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O controle da constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal

O controle da constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal

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A não submissão da legislação municipal ao controle de constitucionalidade concentrado pelo STF não deve constituir óbice ao Judiciário para que seja aferida sua compatibilidade com a Constituição.

RESUMO: O presente artigo, sem a pretensão de esgotar o assunto, tem por finalidade apresentar a evolução da autonomia do município, como pessoa jurídica de direito público interno, integrante do sistema federativo brasileiro, desde o advento da República até a Constituição Federal de 1988, bem como o desafio do Poder Judiciário na realização do controle da constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal, e as alternativas e possibilidades de aferição de constitucionalidade desses atos emanados pelos municípios como ente da federação.

PALAVRAS-CHAVES: MUNICÍPIO; ATOS NORMATIVOS; FEDERAÇÃO; CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE; PODER JUDICIÁRIO.


A forma pela qual o poder é exercido tem sido sempre um problema de vulto na organização das comunidades políticas. É que seria impossível a um governo querer estender sua eficácia até os limites de seu território sem, ao mesmo tempo, adotar alguma forma de descentralização.

Assim, com a primeira constituição republicana promulgada em 1891, o Brasil implanta, de forma definitiva, tanto a república quanto o sistema federativo cujo projeto, que sofreu influência marcante de Rui Barbosa, foi inspirado no federalismo americano[1]. A federação implicou na outorga de poderes políticos às antigas províncias que passaram a governar os seus assuntos com autonomia e finanças próprias.

A Constituição de 1891 implantou na estrutura constitucional brasileira aquilo que nela própria se denominava de “República Federativa”, constituída pela união perpétua e indissolúvel das antigas Províncias, pomposamente erigidas em Estados autônomos. A federação vinha assim tomar o lugar da desmoronada envergadura da centralização monárquica. A estes Estados, erigidos por via de legislação, por meio de outorgas de autonomia, foi deixada uma larga margem de competência pela cláusula que facultava aos Estados regerem-se pela Constituição e pelas leis que adotassem[2].

Remontando a história republicana das Constituições do Brasil, relativamente à autonomia dos Municípios e ao controle de constitucionalidade das leis, vamos verificar que a Constituição de 1891, inspirada no modelo americano, não deu muita importância para os Municípios de forma que o controle da constitucionalidade das leis e atos normativos municipais não foram considerados à época pelo legislador constituinte. Mesmo com a reforma constitucional que ocorreu em 1926, reforçando a atuação e a competência do Poder Judiciário, o controle da constitucionalidade desses atos não foi levado em conta.

O mesmo se diga com relação à Constituição de 1934 que pôs em derrocada a de 1891. Embora de curtíssima duração, posto que fora abolida em 1937 em virtude da implantação do Estado Novo, a Constituição de 1934 contemplou o controle de constitucionalidade pelo sistema difuso, adotou o quorum qualificado para que os tribunais pudessem declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato do poder público e instituiu a ação direta de inconstitucionalidade sem, entretanto, considerar o controle das leis municipais.

Já a Carta de 1937, que na verdade não chegou a viger porque dependia de um plebiscito que jamais se realizou, foi inspirada no modelo fascista, de cunho eminentemente autoritário. Institucionalizou o que na época ficou conhecido como “federalismo formal” e não observou a divisão de poderes e nem a autonomia dos entes federativos. Naquela ocasião o Poder Judiciário sofreu uma perda substancial porquanto o controle da constitucionalidade das leis foi reduzido a quase nada.

Quanto a Constituição de 1946, que pôs fim ao Estado autoritário e prestigiou o municipalismo como nenhuma outra Constituição até hoje o fez, foi concedida uma competência certa e irrestringível ao município centrada na idéia da autonomia em torno do seu peculiar interesse. Entretanto, o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos municipais, não foi objeto de atenção do legislador constituinte de 1946 que só podia ser apreciado como prejudicial de ação já proposta sem os efeitos erga omnes.

Com relação à Constituição de 1967, esta manteve o sistema misto de controle de constitucionalidade que já tinha sido introduzido pela Emenda Constitucional n° 16, de 26 de novembro de 1965. Por meio dessa Emenda foi admitido o controle de constitucionalidade das leis e atos normativos municipais, de competência dos Tribunais de Justiça dos Estados, nos casos em que ocorresse a violação dos princípios indicados nas Constituições Estaduais o que, de certa forma, foi seguido pelo atual texto constitucional, conforme teremos a oportunidade de verificar.

Mas é oportuno frisar que a federação se expressa, via de regra, através de duas ordens jurídicas que são, de um lado, a União e, de outro, os Estados-membros ou Estados federados, ou simplesmente, como chamados no Brasil, de Estados. A autonomia recíproca entre os Estados-membros e a União é a essência do princípio federativo.

Até aqui falamos do sistema federal o qual pressupõe a existência da União e dos Estados-membros, todos dotados de autonomia. Mas e o Município, onde ele se situa na federação?

