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A Lei nº 10.444 e suas influências no CPC

A Lei nº 10.444 e suas influências no CPC

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O legislador brasileiro, na área processual civil, diversamente do que fez com o Direito Civil, optou por reformas escalonadas, de modo a viabilizar soluções casuísticas, principalmente para as situações em que a efetividade do processo se mostra mais comprometida. Assim tivemos as leis 8.950, 8.951, 8.952 e 8.953/94, que sucederam a mudanças anteriores de conteúdo menor, desde a vigência do CPC em 01.01.74.

Recentemente, vieram as leis 10.352 e 10.358/01, que mudaram regras recursais e procedimentos diversos. Essas normas estão vigentes desde março/02 e foram comentadas nas edições 48 e 49 desta Revista.

Agora surge a Lei 10.444 de 07 de maio de 2002, publicada em 08.05.2002, com vigência prevista para 08.08.02, introduzindo mudanças as mais variadas no CPC, todas elas procurando dar efetividade ao processo, tentando evitar o indesejável hábito de fazer as demandas intermináveis ou mesmo, em linguagem popular, a prática de ‘ganhar e não levar’ que têm contribuído em muito para o descrédito do Judiciário e, por extensão, da Advocacia.


DA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA E DOS EFEITOS DA SENTENÇA

A primeira mudança se insere na hipótese da antecipação de tutela, implementada pela Lei 8.952/94. Essa nova medida, sem dúvida, de alta efetividade processual, tem sido objeto de abusos e banalizações, seja pelos seus infundados requerimentos ou pelas concessões imotivadas. Todavia, não se pode negar a sua utilidade prática, sendo os vícios mera questão de adequação de hábitos profissionais e de respeito ao devido processo legal.

A doutrina tem se firmado no sentido de que é antecipação de tutela a concessão total ou parcial do pleito meritório, deferida em qualquer momento do processo, isto é, antes ou após a citação, após a resposta e mesmo na sentença, quando o juiz, determina o imediato cumprimento da decisão, sem aguardar o prazo de recurso (ver RESP 299433-RJ)

Nas regras convencionais, não havendo recurso, ocorrerá o trânsito em julgado e havendo inconformismo ter-se-á o pedido recursal que será recebido em ambos ou em apenas um dos efeitos (devolutivo), segundo o artigo 520 do mesmo CPC, conforme a redação que lhe deu a Lei 10.352/01. Assim, o cumprimento imediato, sem aguardar o prazo do recurso, é pura antecipação de tutela. Para alguns estudiosos, essa prática violenta o contraditório recursal.

Nos casos de concessão antes da sentença, não se tem dúvida quanto ao fato de se tratar de antecipação de tutela, mas quando o cumprimento imediato é determinado na sentença, é bom lembrar que se o juiz não espera o prazo recursal para impor o trânsito em julgado ou para definir os efeitos do pertinente recurso, quase sempre apelação, terá antecipado a tutela, ou atropelado a igualdade que a Justiça deve dar aos litigantes. Mesmo assim, essa concessão só pode ocorrer a requerimento da parte, estando o juiz obrigado a verificar a ocorrência das condições de prova inequívoca e verossimilhança que, em tese, foram avaliadas na própria sentença cujos efeitos foram antecipados.

A primeira mudança surge na alteração do § 3º do artigo 273, que trata da execução antecipada do pleito material buscado no processo. Na redação anterior havia referência exclusiva ao artigo 588, incisos II e III, que cuidam da execução provisória e suas condições. Agora, além do uso das regras do 588, a nova redação se reporta também ao artigo 461, §§ 4º e 5º, bem como ao novo artigo 461-A, criado por esta própria Lei.

Aqui, é preciso lembrar que a mesma Lei 10.444/02, fez alterações substanciais no artigo 588. No ‘caput’ trocou a referência final que fazia a ‘princípios’ para ‘normas’. Óbvio que a questão não era de princípio, mas de regra, norma casuística mesmo, portanto melhor a nova linguagem.

