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A disciplina jurídica das benfeitorias.

A indenização e o Direito de retenção à luz dos príncipios agrários

A disciplina jurídica das benfeitorias. A indenização e o Direito de retenção à luz dos príncipios agrários

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Sumário: Introdução; Capítulo I- Diciplinas jurídicas das benfeitorias, 1- Conceitos, classificação e especificação, 2. Distinção entre benfeitorias e acessões, Posse agrária e princípios norteadores, 4. Contratos agrários e benfeitorias, 5. Benfeitorias no projetodo novo Estatuto da terra; Capítulo II- A indenização e o direito de retenção à luz dos princípios agrários, 1. Indenização por benfeitorias em Direito agrário, 2. Comnceito e referências sobre Direito de retenção, 3. Direito de retenção por benfeitorias posse de boa e má-fé, 4. Defesa processual dos embargos de retenção; Comnclusão; Bibliografia.


INTRODUÇÃO

Como o Direito Agrário busca a promoção social de quem trabalha a terra, almejando ajustar a propriedade rural à sua função social, o instituto jurídico a ser analisado é de grande valia.

Por conseguinte, o princípio maior em questão está unido pela busca do crescimento e produtividade. Logo, independente do domínio, aquele que está na posse direta do imóvel procura instrumentos capazes de tornar a propriedade imóvel (seu ‘habitat’ atual) mais útil, melhor, ou harmoniosa.

Destarte, as obras ou despesas que se fazem no imóvel rural, por aquele que exerce a atividade agrária, merecem tratamento especial.

Em havendo melhoramentos em propriedade alheia, ato contínuo, pressupõem-se os dispêndios, que são dignos de ressarcimento, observados os requisitos pertinentes. Portanto, o instituto das benfeitorias possui valoração calcada nos princípios comezinhos de direito, notadamente na equidade e na repulsa ao enriquecimento derivado do trabalho alheio. Nesse arrimo, o direito de retenção constitui uma exceção necessária para se evitarem injustiças, ensejando, ao possuidor, a faculdade de ficar com a coisa devida até ser satisfeito crédito conexo.

Não obstante o instituto ter raízes no direito privado, teve profunda aceitação agrarista, eis que este ramo estagia crescente, principado pela absoluta justiça social. Conseqüentemente, o objetivo desse singelo trabalho foi registrar, mesmo que superficialmente, a possibilidade de o possuidor de imóvel rural resguardar seus direitos à indenização e retenção das benfeitorias, realizadas com o cunho de implementar suas atividades agrárias, respeitando-se os princípios norteadores do direito agrário.


– Capítulo I – A Disciplina Jurídica das Benfeitorias

1 – CONCEITOS, CLASSIFICAÇÃO E ESPECIFICAÇÃO

Como em todo e qualquer intróito, devemos definir e classificar as espécies do instituto a ser apreciado. Nesse espeque, inicialmente buscamos amparo na mais trivial das definições contidas no vernáculo, sob os auspícios de AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, dispondo sobre o que seria benfeitoria, "De: benfeitor + ia; Obra útil realizada em propriedade, e que a valoriza; Obra feita em coisas móveis ou imóveis com o fim de as conservar, melhorar ou embelezar". [1]

Do conceito trazido à baila, não se extraem todos os elementos jurídicos identificadores, mas ab initio ao menos traça parâmetro para investigação. Buscando respaldo na doutrina civilista, identificamos conceito próprio por serem benfeitorias os melhoramentos promovidos em um prédio, com a intenção de torná-lo mais útil ou mais agradável. Melhoramentos lato sensu, entendendo-se por trabalhos executados no sentido de tornar melhor, mais eficiente, ou conservar a coisa, como também as próprias despesas decorrentes desses melhoramentos.

Entretanto, não temos a audácia de desprestigiar o magníloquo e erudito CLÓVIS BEVILÁQUA, que afirma que as benfeitorias "são as obras, ou despesas, que se fazem num móvel, ou num imóvel, de outrem para conservá-lo, melhorá-lo ou, simplesmente, embelezá-lo". [2] Por sua vez, a doutrina mais contemporânea de MARIA HELENA DINIZ não discrepa, afirmando constituir as benfeitorias "as obras e despesas que se fazem em bem móvel ou imóvel para conservá-lo, melhorá-lo ou embelezá-lo". [3] WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, aquiescendo Beviláqua, acrescenta ao conceito helenense, o fato do bem (móvel e imóvel), pertencer a outrem [4].

O Código Civil Brasileiro, tratou da matéria nos arts. 62 e seguintes, Livro II (dos bens), Capítulo II (dos bens reciprocamente considerados), ponderando que as benfeitorias possuem caráter acessório à coisa, independente de seu valor. A doutrina civilista italiana foi marcante nessa consideração, lembrando ROBERTO DE RUGGIERO que as benfeitorias "são empregos e os desembolsos que fazem numa ou por uma coisa, com relação à qual têm por isso caráter de acessórios". [5]

No tocante ao Direito Agrário, identificamos a definição calcada no efetivo labor da terra. Logo, compactuamos que benfeitorias são todos os melhoramentos introduzidos pelo possuidor na terra que a cultiva, tais como culturas permanentes e temporárias, galpões, currais, cercas, curvas de nível, poços, estradas, edificações rústicas, moradias, eletrificações, enfim, todo e qualquer trabalho executado no sentido de tornar a terra produtiva, inclusive as despesas decorrentes desses melhoramentos. Da mesma forma, entendemos que as edificações criadas com finalidade de propiciar lazer e educação às famílias residentes da propriedade também constituem benfeitorias.

Dos próprios conceitos formulados, identificamos as espécies de benfeitorias existentes em nosso ordenamento jurídico. Classicamente, sempre se mostraram de três formas: necessárias, úteis e voluptuárias.Vale lembrar, ainda, que a própria lei civil brasileira identificou-as e definiu cada uma, a saber:

Art. 63 - As benfeitorias podem ser voluptuárias, úteis ou necessárias. § 1º São voluptuárias as de mero deleite ou recreio, que não aumentam o uso habitual da coisa, ainda que a tornem mais agradável ou sejam de elevado valor. § 2º São úteis as que aumentam ou facilitam o uso da coisa. § 3º São necessárias as que têm por fim conservar a coisa ou evitar que se deteriore.(deu-se destaque).

