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A ilegalidade e o perigo do sistema “scoring”

A ilegalidade e o perigo do sistema “scoring”

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O sistema "scoring" e a pseudo ideia de segurança às relações comerciais.

Ledo engano pensar que o sistema “scoring” se presta a dar segurança às relações comerciais, sejam elas de caráter consumerista ou não.

Em realidade, não somente descumprem uma série de previsões legais, constitucionais e infra-constitucionais, como expõem os consumidores, apanhados por essa “caixa de surpresas”, a registros que podem se estender a vários outros países.

      Os tribunais do país estão repletos de ações de consumidores contra órgãos de restrição de crédito, devido à manutenção de bancos de dados, sem a ciência daqueles aos quais as informações dizem respeito.

Negócio, sem dúvida, lucrativo, porque sem nada pagarem, recebem dos mais variados setores da indústria e do comércio, e, também, dos bancos, seus associados, informações sobre a vida comercial dos consumidores que são guardadas, por tempo ilimitado, em seus computadores; e, mediante pagamento, até daqueles sobre os quais as Informações dizem respeito, elas são fornecidas; em extensão que irá variar, conforme se tratar de pedido de informações feito por pessoa jurídica ou física e do valor que for pago, que poderá ser maior ou menor, conforme a “curiosidade” ou a necessidade do solicitante.

Oportuno mencionar que, após pensarmos a respeito dessa atividade, concluímos que ela é nociva tanto quando estabelece baixos percentuais de desempenho comercial como quando os estabelece em percentuais mais altos. Se forem baixos, a pessoa física ou jurídica (consumidora ou não), sem saber o motivo, poderá ter o seu acesso ao crédito negado ou dificultado, pelo comércio, pela indústria ou pelos bancos; mas, se forem altos, fruto das rendas que são informadas  por presunção desses órgãos, segundo critérios “matemáticos” que eles alegam adotar e que enviam aos seus clientes, através de computador; poderá fazer com que na compra a crédito ou no negócio bancário, a pessoa (jurídica ou física) tenha de assumir valores ou taxas de juros que poderão vir a ser majorados, face ao valor da renda bruta que for informada por eles.

As dezenas de ações que atacam essa acintosa ilegalidade, sustentam que esse “negócio” fere disposições do Artigo 43, caput e §2º, do CODECON; já que esses órgãos mantêm dados sem o prévio consentimento esclarecido daquele ao qual as informações se referem.

Ainda, fere os preceitos do §1º, desse mesmo Artigo 43, por serem dados originados de cálculos que não se mostram objetivos, claros, e, até mesmo verdadeiros, visto que partem de estimativas e presunções, como consta das informações que eram fornecidas pelas CDL´s dos municípios e por empresas que se dedicam a essa atividade.

Além do mais, por serem bancos de dados criados e mantidos sem anterior aquiescência (ou, ao menos, ciência) das pessoas físicas e jurídicas[1], não lhes permitem exigir a imediata correção das inexatidões que foram inseridas nessas coletâneas de informações individuais; fato que agride, também, as disposições do Artigo 5º, inc. LV, da Constituição Federal.

Causa espanto quando se verifica que esses bancos guardam dados que dizem respeito a anos de vida comercial das pessoas físicas e jurídicas; fato que faz lembrar que o CDC; mesmo quando se trata de inclusão por inadimplência do consumidor, determina que só poderá ser mantido o registro por no máximo 5 (cinco) anos. 

A Lei 12.414/2011, que regula a abertura de cadastro positivo (e não o negativo), estabelece que:

“Art. 4º A abertura de cadastro[2] requer autorização prévia do potencial cadastrado mediante consentimento informado por meio de assinatura em instrumento específico ou em cláusula apartada.”[3]

Das dezenas de decisões que declaram a ilegalidade da manutenção desses bancos de dados, podem ser citadas as que assim foram ementadas:

+ “RECURSOS INOMINADOS - SERASA - CONCENTRE SCORING - BANCO DE DADOS RESTRITIVO DE CRÉDITO NÃO AUTORIZADO PELO CONSUMIDOR - ACESSO À INFORMAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DE RETIFICAÇÃO - VIOLAÇÃO AO ART. 5º, INCISO X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL; ART. 43 DO CDC; E, ART. 4º DA LEI 12.414/11 - BANCO DE DADOS OBSCURO E MANIFESTAMENTE ILEGAL - FALTA DE TRANSPARÊNCIA - FATO DO SERVIÇO - RECURSO DO SERASA DESPROVIDO - RECURSO DO CONSUMIDOR PROVIDO PARA A MAJORAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO 1. É ilegal a manutenção de cadastro de crédito paralegal, de caráter subjetivo, sem transparência, sem contraditório e obscuro, por entidade privada com efeitos limitadores do crédito do consumidor.A criação e manutenção do Concentre Scoring avilta a vulnerabilidade jurídica e de informação do consumidor. Ofende o Estado Democrático de Direito. 2. O caráter obscuro e sigiloso do banco de dados representa obstáculos aos direitos dos consumidores, vez que impossível inferir se na obtenção do score foram considerados, por exemplo, débitos já quitados, prescritos ou por prazo superior a 05 (cinco) anos.   Vistos, relatados e discutidos os autos dos presentes Recursos Inominados n. 0812365-24.2012.8.24.0023, da Capital, interpostos por Serasa S/A e Marcos Gesser.ACORDAM a Primeira Turma de Recursos Cíveis e Criminais, por votação unânime, conhecer dos recursos inominados e negar provimento ao recurso do SERASA; e, dar provimento ao recurso interposto por Marcos Gesser, para majorar o quantum indenizatório para R$10.000,00. Custas e honorários por conta da recorrente SERASA S/A, sendo estes fixados em 20% sobre o valor da condenação.” (TJSC, Recurso Inominado n. 0812365-24.2012.8.24.0023, da Capital, rel. Des. Alexandre Morais da Rosa, j. 27-06-2013).”

+ “AGRAVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INFORMAÇÃO NEGATIVA. CONCENTRE SCORING. OBRIGAÇÃO DE NÃO-FAZER. SUSPENSÃO DE DISPONIBILIZAÇÃO DO CADASTRO. ATO ILÍCITO. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE DO CONSUMIDOR. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA. ATO ILÍCITO CONFIGURADO. DANOS MORAIS. DEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. - O CONCENTRE SCORING E A PROTEÇÃO AOS DIREITOS DE PERSONALIDADE - Comprovada a existência do CONCENTRE SCORING com a finalidade de auxiliar os estabelecimentos comerciais associados na análise do crédito dos consumidores. Caracterizado como serviço ou banco de dados está submetido aos princípios e regras do CDC. Análise relacionando o exame das atividades do CONCENTRE SCORING com os direitos de personalidade do consumidor, honra e privacidade. Exame a partir do art. 43 do CDC. Nenhum serviço, produto ou atividade que guarde informações dos consumidores pode violar o princípio da transparência. É inadmissível que informações do consumidor possam ser utilizadas nas relações de consumo sem o respeito aos direitos de personalidade. - A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE NO CASO CONCRETO - Admissão pela própria parte ré que realiza análise do perfil do consumidor, cujo objetivo é a análise de crédito, alimentada por dados fornecidos pelos associados. Irrelevância do tempo de armazenagem dos dados. Aplicação das limitações impostas pelo art. 43 do CDC. Qualquer espécie de registro do consumidor deve ser claro, transparente, objetivo, sempre possibilitando o acesso a tais informações. O CONCENTRE SCORING, no modo como está estruturado, primando pela falta de transparência das informações sobre consumidores, bem como pela utilização de informações negativas sem qualquer limite temporal, constitui-se prática abusiva. Análise da contestação oferecida a partir do art. 302 do CPC. Possibilidade de aplicação do art. 461 do CPC, determinando o fornecimento das informações do consumidor, bem como a não disponibilização do seu cadastro no CONCENTRE SCORING, sob pena de multa diária. - DANO EXTRAPATRIMONIAL - Dever de indenizar caracterizado, frente aos danos advindos da falha do serviço disponibilizado pela empresa ré no mercado de consumo. - QUANTUM DA INDENIZAÇÃO - A indenização por danos extrapatrimoniais deve ser suficiente para atenuar as conseqüências das ofensas aos bens jurídicos tutelados, não significando, por outro lado, um enriquecimento sem causa, bem como deve ter o efeito de punir o responsável de forma a dissuadi-lo da prática de nova conduta. Fixação do valor da indenização com base na jurisprudência do STJ. - CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS - O entendimento consolidado por esta Câmara Cível nas ações de indenização por dano moral é de fixação da incidência da correção monetária e dos juros moratórios a partir da data do arbitramento do quantum indenizatório. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO. (Agravo Nº70049260672, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Leonel Pires Ohlweiler, Julgado em 27/06/2012).”