No inciso I, do 588 há também uma correção redacional, que troca a palavra ‘credor’ por ‘exeqüente’, acertando mais, pois no processo, as figuras do credor e do devedor que são nomenclaturas do direito material, se convertem em exeqüente e executado. É uma correção terminológica que dá melhor qualidade ao texto legal.

O mesmo inciso I que fixava a obrigação do ‘credor’ hoje exeqüente, exigia caução para a hipótese de prejuízo ao ‘devedor’ executado, perdeu esse casuísmo, ficando apenas como regulador do dever geral de reparação de dano. A caução ficou tratada no inciso II, com mudanças.

O inciso II do 588, na prática, não permitia atos que importassem na alienação de domínio. Para o levantamento de depósito em dinheiro, exigia ‘caução idônea’. A nova redação, que deve ser analisada em conjunto com o inciso I do mesmo artigo, pois este garante, genericamente, ressarcimento ao ‘executado’ em caso de prejuízo por reforma da sentença, libera, desde que haja ‘caução idônea’ a prática dos atos de alienação de domínio e de levantamento de dinheiro, bem como de quaisquer outros, mesmo que importem em risco de grave dano ao executado.

É preciso, todavia que esse conceito valorativo de caução idônea, aplicável no cumprimento da execução provisória e na antecipação de tutela, que não deixa de ser uma ‘execução provisoríssima’, seja tratado com o muito respeito pelos juizes, incluindo sério rigor quanto à efetividade da caução. Óbvio que uma Nota Promissória emitida pelo credor provisório, por terceiro, ou ainda uma certa fiança prestada por quem não tenha capacidade para honrar o ressarcimento no caso de reversão do ‘decisum’ exeqüendo, não pode ser considerada caução ‘idônea’.

A inadmissão total das cauções cedulares, poderá inutilizar a mudança que a lei sob comento buscou trazer, isto é, a eficiência ou efetividade do processo. Todavia, para admiti-las o juiz deve se acautelar da ‘idoneidade’ do emitente ou garantidor, evitando que haja mero sofisma de garantia. É preciso obtemperar essa prática, de modo a não inviabilizar o objetivo da lei, sem todavia banalizar a idoneidade da caução, de modo a permitir que a referência a ‘garantia idônea’, seja interpretada como mera garantia formal. O que a lei quer é dar praticidade ao processo, mas é preciso não generalizar esse objetivo de modo a convertê-lo em caminho fácil e rápido para a fraude judicialmente viabilizada.

A libertinagem na aplicação desse conceito de caução deverá ser entendida como abuso de poder, por ele respondendo o Estado e, pessoalmente o Juiz em direito de regresso ou em solidariedade, segundo o § 6º do artigo 37 da CF/88.

Na redação antiga do § 3º do artigo 273, havia referência apenas aos incisos II e III do artigo 588. Na nova redação, há referência total ao novo 588, permitindo concluir que todos os seus incisos são também aplicáveis. Isto é, têm regras similares, no que não colidirem, a execução provisória e o cumprimento da antecipação de tutela.

Dúvidas surgem quando se lê a nova redação do inciso III do artigo 588, para aplicação na hipótese do 273, pois este agora se reporta, claramente, à ‘sentença’ quando alterada por superveniente ‘acórdão’. Ora, a antecipação de tutela, embora, segundo nossa ótica, possa vir na sentença, em regra não ocorre nesse ato do juiz, sendo mais comum em decisão interlocutória. Desse particular cuidará a jurisprudência e a doutrina. Por analogia, entretanto, a palavra acórdão, deverá ser lida como sentença, nos casos em que tenha ocorrido a antecipação por decisão interlocutória e o ato decisório final, isto é, a sentença, julgue improcedente o pedido que antes havia sido antecipado.

Buscando a efetividade também em relação à parte requerida quando tenha contra si uma execução provisória ou tutela antecipada cumprida e ao depois não confirmada, o legislador criou o inciso IV no artigo 588, definindo que ‘eventuais prejuízos serão liquidados no mesmo processo’ Trata-se de uma ampliação do princípio da brevidade já previsto no parágrafo único do artigo 811 que cuida da reparação de danos pelo cumprimento de cautelares, cuja sentença final de mérito não confirme a necessidade, a oportunidade, ou a adequação da cautela antes concedida.