Necessárias dizem-se as que são feitas para conservação do prédio, sem as quais este se arruinaria. Úteis, quando aumentam ou facilitam o uso da coisa, melhorando-a ou valorizando-a, as quais, embora não se indicando indispensáveis para a conservação da coisa, se mostram de visível utilidade para o proprietário dela, resultando num enriquecimento em virtude da natural valorização trazida à propriedade. Voluptuárias, as que se fizeram para mero deleite ou recreio de quem as fez, não se mostrando necessárias ao uso habitual da coisa, nem de maior valia para seu dono, mesmo que por elas se tenha tornado mais agradável.

Tal qual no Direito Civil, as três espécies dantes descritas são contempladas pelo Direito Agrário. Entrementes, no meio rural abre-se um leque de opções, podendo-se considerar inúmeras obras e despesas como sendo benfeitorias. No entanto, não podemos confundir com o instituto da acessão, que pode ocorrer sem a intervenção do homem, conforme verificaremos a posteriori.

Seguindo essa seqüência, mister trazer à colação, a norma contida no art. 6º, § 1º, do Decreto nº 84.685, de 6 de maio de 1980, que regulamentou a Lei nº 6.746/79, que trata do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR. Apesar do cunho tributário, o referido dispositivo tratou de excluir da área aproveitável do imóvel rural (área tributável) as benfeitorias, e, ao mesmo tempo, especificou quais obras seriam consideradas como tal, ipsis litteris:

Art 6º Para os efeitos deste Decreto, constitui área aproveitável do imóvel rural a que for passível de exploração agrícola, pecuária ou florestas, não se considerando aproveitável: a) a área ocupada por benfeitorias; (...) omissis. § 1º Consideram-se benfeitorias as casas de moradia, galpões, banheiros para gado, valas, silos, currais, açudes, estradas de acesso e quaisquer edificações para instalações do beneficiamento, industrialização, educação e lazer.

Entendemos, todavia, que a especificação das obras e despesas descritas no § 1º, do art. 6º, do Decreto nº 84.685/80, é puramente exemplificativa, podendo ser agregadas outras formas de benfeitorias de natureza agrária, desde que traga melhoramentos à propriedade rural e ao homem que nela labora (possuidor ou detentor).

Mister lembrar, contudo, que a conservação dos recursos naturais é um dos requisitos ensejadores ao cumprimento da função social do imóvel, e de defesa do Direito Agrário, e, na hipótese de desrespeito, importa em mau uso da terra, atingindo preceito constitucional. Logo, tais benfeitorias que visem a proteção dos recursos naturais são consideradas necessárias.

2 – DISTINÇÃO ENTRE BENFEITORIAS E ACESSÕES

A expressão "acessão", é utilizada no ordenamento jurídico civil como forma de aquisição da propriedade. BEVILÁQUA [6] define a acessão como "o modo originário de adquirir, em virtude do qual fica pertencendo ao proprietário tudo quanto se une ou se incorpora ao seu bem". Acrescendo o conceito, ORLANDO GOMES [7] entende que "a acessão é uma alteração quantitativa e qualitativa da coisa, ou melhor, é o aumento do volume ou do valor do objeto da propriedade devido forças externas".

A doutrina civil de melhor quilate não considera benfeitoria os melhora-mentos advindos à coisa sem a intervenção do proprietário, possuidor ou detentor dela, tais sejam os acréscimos ou acessões que sobrevenham naturalmente. A benfeitoria denota sempre melhoramento artificial, ou seja, o que foi produzido pela vontade ou determinação do homem. A benfeitoria apenas objetiva a conservação, valorização ou maior deleite do imóvel, ao passo que a acessão altera a substância da coisa.

Logo, se as benfeitorias são as obras e despesas feitas pelo homem na coisa, fica claro que os melhoramentos sobrevindos sem a intervenção humana do proprietário, possuidor ou detentor, ou seja, se ocorrerem por um fator natural, constituem acessões, v.g., um desvio de um rio que aumentara uma área de terras.

A acessão é, pois, um aumento do volume ou do valor do bem devido a forças eventuais, não sendo passível de indenização, salvo a exceção do art. 541 do Código Civil, porquanto sua realização não adveio de esforços de seu possuidor, nem de seu patrimônio. Por conseguinte, por ser acessória segue o destino do principal.

Por sua vez, SERPA LOPES, trata a distinção de maneira estreita, afirmando que, ipsis litteris:

Há uma benfeitoria, quando quem a faz procede como dono ou legítimo possuidor, tanto da coisa principal como da acessória, a exemplo do locatário. Na acessão, ao contrário, uma das coisas não pertence a quem uniu a outra ou a quem a transformou, ou seja, o autor da acessão não procede com convicção que é dono ou legítimo possuidor de ambas as coisas unidas. [8]

Devemos levar em consideração as diversidades dos institutos quanto as suas conseqüências. O professor PAULO TORMINN BORGES, em sua obra de grande perspicácia, trouxe comentários de BEVILÁQUA, verbis:

As benfeitorias levantam-se ou indenizam-se, em virtude do princípio de direito que proíbe o enriquecimento com a jactura alheia. Nas acessões naturais isso não se dá. O incremento do bem não foi produzido por ato daquele, em cujo poder o mesmo se achava. Nada há que indenizar. O acréscimo de valor da coisa é uma vantagem natural e fortuita; não representa esforço, trabalho ou despesa do possuidor. [9]

Pelo exposto, prepondera na diferença dos institutos, o exercício da atividade humana consciente e orientada. O crescimento do valor econômico pode até ser comum, mas no caso das benfeitorias, as obras ou melhoramentos possuem intenção dirigida a ensejar condições benéficas ao imóvel, vale dizer, possuem razão de ser.

3 – POSSE AGRÁRIA E PRINCÍPIOS NORTEADORES

A definição tradicional de posse, baseada nas teorias de Savigny e Ihering, depois de acurada reflexão agrarista, foi alterada pelos princípios e normas concernentes. Anteriormente o direito à propriedade era absoluto, e somente se reconhecia a posse aliada ao domínio.

