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CIVISMO OBRIGATÓRIO

CIVISMO OBRIGATÓRIO

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O artigo critica o voto obrigatório

CIVISMO OBRIGATÓRIO

Até que a reação dele fez sentido. Quer dizer, não tinha nem completado um ano como eleitor registrado quando, ao chegar em casa, viu uma carta envelopada. As chances de não ser boa coisa eram grandes. Quem é que escreve em papel e envia cartas envelopadas pelo Correio, hoje em dia? Meus alunos só usam celulares, ipods, tablets e Deus sabe lá que outros brinquedos eletrônicos. Mas era uma carta envelopada e carimbada, como nos velhos tempos – os meus, não os dos meus alunos, é claro. Não devia ser coisa boa, e a probabilidade de não haver nada de bom naquilo só fez aumentar quando percebeu que havia um timbre oficial, do Governo. E ao abrir o envelope, seus pressentimentos foram confirmados – sob pena de multa, devia apresentar-se a uma certa zona eleitoral, como mesário convocado para as próximas eleições.

Desânimo.

Ao desânimo, somou-se a indignação.                                                                                                    

Precisavam ameaçá-lo com multa, como se tivesse avançado um sinal de trânsito ou jogado lixo no chão? Mas a carta também informava que poderia faltar dois dias no trabalho, como consolo. Talvez tivesse servido como consolo se ele também trabalhasse, além de estudar, mas não era o caso. E, pensando bem, porque faltar ao trabalho? Só por ter participado das eleições como mesário? As horas extras trabalhadas em prol da democracia seriam mais desgastantes do que aquelas feitas no escritório? Se eu não posso faltar dois dias no trabalho porque fiz horas extras ao longo de uma semana inteira, porque eu deveria poder faltar dois dias por ter trabalhado dois outros como mesário eleitoral? E o que adianta se você, como estudante, faltar dois dias? O professor deixará de dar as matérias para a turma, só porque você estará exercendo seu direito de não fazer nada porque trabalhou como mesário? E se você for vendedor, ou profissional autônomo, vai deixar de vender e de correr atrás para chegar na frente, só porque foi mesário? Não dá nem dizer, “bem feito, quem mandou querer ser mesário”, porque não foi você quem quis, foi o Governo. Sob pena de multa.

Abaixo a multa. Abaixo o voto obrigatório. Abaixo a compensação dos dias trabalhados. Alguém pediu compensação dos dias trabalhados como voluntário nos Jogos Pan-americanos, alguém fica pensando em compensação se vier a trabalhar como voluntário nas Olimpíadas de 2016? Chega de civismo obrigatório


Autor

  • Alberto Nogueira Júnior

    juiz federal no Rio de Janeiro (RJ), mestre e doutor em Direito pela Universidade Gama Filho, professor adjunto da Universidade Federal Fluminense (UFF), autor dos livros: "Medidas Cautelares Inominadas Satisfativas ou Justiça Cautelar" (LTr, São Paulo, 1998), "Cidadania e Direito de Acesso aos Documentos Administrativos" (Renovar, Rio de Janeiro, 2003) e "Segurança - Nacional, Pública e Nuclear - e o direito à informação" (UniverCidade/Citibooks, 2006); "Tutelas de Urgência em Matéria Tributária" (Forum/2011, em coautoria); "Dignidade da Pessoa Humana e Processo" (Biblioteca 24horas, 2014); "Comentários à Lei da Segurança Jurídica e Eficiência" (Lumen Juris, 2019).

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