Segundo nossa análise, a responsabilidade do exeqüente pela execução provisória ou pelo cumprimento da tutela antecipada, é de natureza objetiva, independente de apuração de culpa ou de dolo.

O que vinha tratado no parágrafo único do 588, foi transferido para o § 1º do mesmo artigo, com pequenas mudanças de redação que, entretanto, mantém a obviedade do enunciado indicativo de que a alteração parcial da sentença provisoriamente executada ou da antecipação de tutela (por referência implícita no § 3º do novo artigo 273), já cumprida, só implicará na mudança da parte efetivamente reformada.

O novo § 2º do artigo 588, estabelece ser possível a dispensa da caução nos casos de créditos de natureza alimentar que tenham valor máximo de sessenta vezes o salário mínimo, quando o exeqüente se encontrar em estado de necessidade. Aqui também vão surgir interpretações variadas. Primeiro porque a dispensa é facultativa. Segundo porque sugere juízo valorativo sobre o pretenso estado de necessidade e sua forma probatória. Terceiro porque estabelece a dúvida se poderá ser dispensada a caução nas execuções provisórias reiteradas entre as mesmas partes, de modo a permitir um somatório superior ao limite aqui previsto, mas individualizadamente respeitando o mesmo limite até o trânsito em julgado na execução provisória, ou até a sentença de mérito na antecipação da tutela, conforme seja o caso.

O § 3º do novo 273 também se reporta aos §§ 4º e 5º do artigo 461, que tratam da execução específica da obrigação de fazer ou não fazer, tornando clara a aplicação dos mesmos no caso da antecipação de tutela daquela especificidade obrigacional.

O § 4º não sofreu qualquer mudança redacional. O 5º, por sua vez, recebeu a inclusão da hipótese de aplicação de multa diária por descumprimento, além das outras formas de execução e apenações já previstas.

Ao artigo 461 foi acrescido o § 6º, conferindo ao juiz a possibilidade de alterar o valor e ou a periodicidade da multa que tenha fixado para o inadimplemento das obrigações de fazer ou não fazer, quando verificar que aquela se tornou insuficiente ou excessiva.

Como antes dito, a Lei 10.444/02 criou o artigo 461-A que, no ‘caput’ ordenou que o juiz fixe o prazo para atendimento da obrigação de entrega de coisa.

Incorporados ao 461-A vieram os §§ 1º, 2º e 3º. O primeiro deles traz para o mundo do processo, com adaptações próprias, a regra já prevista no 875 do CCB/16 (244 do CCB/2002), explicitando a solução para a execução de coisa incerta (art. 629 do CPC), dispondo sobre a faculdade de escolha da coisa entre o exeqüente e o executado, ali referidos como credor e devedor.

O § 2º, por sua vez, estabelece que não havendo satisfação obrigacional dentro do prazo assinado, será expedido mandado de busca e apreensão, ou de imissão na posse, conforme se tratar de coisa móvel ou imóvel. A previsão, em princípio, não traz dúvida interpretativa.

Por fim, o § 3º do mesmo 461-A traz para o seu campo as situações previstas nos §§ 1º a 6º do artigo 461. Também não nos parece necessário qualquer esforço interpretativo, todavia, há repetição de tratamento de matérias similares, o que permitirá leituras díspares para situações congêneres, segundo a conveniência do interessado

É bom lembrar que essas regras, por referência explícita se aplicarão também no cumprimento da tutela antecipada que envolva tais formas obrigacionais. A alteração da seqüência busca manter a sistematização com o vínculo trazido pela referência expressa no § 3º do artigo 273, com suas mudanças.

O artigo 273 recebeu a adição do § 6º que consolida um entendimento já praticado, ou seja, a possibilidade de concessão parcial da tutela antecipadamente buscada, quando apenas uma parcela se mostrar incontroversa.

Também foi adicionado ao 273 o § 7º que aplica o princípio da fungibilidade para o caso de pedido cautelar sob o rótulo de antecipação de tutela, dizendo que o juiz, sentindo presentes os pressupostos cautelares, poderá deferir a medida em caráter incidental do processo ajuizado.