Este é um ponto importante na compreensão do federalismo brasileiro, porquanto se contemplarmos a doutrina sobre federação nunca vamos encontrar referência aos municípios. Essa é, aliás, uma peculiaridade da federação brasileira que pressupõe a existência da tríplice ordem de pessoas jurídicas de direito público interno: União, Estados-membros e Municípios, figurando ainda o Distrito Federal. Todos esses entes federativos são autônomos por força da própria Constituição Federal[3]

Com efeito, o Município, no sistema federativo brasileiro, é contemplado como peça sui generes pelo texto constitucional de 1988 que, ao efetuar a repartição de competências, estabeleceu três ordens governamentais diferentes: a federal, a estadual e a municipal, inovando o modelo federativo adotado pelos demais Estados na ordem internacional.

Portanto, à semelhança dos Estados-membros, a Constituição Federal vigente concebeu o Município com autonomia de autogoverno, de administração própria e de legislação própria no âmbito de sua competência[4]. A única exceção ocorre como o Poder Judiciário que continua sendo ou Estadual ou Federal.

Com o Município, de acordo com a autonomia garantida pela Constituição Federal, criando sua própria legislação no âmbito de sua competência, surge o seguinte questionamento: “O controle da constitucionalidade da lei municipal frente à Constituição Federal pode ser feito por ação direta perante o Supremo Tribunal Federal, ou seja, há previsão em nosso ordenamento jurídico de controle concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos municipais em face da Constituição Federal?” Seria mais um desafio ao Poder Judiciário? Esse é o tema objeto do nosso estudo.


1. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL

O controle de constitucionalidade das leis e atos normativos é pressuposto básico para a formação do Estado Democrático de Direito, mormente nos países que adotam a Constituição como norma suprema perante outras normas jurídicas. Os Estados que adotam o controle de constitucionalidade de seus atos normativos proporcionam aos seus cidadãos a supremacia dos direitos e garantias fundamentais.

A supremacia da Constituição, na lição de Luís Roberto Barroso[5], é o postulado sobre o qual se assenta o próprio direito constitucional contemporâneo, tendo sua origem na experiência americana. Decorre ela de fundamentos históricos, lógicos e dogmáticos, que se extraem de diversos elementos, dentre os quais a posição de preeminência do poder constituinte sobre o poder constituído, a rigidez constitucional, o conteúdo material das normas que contém e sua vocação de permanência.

A Constituição, ainda segundo o mesmo autor, é dotada de superioridade jurídica em relação a todas as normas do sistema e, como conseqüência, nenhum ato jurídico pode subsistir validamente se for com ela incompatível. Para assegurar essa supremacia, a ordem jurídica contempla um conjunto de mecanismos conhecidos como “jurisdição constitucional”, destinados a, pela via judicial, fazer prevalecer os comandos contidos na Constituição. Parte importante da jurisdição constitucional consiste no controle de constitucionalidade, cuja finalidade é declarar a invalidade e paralisar a eficácia dos atos normativos que sejam incompatíveis com a Constituição.

Controlar a constitucionalidade significa, portanto, verificar a adequação e a compatibilidade de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição. Dessa forma é necessário que as próprias Constituições disciplinem mecanismos que assegurem a sua supremacia por meio de um sistema destinado a controlar a constitucionalidade dos atos normativos.

A análise da constitucionalidade das leis ou atos normativos baseia-se, portanto, em compará-las com determinados requisitos para verificar sua compatibilidade com as normas constitucionais.

No Brasil vigem duas espécies de controle de constitucionalidade: (i) controle político ou preventivo que visa impedir o ingresso de lei ou ato normativo no ordenamento jurídico exercido pelo Poder Legislativo; (ii) controle repressivo que busca, por meio do Poder Judiciário, retirar do ordenamento jurídico normas inconstitucionais já editadas.

1. 1 Controle Político

Essa forma de controle é exercida pelo Poder Legislativo por intermédio das Comissões de Constituição e Justiça[6], ou pelo Poder Executivo, por meio do veto presidencial[7]. Vale ressaltar que o Poder Legislativo também exerce uma espécie de controle repressivo de constitucionalidade de leis de duas formas distintas. Uma refere-se ao inciso V, do artigo 49, da Constituição Federal, que prevê competir ao Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitarem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.

Nesses casos o Congresso Nacional editará o decreto legislativo sustando ou o decreto presidencial ou a lei delegada que desrespeitar a forma constitucional previstas para suas edições. A outra forma de controle repressivo realizado pelo Poder Legislativo é com relação às Medidas Provisórias previstas no artigo 62 da Constituição Federal. Nesse caso, a Medida Provisória com força de lei e, conseqüentemente com ingresso imediato no ordenamento jurídico, poderá não ser convertida em lei pelo Congresso Nacional nas ocasiões de flagrante inconstitucionalidade.