Na concepção do Direito Agrário, a posse é um direito, e desde que o imóvel esteja exercendo atividade produtiva. Logo, a posse agrária caracteriza-se pelo uso produtivo do imóvel rural, exercida de forma imediata, direta e eficaz pelo possuidor. É a chamada posse-trabalho, de ânimo agrarista. Para sua constituição, ocorre, no caso, a interação dos elementos: sujeito, atividade agrária e imóvel.

Comungando com esse raciocínio, o professor GETÚLIO TARGINO LIMA, definiu o instituto de suma importância para o jusagrarismo:

Posse agrária é o exercício direto, contínuo, racional e pacífico, pelo possuidor, de atividade agrária desempenhada sobre um imóvel rural, apto ao desfrute econômico, gerando a seu favor um direito de natureza real especial, de variadas conseqüências jurídicas e visando ao atendimento de suas necessidades sócio-econômicas, bem como da sociedade. [10]

A relação fática preconizada que visa atingir resultados econômicos práticos, não obstante a ausência de titularidade da propriedade, gera conseqüências jurídicas, dando direito à permanência no imóvel e continuidade do exercício do labor. Esse princípio no qual a utilização da terra se sobrepõe à titulação dominial, entrelaça-se à função social do imóvel rural.

O princípio da função social do imóvel é o eixo de todo o estudo agrarista. Logo, não é demasiado asseverar que goza de amplo prestígio doutrinário e constitucional. Seria impossível abstermos desse princípio basilar e supremo do Direito Agrário, lembrando sempre que estará subordinado a um somatório de requisitos expressos, que diz respeito ao aproveitamento racional e adequado; a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; a observância das disposições que regulam as relações de trabalho; e, que a exploração favoreça o bem estar dos proprietários e trabalhadores. Segundo ROSALINA PINTO DA COSTA RODRIGUES PEREIRA [11], esses requisitos configuradores da função social da terra se resumem em três ópticas: econômica, social, e ecológica.

Impende ressaltar ainda, dentro dos princípios norteadores do Direito Agrário, que as normas jurídicas de interesse público prevalecem sobre o individual. Quer dizer que, as regras do Direito Civil não se afeiçoam ao ideal agrarista, de cunho puramente social, e aspirante de crescimento econômico sustentável daqueles que laboram efetivamente a terra.

Vale lembrar ainda, todavia, que apesar da defesa da posse agrária, não foi excluído de nosso ordenamento vigente o direito de propriedade. Esse direito apenas ficou subordinado ao cumprimento da função social do imóvel, no caso, rural.

4 – CONTRATOS AGRÁRIOS E BENFEITORIAS. LEGISLAÇÃO

Remonta-se à antiguidade a necessidade de utilização da terra como fator de subsistência do homem. A própria doutrina agrarista informa que, já no Código de Hammurabi, se traziam dispositivos tratando da terra e do homem que a trabalhava.

Conforme já adiantamos, na concepção puramente agrarista, o que interessa é a posse trabalho, exercida direta e continuadamente. Destarte, a utilização efetiva da terra é fator preponderante para o crescimento e sustento do homem, a contrário sensu da especulação financeira dominial.

Nesse passo, o uso da terra é fato gerador. As formas colocadas à disposição do homem para atingir esse fim devem ser progressivas e úteis. Ato contínuo, temos que os contratos agrários, nominados (arrendamento e parceria) e inominados (comodato; empreitada; etc.), constituem uma forma de acesso à terra.

Os acordos de vontades celebrados com escopo de exercitar temporariamente a atividade agrária devem ser utilizados, na medida em que o poder público não cria condições de acesso à propriedade aos que buscam o cultivo da terra para seu sustento e de sua família. A relação jurídica deve ser respeitada e amparada, e ousamos discordar de eventuais opiniões que tais pactos seriam distorções da estrutura fundiária nacional.

O uso ou posse temporária da terra, assim considerado pelo Estatuto da Terra, em seu aspecto legislativo, merece recado que, as normas contidas no Código Civil, arts. 1.211 a 1.215 sobre arrendamento, e, arts. 1.410 a 1.423, acerca da parceria, estão praticamente derrogadas, sendo aplicadas somente subsidiariamente, eis que a Lei nº 4.504, de 30 de novembro 1964, em conjunto com a Lei nº 4.947, de 6 de abril de 1966, e o Decreto nº 59.566, de 14 de novembro de 1966, passaram a disciplinar os Contratos Agrários. Não obstante essa ponderação, os fundamentos da legislação civil, relativo à capacidade das partes, licitude do objeto e forma prescrita ou não defesa em lei, são igualmente necessários nos pactos agrários.

Assim, nessa ordem de idéias, importa ressaltar a correlação das convenções aos princípios norteadores do direito agrário. Podemos afirmar, então, que o princípio civilista da autonomia da vontade, em Direito Agrário, não é absoluto, uma vez que se busca o crescimento social do sujeito que exerce a atividade rural, aplicando-se os demais princípios concernentes, notadamente a função social do imóvel.

O princípio pacta sunt servanda, bastante defendido pelo liberalismo econômico, segundo a maioria da doutrina agrarista, encontra-se a fenecer para o Direito Agrário, posto que as disposições contratuais agrárias não podem ficar totalmente a mercê da vontade das partes, em razão do caráter cogente da maioria das normas. Da mesma forma, não constitui destempero lembrar que existem cláusulas irrevogáveis, fixadas pela legislação, com a finalidade de proteger a terra e o hipossuficiente.

No que tange à posse derivada de um contrato agrário, a busca pelo crescimento e produtividade induz o possuidor direto a adquirir instrumentos capazes de tornar a propriedade imóvel útil, melhor, mais eficiente e quem sabe, formosa. A renovação da propriedade, via da aquisição de acessórios que a incorporam, constitui uma necessidade evidente, porquanto todo bem material necessita de reparos, cuidados e tratamento, e o imóvel rural não é diferente. Por conseguinte, as obras ou despesas que se fazem no imóvel, por aquele que exerce a atividade agrária, merecem trato especial.