A 1ª Vara da Fazenda  Pública, da  Comarca da  Capital do Estado de Santa Catarina, na Ação Civil Pública movida pelo MP daquele Estado, nº 0909576-26.2013.8.24.0023; decidiu, também, pela ilicitude da manutenção desse banco de dados mantido pela recorrida, proibindo a utilização desse sistema, até serem corrigidas as ilegalidades que o cercam; seguindo-se trecho dessa decisão:

“11. Assim, defiro a liminar em parte para (repetindo a inicial: fls. 52-54):

a) o cumprimento da obrigação de fazer, consistente na proibição, atual e futura, de utilização do sistema Concentre Scoring (serviço score) pela demandada, até a efetiva correção dos inúmeros ilícitos apontados nesta actio, de modo que passe a atender aos comandos das Leis n. 8078/90 (CDC) e 12.414/11 (Cadastro Positivo), e que esteja em sintonia com a Constituição Federal;

b) o cumprimento da obrigação de fazer, consubstanciada na retirada, de se(s) banco(s) de dados e cadastros, das informações e dados relativas a todo e qualquer consumidor que não autorizou e nem foi notificado previamente a respeito de sua inclusão no sistema (arts. 4.º da Lei n.° 12.414/11, e 43, par. 2.º, do CDC), ou que não provenha  de locais públicos;

c) o cumprimento da obrigação de não fazer, plasmada na proibição e captura de dados e informações de outros bancos e cadastros, pertinentes a todo e qualquer consumidor que não tenha autorizado ou sido notificado previamente a respeito de sua inclusão no banco de dados ou cadastro (arts. 4.º da Lei n.° 12.414/11, e 43, par. 2.°, do CDC), bem como a não utilização dos mencionados dados e informações;

d) o cumprimento da obrigação de não fazer, consistente na proibição de fornecimento e/ou compartilhamento de informações e/ou dados armazenados em seus cadastros e/ou banco de dados, quando não possua comprovação documental de que o registro foi autorizado pelo consumidor ou, conforme o caso, precedido de notificação a ele, na forma da lei;

e) o cumprimento da obrigação de fazer, consubstanciada na prestação de informações claras, adequadas e em linguagem de fácil compreensão na certidão de score (documento emitido pela demandada com atribuição dos pontos aos consumidores), acerca dos dados/informações que devem ser objetivos e verdadeiros -, utilizados como critério (variáveis) e que influenciam no total da pontuação atribuída aos consumidores (normalmente na subtração dos pontos, a partir de 1.000);

f) o cumprimento da obrigação de fazer, consubstanciada na prestação de informações referentes a quantos pontos estão sendo subtraídos para cada dado/informação (critério) utilizado;

(...)

h) a cominação de multa para o caso de descumprimento de quaisquer das medidas acima elencadas, no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por dia de descumprimento, a ser revertido ao Fundo para Reconstituição dos Bens Lesados do Estado de Santa Catarina, de acordo com o artigo 13 da Lei n.° 7.347/85 (Banco do Brasil, c/c 63.000-4, Agência 3582-3, CNPJ n.° 76.276.849/0001-54).

Defiro os requerimentos probatórios de número 11 a 14 (fls. 56-57).

Indefiro o requerimento para que este juízo imponha a suspensão de causas em curso em outras unidades e o postulado na al. g de fls. 53 (publicação de editais na imprensa particular).