1.2 Controle Repressivo do Poder Judiciário

O controle repressivo, que é a forma de controle que mais interessa no presente estudo, busca, por meio do Poder Judiciário, retirar do ordenamento jurídico normas inconstitucionais já editadas. Esse tipo de controle poder ser reservado ou concentrado, por via de ação, ou difuso ou aberto, por via de exceção ou defesa.

No nosso país, o controle de constitucionalidade repressivo exercido pelo Poder Judiciário é misto, isto é, pode ser realizado de forma concentrada ou difusa. O controle difuso, também conhecido por controle aberto ou por via de exceção ou defesa, se caracteriza por autorizar a todo e qualquer juiz ou Tribunal realizar, no caso concreto, o exame de compatibilidade de lei ou ato normativo com a Constituição.

Nesses casos a pronuncia do órgão jurisdicional sobre a inconstitucionalidade não é o objeto principal da lide, mas sim sobre uma questão prévia. Nesse controle o que é outorgado ao interessado é obter a declaração de inconstitucionalidade somente para o efeito de isentá-lo de cumprir a lei o ato normativo produzidos em desacordo com a Constituição. No entanto essa norma permanece validada no ordenamento jurídico em relação a terceiros.

Observe-se que no controle difuso realizado incidenter tantum a lei ou o ato normativo questionado junto ao juízo ou Tribunal competente pode ser originário de qualquer ente da federação: União, Estado-membro, Município ou do Distrito Federal.

Já o controle concentrado ou por via de ação direta, diferentemente do controle difuso, tem por objetivo a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo independentemente da existência de um caso concreto. Esse controle abstrato de constitucionalidade pode ocorrer de duas formas: por ação ou omissão.

O controle de constitucionalidade de lei e atos normativos in abstrato foi introduzido no direito pátrio através da Emenda Constitucional n° 16, de 26 de novembro de 1965, ainda sob a égide da Constituição de 1946. Ensina o Prof. Gilmar Ferreira Mendes[8] que “no intuito de estender o controle de constitucionalidade, em tese, às leis federais com vistas a formar, desde logo, precedentes que orientassem o julgamento dos processos congêneres, o constituinte acabou por consolidar, entre nós, um novo modelo de constitucionalidade no direito brasileiro”.

O controle concentrado de constitucionalidade apresenta vantagens porquanto a controvérsia constitucional é decidida com eficácia erga omnes e com efeitos ex tunc, assegurando economia para as partes, segurança e estabilidade política, correção de injustiças surgidas pela multiplicidade e contradição dos julgados proferidos pelos juízes e Tribunais sobre matéria idêntica. A finalidade do controle de constitucionalidade in abstrato é a defesa da ordem constitucional.

O controle de constitucionalidade assume papel relevante no Estado moderno como sustenta o eminente Prof. Mauro Capeletti[9], ao asseverar que “as Constituições modernas não se limitam na verdade, a dizer estaticamente o que é o Direito, a dar ordem para uma situação social consolidada, mas diversamente, das leis usuais, estabelecem e impõe, sobretudo, diretrizes e programas dinâmicos de ação futura”.

As leis, bem como os atos normativos, material ou formalmente incompatíveis com o texto constitucional podem ser objeto de ação direta de constitucionalidade por via do qual o Poder Judiciário manifesta-se exercendo a fiscalização abstrata, sucessiva e concentrada.

De acordo com a Constituição Federal[10] compete ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal.

De igual forma cabe aos Tribunais dos Estados[11] a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual.

Verifica-se por meio desses dispositivos que o legislador constituinte se preocupou em estabelecer a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual, e dos Tribunais de Justiça, dos Estados, da instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual.

Entretanto, nada dispôs sobre a definição de competência para julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal.


2. O CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADE DE LEI OU ATO

NORMATIVO MUNICIPAL

O legislador constituinte de 1988 manteve-se fiel ao sistema misto de controle de constitucionalidade de leis e atos normativos, dispondo, de modo ordenado, o controle de constitucionalidade das leis municipais.

Nesse sentido estabeleceu a competência dos Tribunais de Justiça nos Estados para processar e julgar a ação direta de inconstitucionalidade de lei e atos normativos municipais que sejam contrários à Constituição Estadual, conforme prevista nos §§ 1° e 2°, do artigo 125, da C.F.:

Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

§ 1º - A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado, sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça.

§ 2º - Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou  municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para agir a um único órgão.

Nota-se que a competência definida pela Constituição Federal aos Tribunais de Justiça dos Estados é pertinente apenas ao exame da constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal que esteja em contradição com a respectiva Constituição Estadual, a qual deve observar os princípios da C.F. nos termos do § 1°, do artigo 25:

Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta  Constituição.

§ 1º - São reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.

