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A questão da liberdade sindical no Brasil

A questão da liberdade sindical no Brasil

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O presente trabalho trata da liberdade sindical no Brasil. Apresenta o conceito e suas dimensões. Traça um breve resumo da evolução da liberdade sindical no mundo e no Brasil e aponta a participação como peça essencial para alcançar a liberdade sindical.

1. HISTÓRICO

Antes de abordar o histórico da liberdade sindical no Brasil, mostra-se relevante definir tal conceito. A liberdade sindical é um direito dos trabalhadores e empregadores para criarem organizações capazes de defender seus interesses econômicos e suas liberdades civis visando assegurar um trabalho digno e decente a cidadania no ambiente de trabalho. A liberdade de criação extende-se ao conceite de gestão e forma de funcionamento. Uma de suas mais importantes facetas é a proteção ao direito à negociação coletiva para permitir ajuste livre de condiçoes de trabalho entre as partes.

Inclui também o direito à livre filiação a qualquer organização que considere legitima para defender seus interesses, sem represálias ou interferências do empregador ou do Estado.

Resumidamente, consiste em feixe de direitos e liberdades individuais de cada trabalhador e um complexo de direitos e liberdades coletivas designadas às organizações sindicais.

Antonio Avilés ensina que a liberdade sindical pode ser entendida em dimensões. A primeira diz respeito a liberdade constitutiva, que permite a qualquer trabalhador criar um sindicato em conjunto com outros companheiros.

O segundo plano consiste na liberdade de filiação positiva e negativa. A primeira diz respeito à possibilidade de filiar-se ao sindicato de livre escolha e não aquele previamente determinado por um terceiro. Já a negativa é o direito que o trabalhador tem de não querer se filiar a nenhum sindicato.

A última dimensão relevante do conceito de liberdade sindical é a possibilidade do trabalhador poder interferir na vida do sindicato. Isto porque somente a participação ativa no sindicato torna real o direito de criação e eleição das organizações sindicais.

Deste modo, a liberdade sindical é considerado um componente da democracia e foi elevada a categoria de direito humano universal reconhecido e protegido pela OIT(Organição Internacional do Trabalho) a partir da Convenção nº 87 de 1948.

Pode-se dizer que no plano internacional, a liberdade sindical surge na França. O processo de industrialização forçou o surgimento do Direito do Trabalho que passou a ser normatizado pelo liberalismo da Revolução Francesa de 1789.

Apesar de ter existido na época um decreto garantindo a liberdade de trabalho, a lei Le Chapelier de 1791 proibia a coalização de trabalhadores para impedir a formação de corporações de ofício, o sistema vigente anterior ao período da Revolução. No entanto, acabou inibindo a união dos trabalhadores para reverter a situação de injustiça por eles no período devido a desigualdade socioeconômicas entre trabalhadores e patrões. Essa fase ficou conhecida como a Fase da proibição

Em 1848, com o advento da Revolução Social, a classe operária com a ajuda de alguns setores da sociedade conquistou a liberdade de se reunir que logo foi retirada em 1864 com a proibição de coalizão. No entanto, em 1884, inicia-se a Fase de Reconhecimento do Direito de Associação, a Lei Waldeck-Rousseau serviu de base para a consagração do princípio da livre constituição das organizações sindicais.

Historicamente, a liberdade sindical foi concebida como direito individual exercido coletivamente. No aspecto individual, a liberdade sindical traduz-se como a liberdade que o trabalhador tem para filiar-se ou não a um sindicato de sua escolha. Deste modo, é proibido aos empregados tomar qualquer medida discriminatória contra o trabalhador sindicalizado e os próprios sindicatos não podem privilegiar a contratação pelo empregador de seus membros.

Já, no plano coletivo, está relacionada a criação e livre organização dos sindicatos sem influência ou prévia autorização por parte do Estado.

Após a redemocratização da Europa, a liberdade sindical passou a ter patamar de liberdade pública e foi reconhecida como um direito social na Declaração Universal dos Direitos do Homem pela Organização das Nações Unidas em 1948.