Ao se utilizar a expressão ‘processo ajuizado’, a nova Lei bem define que a antecipação de tutela é matéria própria do conhecimento, divergentemente das medidas preparatórias ou assecuratórias que são cautelares.

A matéria terá aplicação pacífica se o erro de postulação se der de forma incidental, isto é, depois de iniciado o processo. Todavia, quando o requerimento cautelar travestido de antecipação de tutela ocorrer na inicial, a nova regra apresentará grave dificuldade de aplicação, pois não haverá como realizar deferimento cautelar incidental concomitante com a instauração do processo de conhecimento, a não ser que o juiz desatenda a regra da inação oficial na jurisdição civil, esta fixada no artigo 2º do CPC e determine a duplicação da inicial, ficando o original como processo de conhecimento e sua cópia, talvez apensada, como processo cautelar.


DO PROCEDIMENTO SUMÁRIO

O procedimento sumário previsto no artigo 275 que estava limitado ao equivalente a vinte (maiores) salários mínimos vigentes no País, conforme indicação do seu inciso I, teve majorado seu universo para ações gerais de até sessenta salários mínimos, com a adequação à nova realidade que unificou o padrão mínimo salarial em todo Brasil.

Essa mudança vai dar maior abrangência ao procedimento sumário, restaurando-lhe a utilidade prática inicial, isto é, antes da criação dos Juizados Especiais que, com alguma limitação, entre elas a de não permitir esse procedimento simplificado quando o autor seja pessoa jurídica, já atendiam as causas de até quarenta salários mínimos.

A mudança no ‘caput’ do artigo 280 evidenciou má técnica legislativa, na medida em que, não tendo havido revogação do seu inciso I, que textualmente já tratava das vedações ali agora repetidas, com a ressalva exclusiva à ‘intervenção fundada em contrato de seguro’.

A permissão interventiva tem utilidade prática, permitindo que as companhias de seguro sejam chamadas ou entrem nos processos por cujos resultados mais tarde responderão, obrigando-lhes a participar ou instaurar processo novo para discussão das conseqüências do processo original.


DA PENA POR INADIMPLÊNCIA

O artigo 287 sofreu correções redacionais, tal como a troca da referência fato para ato, quanto à obrigação de fazer ali implícita.

Também mudou a equivocada indicação de que ‘constará da petição inicial’ o pedido de imposição de multa por inadimplência, quando, conforme agora adaptado, o correto seria "poderá constar", isto é, requerer a imposição de pena, pois essa é uma prerrogativa e não uma obrigação da parte.

Na realidade, a grande mudança foi a inserção da aplicabilidade da pena quando a inadimplência se vincular a descumprimento de obrigação resultante de antecipação de tutela, conforme diz a parte final do artigo 287. Essa mudança é mera adaptação à regra do 273 que veio com a lei 8952/94, posterior à redação do referido artigo.


DA AUDIÊNCIA PRELIMINAR

Sem boa técnica legislativa a mudança imposta ao artigo 331 do CPC aparece no artigo 1º da Lei 10.444/02, enquanto o nome da seção em que se insere foi alterado à frente, ou seja, no artigo 3º da mesma Lei que enuncia: ‘A Seção III do Capítulo V do Título VIII do Livro I da Lei 5869, de 11 de janeiro de 1973, passa a denominar-se "Da Audiência Preliminar".

A alteração é pertinente, inclusive porque não havia referência expressa a saneamento, este resultava de interpretação analógica. A referida seção se limitava ao artigo 331 e seus dois parágrafos. O acréscimo do § 3º torna clara a possibilidade de não se realizar a audiência conciliatória quando as circunstâncias indicarem a improbabilidade da composição, além, obviamente, daqueles casos em que a transação seja impossível por vedação legal, como nos direitos indisponíveis.

Curiosamente, quando a seção perde o nome que se referia a saneamento, o novo § 3º a ele se reporta como ato facultativo do juiz após a análise da impossibilidade da conciliação.