Por seu turno a Constituição do Estado de São Paulo, por exemplo, observando os ditames da Carta Magna, estabeleceu a competência do Tribunal de Justiça, relativamente à representação de inconstitucionalidade, nos seguintes termos:

Art. 74 - Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição, processar e julgar originariamente:

VI - a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou municipal, contestados em face desta Constituição, o pedido de intervenção em Município e ação de inconstitucionalidade por omissão, em face de preceito desta               Constituição;

Da interpretação desses dispositivos é forçoso concluir que, se uma lei ou ato normativo municipal contrariar a Constituição Federal, o Tribunal de Justiça não teria competência para julgar a ação direta de inconstitucionalidade.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo comprova essa assertiva:

Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei 1057460000 - Relator: Paulo Fernando Lopes Franco - Órgão julgador: 1ª  Câmara de Direito Criminal - Ementa: informações da Câmara Municipal de Araçatuba, com preliminar de incompetência desta Corte para conhecer do pedido. De acordo, porém, com o que dispõe o já mencionado art. 125, § 2o, da Constituição da República, "cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual", o que significa que é incabível a ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal em confronto com normas da Carta Magna.

Embargos de Declaração 991190401 - Relator: Paulo Fernando Lopes Franco Ementa: Tribunal de Justiça de São Paulo - Acórdão 00630178 - Embargos de declaração - Ação direta de inconstitucionalidade de leis municipais - Alegada omissão do acórdão quanto à aplicabilidade de normas da Constituição Federal - Ocorre que o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal só é possível em face da Constituição Estadual (CR, art. 102; RTJ 164/832).

Interessante observar que a Constituição do Estado de São Paulo, em seu texto original, previa, no inciso XI, do artigo 74, a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal contestado em face da Constituição Federal:

Artigo 74 - Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição, processar e julgar  originariamente:

XI - a representação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, contestados em face da Constituição  Federal.

 Esse dispositivo previsto na Constituição do Estado de São Paulo foi objeto da ADIN 347-0, Ministro Relator do STF Joaquim Barbosa, que deferiu a liminar para suprimir a expressão “Federal” contida no referido dispositivo, cujo Acórdão tem a seguinte ementa

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade. Constituição do Estado de São Paulo. Art. 74, XI. Controle de  Constitucionalidade, Pelo Tribunal de Justiça, de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal. Procedência. É pacífica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, antes e depois de 1988, no sentido de que não cabe  a Tribunais de Justiça estaduais exercer o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos municipais em face da Constituição Federal. Precedentes. Inconstitucionalidade do art. 74, XI, da Constituição do Estado de São Paulo. Pedido julgado procedente.

Como visto até aqui, restou claro que os Tribunais de Justiça dos Estados não têm competência para exercer o controle concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos municipais em face da Constituição Federal.

Mas, se os Tribunais de Justiça não têm competência para exercer o controle concentrado de constitucionalidade de leis e atos normativos municipais em face da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal teria? Seria mais um desafio para o Poder Judiciário?

Na doutrina de José Afonso da Silva[12]:

"O constituinte federal não admitiu qualquer espécie de ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato municipal em conflito com a Constituição Federal. Continua, pois, a não haver tal tipo de ação direta, como remansosa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal decidiu à vista do regime anterior ao de 1988. Havendo impossibilidade jurídica de ação direta de inconstitucionalidade genérica de lei ou ato municipal, em face da Constituição Federal, a conseqüência lógica é que ninguém tem legitimação para intentá-la, e Tribunal algum tem competência para processá-la e julgá-la, mesmo quando dispositivo de Constituição Estadual o prescreva, pois se trata de prescrição ofensiva à Carta Magna da República e, assim, deve ser declarado pelo Tribunal de Justiça a que é dirigida. A impossibilidade jurídica do pedido gera a carência da ação".

O Supremo Tribunal Federal, por meio do voto do eminente Ministro Moreira Alves ao analisar o Recurso Extraordinário n° 91.740-RS, se pronunciou da seguinte forma:

"Se nem o Supremo Tribunal Federal pode julgar da constitucionalidade ou não, em tese, de lei ou ato normativo municipal diante da Constituição Federal, como admitir-se que as Constituições Estaduais, sob pretexto de omissão daquela, dêem esse poder, de natureza eminentemente política, aos Tribunais de Justiça locais e, portanto, ao próprio Supremo Tribunal Federal, por via indireta, em grau de recurso extraordinário?”.

O mesmo ocorreu no Recurso Extraordinário n° 87.484-RS, do relator Ministro Néri da Silveira:

"Ação direta de inconstitucionalidade da Lei Orgânica do Município, em face da Constituição Federal, proposta pelo  Procurador-Geral da Justiça do Estado, perante o Tribunal de Justiça do mesmo Estado. Orientação assentada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no sentido da impossibilidade jurídica do pedido. Não há ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal, frente à Constituição Federal”.

