COSTA, Nelson Nery. Processo Administrativo e sua Espécies, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 13.

68. Para Odete Medauar (in Direito Administrativo Moderno, 2000, p. 200) "o rol dos princípios do processo administrativo varia de autor para autor, segundo as concepções de cada um e o teor do direito legislado do respectivo país. Especificadamente para o processo administrativo a Constituição prevê o princípio do contraditório e da ampla defesa. Os demais decorrem de formulação doutrinária, jurisprudencial e legal".

69. Conforme já abordamos no item 1.1 desta Monografia.

70. Ou seja, quando determinado fato ou direito é alegado por um pólo da relação processual, o outro também deve ser ouvido e lhe oportunizado direito à resposta de tais argüições. Excetua-se tal assertiva nas possibilidades de recusa à produção de provas inúteis ou protelatórias – quando do exercício da ampla defesa.

71. O Prof.º Daniel Ferreira (ob. cit., p. 106), citando Edgar Silveira Bueno Filho, expõe a separação entre o contraditório e a ampla defesa: "o contraditório começa a ser exercido quando o litigante toma ciência dos fatos e tudo o mais contra ele é imputado. Com efeito, só depois de ter tomado conhecimento do teor da acusação é que o litigante ou acusado pode pensar em se defender."

72. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, pp. 200 e 201, também sustenta que o princípio do contraditório está profundamente ligado com o princípio da ampla defesa. A dita autora indica três desdobramentos do contraditório no que tange ao processo administrativo, são eles: a informação geral, a ouvida dos sujeitos ou audiência das partes e a motivação.

Quanto ao primeiro, significa o direito a todos aqueles que pugnam numa relação processual administrativa possuir conhecimento dos fatos, documentos, provas e dados inseridos no processo. Já o segundo, diz a autora, é interligado aos desdobramentos da ampla defesa, consistindo na possibilidade das partes manifestarem-se acerca de seus pontos de vista sobre fatos, documentos, interpretações e argumentos apresentados pela Administração Pública ou demais sujeitos, incluindo-se aqui o direito paritário de propor provas, vê-las realizadas e apreciadas. No que concerne à motivação, argúi Odete Medauar que é através desta que se percebe como e quando determinado fato, documento ou alegação influiu na decisão (acerca de tal desdobramento, vide item 3.4).

73. MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit., p. 225.

74. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Ob. cit., p. 203.

75. Frisa Odete Medauar (Direito Administrativo Moderno, p. 200) o seguinte ensinamento: "À garantia do contraditório para si próprio corresponde o ônus do contraditório, pois o sujeito deve aceitar a atuação no processo de outros sujeitos interessados, com idênticos direitos".

76. Coaduna-se esta idéia com os ditames exarados por Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari (ob. cit., p. 72) ao citarem Cármen Lúcia Antunes Rocha: "O contraditório garante não apenas a oitiva da parte, mas que tudo quanto apresente ela no processo, suas considerações, argumentos, provas sobre a questão, sejam devidamente levadas em conta pelo julgador, de tal modo que a contradita tenha efetividade e não apenas se cinja à formalidade de sua presença."

77. MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit., p. 228.

78. Idem. Ibidem, p. 229.

79. Apesar de partirmos do pressuposto pelo qual litígio não é deslealdade, aduz Egon Bockmann Moreira (ob. cit., p. 231) que quando estão presentes na relação processual a Administração-parte e o particular "acentua-se o dever de participação ativa daquele que proferirá a decisão – não no sentido de "litigar", subtrair informações e surpreender o administrado com provas e/ou provimentos inéditos no processo."

80. "Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

(...)

VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

(...)

§ 2º. Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados."

81. MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit., p. 233.

82. BACELLAR FILHO, Romeu Felipe. Ob. cit., p. 203.

83. Para Egon Bockmann Moreira (ob. cit., p. 232) "é dever do Estado colaborar, até mesmo ex officio, na interação do administrado no processo. Além de outorgar lapsos temporais para a manifestação das pessoas privadas, devem ser esclarecidas as razões de tais atos e as alternativas que deles derivam. O princípio do contraditório assegura ao particular a possibilidade de influenciar a atividade da Administração e o dever desta de auxiliar, de forma sempre isonômica, as partes da relação jurídico-processual."