Nessa aspiração, as benfeitorias (úteis, necessárias ou voluptuárias), realizadas no plano agrário, harmonizam-se com a posse trabalho exercida temporariamente, devendo ser aplicados os permissivos legais com relação aos seus efeitos e direitos, principalmente pelo fato da posse ser efetiva e direta.

No que se refere às benfeitorias, foram tratadas no Estatuto da Terra na Seção II, do Arrendamento Rural, e na Seção III, da Parceria Agrícola, Pecuária, Agroindustrial e Extrativa, ambas do Capítulo IV, do Uso ou da Posse Temporária da Terra, do Título III, da Política de Desenvolvimento Rural. Segundo os dispositivos pertinentes do estatuto, o direito e as formas de indenização ajustadas quanto às benfeitorias realizadas, constaram obrigatoriamente dos contratos de arrendamento e de parceria – inteligência do art. 95, incisos VIII e XI, alínea "e"; e, art. 96, inciso V, alínea "e", da Lei nº 4.504/64. Entretanto, tais regras dependiam de regulamentação e complementação, tal qual mencionaram seus incisos.

Conforme já adiantado, o Decreto nº 59.566/66 foi editado para regular os dispositivos concernentes aos contratos agrários, notadamente as cláusulas obrigatórias desses pactos. O art. 13, em seus incisos e alíneas, traz expressamente as cláusulas necessárias a assegurar a conservação dos recursos naturais e a proteger social e economicamente os arrendatários e parceiros-outorgados.

Quanto à realização das benfeitorias, foram tratadas no inciso VI, do art. 13. Nos pactos agrários celebrados deverão constar obrigatoriamente, verbis:

O direito e as formas de indenização quanto às benfeitorias realizadas, ajustadas no contrato de arrendamento; e, direitos e obrigações quanto às benfeitorias realizadas, com o consentimento do parceiro-outorgante, e quanto aos danos substanciais causados pelo parceiro-outorgado por práticas predatórias na área de exploração ou nas benfeitorias, instalações e equipamentos especiais, veículos, máquinas, implementos ou ferramentas a ele cedidos (art. 95, XI, c e art. 96, V, e do ET).

Da letra da norma, denota-se a preocupação do legislador em evitar litígios acerca das benfeitorias realizadas, impondo a presença das estipulações, a fim de evitar questionamentos sobre a destinação, indenização e direitos sobre aquelas, quando for colocado termo final nos contratos agrários.

Vale rememorar ainda, consoante tratado outrora, que as obras e despesas foram descritas de modo exemplificativo no § 1º, do art. 6º, do Decreto nº 84.685/80, podendo ser adicionadas outras formas de benfeitorias de caráter agrário, desde que traga melhoramentos à propriedade rural e ao homem que nela labora. Neste sentido, lembrou o professor BENEDITO FERREIRA MARQUES [12], esclarecendo que "para o direito agrário, o conceito de benfeitorias é mais amplo do que o do Direito Civil, pois abarca as obras consideradas verdadeiras acessões...".

Portanto, culturas permanentes e temporárias, galpões, currais, cercas, curvas de nível, poços, estradas, edificações rústicas, casas de moradia, eletrificações, enfim, todo e qualquer trabalho executado no sentido de tornar a terra produtiva, inclusive as despesas decorrentes desses melhoramentos, se enquadram como benfeitorias no meio rural. Na mesma opinião, defendemos que as edificações criadas com finalidade de propiciar lazer e educação às famílias residentes temporariamente na propriedade também constituem benfeitorias.

Essa amplitude deve ser assegurada, para respaldar o direito de indenização e retenção ao sujeito que labora efetivamente a propriedade imóvel rural, haja vista o respeito pela função social. Afirmar em contrário, com a devida vênia, é conspirar elementos de enriquecimento ilícito do trabalho alheio.

5 – BENFEITORIAS NO PROJETO DO NOVO ESTATUTO DA TERRA

O projeto de Lei Complementar nº 167/00, em tramitação na Câmara dos Deputados, segundo entendimento do 1º Seminário de Direito Agrário, realizado no auditório da Universidade Federal de Goiás – UFG., já merece alguns curativos, apesar de não ter iniciado sua jornada.

No que se refere ao trato da indenização e o direito de retenção por realização de benfeitorias, não trouxe o projeto grandes novidades para o mundo jurídico. Entrementes, vale registrar que no art. 22 do aludido esboço legal, que trata da desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, asseverou que as benfeitorias úteis e necessárias serão indenizadas em dinheiro. Logo, o dispositivo fez menção ao texto do parágrafo primeiro, do art. 184, da Carta Magna de 1988.

Seguindo-se mais adiante no projeto de lei complementar, no capítulo denominado "Política Agrícola", notadamente nos arts. 70 usque 75, fez menção a determinados programas de incentivos disponibilizados pelo governo federal, destinados à construção e recuperação de moradias na zona rural, implementação da eletrificação rural, melhorias das condições de armazenamento, processamento, embalagem e redução das perdas. Discorreu ainda sobre política de irrigação e drenagem, bem como de incentivos e subsídios para preservar a biodiversidade, vale dizer, os recursos naturais.

Pois bem. Oxalá que não seja letra morta, como tantos outros programas criados, que têm suas verbas desviadas. Contudo, se efetivamente destinadas todas essas perspectivas do projeto de lei ao homem do campo, possibilitariam desenvolvimento de suas atividades agrárias, através da criação de obras, melhoramentos e utilidades. Não é demasiado lembrar que além do acesso à terra, deve-se dar condições para o trabalhador se firme no campo.


- CAPÍTULO II - A INDENIZAÇÃO E O DIREITO DE RETENÇÃO À LUZ DOS PRINCÍPIOS AGRÁRIOS

1 – INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS EM DIREITO AGRÁRIO

Da mais singela definição, buscamos que indenização é o ato ou efeito de indenizar, que por sua vez consiste em dar indenização ou reparação; compensar; ressarcir; satisfazer. Juridicamente, agregamos o conteúdo econômico e/ou moral, que uma pessoa fica obrigada a reparar por responsabilidade direta ou indireta de um ato ou fato, culposo ou doloso, ocasionado.