Nas hipóteses de lei municipal contrária à Constituição Federal, vale transcrever os ensinamentos do ilustre Professor Alexandre de Morais[13] de que:

"{...) será inadmissível ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo  Federal ou perante o Tribunal de Justiça local, inexistindo. portanto, controle concentrado de constitucionalidade, pois o único controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal que se admite é o difuso, exercido incidenter tantum, por todos os órgãos do Poder Judiciário, quando do julgamento de cada caso concreto".

Justificando a omissão do legislador constituinte de 1988, Fernando Luiz Ximenes Rocha[14] assevera que:

"Em verdade, não é concebível que as leis e os atos normativos municipais sejam submetidos ao controle de constitucionalidade concentrado pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de inviabilizá-lo para o desempenho de tarefa que lhe é reservada constitucionalmente, haja vista as incontáveis leis e atos normativos produzidos pelos milhares de comunas espalhadas por esse Brasil afora. Também não comungamos com a idéia de confiar tal mister aos Tribunais de Justiça, não só por entender tratar-se de uma usurpação da atividade precípua do Supremo Tribunal Federal, qual a de guarda da Constituição da Republica, mas igualmente pelo inconveniente de gerar essa providência um sem-numero interpretações dos preceitos da Carta Federal, com repercussões na chamada ‘crise do supremo’, que se agravaria com a  avalanche de recursos extraordinários, interpostos contra as decisões proferidas pelas diversas Cortes de Justiça estaduais”.

Podemos então concluir que, em se tratando de lei ou ato normativo municipal em confronto com a Constituição Federal, somente se admite o controle de constitucionalidade pela via difusa. Sendo assim, o Supremo Tribunal Federal somente se pronunciará sobre essa questão se o assunto for submetido por meio de Recurso Extraordinário na forma prevista na alínea “c”, do inciso III, do artigo 102, da Constituição Federal[15].


3. ALTERNATIVAS DE CONTROLE DA CONSTITUCIONALIDADEDE LEI OU ATO NORMATIVO MUNICIPAL.

Vimos até aqui que o Município ganhou grande relevo na estrutura administrativa brasileira com o advento da Constituição Federal de 1988, passando a ser efetivamente ente federativo à semelhança dos Estados-membros, com autonomia política, administrativa e financeira.

Aliás, de acordo com o saudoso Celso Ribeiro Bastos[16] “no campo local propriamente dito prestigia-se o municipalismo como nenhuma outra Constituição até hoje o fez. Foi, sem dúvida nenhuma, a Constituinte mais municipalista que tivemos. Foram muitos os constituintes que se bateram pela causa. Lembremos aqui, exemplificamente, Ataliba Nogueira, grande combatedor do ideal municipalista. Procurou-se, enfim, dar uma competência certa e irrestringível ao município, centrada na idéia da autonomia em torno do seu peculiar interesse”.

Não obstante o legislador constitucional outorgar total autonomia aos Municípios como entes da federação, o fato é que a Constituição Federal, de acordo com o texto vigente, não permite o exame da constitucionalidade de leis e atos normativos municipais em face da Constituição Federal, seja pelo Supremo Tribunal Federal, seja pelos Tribunais de Justiça.

Resta verificar, portanto, se além do controle difuso realizado conforme o caso concreto pelos juízos e Tribunais, haveria outras formas de impugnar a lei ou o ato normativo municipal contrário aos preceitos da C.F. Começaremos pelo Recurso Extraordinário.           

3.1 Recurso Extraordinário

Como vimos até aqui, a inconstitucionalidade da lei municipal poderá ser declarada incidenter tantum pelo Supremo Tribunal Federal à luz de um caso concreto e decorrente de uma decisão judicial quando há confronto com a Constituição Federal, nos termos dos incisos II e III, do artigo 102, da C.F.

Trata-se do controle difuso, também denominado via de exceção ou de defesa, que ocorre no curso de um processo comum. A lição de Celso Ribeiro Bastos[17] esclarece o assunto:

"O objeto da ação não é o próprio vício de validade, mas sim a reparação de um direito lesado ou prevenir a ocorrência desta lesão. O lesado quer subtrair-se dos efeitos da lei considerada inconstitucional. São meios hábeis: em princípio, qualquer ação, mais comumente o mandado de segurança, o "habeas corpus” e as defesas judiciais. No processo, a questão de inconstitucionalidade é chamada de "incidental” ou "prejudicial” e pode chegar ao Supremo através de recurso ordinário (art. 102, II, "a" e "b") ou do extraordinário (art. 102, III, "a”, "b” e "c”); a decisão faz coisa julgada apenas entre as partes, não vinculando outras decisões, inclusive do próprio Supremo Tribunal Federal, enquanto a lei não tiver suspensa a sua executoriedade, o que compete ao Senado Federal (art. 52, XI)”.

Em sede de Recurso Extraordinário visando o controle da constitucionalidade de lei municipal, vale transcrever a decisão do STF relativa à Reclamação n° 0000383 - SP, julgada em 11.6.92, rel. Ministro Moreira Alves, por maioria, improcedente.