Deverá ser publicado o edital do art. 94 do CDC. Cite-se. Florianópolis, 15 de outubro de 2013. Hélio do Valle Pereira - Juiz de Direito

Constatam-se em alguns relatórios de dados fornecidos por esses órgãos, casos em que o “score” atribuído ao consumidor chega quase a 1000 (o maior deles); todavia, ao final, o comerciante é aconselhado a não somente confirmar a documentação apresentada pelo pretendente ao crédito; mas também, que sejam solicitados mais dados e documentos do pretendente, de forma a aumentar a segurança. Cremos que esse tipo de aconselhamento, por si só, já constitui uma agressão ao consumidor e à pessoa jurídica, que procura negócio a crédito.

Mas, para que não mais nos alonguemos em demasia, cremos que essa prática atenta tanto contra a dignidade do cidadão como contra a do consumidor; gerando o direito do atingido por essa conduta ilegal de pleitear indenização por danos morais, que se dão “in re ipsa”.

Não passa de falácia a alegação de que esse sistema “scoring” propicia o barateamento dos financiamentos, por trazer mais segurança aos negócios a crédito. Em conversa com o colega, Dr. Geraldo Luiz dos Santos Zibetti[4], este nos forneceu levantamento que fez da evolução ascendente dos juros no país. Em realidade, houve uma queda nas taxas de juros nos anos de 2011 e 2102, e, a partir de então, esses juros voltaram a subir.


 

TAXA MÉDIA DE JUROS NO PERÍODO DE MARÇO DE 2011 ATÉ JUNHO DE 2014

DATA

MÊS/AAA

 20714

% a.a 

20715

% a.a 

20716

% a.a 

mar/11 24,33 18,73 32,11
abr/11 24,71 19,06 32,55
mai/11 24,96 19,26 32,87
jun/11 24,74 19,06 32,60
jul/11 24,82 18,94 32,91
ago/11 24,40 18,52 32,49
set/11 24,11 18,55 31,80
out/11 24,06 18,33 31,93
nov/11 23,43 17,79 31,19
dez/11 22,81 17,44 29,99
jan/12 23,74 18,37 30,83
fev/12 23,79 18,18 31,14
mar/12 23,35 17,84 30,55
abr/12 22,55 17,39 29,32
mai/12 21,11 16,15 27,62
jun/12 20,09 15,36 26,29
jul/12 19,89 15,11 26,19
ago/12 19,58 14,91 25,68
set/12 19,36 14,49 25,72
out/12 18,96 13,98 25,48
nov/12 18,89 14,17 25,08
dez/12 18,02 13,29 24,31
JAN/13 18,61 14,01 24,68
FEV/13 18,73 14,00 24,94
MAR/13 18,51 13,95 24,45
ABR/13 18,48 13,99 24,30
MAI/13 18,09 13,49 24,03
JUN/13 18,53 14,10 24,24
JUL/13 19,09 14,41 25,08
AGO/13  19,32 14,71 25,22
SET/13 19,48 14,73 25,57
OUT/13 19,82 14,82 26,23
NOV/13 19,98 15,15 26,14
DEZ/13 19,68 15,11 25,60
JAN/14 20,66 15,93 26,78
FEV/14 20,97 16,00 27,37
MAR/14 21,10 16,01 27,67
ABR/14 21,10 15,97 27,68
MAIO/14 21,36 16,27 27,87
JUN/14 21,06 15,68 27,92

20714 - Taxa média de juros das operações de crédito - Total 

20715 - Taxa média de juros das operações de crédito - Pessoas jurídicas - Total

20716 - Taxa média de juros das operações de crédito - Pessoa física - Total 

*Fonte: <https://www.3.bcb.gov.br/sgspub/consultarvalores/consultarValoresSeries.do?method=consultarValores>

Não poderíamos deixar de citar que a SERASA, como consta do seu “site”, atua em diversos países, de forma que esses bancos de dados podem ser disponibilizados e consultados pelo comércio, pela indústria e pelos bancos em todo o mundo, o que deve fazer com que o Judiciário brasileiro exija desses órgãos que funcionem com total observância às previsões da legislação brasileira.  


[1] . Pessoas jurídicas poderão ser reconhecidas como consumidoras equiparadas.

[2] . Mesmo o positivo.

[3] . Ver, também, os Artigos 5º e 9º, da  mesma lei.

[4] . Experiente advogado e economista. 



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