Embora o texto legal, implicitamente, só confira ao Juiz a valoração quanto às probabilidades conciliatórias, admite-se a hipótese de uma das partes peticionar dizendo que não pretende compor e que requer seja o processo seja saneado (§ 3º), determinadas as provas e designada audiência, se necessário (§ 2º). Essa providência seria agilizadora, evitando tentativa de conciliação inviável.

É bom lembrar, todavia que por previsão expressa no inciso IV do artigo 125 do CPC, compete ao Juiz ‘tentar a conciliação a qualquer tempo’, o que está ratificado na redação do artigo 448, que inclui a fase conciliatória na parte primeira da Audiência de Instrução e Julgamento. Também o Código de Ética da Advocacia Brasileira, inclui entre os deveres do advogado ‘estimular a conciliação entre os litigantes... "


DA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA

Desde o advento da Lei 8898/94, ‘quando a determinação do valor da condenação depender de cálculo aritmético’, o credor deverá apresentá-lo, com o pedido, conforme redação atribuída ao artigo 604 pela referida norma legal que modificou o CPC. Trata-se de uma regra similar àquela inserida pela Lei 8953/94 no inciso II do artigo 614 que cuida da Execução por quantia certa,

Ao artigo 604 que não teve alteração no ‘caput’ deu-se o § 1º que admite a requisição judicial de dados liquidatários quando os mesmos estiverem em poder do executado ou de terceiro. Em relação ao primeiro, no caso de não atendimento no prazo fixado (até trinta dias), estabelece a pena processual de presunção de veracidade do cálculo apresentado pelo exeqüente. Quanto ao terceiro, a resistência será considerada desobediência, com as conseqüências daí resultantes, inclusive no mundo do direito penal.

Em relação ao executado o novo § 1º (artigo 604), segue as regras estabelecidas para a Prestação de Contas, cujo § 2º do artigo 915 do CPC, fixa que, na procedência do pedido, o réu deverá apresentar as contas em 48 horas, sob pena de poder impugnar as que o autor apresentar. É boa a unificação de regras para situações similares.

O mesmo artigo 604 recebeu um § 2º que admite ao juiz o uso do ‘contador’ oficial antes da citação para conferência da memória de cálculo, quando a mesma lhe parecer excessiva em relação aos limites da decisão exeqüenda e também nos casos de assistência judiciária. Quanto à primeira hipótese, a lei cuidou de evitar os abusos. Quanto à segunda, buscou atender aos hipossuficientes que, em tese, não dispõem de meios para pagar um especialista em cálculos.

É de se admitir que nos casos de assistência judiciária, a inicial da execução com base em titulo judicial possa vir sem o cálculo, com o pedido de sua feitura pelo contador do juízo, pois outra inteligência seria colocar em dúvida a liquidação apresentada pelos beneficiários da Lei 1060/50.

Esse § 2º diz que o credor poderá divergir do cálculo oficial quando inferior ao que apresentara. A execução, todavia, seguirá com o valor original, mas a penhora se limitará ao valor do contador do juízo. Nesse caso, havendo Embargos, eles deverão tratar da diferença de valor como excesso de execução. A sentença que julgá-los apreciará a matéria e como a penhora se fez com base no valor menor, será complementada quando o produto dela resultante não for bastante e para cumprir a obrigação.


DA ENTREGA DE COISA CERTA

A nova redação do artigo 621 do CPC trouxe claro que a execução ali tratada tem como base exclusiva o ‘título extrajudicial’, adequado-se à Seção I do Capítulo VIII, do Livro I, que trata dos ‘... efeitos da sentença’, cujo artigo 461-A, agora criado, cuida do cumprimento da obrigação de entrega de coisa contida em título judicial, ou seja, na sentença. Nenhuma outra novidade veio na nova redação do ‘caput’ do 621.

A nova Lei (10.444/02) deu a esse artigo um parágrafo único, harmonizando a hipótese (execução de título extrajudicial), com a execução para entrega de coisa certa emergente de título judicial (artigo 461-A, § 3º, c/c 461 e §§), conferindo ao juiz a mesma alternativa de fixar multa diária por atraso no cumprimento da obrigação, bem como a prerrogativa de alterar-lhe o valor no curso do processo, quando houver insuficiência ou excesso. É a preservação de igual ‘espírito da lei’ para situações similares.

