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Institutos afins à desapropriação

Institutos afins à desapropriação

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I - NOTAS INTRODUTÓRIAS

Sumário: 1. A evolução do conceito jurídico de propriedade; 2. A disciplina da propriedade no ordenamento constitucional brasileiro.

1. A evolução do conceito de propriedade como direito

Ora exaltado como um direito fundamental, essencial à natureza humana, como o considerava Locke [1], ora apontado como a razão de ser da criação de uma sociedade civil injusta, como o enxergava Rousseau [2], o direito de propriedade classicamente foi objeto de estudo dos privatistas, passando, só posteriormente, a merecer a atenção, também, dos publicistas.

Sem pretender escrever uma espécie de história do direito de propriedade, embora o título deste item de alguma forma sugira esse tipo de exposição, aqui procuraremos apenas identificar três períodos - do advento do mundo moderno em diante - bem definidos em que o dominium ganha diferentes conotações.

Obviamente que o aspecto a ser salientado é o jurídico, embora apoiado em questões de ordem econômica, social e política, das quais os juristas não podem se desprender totalmente.

Num primeiro momento, teríamos a tendência liberal dos pais e filhos do iluminismo burguês, que tomavam o direito de propriedade como absoluto, personalíssimo [3] e individualista. Neste sentido, o título de proprietário conferia à pessoa o direito de fazer o que bem entendesse com a coisa ou de não fazer nada, sem que qualquer conseqüência pudesse derivar dessa destinação dada.

Essa concepção já podia ser notada num estágio propedêutico do direito romano, em que a noção de propriedade dava ao seu titular os poderes de usar, fruir e de abusar da coisa [4]. Entretanto, poderia ser considerada nova em razão da situação vigorante no período imediatamente anterior à Revolução Francesa [5].

No plano filosófico, a propriedade era anunciada como direito fundamental em razão de se caracterizar como a "mais alta exteriorização da personalidade do homem através do trabalho, ou seja, da atividade econômica dos indivíduos" [6].

Essa concepção individualista da propriedade aliada à concepção de Estado mínimo, não interventor, pregado por pensadores como Adam Smith [7], impossibilitava qualquer tipo de ingerência no patrimônio particular, o que passou a ser garantido como direito intocável na maioria das constituições européias.

Como se sabe, a burguesia revolucionária do séc. XVIII ludibriou a classe dos camponeses, prometendo-lhes ativa participação nas decisões políticas, com o intuito de conferir legitimidade às reivindicações pela primeira patrocinadas. A traição se fez notar a partir do momento em que ficou clara a inexistência de qualquer movimento que revelasse o intuito de atender às necessidades dos mais pobres, que continuaram relegados a último plano, sem obter qualquer atenção do Estado.

A partir daí, não foi possível conter a insatisfação da maioria, ainda oprimida pela falta de amparo e pela exploração de sua força de trabalho. Surgem, então, as idéias socialistas e, com elas, os movimentos concretos que tinham por intento a implementação de um sistema de proteção estatal contra o abuso econômico.

As principais metas do socialismo, expressadas de maneira brilhante através das obras de Marx e Engels, eram, em apertadíssima síntese, a coletivização das riquezas e a distribuição de justiça social.

O impacto dessa doutrina foi imenso, tendo sido capaz de dividir o mundo entre dois grandes grupos: o dos socialistas e o dos capitalistas. A igualdade jurídica e formal perante a lei já não era satisfatória. Passou-se a lutar, então, por uma igualdade material, extensível ao âmbito econômico-social.

No regime socialista de governo, o direito de propriedade está completamente subordinado à idéia de igualdade na distribuição das riquezas, de modo que não figura mais como um direito absoluto - como era no regime liberal clássico -, mas limitadíssimo.

Na União Soviética, verbis gratia, foi suprimida a possibilidade de transmissão de bens causa mortis, por dois motivos principais: a) em primeiro lugar, essa modalidade de aquisição da propriedade cria e incentiva a desigualdade, alimentando, em última análise, a injustiça; b) em segundo lugar, acoroçoa a indolência, diminuindo a produção nacional [8].