84. "Art. 3º. O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração, sem prejuízo de outros que lhe sejam assegurados:

(...)

III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão objeto de consideração pelo órgão competente;"

85. Romeu Felipe Bacellar Filho (ob. cit., p. 218) segue equânime entendimento: "mais do que uma relação jurídica entre os sujeitos processuais, e portanto, regrada pelo Direito, o contraditório visa equilibrar as "forças" presentes em cada pólo da relação, a fim de que o desequilíbrio não conduza ao arbítrio ordenado legalmente".

86. Idem. Ibidem, p. 240.

87. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ob. cit., p. 32: "(...) interesse público ou interesse primário – que são os interesses da coletividade como um todo – e interesses secundários, que o Estado (pelo só fato de ser sujeito de direitos) poderia ter como qualquer outra pessoa, isto é, independentemente de sua qualidade de servidor de interesses de terceiros: os da coletividade".

88. MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit., p. 242.

89. Idem. Ibidem, p. 243: Conceitua-se o princípio da ampla defesa como "não apenas a prerrogativa de manifestação em processos que incidam sobre sua liberdade e/ou bens, mas garantia de participar ativamente na tomada de decisões estatais."

90. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, p. 202.

91. Idem. Ibidem, p. 202: "No concernente ao exercício do poder disciplinar, a garantia constitucional da ampla defesa veda a imposição de penas, sem a intermediação de processos (que pode ser simples)." Para a autora, este fundamento, calcado pelo art. 5º, LV da Constituição Federal é válido para qualquer tipo de pena que se almeja aplicar, sendo vedada a aplicação da verdade sabida.

Diz ainda a autora que para a imposição das multas de trânsito é inviável a possibilidade de se assegurar defesa prévia, solucionando-se tal fato mediante a atribuição de prazo adequado para que o interessado recorra para que o órgão decida antes do vencimento da multa (conforme expusemos no item 2.3.3, "b)").

92. FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adílson Abreu. Ob. cit., p. 88: Defendem estes autores a presença, no processo administrativo, do duplo grau de jurisdição: "(...) por razões de ordem prática, de celeridade, de economia processual, os conflitos de direito normalmente se processam perante um juiz singular, ficando assegurada a possibilidade de recurso a um órgão colegiado. Pelo menos, se ficar assegurada uma possibilidade de reexame por outro julgador, ainda que singular, sempre haverá maior garantia de imparcialidade e independência. Decisão única e absoluta pode levar ao arbítrio, pois, como é sabido, o poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente." E na p. 173 da mesma obra ensinam os autores que, seguindo as características do duplo grau de jurisdição, constata-se não ser necessário que o segundo exame seja feito por órgão de nível ou instância superior. O que deve ocorrer é a devolução de toda a matéria objeto da demanda à apreciação do segundo juízo."

93. Diz-se "geralmente", já que o profissional do Direito pode vir a ser designado, e não escolhido pela parte necessariamente.

94. Vide o Acórdão proferido pelo STF - importante no aspecto também do direito à informação ao cidadão nos processos administrativos sob pena de nulidade em razão de afronta ao devido processo legal - no RE 157905/SP, relator Ministro Marco Aurélio, julgado em 06/08/1998, Pleno. Vejamos: "Devido processo legal – Infração – Autuação – Multa – Meio ambiente – Ciência ficta – Publicação no jornal oficial – Insubsistência. A ciência ficta de processo administrativo, via Diário Oficial, apenas cabe quando o interessado está em lugar incerto e não sabido. Inconstitucionalidade do § 4º do artigo 32 do Regulamento da Lei 997/76 aprovado via Decreto 8468/76 com a redação imprimida pelo Decreto 28313/88, do Estado de São Paulo, no que prevista a ciência do autuado por infração ligada ao meio ambiente por simples publicação no Diário."

95. FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adílson Abreu. Ob. cit, p. 71.

96. Art. 3º. (...) IV – "fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei".

97. MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit., p. 258.

98. PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Ob. cit., p. 83.

99. Um exemplo é o sistema de avaliação do servidor público (Auditor Fiscal do Tesouro Nacional) para obter-se maior ou menor a Gratificação por Desempenho de Atividade Tributária.

100. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ob. cit., p. 82.

101. Idem. Ibidem, p. 40.

102. Para a Prof.ª Maria Sylvia Zanella Di Pietro (ob. cit., p. 82), "(...) na Constituição Federal, a exigência de motivação consta expressamente apenas para as decisões administrativas dos Tribunais (art. 93, X) não havendo menção a ela no art. 37, que trata da Administração Pública, provavelmente pelo fato dela já ser amplamente reconhecida pela doutrina e jurisprudência. Na Constituição Paulista, o artigo 111 inclui expressamente a motivação entre os princípios da Administração Pública."

103. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ob. cit, p. 82.

104. Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

105. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

(...)

VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;

106. Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;

II - imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública;

IV - dispensem ou declarem a inexigibilidade: de processo licitatório;

V - decidam recursos administrativos;

VI - decorram de reexame de oficio;

VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos, propostas e relatórios oficiais;

VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo.

§ 1º. A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato.

§ 2º. Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados.

§ 3º. A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito.

107. FERREIRA, Daniel. Ob. cit., p. 103: "(...) é bom assinalar que também será imprescindível o devido processo mesmo em situações ampliativas de direitos nas quais se apresente um presumido ou concreto conflito de interesses." (grifos nossos)

Assim, para o administrado poder se defender diante do devido processo, deverá estar ciente da motivação de atos administrativos ampliativos de direito que interesse a mais de um administrado e nos atos restritivos de direito.

108. Em sentido contrário manifesta-se o Prof.º Celso Antônio Bandeira de Mello (Ob. cit., p. 444): "Conquanto seja certo que o arrolamento em apreço abarca numerosos e importantes casos, o fato é que traz consigo restrição intolerável. Basta lembrar que em País no qual a Administração freqüentemente pratica favoritismos ou liberalidades com recursos públicos a motivação é extremamente necessária em atos ampliativos de direito, não contemplados na enumeração. Assim, parece-nos inconstitucional tal restrição, por afrontar um princípio básico do Estado de Direito."

109. Preleciona Egon Bockmann Moreira (ob. cit., p. 258) que apesar de cogente, a enumeração contida no art. 50 da Lei n.º 9784/99 é exemplificativa.

110. MOREIRA, Egon Bockmann. Ob. cit., p. 214.

111. Idem. Ibidem, p. 258.

112. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Ob. cit., p. 436: "Deveras, seriam impossíveis ‘o contraditório e a ampla defesa’, constitucionalmente previstos, sem audiência do interessado, acesso aos elementos do expediente e ampla instrução probatória. Assim, também seria impossível exercitá-los eficientemente sem direito a ser representado e assistido por profissional habilitado. De outra parte, uma vez que o Texto Constitucional fala em ‘recursos a ela inerentes’ [no art. 5º, LV da CF] (isto é, inerentes à ampla defesa), fica visto que terá de existir revisibilidade da decisão, a qual será obrigatoriamente motivada, pois, se não o fosse, não haveria como atacá-la na revisão." [ou perante o Poder Judiciário]. (observações nossas)