Na esfera de benfeitorias, indenização significa recompensar o possuidor ou detentor da coisa, pelo melhoramento ou utilidade realizada. Na esteira do jusagrarismo, nasce o direito à indenização quando colocado termo final ao contrato agrário, e o arrendatário ou parceiro outorgado tenha realizado melhoramentos, em sentido lato, no imóvel rural. Logo, não há descompasso em adiantarmos que esse contratante tem direito à indenização pela construção das benfeitorias úteis e necessárias.

O direito de retenção, que estudaremos oportunamente, somente poderá ser exercido em relação às benfeitorias necessárias e úteis. Ato contínuo, notamos que inocorreu qualquer novidade, aplicando-se a mesma fórmula das relações puramente civis.

Consoante aventado outrora, os conceitos e classificações civilistas das benfeitorias foram recepcionados na legislação agrária. Todavia, pairou diferenciação quanto aos efeitos indenizatórios, quanto às benfeitorias voluptuárias, cujo ressarcimento é assegurado, se sua construção foi expressamente autorizada pelo arrendador. Vale salientar a primeira parte do inciso VIII, do art. 95 do Estatuto da Terra:

O arrendatário, ao termo do contrato, tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis. Será indenizado das benfeitorias voluptuárias quando autorizadas pelo locador do solo. (omissis).

Com a regulamentação do estatuto, pelo Decreto nº 59.566/66, o art. 25 e parágrafos, trouxeram interpretação mais técnica, apesar de permanecer o conteúdo anterior. O referido decreto cuidou ainda de classificar as formas de benfeitorias, no art. 24, diferenciado-se da lei civil quanto a expressão ‘coisa’, substituindo por ‘imóvel rural’. Na identificação das benfeitorias necessárias, merece aplausos o decreto, eis que atentou quanto os princípios agraristas, no sentido de codificar as normas a fim de proteger o imóvel rural, buscando a conservação do meio ambiente.

Logo em seguida, o parágrafo único do art. 24, expressou que, em caso de dúvida sobre a finalidade da benfeitoria e quanto à sua classificação, prevaleceria o que fosse ajustado pelas partes contratantes. Logicamente que a estipulação das partes não importa em renúncia de direitos, sob pena de ser decretada nulidade da cláusula. Portanto, se estabelecida a renúncia do arrendatário ao direito de indenização pelas benfeitorias realizadas no imóvel rural, sem valor e/ou efeito será o ajuste.

As hipóteses de indenização por benfeitorias contempladas pelo Estatuto da Terra foram ampliadas, se comparadas com a legislação comum, pois nesta a indenização e o direito de retenção somente poderão ser exercidos, incondicionalmente, pelas benfeitorias necessárias. Quanto às benfeitorias úteis, para que propiciem direito à indenização é necessário o consentimento expresso de sua realização, de acordo com o mandamento civil. Nesse espeque, o ilustre magistrado ITANEY FRANCISCO CAMPOS, lembrou em sua dissertação de mestrado que:

O critério do Código, como se vê, é restritivo e enseja situações de injustiça, pois a realização de benfeitorias úteis ou necessárias, resultam, afinal, em proveito ao locador. Ademais disso, foi mais restrito em relação ao locatário, pois quanto aos outros possuidores assegurou o direito de retenção, enquanto não indenizados pelas benfeitorias úteis e necessárias (art. 516, final). [13]

Calcado nos princípios doutrinários agraristas, o Estatuto da Terra concedeu direito à indenização pelas benfeitorias úteis e necessárias, autorizando o exercício do direito de retenção do imóvel, enquanto não haja a devida compensação. Dessarte, extrai-se das normas do estatuto a desnecessidade de autorização para a realização das benfeitorias úteis e necessárias, à exceção das voluptuárias.

Mister lembrar também, consoante dispõe o inciso IV, do art. 41 do Decreto nº 59.566/66, que constitui obrigação do arrendatário durante a vigência do contrato, executar as benfeitorias úteis e necessárias, à exceção de disposição em contrário. Por conseguinte, as obras destinadas a preservar o imóvel e os recursos naturais, dar utilidade econômica, devem ser realizadas pelo possuidor.

Nesse passo, o Estatuto da Terra prescreve ainda que, quando as benfeitorias são do proprietário, permite-se a elevação do preço do arrendamento, ao teor do arts. 95, II c/c 25, § 1º e 35, § 2º do Decreto nº 59.566/66. Portanto, o arrendador poderá cobrar até 15% do valor das benfeitorias que entrarem na composição do contrato, desde que os melhoramentos elevem o rendimento da propriedade rural.

Nas relações civis há necessidade da prova da boa-fé, constituindo requisito basilar para autorizar a indenização pela realização das benfeitorias. No Direito Agrário a boa-fé pode ser provada apenas pela existência do contrato, invertendo-se o ônus probante da intenção maldosa.

Adiantado alhures que o direito a indenizar só se consolida após o termo final do contrato agrário, sendo que o possuidor não poderá requerer compensação do seu valor nas parcelas locatícias, salvo disposição das partes. Este entendimento é acolhido por WELLINGTON PACHECO BARROS [14].

2 - CONCEITO E REFERÊNCIAS SOBRE DIREITO DE RETENÇÃO

A significação comum do instituto a ser apreciado encontra consenso no mundo jurídico que, ao analisar em suas diversas feições, não se abstrai seus elementos identificadores, quais sejam, a manutenção de uma coisa sob o poder de uma pessoa, em virtude de direito que possui, a ser satisfeito, como condição à sua liberação.

Entrementes, podemos colacionar definição mais dirigida, sob os auspícios de PEDRO NUNES [15], que assevera que o direito de retenção – jus retentionis – consiste numa faculdade legal, conferida ao credor, de conservar em seu poder a coisa que possuía de boa-fé, pertencente a devedor seu, ou recusar-se a restituí-la, até que este lhe satisfaça a respectiva obrigação.

Não sobejam dúvidas que a natureza jurídica do direito de retenção é controvertida, mas, a nosso ver, trata-se de um direito pessoal, agregado de características peculiares, inclusive com oponibilidade a terceiros. Essa aquiescência vem derivada dos ensinamentos de ITANEY CAMPOS, adepto dessa corrente e prevalecente no âmbito pretoriano.