As críticas em sentido contrário tomavam por base os seguintes argumentos: a) o direito de propriedade individual deve ser garantido, pois, ainda que indiretamente, o crescimento pessoal do indivíduo traz consigo o crescimento da nação; b) a impossibilidade de transmitir bens aos parentes próximos ou outras pessoas queridas em razão da morte geraria uma onda de aniquilação do patrimônio adquirido ao final dos anos ou, de outra forma, desestimularia o trabalho e a produção.

Embora implementado em vários países e com algum sucesso por tempo considerável, o socialismo não resistiu à tendência capitalista, predominante no mundo, culminando com a dissolução da União Soviética em 1991.

A queda do socialismo, contudo, não representou a volta ao sistema liberal clássico, onde a propriedade figurava como direito absoluto e, portanto, intocável. As idéias marxistas, se não mais encontraram ambiente para atuar, serviram ainda como instrumento de suavização do desinteresse pelo coletivo.

Diga-se, ainda, que, mesmo no período de louvação do ideal socialista, existia, afora o grupo conservador das idéias liberais, uma parcela de pensadores que defendiam algumas restrições à liberdade econômica, sem advogarem a tese de supressão da propriedade privada. E parece que esses, que tinham a seu favor o conceito de justiça de Aristóteles - calcado na noção de meio termo -, saíram vitoriosos.

Hodiernamente, vigora, pois, uma concepção de propriedade marcada pelo equilíbrio de dois importantes valores identificados no curso da história, que podem ser percebidos no bojo da seguinte assertiva: a propriedade ainda é um direito individual, mas a sua proteção encontra-se subordinada à inexistência de interesse público que o sombreie e/ou ao cumprimento de sua função social.

2. A disciplina da propriedade no ordenamento constitucional brasileiro

O movimento constitucional, surgido no final do séc. XVIII, na Europa, se expandiu e conquistou espaço em todo o mundo ocidental. Atravessou o Oceano Atlântico e ancorou no Brasil na primeira metade do séc. XIX.

É bem verdade que a Constituição de 1824 estava fadada ao fracasso, principalmente em razão da forte concentração de poder que se solidificou nas mãos do Imperador, titular do Poder Moderador.

Havia, então, um reclamo - ainda não atendido - dos liberais, que influenciaram decisivamente na importação do ideal constitucionalista, pela limitação dos poderes do Estado. Mas a resposta inicial foi meramente ilusionista. Não era verdadeiramente uma Constituição a imperial, nos moldes revolucionários, posto que não emanava da vontade popular e não lindava verdadeiramente o poder monárquico. Vivia-se, ainda, num Estado de certa forma absolutista.

Todavia, a Constituição inaugural não deixava de consagrar o clássico direito à propriedade, tanto que o seu art. 179, XXII o garantia "em toda a sua plenitude" [9].

Em que pese essa consagração, exceções ao caráter absoluto do direito de propriedade, contidas no mesmo dispositivo da Constituição inaugural, apontavam para a possibilidade de o Poder Público usar e empregar o bem particular na satisfação do bem comum, desde que legalmente autorizado e depois de paga a devida indenização.

Assim, o que se afirmava pleno não o era verdadeiramente.

Lembra-nos o eminente Dalmo de Abreu Dallari que essa previsão da Constituição de 1824, que privilegiou, de certa forma, o interesse público, só fez consagrar no plano superior do ordenamento jurídico o que já era realidade na época em que iniciou a vigência das Ordenações Filipinas [10]. A legislação daquela época já condicionava o direito de propriedade.