113. Segundo Celso Ribeiro Bastos in Curso de Direito Administrativo, Saraiva, 4ª ed., 2000, p. 212, se o Acórdão definitivamente julgado em processo administrativo pode ser analisado pelo Poder Judiciário, este tem o poder de modificá-lo por inteiro em sua atividade jurisdicional. Vejamos: "Embora encontremos por vezes a expressão "coisa julgada administrativa", esta nada mais significa do que uma decisão que tramitou o máximo que lhe era admissível no âmbito da Administração. Neste âmbito ela se exauriu, esgotou as suas fontes recursais, a possibilidade da sua modificação, e nessa altura ganha definitividade relativa, se quisermos uma definitividade que a imuniza perante a própria Administração, mas não de modo genérico como é próprio da atividade jurisdicional. Em outras palavras, a decisão mesmo que revestida da força de coisa julgada administrativa comporta decisão para o Poder Judiciário." (grifo nosso)

114. Corroboramos esta idéia com sustentáculo em entendimento jurisprudencial extraído do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

"Na concepção racionalista, analítica do Direito, o ato administrativo é reduzido a elementos ou requisitos: competência, forma, motivo, objeto e finalidade. Noutro ponto de vista, mais evoluído, não se fala em elementos ou requisitos e sim, em aspectos. O ato é visto sob ângulos diversos, mas como um todo integrado.

Todavia, mesmo nessa visão total, ainda se mantém a separação mérito e legalidade, fazendo-se um grande exercício para classificar os referidos aspectos num ou noutro campo, diante da ciosa preocupação em só permitir o controle judicial sobre a legalidade. Pertencem ao campo da legalidade a competência, a forma (em que se inclui a exigência de motivação e de devido processo legal) e a finalidade. O objeto e os motivos constituem o mérito do ato, com exceção de uma restrita faixa relativa à existência e adequação dos motivos. A avaliação da existência e adequação dos motivos, em relação ao objeto, é transportada para o campo da legalidade.

Não há necessidade desse exercício se for admitida uma zona fronteiriça (de penumbra) entre o mérito e a legalidade, em que o controle judicial do ato seja aceito com fundamento nos princípios de razoabilidade e proporcionalidade. A discricionariedade é dada ao administrador não para que possa livremente escolher o resultado a alcançar, mas para que busque a melhor solução, que de antemão não poderia ser prevista em lei. Deve o administrador perseguir o melhor resultado porque está sujeito a outros controles, além do controle judicial, inclusive a controle político. (grifos nossos)

(TRF da 1ª região, 1ª Turma, AI n.º 1999.01.00.122895-6/MG, Relator Juiz Luciano Tolentino Amaral, DJ 31/07/2000, p. 41)"

115. Aqui, cabe ressalvar a posição adotada por Lúcia Valle Figueiredo, citada por Egle S. Monteiro da Silveira in Princípios Informadores do Direito Administrativo, NDJ, 1ª ed., 1997, p. 138, qual seja: (...) insurge-se a autora contra a postura do Judiciário de se eximir ao controle de alguns atos administrativos sob a alegação de impossibilidade do exame de mérito. O que, segundo ela, importa o não exame da própria legalidade do ato. "É claro que não irá o Judiciário verificar, por exemplo, se a estrada ‘X’ deverá passar pelo traçado ‘a’ ou ‘b’. Entretanto, poderá dizer o Judiciário – isto, sim – se aquela declaração de utilidade pública está nos termos da lei e se não há manifesta irrazoabilidade."

116. SILVEIRA, Egle S. Monteiro da; BASSANEZE, João Marcelo Tramujas; CHAMI, Jorge Antonio Ioriatti; MORAIS, Marília Mendonça; ROSA, Renata Porto de Adri; BECHO, Renato Lopes; ENDRES, Silvana Bussad. Princípios Informadores do Direito Administrativo, NDJ, 1ª ed., 1997, p. 212: "Todo ato administrativo, para ser válido, deve apoiar-se numa dupla demonstração: a) da existência de lei autorizadora de sua emanação; o denominado motivo legal; e b) da verificação concreta da situação fática para a qual a lei previu o cabimento daquele ato; o denominado motivo de fato."