Das raízes do instituto, ainda tomamos nota da doutrina do direito romano, fundada no princípio da equidade, no sentido de faze-lo prevalecer, sempre que determinada pretensão, embora disposta pelo direito, provocasse conseqüências injustas mediante sua concretização. Por conseguinte, era a equidade que orientava a direção do jus retentionis, quando da existência de um crédito conexo pudesse significar prejuízo ao possuidor de boa-fé.

Por sua vez, a legislação brasileira foi regulada semelhantemente, trazendo o Código Civil a terminologia da faculdade de alguém reter, em seu poder, coisa certa, até ser satisfeito de uma obrigação da qual se afirma credor. Vale lembrar ainda que, embora disperso em vários artigos do estatuto civil, o jus retentionis por benfeitorias pode ter sua disciplina geral identificada nos arts. 516 e 873.

Assevera o art. 516 que o possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, ao de levanta-las, quando o puder sem detrimento da coisa. Pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis, poderá exercer o direito de retenção.

No livro destinado aos Direitos das Obrigações, notadamente as de restituir coisa certa, prevê o estatuto civil a hipótese da coisa sofrer melhoramento ou aumento sem o concurso do devedor, caso em que há lucro do credor, sem qualquer dispêndio ou participação. Vale exprimir o art. 873: "se para o melhoramento ou aumento, empregou o devedor trabalho, ou dispêndio, vigorará o estatuído nos arts. 516 a 519".

Da análise das normas, percebe-se que o legislador civilista ampliou o campo de incidência do direito de retenção por benfeitorias, eis que deferiu não só ao possuidor, mas todo aquele (mesmo detentor), que tenha melhorado ou ampliado a coisa com sua participação ou atuação, para fins de exercício do direito de retenção.

Insculpida todas essas considerações, adotamos como fórmula conceitual do jus retentionis por benfeitorias, o paradigma trazido por BOURGUIGNON [16], na faculdade do possuidor de boa-fé, ou pessoa equivalente, independente de qualquer avença, de conservar em seu poder coisa certa, além do momento que deveria restituí-la, como garantia de um crédito conexo decorrente da realização de benfeitorias nessa mesma coisa.

Dessarte, extraímos, finalmente, a existência de três elementos fundamentais, que constituem o núcleo do direito de retenção por benfeitorias, a saber: a) o possuidor ou detentor; b) a boa-fé; e, c) as benfeitorias.

3 - DIREITO DE RETENÇÃO POR BENFEITORIAS. POSSE DE BOA E MÁ-FÉ

Sem qualquer rodeio, podemos certificar que, em regra geral, no caso de cessação do contrato agrário, terá direito à indenização das benfeitorias úteis e necessárias o arrendatário ou parceiro outorgado, bem como das voluptuárias se autorizado. Ainda, enquanto não for indenizado das benfeitorias úteis e necessárias, tem a faculdade de permanecer no imóvel, usando e gozando de suas vantagens. Trata-se de permissivo legal, grafado no inciso VIII, do art. 95, do Estatuto da Terra, regulamentado pelo art. 25 e §§, do Decreto nº 56.599/66.

A conservação da posse deriva agora do crédito pelas benfeitorias realizadas e em garantia de seu pagamento. A ‘faculdade’ autoriza o contratante a reter ou não o imóvel em seu poder, até que seja indenizado das benfeitorias realizadas por necessidade e utilidade. Essa permissão ou liberdade de agir é subjetiva do possuidor ou detentor do imóvel.

O direito de retenção por benfeitorias é um dos vários meios diretos de defesa que a lei, excepcionalmente, confere ao titular de um direito. Consiste na liberdade, deferida ao credor, de conservar a coisa além do momento que a deveria restituir, em garantia de um crédito que tenha contra o credor e decorrente de despesas feitas ou perdas sofridas em razão da coisa. É um meio de defesa, no sentido de que atua com elemento compulsivo, incidente sobre o espírito do devedor, pois a recuperação da coisa só lhe será possível se efetuar o pagamento do débito. O reivindicante, vitorioso na demanda, só obterá a entrega da coisa reivindicada se indenizar o possuidor de boa-fé das benfeitorias úteis e necessárias, por ele levantadas. Enquanto o não fizer, é legítima a retenção da coisa, por parte do credor.

Com efeito, tamanha é a relevância do instituto que WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, com vivacidade, assinalou que:

A retenção é direito negativo. Consiste na faculdade de sustar a entrega da coisa, até que se indenize o retentor. Estes os seus pressupostos: a) – a detenção da coisa; b) – a existência de um crédito retentor; c) – a relação de causalidade entre esse crédito e a coisa retida. [17]

Tanto o legislador civilista quanto o agrarista trouxe a diferenciação da posse de boa e má-fé, como fator decisivo para auferir a indenização e o jus retentionis.

Quanto à posse de boa-fé não pairam dúvidas, porquanto assaz demonstrado que o possuidor tem direito de indenização e retenção das benfeitorias úteis e necessárias realizadas no imóvel, consoante firmado pelo art. 25 do Decreto nº 59.566/66, fundado no art. 95 do Estatuto da Terra, que, por sua vez, buscou respaldo no art. 516 do Estatuto Civil.

A respeito da posse de má-fé, ao Direito Agrário aplicam-se subsidiariamente os ensinamentos doutrinários civis, eis que não houve tratamento expresso do Estatuto da Terra ou do decreto regulamentador, ao passo que, somente serão ressarcidas as benfeitorias necessárias, porque estas seriam efetuadas estivesse o imóvel nas mãos de quem quer que fosse, sob pena de deterioração ou destruição. E se o reivindicante não as devesse indenizar, experimentaria enriquecimento indevido. Entretanto, não assiste ao possuidor de má-fé o direito de retenção para garantir o pagamento de referida indenização.

Estabelecida essa subjetividade do exercício da posse, cumpre-nos indagar sobre qual o transcurso de tempo que o possuidor permanecerá no imóvel. O estatuto dispõe que esse período perdura até o momento que seja indenizado, ao teor do inciso VIII do art. 95. Mas, se durante a retenção houver o arrendatário iniciado uma lavoura, e o arrendador efetuado o pagamento da indenização? Teria o arrendatário o direito de posse até ultimar a colheita?