Com a queda da monarquia em 1889, instalou-se um governo republicano no País e, em 1891, foi promulgada uma nova Constituição, fiel aos modelos Europeus e Americano, com profunda conotação liberal, prevendo, como na anterior, o absoluto direito à propriedade (art. 72, § 17). Entretanto, usando uma redação mais próxima da que se costuma utilizar atualmente, previu o mesmo parágrafo do citado dispositivo constitucional a possibilidade de ingerência por parte do Estado em casos de desapropriação por necessidade ou interesse público, com prévia indenização.

Foi, inclusive, sob a égide da primeira Constituição republicana que surgiu o Código Civil de 1916, inspirado visivelmente pela filosofia liberal. Neste contexto, consolidou-se num plano mais concreto de normatividade a noção individualista do conceito de propriedade, mas também com previsão de limites de ordem administrativa, senão vejamos:

"Art. 572 - O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos".

O que se tinha até aqui era, em primeiro lugar, uma defesa da ordem individual, quando a lei tratava de proteger a propriedade dos vizinhos. Em segundo plano, tinha-se uma sobreposição do interesse público sobre o privado, quando a lei tratava de subjugar o direito de construir aos regulamentos administrativos. Entretanto, há de comum entre esses limites ao direito de propriedade pelo menos um ponto: tinham um caráter negativo, no sentido de somente impedirem essa ou aquela edificação, sem impor qualquer conduta positiva aos proprietários de bens.

Na década de 30 deste século XX, o Brasil já sentia as influências externas relativas à incorporação de valores jurídicos diferentes daqueles antigos, que simplesmente estabeleciam limites ao Estado. Os novos anseios apontavam para uma organização política garantidora da dignidade do trabalhador e promotora da justiça social.

O Estado-de-polícia foi, então, substituído pelo Estado do Bem-estar social, que passou a ter como principal característica a função de interferir ativamente na ordem econômica com vistas à realização de determinadas metas sociais.

Assim é que a Constituição de 1934 dispôs, no Título VI, destinado à disciplina da ordem econômica e social:

"Art. 115 - A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica".

Uma inovação, que marcou esse Texto Constitucional pátrio, foi a existência de normas que indicavam a elevação de uma estrutura jurídica protetora dos direitos do trabalhador, já adiantando os parâmetros dessa proteção no art. 121.

Coerentemente, no que toca ao direito de propriedade, este passou a não poder ser exercido contra o interesse social ou coletivo, além de se subordinar à necessidade e utilidade pública. Era o que prescrevia o art. 113, n.º 17, ipsis litteris:

"Art. 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á subsistência, á segurança individual e á propriedade, nos termos seguintes:

17) É garantido o direito de propriedade, que não poderá ser exercido contra o interesse social ou collectivo, na fórma que a lei determinar. A desapropriação por necessidade ou utilidade pública far-se-á nos termos da lei, mediante prévia e justa indenização. Em caso de perigo imminente, como guerra ou commoção intestina, poderão as autoridades competentes usar da propriedade particular até onde o bem público o exija, ressalvado o direito a indenização ulterior".

A partir daí, já se podia perceber uma significativa ampliação do âmbito de intervenção do Estado na propriedade. Os valores que podiam justificar essa atuação estatal agora eram três, a saber: a) direito individual à propriedade vizinha; b) necessidade e utilidade públicas; c) interesse social e coletivo. Mas essa novidade não teria muito tempo de vida.

A Constituição de 1937, mais preocupada com a centralização do poder nas mãos do ditador Getúlio Vargas do que com a continuidade da evolução das conquistas sociais obtidas anteriormente, significou, nesse aspecto, um retrocesso.

Além de não destinar um título à disciplina da ordem social - embora o capítulo da ordem econômica cuidasse de preceitos relativos aos direitos do trabalhador (arts. 136 e segs.) [11] - a Constituição "polaca" suprimiu também a previsão, contida na Ordem Suprema anterior, referente à possibilidade de intervenção do Estado na propriedade em favor de interesse social.