"Reclamação com fundamento na preservação da competência do Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade proposta perante Tribunal de Justiça na qual se impugna Lei municipal sob a alegação de ofensa a dispositivos constitucionais estaduais que reproduzem dispositivos constitucionais federais de observância obrigatória pelos Estados. Eficácia jurídica desses dispositivos constitucionais estaduais. Jurisdição constitucional dos Estados-membros. Admissão da propositura da ação direta de inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça local, com possibilidade de recurso extraordinário se a interpretação da norma constitucional estadual, que reproduz a norma constitucional federal de observância obrigatória pelos Estados, contrariar o sentido e o alcance desta. Reclamação conhecida, mas julgada improcedente”.

Importa ressaltar que o Supremo Tribunal Federal não declinou de sua competência em razão do Tribunal de Justiça ter recebido a ação direta de inconstitucionalidade mesmo em se tratando de alegada ofensa a dispositivo constitucional estadual que reproduziu dispositivo constitucional federal.

3.2 Ação Popular

Dispõe o inciso LXXIII, do artigo 5°, da Constituição Federal, que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência.

O insigne administrativista Hely Lopes Meirelles[18] conceitua a Ação Popular como “meio constitucional posto à disposição de qualquer cidadão para obter a invalidação de atos e contratos administrativos, ou a estes equiparados, ilegais e lesivos do patrimônio federal, estadual e municipal, ou de suas autarquias, entidades paraestatais e pessoas jurídicas subvencionadas com dinheiro público”.

Contudo, é pacifica a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a Ação Popular não pode servir de substituto da ação direta de inconstitucionalidade por não ser o meio adequado ao ataque de lei em tese.

Com efeito, a Ação Popular pode ser utilizada para reparar danos causados pela lei em seus efeitos concretos, que trás em si conseqüências imediatas de sua incidência por possuir destinatários certos e objeto particularizado. Se uma lei municipal, por exemplo, concede uma isenção fiscal individual com ofensa aos princípios da isonomia e da moralidade, tal ato poderá ser impugnado por meio da Ação Popular.

Todavia, o mesmo não ocorre com a lei em tese que regula uma situação genérica e abstrata. A lei, não produzindo efeitos concretos, ou seja, não violando direitos subjetivos, não poderá ser inquinada de inconstitucional pela via da Ação Popular. A Ação Popular não se presta para substituir a ação direta de inconstitucionalidade, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n° 434-1:

“O julgamento da lei em tese, em sede de ação popular, por juiz de primeiro grau, implica usurpação da competência do  Supremo Tribunal Federal para o controle concentrado, acarretando a nulidade do respectivo processo”.

3.3 Representação Interventiva

Está prevista na Constituição Federal uma alternativa interessante de realizar o controle de constitucionalidade das leis municipais que tem por objetivo fazer prevalecer os princípios e preceitos fundamentais esculpidos no texto fundamental.

Trata-se da Representação Interventiva prevista no inciso IV, do artigo 35 da Constituição Federal[19]. Essa intervenção do Estado em seus Municípios somente poderá ocorrer nas ocasiões em que o Tribunal de Justiça der provimento à Representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial.

Vale ressaltar que a Representação Interventiva não possui uma função ilimitada. Tem por finalidade apenas de fazer com que o Município observe os princípios constitucionais violados ou que seja cumprida a lei que sofreu resistência ou a ordem ou decisão judicial.

É legitimado para promover a Representação Interventiva junto ao Tribunal de Justiça, o Ministério Público, conforme dispõe o inciso IV, do artigo 129, da Constituição Federal.

3.4 Argüição do Descumprimento de Preceito Fundamental

A Argüição do Descumprimento de Preceito Fundamental de que trata o § 1°, do artigo 102 da Constituição Federal, regulamentada pela lei n° 9.882, de 3 de dezembro de 1999, oferece uma excelente alternativa de controle concentrado para aferição da constitucionalidade das leis e atos normativos municipais.

Essa argüição, prevista na lei n° 9.882, de 3 de dezembro de 1999,  é um instrumento interessante que poder ser utilizado no controle concentrado de lei municipal ante a Constituição Federal, de forma que o controle pode ser realizado não só pela via difusa como também pela ADPF.

Esse dispositivo constitucional foi objeto de comentário do Ministro Célio Borja[20] do Supremo Tribunal Federal, que teceu as seguintes observações ainda na sua forma original que constava como parágrafo único do artigo 102, da C.F.:

"Segundo abalizado comentador da Constituição (José Afonso da Silva, "Curso de Direito Constitucional Positivo", RT, 5ª edição, págs. 481 e 492), embora "não muito bem redigido", o parágrafo único do artigo 102, da Constituição, "poderá ser fértil como fonte de alargamento da jurisdição constitucional da liberdade a ser exercida pelo nosso Pretório Excelso". Lembra José Afonso da Silva a definição que Cappelletti dá ao recurso constitucional instituído na República Federal da Alemanha: "meio de queixa jurisdicional perante o Tribunal Constitucional federal (....) a ser exercitado por particulares, objetivando a tutela de seus direitos fundamentais, assim como de outras situações subjetivas constitucionais lesadas por um ato de qualquer autoridade pública”.