Essa questão foi bem apontada e esclarecida pelo professor BENEDITO FERREIRA MARQUES, na melhor e mais didática obra do Direito Agrário Brasileiro, solucionando da seguinte forma, verbo ad verbum:

Imagina-se que, em face da omissão da lei, a solução mais prática seja a composição em perdas e danos em favor do arrendatário e não sua permanência no imóvel até a colheita, pois a relação contratual já teria sido extinta subjacentemente. A retenção teria sido apenas um incidente no momento da restituição do imóvel ao arrendador. A retenção, no caso, parece ter a mesma natureza da prorrogação, que, como sabido, não se confunde com a renovação, na medida em que ela se presta apenas para a ultimação da colheita, quando não for possível no prazo do contrato. (...). [18]

Destarte, se durante o período de retenção há exercício de atividades agrárias por parte do possuidor, vale dizer, eficácia de posse trabalho, e desejando o proprietário retomar o imóvel, indenizando as benfeitorias dantes realizadas, traduz-se a melhor resolução na indenização pelas perdas e danos sofridas por aquele.

4 – DEFESA PROCESSUAL. DOS EMBARGOS DE RETENÇÃO.

Por toda pauta trazida à baila, deparamos que o direito à indenização e retenção por benfeitorias, envolve necessariamente análise das características de normas de conteúdo material e processual, a mercê de não identificar a plenitude do instituto.

Desta feita, caminhando para esfera do direito adjetivo, temos que a defesa processual mais comum a garantir a indenização e o direito de retenção por benfeitorias, consiste no oferecimento de embargos, opostos contra a execução para a entrega de coisa, nos termos do art. 744 do Digesto Processual Civil.

Logicamente, não poderíamos naufragar a doutrina de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, nos mesmos termos:

O Código de Processo Civil, no art. 744, refere-se expressamente à defesa do executado, mediante embargos de retenção por benfeitorias, cumprindo-lhe, pois, no ato de deduzi-los, especificar as benfeitorias cuja retenção pretenda, indicando o antigo estado da coisa, bem como o atual, dando o valor delas e mencionando, por fim, a conseqüente valorização. Tais especificações são imprescindíveis, a fim de que o executado fique aparelhado a preparar sua defesa. [19]

No entanto, o direito de retenção por benfeitorias não se exerce judicialmente apenas pelos embargos, podendo ser manejado em outras ações, desde que ocorra em processos de conhecimento, caracterizados por ampla cognição, com possibilidade de vasta produção probatória da realização das benfeitorias. Vale ressaltar, nesse espeque, segundo a doutrina de BOURGUIGNON [20], excepcionalmente o direito de retenção por benfeitorias pode até ser suscitado e reconhecido em sede de ação declaratória.

De mais a mais, em regra geral, por sua natureza passiva, o jus retentionis por benfeitorias é argüido em sede de contestação às ações condenatórias, que visem a propositura da ação de execução para entrega de coisa.

Com relação aos embargos de retenção, possuem natureza jurídica de ação incidental ao processo de execução, e seu objetivo é condicionar a entrega da coisa, à satisfação do crédito decorrente da realização das benfeitorias.

O prazo para oferecimento dos embargos de retenção é comum ao dos embargos de devedor, e não há sucessão de prazos. Todavia, se opostos ambos, o julgamento dos embargos do devedor será precedido aos de retenção, por simples por questão de ordem prática.

Impende ressaltar, veementemente, que, o oferecimento de embargos de retenção, na execução fundada em título judicial, pressupõe que a indenização e o direito de retenção não tenham sido julgados na sentença executiva. Se o veredictum estiver declarado o direito, o exequente, antes de ajuizar a execução, deverá liquidar a sentença, depositando previamente o valor da indenização. Trata-se de condição sine qua non para o ajuizamento da execução, ao teor da inteligência do art. 628, do Estatuto Processual Civil, constituindo requisito de exigibilidade do título. Se, todavia, for proposta execução sem atentar aos ditames do art. 628 do CPC., considerar-se-á nula, devendo ser argüido o vício em sede de embargos do devedor, ou como objeção de pré-executividade, e, porque não dizer, em simples petição.

Do mesmo modo que nos embargos do devedor, a segurança do juízo é indispensável, e, nos embargos de retenção pode ocorrer pelo depósito da coisa (art. 737, II do CODEX), ou concedendo a imissão na posse do bem (arts. 625 e 738, III do mesmo diploma legal).

Não é dispiciendo inscrever que o embargado pode extinguir o direito de retenção do embargante, via de caução ou depósito do crédito correspondente em dinheiro. Entretanto, esta caução eventualmente prestada não possui caráter cautelar, podendo ser prestada por termo, nos próprios autos, prestigiado o contraditório e a ampla defesa do embargante.

Segundo os ensinamentos de BOURGUIGNON [21], a sentença que julga procedente os embargos de retenção por benfeitorias possui natureza declaratória, quanto ao direito de retenção, e desconstitutiva, ainda que provisoriamente, da situação processual executiva, na medida em que lhe retira eficácia ao condicionar o prosseguimento da execução ao pagamento do valor das benfeitorias.

O veredicto que julga os embargos de retenção pode ser desafiado pelo recurso de apelação, porquanto possui caráter terminativo o decisum. A apelação, será sempre recebida no efeito devolutivo.

Conclui-se, pois, que, se ausente o processo de execução para entrega de coisa, o direito de retenção somente poderá ser exercido em ação de conhecimento, e, consoante adiantado alhures, observados todos os cânones legais, notadamente no que se refere a instrução probatória.


CONCLUSÃO

Em consonância com nosso preâmbulo, registramos novamente que as benfeitorias realizadas no imóvel rural, pelo possuidor, detentor ou similar, merecem guarida nas normas e princípios de Direito Agrário.

O homem que labuta dia após dia, em imóvel fora de sua titularidade, exercendo atividades agrárias, buscando o exercício da função social em sua plenitude, não pode padecer de sustentação nesse sentido. A bandeira agrarista deve tremular saliente, amparando àquele que produz em detrimento da especulação dominial.

As obras, melhoramentos ou despesas, realizadas nos imóveis rurais devem ser consideradas extensivamente no mundo jurídico. As indenizações das benfeitorias, com efeito, deverão levar em conta não só o aspecto individual da obra, mas também o aumento da produtividade do imóvel, e o proveito da família que efetivamente labora a terra.