Como se pode perceber da transcrição abaixo, a Constituição de 1937 somente previu a possibilidade de desapropriação por interesse ou utilidade pública. Confira-se:

"Art. 122 - A Constituição assegura aos brasileiros e estrangeiros residentes no país o direito à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:

14 - O direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia. O seu conteúdo e os seus limites serão os definidos na leis [12]".

Foi, inclusive, sob a égide dessa Constituição que foi editado o Decreto-lei n.º 3.365/41, cujo art. 5.º enumera as taxativas hipóteses de desapropriação por necessidade e utilidade públicas. Não havendo ambiente para tanto, não foi prevista a possibilidade de desapropriação por interesse social.

Resgatando, entretanto, os valores sociais consagrados na Constituição de 1934, a Magna Carta de 1946 novamente dispôs acerca da possibilidade de a desapropriação se fundar no interesse social. Vejamos:

"Art. 141 - A Constituição assegura a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos têrmos seguintes:

§ 16 - É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interêsse social [13], mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em caso de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, ficando, todavia, assegurado o direito a indenização ulterior" [14].

O Título V, destinado à disciplina da ordem econômica e social, assim disciplinava o direito de propriedade, introduzindo na história jurídica brasileira a possibilidade de promoção da reforma agrária:

"Art. 147 - O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do dispositivo no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos".

A Constituição brasileira que se seguiu ao fim da 2.ª Guerra Mundial de alguma forma recebeu influência do fortalecimento da União Soviética no contexto global. E esse influxo foi de tal monta que tornou tradicional a previsão de títulos dedicados à disciplina constitucional dos direitos sociais e da ordem social.

Assim, todo o constitucionalismo brasileiro, a partir de 1946, reservou espaço para a garantia dos direitos sociais e as suas derivações, como a possibilidade de intervenção do Estado na propriedade em razão de interesse social. Veja as disposições concernentes a esses temas em cada uma das Cartas subseqüentes.

Constituição de 1967:

"Art. 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos têrmos seguintes:

§ 22 - É garantido o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interêsse social, mediante prévia indenização em dinheiro, ressalvado o disposto no art. 157, VI, § 1.º [15]. Em caso de perigo público iminente, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior".

Importante ainda ressaltar que, pela primeira vez, uma Constituição brasileira usou a expressão "função social da propriedade", elencada pelo art. 157, III como princípio norteador da ordem econômica e social, cujo fim era a realização da justiça social.

A partir desse marco jurídico-constitucional, importante se tornou o significado da expressão função social da propriedade. Em outras palavras, afigura-se indispensável saber quando a propriedade cumpre a sua função social. Abramos um parêntese para a análise desse tema.

Augusto Comte foi o primeiro a se utilizar dessa expressão, para designar o papel do proprietário perante a ordem econômica e social, mas o fez sob a ótica sociológica. No âmbito do conhecimento que mais nos interessa - o jurídico -, a contribuição primeira foi a de León Duguit.

A concepção do jurista francês, considerada por alguns um tanto quanto contraditória, partia da negação da propriedade como um direito subjetivo, configurando, isto sim, uma função social (propriedade-função). A propriedade revelar-se-ia, assim, para o possuidor de riquezas como o dever de empregar o bem [16], mantendo e aumentando a interdependência social.

Essa tese foi objeto de inúmeras e, ao nosso sentir, procedentes censuras. Em razão disso, mas também da notável influência que a concepção de Duguit exerceu sobre os juristas a partir de então, Francesco Messineo, dentre outros, se encarregou de aprimorar o novel conceito de propriedade, encarando, entretanto, o elemento novo - o conteúdo socializador - como uma característica a mais, que não suprime a natureza jurídica de direito subjetivo do instituto.

Com lucidez admirável, Messineo encontrou três tipos de elementos que, juntos, formam o novo conceito de propriedade, a saber: a) poderes, que constituíram outrora os seus únicos elementos; b) limites, que podem se expressar num non facere (abstenção) ou num pati (tolerância); c) deveres ou obrigações (que realizam o aspecto social propriedade pela imposição de um facere ao seu titular).