2. Evolução Legislativa

A Constituição de 1824 inaugura no Brasil a liberdade de trabalho, abolindo as corporações de ofício existentes. O Decreto n. 979 de 1903 regulamenta a sindicalização rural. No entanto, essa normatização tinha caráter mais econômico do que sindical já que o sindicato funcionava como intermediário de crédito em favor do associado.

Apesar do Decreto n. 19.770 ser considerado como a primeira lei sindical brasileira, desde 1907 já havia um decreto regulamentando a sindicalização urbana. O Decreto n. 19.770 confere ao sindicato caráter de direito público, afastando-o da esfera privada.

Estabeleceu a unicidade sindical e a neutralidade sindical, proibindo os sindicatos de se preocupar com ideologias políticas ou regiliosas, devendo restringir-se à defesa dos interesses profissionais. Além disso, proibiu a filiação dos sindicatos nacionais a entidades internacionais sem autorização do governo, ou seja, determinou a nacionalidade sindical.

A Constituição de 1934 mudou o sistema vigente instituindo a pluralidade sindical e a completa autonomia dos sindicatos com base na sua inspiração liberal. Instituiu também a Justiça do Trabalho e a representação partidária (empregados e empregadores) nos Tribunais de Trabalho.

 No entanto, esse sistema não durou muito, sendo alterado pela Constituição ditatorial de 1937 que tinha forte cunho corporativista, prevendo a figura da unicidade sindical e instituindo a contribuição sindical compulsória.

A Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) é publicada em 1943 reservando um Título apenas para tratar do Direito Sindical. Porém, essa matéria viria a ser profundamente alterada pelos Decreto-Lei n. 229, de 28 de fevereiro de 1967 e pela Constituição de 1988.

A Carta Magna de 1946 retoma as diretrizes democráticas da Constituição de 1934, assegurando a liberdade de associação profissional, a representação legal nas convenções coletivas e o exercício de funções delegadas pelo Poder Público (reconhecendo o direito a greve, cujo exercício deveria ser regulamentado).

O período militar não significou grandes avanços ou retrocessos permanecendo com sistema semelhante com a Constituição anterior.

Sobre o início do sindicalismo no Brasil ensina Segadas Viana:

"Mas o fato real é que o sindicalismo no Brasil nunca chegou a ter uma real expressão. Pela inexistência de indústrias e, consequentemente, de massa operária e de luta de classes, o sindicalismo que surgiu depois da revolução liberal de 1930, deu-se sob o influxo e o patrocínio do Ministério do Trabalho e assim permaneceu durante todos o "Estado expressão, salvo raríssimas exceções; mas, na década de 80, houve notável incremento da sindicalização, a partir das greves do ABC paulista, especialmente do setor de metalurgia. Os sindicatos mais expressivos, nas grandes cidades, conquistaram sua autonomia antes de  proclamada a Constituição de 1988".[1]

Já a Constituiçãode 1988 trouxe algumas novidades para o cenário sindical brasileiro privilegiando a liberdade de associação profissional e sindical (artigo 8), a proibição de interferência e intervenção do Poder Público nas organizações sindicais, estabelecendo expressamente que a lei não poderá exigir autorização do Estado para fundação de sindicato (em consonância com o princípio da liberdade sindical), ressalvado o registro no órgão competente.

No entanto, manteve a unicidade sindical e a contribuição sindical obrigatória o que demonstra a limitação à liberdade sindical.


3. SITUAÇÃO ATUAL

Diante do que determina a Constituição  de 1988, pode-se afirmar que a sistema sindical atual no Brasil pode ser classificada como semi-corporativista. Isto porque é possível verificar avanços do sistema corporativista, mas ainda não comporta a liberdade sindical absoluta nos termos da Convenção n. 87 da OIT para ser considerado como pós-corporativista.