117. Vide item 1.3.

118. Idem. Ibidem, pp. 82 e 83.

119. Idem. Ibidem, p. 675: Utilizamos o termo "ato discricionário" pelo motivo que ora colacionamos: "A expressão ‘ato discricionário’ deve ser vista com cautela. Não há no Estado de Direito um poder, propriamente dito, que seja discricionário fruível pela Administração Pública. Ocorre sim, atos pelos quais a Administração pode manifestar competência discricionária e atos em que a atuação administrativa é totalmente vinculada. Não se pode, assim, dizer existir poder discricionário abrangendo toda uma classe ou ramo de atuação administrativa."

120. Idem. Ibidem, p. 83: "Igualmente, o Judiciário não poderia conferir-lhes a real justeza se a Administração se omitisse em enunciá-las quando da prática do ato. É que se fosse dado ao Poder Público aduzi-los apenas serodiamente, depois de impugnada a conduta em juízo, poderia fabricar razões ad hoc, "construir" motivos que jamais ou dificilmente se saberia se eram realmente existentes e/ou se foram deveras sopesados à época em se expediu o ato questionado."

121. PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. Ob. cit., p. 82 e p. 195.

122. Vide item 3.4.3, rodapé n.º 108.

123. A aposentadoria compulsória aos 70 anos pela Administração Pública seria exemplo típico de ato vinculado. Aqui, podemos aferir que a pura e simples comprovação do fato (certidão de nascimento, por exemplo) com a sua subsunção à lei (aposentadoria compulsória) é suficiente, está implícita a motivação.

Porém, poderão ocorrer casos em que a prática de ato vinculado dependerá de certa apreciação e cotejamento dos fatos e das regras jurídicas em causa, sendo a motivação detalhada primordial para a defesa do administrado dentro da seara de determinado processo administrativo.

Tal análise dependerá do caso in concreto e da lei aplicável (princípio da legalidade) a ele diante do devido processo.

124. "Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei."

125. Caio Mário da Silva Pereira in Instituições de Direito Civil, Forense, Rio de Janeiro, 1989, 1ª ed., vol. 1, pp. 92 e 93, dissertou acerca do art. 2º da LICC, quanto à revogação expressa e tácita argüindo que: "(...) incompatibilidade poderá surgir também no caso de disciplinar a lei nova, não toda, mas parte apenas da matéria, antes regulada por outra, apresentando o aspecto de uma contradição parcial. A lei nova, entre os seus dispositivos, contém um ou mais, estatuindo diferentemente daquilo que era objeto de lei anterior. As disposições não podem coexistir, porque se contradizem, e, então, a incompatibilidade nascida dos preceitos que disciplinam diferentemente um mesmo assunto, impõe a revogação do mais antigo. Aqui é que o esforço exegético é exigido ao máximo, na pesquisa do objetivo a que o legislador visou, da intenção que o animou, da finalidade que teve em mira, para apurar se efetivamente as normas são incompatíveis, se o legislador contrariou os ditames da anterior, e, em conseqüência, se a lei nova não pode coexistir com a velha, pois, na falta de uma incompatibilidade entre ambas, viverão lado a lado, cada uma regulando o que especialmente lhe pertence.

Esta coexistência não é afetada, quando o legislador vote disposições gerais a par de especiais, ou disposições especiais a par de gerais já existentes, porque umas e outras não se mostram, via de regra, incompatíveis. Não significa isto, entretanto, que uma lei geral nunca revogue uma especial, ou vice-versa, porque nela poderá haver dispositivo incompatível com a regra especial, da mesma forma que uma lei especial pode mostrar-se incompatível com dispositivo inserto em lei geral. O que o legislador quis dizer (Lei de Introdução, art. 2º, § 2º, Lei geral de Aplicação das Normas, art. 4º, parág. único) foi que a generalidade dos princípios numa lei desta natureza não cria incompatibilidade com regra de caráter especial. A disposição especial irá disciplinar o caso especial, sem colidir com a normação genérica da lei geral, e, assim, em harmonia poderão simultaneamente vigorar. Ao intérprete cumpre verificar, entretanto, se uma nova lei geral tem o sentido de abolir disposições preexistentes."