Entre nós, ambas as concepções, a de Duguit e a de Messineo, têm encontrado adeptos. José Afonso da Silva prestigia a concepção de propriedade-função [17]. Por outro lado, Celso Ribeiro Bastos critica essa posição, afirmando que a Constituição "acaba por repelir de vez alguns autores afoitos que quiseram ver no nosso direito constitucional a propriedade transformada em mera função" [18].

Estamos com o professor da PUC-SP, já que, ao elencar a propriedade como direito individual, a Constituição a concebe como um direito subjetivo. Mas agora adiciona às antigas limitações (de caráter negativo) um dever de agir por parte do titular do direito, sob pena de, não o adimplindo, legitimar a ação estatal no sentido de o compelir a fazer alguma coisa ou de, até mesmo, expropriar-lhe o bem.

Assim, parece-nos lícito entender a função social da propriedade como o elemento componente do conceito de propriedade, ao lado dos poderes dela decorrentes e das limitações impostas pelo interesse público, impondo ao seu titular o dever de dar-lhe a destinação esperada, já que o seu aproveitamento adequado interessa a toda a coletividade.

Fechando, então, esse parêntese, voltemos à análise do regime da propriedade privada nos nossos sistemas constitucionais.

A Constituição de 1969, dedicou dois itens no rol dos direitos individuais à disciplina da propriedade, além de mencionar a já consagrada cláusula que salienta a sua função social no título destinado à disciplina da ordem econômica e social. Vejamos:

"Art. 153 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

§ 22 - É assegurado o direito de propriedade, salvo o caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro, ressalvado o disposto no art. 161, facultando-se ao expropriado aceitar o pagamento em título da dívida pública, com cláusula de exata correção monetária. Em caso de perigo público iminente, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior.

§ 34 - A lei disporá sobre a aquisição da propriedade rural por brasileiro ou estrangeiro residente no País, assim como por pessoa natural ou jurídica, estabelecendo condições, restrições, limitações e demais exigências, para a defesa da integridade do território, a segurança do Estado e a justa distribuição da propriedade.

Art. 160 - A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios:

III - função social da propriedade".

Muito belas as disposições contidas nessa Carta, mas sem qualquer chance real de serem aplicadas, principalmente as mais importantes. Classificada pela doutrina mais autorizada como uma constituição semântica [19], a Constituição de 1969 não conseguiu bilhete de passagem para a realidade e padeceu na plataforma da mais sonsa ditadura [20].

Com o fim do regime militar no País, foi promulgada a Constituição de 1988, que manteve as cláusulas já anteriormente consagradas, tanto no rol dos direitos e garantias individuais como no título destinado à disciplina da ordem econômica e financeira, como se pode constatar:

"Art. 5.º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

XXIX - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nessa Constituição;

XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano;

XXVI - a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento.

Art. 170 - A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade".

É de se observar que a Constituição de 1988 reservou um capítulo específico (II) no título reservado aos direitos e garantias fundamentais (II) para a disciplina da ordem social. Desse modo, não há espaço para se imaginar que o fato de o título que trata da ordem econômica não mencionar também a ordem social implique na supressão dessa normatização pela novel Carta. Muito pelo contrário, tratou-a como direito fundamental.

Inclusive, autores há, como Gisele Cittadino [21], que ressaltam nesta Constituição sua forte conotação social, nunca vista anteriormente. E essa característica vem influir, como tivemos a oportunidade de constatar, de maneira determinante no significado do direito de propriedade, cujo conceito obedece à contingência da fisionomia do Estado, adaptando-se ao novo estilo.

Por fim, é de se observar que a grande vantagem que se apresenta com essa nova Constituição, em relação às anteriores, é a sua maior chance de se tornar efetiva, dada a sua legitimidade, faltante em outras.