O artigo 624 também foi alterado, adequando-se à nomenclatura correta de exeqüente no lugar de credor. Por razão óbvia, excluiu a referência ‘de acordo com a sentença’ pois a execução ali tratada só tem como base o título extrajudicial. Na parte final trocou ‘perdas e danos’ por ‘prejuízos’ referências quase equivalentes.

Para a situação prevista no artigo 625, agora não alterado, que prevê a hipótese de não entrega da coisa, o artigo 627 teve adequação de seus §§ 1º e 2º. No primeiro amoldou-se à nova realidade, trocando as palavras sentença por ‘título’ e credor por ‘exeqüente’, pelas razões já expostas neste estudo. Ali estabelece ainda que quando não houver ‘no título o valor da coisa, ou sendo impossível sua avaliação, o exeqüente far-lhe-á a estimativa, sujeitando-se ao arbitramento judicial’

No parágrafo segundo, houve mera inversão de ordem no texto, com a exclusão da palavra sentença e troca da expressão perdas e danos por ‘prejuízos’. remetendo o exeqüente para a liquidação. É óbvio que a liquidação será aquela prevista no § 1º deste artigo, qual seja o arbitramento judicial.

A aplicação do arbitramento em liquidações não resultantes de títulos judiciais já constava do inciso II do artigo 606, embora o título da seção enuncie tratar ‘Da Liquidação da Sentença’ e não tenha sido modificado por esta Lei. Sabe-se que essa forma liquidatária realiza-se através de perito judicial.


DOS EMBARGOS NA ENTREGA DE COISA

O artigo 4º da Lei 10.444/02 deu nova redação ao 744 do CPC, também o transferiu do Capítulo II do Título III, do Livro II, que trata dos Embargos à Execução Fundada em Sentença, para o Capítulo III dos mesmos Título e Livro. Essa mudança decorre da alteração no citado artigo 744 que perdeu a antiga referência a ‘execução de sentença’, ficando a hipótese dos embargos ali previstos para a Execução para Entrega de Coisa, com base em título extrajudicial.

Todas as referências detalhista contidas na redação antiga foram substituídas pela indicação objetiva de ‘execução para entrega de coisa’, com remissão ao artigo 621 que agora só cuida da execução dessa espécie quando fundada em título não originário da Justiça.


DA EXECUÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE FAZER E DE NÃO FAZER

Aqui a nova redação conferida ao artigo 644 continuou reportando-se à sentença, deixando clara a situação de tratar-se de execução fundada em título judicial. É que a obrigação resultante de título extrajudicial cumpre-se na forma do artigo 645 que não foi alterado. O texto que passa a vigorar em agosto/02 remete essa espécie exeqüenda para o artigo 461 que trata dos ‘... efeitos da sentença’. A aplicabilidade desse dispositivo (artigo 461) e do novo 461-A, já foi objeto de análise neste texto, na parte relativa à "entrega de coisa certa’ cujas referências são aqui ratificadas.


DA PENHORA

Essa modalidade de garantia do juízo prevista no artigo 659 do CPC e aplicável na Execução por Quantia Certa para viabilizar os Embargos, teve determinada sua inscrição no CRI respectivo (ver art. 168 da Lei 6015/73 - LRP), quando envolva imóvel, desde a vigência da Lei 8953/94.

A minguada redação, entretanto, não deixava claro se o ato registral era indispensável ou não, particularmente, quando da discussão provocada por terceiro, sob alegação de boa fé aquisitiva de bem penhorado e com penhora não inscrita. Também se discutia se o registro era ato essencial à validade da penhora.

A discussão se estabeleceu de modo a dar azo à idéia de que, sendo a inscrição integrativa da penhora, o prazo para embargos só começaria a correr a partir de sua consumação no Registro Público pertinente.

Para solucionar essa questão, foi alterada a redação do § 4º e dado ao mesmo artigo 644 um novo § 5º.

Quanto a terceiros, a nova redação do § 4º exige que o exeqüente promova o respectivo registro no ofício imobiliário, mediante apresentação de certidão do ato constritivo, independentemente de mandado.