126. SAMPAIO, Luiz Augusto Paranhos. Processo Administrativo, AB-Editora, Goiânia, 2000, p. 4: "Teve, ainda, presente que o sistema legal resguarda, quanto a matérias específicas, a observância de regimes especiais que regulam procedimentos próprios, como o tributário, licitatório ou disciplinar, a par do âmbito da competência de órgãos de controle econômico e financeiro. Por esse motivo, o projeto ressalvou a eficácia de leis especiais, com a aplicação subsidiária das normas gerias a serem editadas."

127. FERREIRA, Daniel. Ob. cit., p. 112: "(...) dependendo do alcance porventura reconhecido na "subsidiariedade dessa lei" (refere-se aqui o autor ao que reza o art. 69 da Lei n.º 9784/99), haverá obrigação de se deferir – em nível federal e antes mesmo da tomada de decisão acerca da imposição da sanção – o contraditório e ampla defesa a todos os administrados, neles se incluindo os acusados de infratores das normas de trânsito ou tributárias."

128. Vide o cabimento dos artigos 56, § 1º; 58; 61, parágrafo único, todos da Lei n.º 9784/99, devido à aplicabilidade subsidiária prelecionada no art. 69 da lei federal.

129. Analisar a contagem de prazos como colocado nos artigos 66 e 67 da lei federal de processo administrativo.

130. COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro; BELLO FILHO, Ney de Barros; COSTA, Flávio Dino de Castro. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais, Brasília Jurídica, 2000, p. 339.

131. Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.

§ 1º. A intimação deverá conter:

I - identificação do intimado e nome do órgão ou entidade administrativa;

II - finalidade da intimação;

III - data, hora e local em que deve comparecer;

IV - se o intimado deve comparecer pessoalmente, ou fazer-se representar;

V - informação da continuidade do processo independentemente do seu comparecimento;

VI - indicação dos fatos e fundamentos legais pertinentes.

§ 2º. A intimação observará a antecedência mínima de três dias úteis quanto à data de comparecimento.

§ 3º. A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.

§ 4º. No caso de interessados indeterminados, desconhecidos ou com domicílio indefinido, a intimação deve ser efetuada por meio de publicação oficial.

§ 5º. As intimações serão nulas quando feitas sem observância das prescrições legais, mas o comparecimento do administrado supre sua falta ou irregularidade.

Art. 27. O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado.

Parágrafo único. No prosseguimento do processo, será garantido direito de ampla defesa ao interessado.

Art. 28. Devem ser objeto de intimação os atos do processo que resultem para o interessado em imposição de deveres, ônus, sanções ou restrição ao exercício de direitos e atividades e os atos de outra natureza, de seu interesse.

132. Art. 2º. A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio.

133. ÁLVARES, Manoel; SOUZA, Maria Helena Rau de; CÂMERA, Miriam Costa Rebollo; SAKAKIHARA, Zuudi. Execução Fiscal – Doutrina e Jurisprudência, Saraiva, São Paulo, 1998, pp. 557-561.

134. Celso Antônio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo, 2000, p. 215.

135. Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, 25ª edição, p. 196: "A Justiça somente anula atos ilegais, não podendo revogar atos inconvenientes ou inoportunos mas formal e substancialmente legítimos, porque isto é apreciação exclusiva da Administração".

136. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in Direito Administrativo Moderno, 2001, p. 202.

137. Egon Bockmann Moreira, in Processo Administrativo — Princípios Constitucionais e a Lei 9.784. 2000, p. 95.

138. Odete Medauar, in Direito Administrativo Moderno, 2000, p. 199.


Autor


Informações sobre o texto

Monografia de conclusão de curso orientada pelo professor Daniel Ferreira, doutorando pela PUC-SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Daniel Tempski Ferreira da. O devido processo legal em face da Lei nº 9784/99. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3203. Acesso em: 24 abr. 2024.