É certo que esse sucesso está a depender de outros fatores, extra-jurídicos, principalmente de ordem econômica e política. Mas, reconhecendo a força normativa da constituição, haveremos de equilibrar essa balança e diminuir ao máximo a distância existente entre a realidade e as disposições constitucionais. E um dia - quem sabe? - viveremos a confortável situação em que as riquezas são distribuídas de maneira equânime, realizando-se, enfim, a tão desejada democratização da propriedade, sem que para isso tenhamos que aniquilar a importante reserva que garante a individualidade humana, um valor supra-jurídico.


II. AS FORMAS DE INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE

1. Generalidades

A intervenção do Estado na propriedade pode se dar de várias formas, inclusive através da tributação. Essa atividade não é mais do que a incursão do Estado no patrimônio particular para dele tirar recursos financeiros que o permita desenvolver sua finalidades. Mas deixaremos essa espécie de lado, posto que o seu fundamento é diverso daqueles que justificam as formas de intervenção que nos interessam e é objeto de estudo do Direito Tributário, não do Direito Administrativo.

Afora a tributação, a disciplina normativa da propriedade pode se fundar, como tivemos a oportunidade de verificar antes, em três diferentes tipos de interesses: a) o interesse privado; b) o interesse público; c) o interesse social.

A primeira hipótese é preenchida pelas regras que compõem o chamado direito de vizinhança, onde o que se tutela é o direito de propriedade de outras pessoas privadas, sendo, portanto, disciplina afeta ao direito privado. E, embora as normas disciplinadoras do direito de vizinhança sejam classificadas como limitadoras do direito de propriedade, a verdade é que não o são.

Como bem observa Cunha Gonçalves [22], tais normas simplesmente demarcam as margens do direto de propriedade de cada um, de modo a não permitir que dele abuse o titular, sacrificando o igual direito dos demais.

Essa espécie de normatização do direito de propriedade não pode, assim, ser incluída nas formas de intervenção do Estado na propriedade, razão pela qual cessa aqui sua análise. Voltaremos, entretanto a falar nesse assunto quando formos distinguí-lo das limitações administrativas.

Nas outras duas hipóteses, podemos verificar a tutela de interesses que estão acima dos individuais. Nestas, o Direito Público é que está a atuar, seja em defesa dos interesses direitos do Estado (interesse público, que também é interesse da sociedade), sejam na dos interesses direitos da coletividade (interesse social, que também é interesse do Estado).

Nessa esfera de atuação, o Estado pode limitar propriamente o direito de propriedade (impondo um non facere ou um pati [23]), impor deveres aos titulares desse direito ou, enfim, suprimi-lo. Geralmente a atuação impositora de limites negativos se faz em prol do interesse público, enquanto a impositora de deveres positivos em proveito do interesse social. Nas hipóteses em que ocorre a supressão do direito de propriedade, tanto o interesse público como o interesse social podem funcionar como fundamento.

Feitas essas considerações gerais, que facilitam a obtenção de uma idéia do sistema de intervenção do Estado na propriedade no Direito brasileiro, partamos para a análise específica de cada uma dessas espécies, iniciando pelas limitações administrativas.

2. Das modalidades de intervenção em espécie

A. Limitações administrativas

Sumário: a. Conceito; b. Natureza jurídica; c. Fundamentos; d. Sujeitos ativo e passivo; e. Conteúdo; f. Distinção entre limitação e servidão administrativas; g. Distinção entre limitação administrativa e direito de vizinhança; h. Limitações no âmbito do direito urbanístico e do direito ambiental; i. Limitação administrativa e direito adquirido; j. Indenização.

a. Conceito

A definição de limitação administrativa mais difundida entre os juristas pátrios, por razões que dispensam comentários, é a do prof. Hely Lopes Meirelles, pelo que transcrevemos:

"Limitação administrativa é toda imposição geral, gratuita, unilateral e de ordem pública, condicionadora do exercício de direitos ou de atividades particulares às exigências do bem-estar social" [24].

Analisemos o conceito dado, item por item, para se poder entender bem o significado de forma didática.