Apesar do artigo 8, caput, da CRFB/88 estabelecer como regra a liberdade de associação profissional ou sindical, o mesmo artigo em seu inciso II limita tal liberdade ao determinar o sistema da unicidade sindical.  Assim, não há liberdade sindical para que sejam criados o número de sindicatos que os trabalhadores quiserem.

Outro fator que limita a liberdade sindical é a contribuição sindical compulsória estabelecida no artigo 8, inciso IV da Carta Magna. Não cabe ao Estado garantir receita à entidade sindical, ainda mais de forma compulsória, pois isso pode significar interferência indireta no sistema. Portanto, os sindicatos deveriam procurar meios de se manterem sozinhos como contribuição dos filiados e frutos  da participação nas negociações coletivas.

Ao impor a negociação coletiva como procediemento anterior à arbitragem e ao dissídio coletivo nos termos do artigo 114, parágrafo 2, a Constituição de 1988 mais uma vez dá um passo para a consagração do princípio da liberdade sindical e reforça o papel dos sindicatos na defesa dos trabalhadores. No entanto, ao estabelecer o poder normativo da Justiça do Trabalho, acaba desestimulando tal instrumento para resolução de conflito.


4. PERSPECTIVAS

A Convenção n. 87 não foi ratificada no Brasil por falta de vontade política para mudar o sistema vigente. Um dos principais culpados são os próprios sindicatos existentes. Eles tem o poder necessário para impor essas mudanças, mas o que se percebe é o medo de perder os benefícios que tem hoje me dia.

A pluralidade sindical levaria os sindicatos a um sistema de competição entre si em prejuízo de todos querem manter a situação atual sem perda dos espaços em que atuam e das categorias que representam.

Os trabalhadores também são culpados por não querer interferir no sistema já que não querem participar dos sindicatos existentes pois não os consideram como representantes legitimos de seus interesses. No entanto, ao deixarem de participar, não fazem pressão para que o sistema mude e traga benefícios para si.

O alicerce da liberdade sindical ampla é a livre manifestação dos participantes em relação as entidades coletivas que irão promover a defesa dos seus interesses. Se não há participação, não é possível almejar a liberdade sindical.


5. CONCLUSÃO

A liberdade sindical engloba diversos aspectos para sua aplicação como: liberdade associativa, liberdade de filiação, liberdade de fundação de entidades coletivas, liberdade de organização e administração entre outros. 

Ao manter no texto constitucional de 1988 regras, princípios e institutos que ao longo da história do sindicalismo se mostram contraditórios(alguns democráticos e outros de origem corporativista), aprofundou-se a crise de legitimidade e força do sistema sindical no Brasil sendo inevitável uma reforma do sistema para adequá-lo ao princípio da liberdade sindical nos moldes da Convenção n. 87 da OIT.

Percebe-se no Brasil que os atores capazes de mudar o sistema não tem força de vontade para tanto. Os sindicalistas tem medo de perder o poder e benefícios que tem hoje com a contribuição compulsória.

Já os trabalhadores não enxergam os sindicatos como orgão que representam legitimamente seus interesses e, portanto, se afastam dessas organizações enfraquecendo ainda mais o sistema vigente e cooperando para manutenção do status quo tal como está.


BIBLIOGRAFIA

AVILÉS, Antonio Ojeda. Derecho Sindacal. 7ª ed. Madrid – Espanha: Tecnos, 1995. em http://jus.com.br/artigos/4063/liberdade-sindical/2#ixzz2i0PGqvAI consultado em 16/10/2013

SUSSEKIND, Arnaldo. et al. Instituições de Direito do Trabalho. 19 ed. São Paulo: LTr, 2000, v2.


Notas

[1] SUSSEKIND, Arnaldo. et al. Instituições de Direito do Trabalho. 19 ed. São Paulo: LTr, 2000, v2, p. 1078.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOMINGUEZ, Carolina Moreira de França. A questão da liberdade sindical no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4222, 22 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33216. Acesso em: 19 abr. 2024.