A redação dada ao § 4º do artigo 659 do CPC simplificou a regra do artigo 239 da LRP (6015/73) que exigia mandado ou certidão do escrivão para registro. Agora, a certidão do ato constritivo, isto é do auto ou termo de penhora bastará.

A simplificação, entretanto, não deve ser ampliada de modo a tornar banal o ato do registro constritivo. A certidão do cartório judicial deverá atender aos requisitos mínimos previstos no artigo 176 c/c o 225 da mesma LRP.

Vê-se que o registro da penhora ficou como tarefa do exeqüente (inciso II do artigo 13 da Lei 6015/73), que também responde pelo dever de provar, prévia e documentalmente, a titularidade dominial do executado sobre o bem a ser penhorado.

Em contrapartida a nova regra processual fixou a presunção absoluta do conhecimento por terceiros quando a constrição estiver registrada no CRI. A contrário senso, trouxe a idéia de que a penhora não inscrita (registrada) não alcança direito de terceiros adquirentes, cuja boa fé seria presumida. Essa presunção, todavia, segundo doutrinadores importantes não é absoluta, comportando prova em sentido contrário, quanto a possível fraude que seja materialmente provada.

Essa nova realidade mitiga os efeitos da presumida publicidade do processo judicial, dando justificada precedência à presunção de conhecimento do registro público, pois todo adquirente imobiliário deve fazer a pesquisa no respectivo CRI, único para a matrícula e registro de cada imóvel. A execução, por sua vez, pode se dar em locais os mais variados, em razão das diferentes possibilidades da competência jurisdicional.

O novo § 5º dá clareiras à seqüência processual, fixando que ‘apresentada a certidão da respectiva matrícula, a penhora de imóveis, independentemente de onde se localizem, será realizada por termo nos autos, do qual será intimado o executado, pessoalmente ou na pessoa de seu advogado, e por este ato constituído depositário.’ É razoável pensar que o advogado não tem o dever de ser depositário, embora a lei possa assim ser entendida. Quando intimado da penhora, o profissional da advocacia deve diligenciar para que seu constituinte seja o depositário, evitando possíveis transtornos.

Para atender ao artigo 239 da LRP, o ato da constrição judicial deve indicar o nome do juiz, o depositário (exeqüente ou advogado) e as partes que estão litigando. Esse formalismo, ao que entendemos, não foi revogado e contribuirá para melhor segurança e elucidação do ato restritivo do direito dominial.

Embora haja exigência do registro para plena eficácia da penhora, é compreensível entender que a partir do ato da intimação desta, começa a correr o prazo para oferta dos respectivos embargos, independentemente daquele ato do registro público que surte efeito no campo do direito dominial e não no processo.

A Lei 10.444/02 excluiu a exigência do oficial de justiça para realização da penhora e seu registro, pois essas tarefas ficaram a cargo do próprio exeqüente, podendo a penhora ser realizada no próprio cartório em que tramite o processo da execução, mesmo que em foro distinto daquele em que se situa o imóvel. É justificado entender que acabarão as onerosas cartas precatórias para registro da penhora


DO ARRESTO

Nesse particular a nova redação atribuída ao parágrafo único do artigo 814 do CPC, apenas supriu a omissão anterior, pois, embora o artigo 18 da Lei de Arbitragem (Lei 9307/96), estabeleça que "o arbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso, ou a homologação pelo Poder Judiciário", a lei processual se reportava ao laudo arbitral pendente de homologação.

A redação do referido parágrafo único também desatendia o disposto no inciso VI do artigo 584 do CPC, com a redação que lhe deu a Lei 10.358/01 que incluiu no rol dos títulos executivos judiciais "a sentença arbitral’. Desse modo, não havia mais motivo para a referência a ‘laudo arbitral pendente de homologação’, pois, como vimos, o ato decisório do árbitro passou a se denominar sentença e não precisa ser homologado judicialmente para fins de execução.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SENA, Felicíssimo; DUARTE, Martha Izabel de Souza. A Lei nº 10.444 e suas influências no CPC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3224. Acesso em: 25 abr. 2024.