Quando o autor fala em imposições gerais, quer dizer que a norma que veicula tais limitações não atinge pessoas determinadas, mas uma quantidade apenas determinável, que se enquadre na hipótese-modelo descrita pela lei. Esta é, pois, uma forma de se identificar a limitação administrativa, que será sempre veiculada através de normas dotadas de generalidade (leis ou atos administrativos normativos, em sua opinião).

Ousamos discordar, todavia, da doutrina exposta pelo mestre ausente e por aqueles que o acompanham nesta lição, quando afirmam a possibilidade de atos administrativos de caráter geral imporem limitações administrativas. À vista do que dispõe o art. 5.º, II da CRFB/88, parece-nos que somente a lei (formal) poderá veicular uma limitação ao direito de propriedade [25].

Mesmo que se encontrem atos administrativos gerais repetindo regras já constantes de lei formal, não se poderá dizer que impuseram limitação ao direito de propriedade, posto que não tem a Administração Pública poderes tão amplos.

Uma coisa é a imposição da limitação administrativa e outra é a atuação da Administração Pública no sentido de compelir o particular a se ajustar aos limites impostos pela lei. Essa distinção foi perfeitamente ressaltada pelo Desembargador Bandeira de Mello, do Tribunal de Justiça de São Paulo, no julgamento do Agravo de Petição n.º 88.128, já em 15.10.1958:

"Limitações ao direito de construir. Zoneamento. Poder de Polícia. Delegação de poderes. Ao legislativo cabe impor as normas gerais do zoneamento e ao Executivo compete a sua atuação em concreto" [26].

No mesmo sentido tem sido o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Veja-se, a propósito o seguinte trecho do Acórdão da 1.ª Câmara Cível:

"Ação Civil Pública. Anulação de Licença para construir. Limitação Administrativa. Sede legislativa. Inocorrência.

A regra inscrita no Dec. Municipal 3046/81 que veda o parcelamento dos terrenos onde se tenham estabelecido clubes configura limitação administrativa que, por sua natureza restritiva do direito de propriedade, somente poderia ser instituída por lei... " [27].

Essa também a posição do Supremo Tribunal Federal, o que se afirma com base no Acórdão que julgou o Recurso Extraordinário n.º 93.167-RJ, em que a 1.ª Turma equiparou a declaração de área non aedificandi por decreto a uma desapropriação indireta, embora não tenha conhecido do recurso por questões processuais [28].

Por esta razão, parece-nos lícito afirmar que a expressão limitação administrativa não é própria para designar o instituto em apreço, posto que a Administração Pública não pode fazer outra coisa senão fiscalizar o cumprimento da norma legal. A limitação é sempre fruto da atividade legislativa. Não obstante, continuaremos a utilizar essa expressão pois já está mais do que consagrada.

No que toca à gratuidade, o que se afirma é que a imposição de limitações administrativas não enseja o pagamento de indenização por parte do Estado ao administrado atingido pelo comando normativo limitador. Aliás, essa é a regra geralmente aplicável a todas as formas de intervenção branda na propriedade. Sobre o tema, falaremos mais detidamente em tempo oportuno.

A unilateralidade está a indicar a imperatividade do ato que impõe a limitação administrativa, não se submetendo à vontade do proprietário, que simplesmente se sujeita àquela prescrição. O Estado se utiliza, aqui, do seu jus imperium.

Por fim, é de se reconhecer que a expressão ordem pública, conforme lição da prof. Maria Sylvia Di Pietro [29], está a indicar, além dos limites propriamente ditos, impositores de deveres negativos (non facere e pati), limites impróprios, que se traduzem em deveres positivos, impostos com vistas a conformar a ordem econômica e social.