De acordo com o inciso I, do parágrafo único do artigo 1°, da lei n° 9.882, de 3 de dezembro de 1999, a argüição prevista no § 1o do art. 102 da Constituição Federal será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público, cabendo também quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição.

Por preceito fundamental devem ser entendidos os princípios e valores que ao longo da história foram alcançados como a soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valorização social do trabalho, entre muitos outros e que se encontram relacionados de forma não taxativa no artigo 1°, da Constituição Federal e que fazem parte da consciência geral assim como os princípios da igualdade, da democracia representativa, do federalismo, do voto direto e secreto, da separação dos poderes e, principalmente, dos diretos e garantias fundamentais do cidadão.

Por meio da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental poderá ser questionada a constitucionalidade, em controle concentrado no Supremo Tribunal Federal, de lei ou ato normativo Municipal em face da Constituição Federal.

Na lição de Gilmar Ferreira Mendes[21] a Argüição do Descumprimento de Preceito Fundamental é uma "solução que vem colmatar uma lacuna importante no sistema constitucional brasileiro, permitindo que controvérsias relevantes afetas ao direito pré-constitucional sejam resolvidas pelo Supremo Tribunal Federal, com eficácia geral e efeito vinculante".

Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, no processo de argüição de descumprimento de preceito fundamental, o Supremo Tribunal Federal, por razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, por maioria de dois terços de seus membros, poderá restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado, conforme prevê o artigo 11, da lei n° 9.882, de 3 de dezembro de 1999.

Como se vê, trata-se de um excelente instrumento colocado à disposição da sociedade como meio de controle de constitucionalidade de lei ou ato normativo Municipal cujos legitimados, para propor a argüição, são os mesmos da ação direta de inconstitucionalidade, de acordo com o inciso I, do artigo 2°, da referida lei.

Nesse sentido foram as decisões do Supremo Tribunal Federal na ADPF-AgR 75 / SP, e na ADPF-AgR 11 / SP:

Ementa: Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Ilegitimidade Ativa ad causam. Idênticos Legitimados para a propositura de ação direta. Rol exaustivo. Dicção do art. 2º, I, da lei 9.882/99 c/c o art. 103 da CF. Não-conhecimento. Interposição de Agravo Regimental. Recurso não provido. I - Os legitimados para propor argüição de descumprimento de preceito fundamental se encontram definidos, em numerus clausus, no art. 103 da Constituição da República, nos termos  do disposto no art. 2º, I, da Lei nº 9.882/99. II - Impossibilidade de ampliação do rol exaustivo inscrito na Constituição Federal. III - Idoneidade da decisão de não-conhecimento da ADPF. IV - Recurso de agravo improvido. Ag. Reg. na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental Relator:  Min. Ricardo Lewandowski. Julgamento:  03/05/2006

EMENTA: Agravo regimental em argüição de descumprimento de preceito fundamental. 2. Ação proposta por particular. 3. Ausência de legitimidade. Somente podem propor ADPF os legitimados para a ação direta de inconstitucionalidade (art. 2º,I, da Lei nº 9.882/99). 4. Pedidos de suspensão de bloqueio de bens e de sentença. 5. Subsidiariedade da ação. Os pedidos que podem ser pleiteadas com eficácia pelas vias próprias. 6. Entendimento do relator do acórdão de que o critério há de se fazer quanto a uma relação de subsidiariedade entre processos de índole objetiva. 7. Agravo desprovido ADPF-AgR 11 / SP – São Paulo Ag.Reg. na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental Relator:  Min. Sydiney Sanches Julgamento:  18/11/2004.         

Observa-se, todavia, que não será admitida Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade, de acordo com o § 1°, do artigo 4º, da lei n° 9.882, de 3 de dezembro de 1999.


CONCLUSÃO

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 o Município passa efetivamente a fazer parte da federação brasileira ao se efetuar a repartição de competência entre a tríplice ordem de pessoas jurídicas de direito público interno: União, Estados e Municípios, figurando ainda o Distrito Federal[22]. À semelhança dos Estados-membros, o Município brasileiro, diferentemente do modelo tradicional de federação, é dotado de autonomia política, administrativa e financeira, ex vi dos artigos 29 e 30 da C.F.

Não obstante à autonomia Municipal outorgada pelo texto constitucional vigente, historicamente nunca houve qualquer preocupação com o sistema de controle de constitucionalidade da lei municipal em virtude da primeira Constituição republicana promulgada em 1891 ter recebido profunda influência do modelo norte-americano relativamente ao controle jurisdicional das leis e atos administrativos.