Da mesma forma, já que não podemos nos socorrer da almejada Justiça Agrária, o julgador comum ao se deparar com litígios versando indenização e direito de retenção pela realização de benfeitorias em imóveis rurais, deve se pautar ao mínimo nos princípios agraristas, sob pena de carecer de subsídios técnicos e porque não dizer, de elementos sociais, ensejando injustiças, tão comuns em nosso País.

Os conceitos, as classificações e a natureza jurídica de cada instituto analisado, apesar de subtraídos do direito comum, carecem, no mínimo, de acabamento agrarista, porquanto os princípios e normas jurídicas deste prevalecem sobre o interesse individual.

A exemplo disso, identificamos a definição de benfeitorias calcada no efetivo labor da terra. Constituem, pois, em todos os melhoramentos introduzidos pelo possuidor na terra que a cultiva, tais como culturas permanentes e temporárias, galpões, currais, cercas, curvas de nível, poços, estradas, edificações rústicas, casas de moradia, eletrificações, enfim, todo e qualquer trabalho executado no sentido de tornar a terra produtiva, inclusive as despesas decorrentes desses melhoramentos. Da mesma forma, entendemos que as edificações criadas com finalidade de propiciar lazer e educação às famílias residentes da propriedade também constituem benfeitorias. Destaque-se que esse rol é exemplificativo.

Para o jusagrarismo a posse é um direito subordinado ao exercício da atividade produtiva. Para sua constituição, ocorre, no caso, a interação dos elementos: sujeito, atividade agrária e imóvel. Por conseguinte, as benfeitorias realizadas no imóvel rural, harmonizam-se com a posse-trabalho exercida temporariamente, devendo ser aplicado os permissivos legais com relação aos seus efeitos e direitos, principalmente pelo fato da posse ser efetiva e direta.

Nas relações civis, há necessidade da prova da boa-fé, constituindo requisito primordial à ensejar a indenização das benfeitorias. No Direito Agrário, a boa-fé pode ser provada apenas pela existência do contrato, invertendo-se o ônus probante da má-fé.

O jus retentionis por benfeitorias, por sua vez, possui fundamento na vedação do enriquecimento sem causa, dando garantia àquele que, de boa-fé e com seu suor, tenha melhorado ou conservado o imóvel rural. Pura e simples aplicação da equidade, com perfeito cabimento nas benfeitorias realizadas nos imóveis rurais.

Além dos embargos de retenção, existe notícia doutrinária que há na esfera jurídica do direito formal, outros remédios eficazes para defesa, inclusive admitindo-se a ação declaratória. Pode ser alegado em ação de conhecimento, em sede de resposta, com vasta amplitude probatória. Interessa identificar e ratificar que, o objetivo do meio processual encontrado é condicionar a entrega da coisa, à satisfação do crédito decorrente da realização das benfeitorias.

O presente estudo, vale definir, sumário, não têm o condão de esclarecer todas as dúvidas acerca da indenização e o direito de retenção por realização de benfeitorias. Os inúmeros litígios falam por si só, e somente com análise acurada das normas e princípios do Direito Agrário, o julgador terá subsídios para aplicar a melhor justiça social, a finalidade maior de tudo.


BIBLIOGRAFIA

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GOMES, Orlando – Direitos Reais. Ob. Cit. DINIZ, Maria Helena – Curso de Direito Civil Brasileiro. v. 4º, 14ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999.

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NOTAS

1. Novo Dicionário Aurélio, Século XXI, Ed. Nova Fronteira, 1999.

2- Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, Vol. 1, 7ª tiragem da edição histórica, p. 296, Editora Rio, 1940.

3- Código Civil Anotado, 5ª ed., pág. 81, Ed. Saraiva, 1999.

4- Curso de Direito Civil, 1º Vol., 19ª ed., pág. 151, Ed. Saraiva, 1979.

5- Instituições de Direito Civil., v. 2., trad. 6ª ed. Italiana, p.424, Ed. Bookseller, São Paulo, 1999.

6- BEVILÁQUA, Clóvis – Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado, Vol. III, 7ª tiragem da edição histórica, p. 1.019, Editora Rio, 1940.

7- GOMES, Orlando – Direitos Reais. Ob. Cit. DINIZ, Maria Helena – Curso de Direito Civil Brasileiro. v. 4º, 14ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 127.

8- SERPA LOPES, Miguel Maria – Curso de Direito Civil, Vol. I, 9ª ed., Ed. Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 2000. p. 396.

9- BORGES, Paulo Torminn – Institutos Básicos de Direito Agrário, 11ª ed., São Paulo: Saraiva, 1998, p. 83. apud Clóvis Beviláqua, Código Civil, cit., v. 1, Comentários ao art. 64.

10- A posse agrária sobre o imóvel rural. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 92

11- Reforma agrária – um estudo jurídico. Pará: CEJUP, 1993. p. 63.

12- MARQUES, Benedito Ferreira. 3ª ed. Goiânia: Ed. AB, 1999. p. 236.

13- CAMPOS, Itaney Francisco Campos. Contratos Agrários – Direito à Indenização e Retenção por Benfeitorias. Dissertação de Mestrado da Universidade Federal de Goiás, 2001. p. 86.

14- BARROS, Welington Pacheco - Contrato de Arrendamento Rural. Porto Alegre: Ed. Livraria do Advogado, 1998. p. 93.

15- Nunes, Pedro – Dicionário Jurídico. 13ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 421/422.

16- BOURGUIGNON, Álvaro Manoel Rosindo – Embargos de Retenção por Benfeitorias. São Paulo: Ed. RT, 1999. p. 39.

17- MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, 3º vol., 24ª ed., Saraiva: São Paulo, 1985. pág. 67/70.

18- Ob. cit. p. 237.

19- Ob. Cit. p. 68/69.

20- Ob. Cit. p. 288

21- Ob. cit. p. 290.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Giorgi Thompson de. A disciplina jurídica das benfeitorias. A indenização e o Direito de retenção à luz dos príncipios agrários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3407. Acesso em: 18 abr. 2024.