Mesmo com a Constituição de 1946, dita como municipalista, a apreciação da constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal só poderia ser analisada como prejudicial de ação proposta. Somente a partir 1965, por meio da Emenda Constitucional n° 16, de 26 de novembro desse ano, o nosso ordenamento jurídico adotou o sistema misto de controle de constitucionalidade.

Nada obstante, permanece no atual texto constitucional a impossibilidade jurídica de vir o Supremo Tribunal Federal, ou os Tribunais de Justiça dos Estados, de declarar a inconstitucionalidade de leis ou atos normativos municipais frente à Constituição Federal, por meio do sistema concentrado de controle de constitucionalidade.

Contudo, pela via difusa, a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo municipal, poderá ser declarada incidenter tantum pelo Supremo Tribunal Federal, de acordo com o caso concreto, quando estiver em confronto com a Constituição Federal, nos termos dos incisos II e III, do artigo 102, da C.F, sem, entretanto, ocorrer o efeito erga omnes.

A Ação Popular, conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, também não pode servir de substituto da ação direta de inconstitucionalidade por não ser o meio adequado ao ataque de lei em tese, ou seja, somente poderá ser utilizada para reparar danos causados pela lei em seus efeitos concretos.

Relativamente à Representação Interventiva, esta poderá ocorrer nas ocasiões em que o Tribunal de Justiça der provimento à Representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial tendo, como legitimado ativo para propor a Representação, apenas o Ministério Público, conforme dispõe o inciso IV, do artigo 129, da Constituição Federal.

Já a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, previsto no § 1°, do artigo 102 da Constituição Federal, e regulamentada pela lei n° 9.882, de 3 de dezembro de 1999, é um excelente instrumento para obter do Supremo Tribunal Federal a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo municipal pela via concentrada.

Ocorre, entretanto, que os legitimados para propor Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental se encontram definidos, em numerus clausus, no art. 103 da Constituição da República, nos termos do disposto no art. 2º, I, da Lei nº 9.882/99, sendo que esse rol não poderá ser ampliado conforme já decidiu o STF.

Dessa forma, o denominado silêncio eloquente do artigo 102 da Constituição Federal, que impede que as leis e os atos normativos municipais sejam submetidos ao controle de constitucionalidade concentrado pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de inviabilizá-lo para o desempenho de tarefa que lhe é reservada constitucionalmente, não deve constituir óbice intransponível ao Poder Judiciário para que seja aferida a adequação e a compatibilidade desses atos com a Constituição.


BIBLIOGRaFIA

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Notas

[1] Barbosa, Rui. A Constituição de 1891. Fundação Projeto Rondon, p. 2.

[2] Pacheco, Claúdio. As Constituições do Brasil. Brasília: Instituto Tancredo Neves, 1987. p. 32.

[3] C.F. art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal constitui-se em Estado Democrático de Direito (...).

[4] Os artigos 29 e 30 da Constituição Federal asseguram os elementos indispensáveis à configuração da autonomia municipal.

[5] Barroso, Luiz Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 83 e 84.

[6] O artigo 58 da Carta da República prevê a constituição de comissões no Senado Federal e na Câmara dos Deputados, na forma de seus respectivos regimentos, com atribuições nelas previstas.

[7] O Presidente da República poderá vetar qualquer projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional por entendê-lo inconstitucional, conforme dispõe o § 1° do artigo 66 da C.F. Este é o chamado veto jurídico.

[8] Mendes, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 1990.

[9] Capeletti, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, editor, 1984.

[10] Constituição Federal, alínea “a”, do inciso I, do artigo 102.

[11] Constituição Federal, artigo 125, § 2°.

[12] Silva, José Afonso. O Município na Nova Constituição. São Paulo: Forense, 1990.

[13] Morais, Alexandre de. Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2000.

[14] Ximenes Rocha, Fernando Luiz. Controle de Constitucionalidade das Leis Municipais. São Paulo: Atlas, 2006. p. 130.

[15] A alínea "c", do inciso. III, do art. 102, da CF, fixa a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar válida lei ou ato do governo local contestado em face da Constituição Federal.

[16] Bastos, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988, pág. 314.

[17] Bastos, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 328.

[18] Meirelles, Hely Lopes. Mandado de Segurança e Ação Popular. 14 ed. São Paulo: RT, 1992.

[19] O Estado não intervirá em seus Municípios, nem a União nos Municípios localizados em Território Federal, exceto quando o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou para prover a execução de lei, de ordem ou de decisão judicial – CF, art. 35, IV.

[20] Borja, Célio. Trabalho publicado na Coletânea "A Nova Ordem Constitucional - Aspectos Polêmicos". São Paulo: RT, 1990, pág. 193.

[21] Mendes, Gilmar Ferreira. Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental: Análises à Luz da Lei nº 9.882/99, p. 142.

[22] A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito (...). Art. 1°, da CF.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESENDES, José Antonio de. O controle da constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal em face da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4635, 10 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/34195. Acesso em: 25 abr. 2024.