No que toca à referência genérica feita pelo insigne administrativista a condicionamento de exercício de direitos ou de atividades, é de se admitir que essa parte da definição nos levaria a crer que a dimensão em que as limitações administrativas operam é mais larga do que a das intervenções do Estado na propriedade. Entretanto, preferimos entender essas atividades a que se refere o conceito transcrito como partículas do direito de propriedade, que, dentre outros elementos, está a abarcar o poder de uso do bem. As demais limitações estariam incluídas no âmbito mais amplo do poder de polícia (lato sensu). Este o nosso pensamento.

Particularmente, preferimos expressar conceitos através de idéias explicitadas ao longo de um texto ordenado, sem a preocupação de reunir todos os caracteres do instituto analisado em uma única sentença. Isto porque nela pode não caber todas as informações necessárias à plena compreensão do que se pretende definir.

Portanto, em que pese todo o brilhantismo do autor citado e de sua definição, desenvolveremos um pouco mais o tema em apreço ao longo dos sub-itens que se seguem, esmiuçando o quanto esse tipo de trabalho permite.

b. Natureza jurídica

Para ser coerente com o que se disse acima, devemos encarar as limitações administrativas como espécies de manifestação do poder de polícia em sentido amplo, já que incidem especificamente sobre a propriedade ou atividades que possam ser desenvolvidas nelas (ou com elas).

Celso Antônio Bandeira de Mello define Polícia Administrativa como "a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação, ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (non facere) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo" [30].

Se restringimos o alcance desse enunciado ao âmbito do direito de propriedade, poderemos enxergar a definição de limitação administrativa. Aliás, é o que o mesmo autor faz, linhas à frente, quando se refere às limitações administrativas como forma de expressão do Poder de Polícia [31].

No mesmo sentido parece se expressar Lúcia Valle Figueiredo, para quem "a noção de ‘poder de polícia’ sempre foi ligada à idéia de limitações ou restrições à liberdade e à propriedade" [32].

Diferentemente, entretanto, José dos Santos Carvalho Filho entende que a natureza jurídica das limitações administrativas é a de leis ou atos administrativos de caráter geral que dão o contorno do próprio direito de propriedade. E coloca o ilustre prof. da Universidade Estácio de Sá o Poder de Polícia como fundamento dessa forma de intervenção do Estado na propriedade [33]. Com isso, o que parece pretender destacar o autor citado é o tipo de ato que veicula as limitações.

c. Fundamentos

Como tivemos a oportunidade de verificar ao longo dos dois primeiros itens, o conteúdo do direito de propriedade se alterou bastante do Estado liberal até os nossos dias, passando a admitir a intervenção do Poder Público para garantir a supremacia do interesse público e do interesse social, mais amplos do que o interesse privado.

A Constituição da República não faz referência expressa às limitações administrativas. Entretanto, o princípio implícito da supremacia do interesse público, de um lado, e a enunciação da função social da propriedade (art. 5.º, XXIII e art. 170, III, ambos da CRFB/88), de outro, estão a indicar os fundamentos para qualquer tipo de intervenção do Estado na propriedade, inclusive das limitações genéricas.

José dos Santos Carvalho Filho erige à qualidade de fundamento das limitações administrativas o poder de polícia, inerente à Administração Pública [34]. Entretanto, preferimos entender as limitações à propriedade como espécie de manifestação do poder de polícia, pelo que este não pode se nos afigurar como fundamento daquelas.

d. Sujeitos ativo e passivo

As limitações administrativas poderão ser impostas por qualquer ente da Federação, respeitadas as respectivas competências legislativas.

Assim, v. g., se a limitação for imposta com o intuito de conformar o exercício do direito de propriedade ao desenvolvimento da política urbana local, que é competência reservada aos municípios (CRFB/88, art. 182), somente a estes será dado o poder de estipular tais normas.

De outra forma, se a limitação for imposta com vistas a defender a incolumidade do meio ambiente, por exemplo, caberá a todos os entes tal mister (CRFB/88, art. 225), respeitada a amplitude do interesse tutelado, conforme seja local (municípios), regional (estados) ou nacional (União).

Urge destacar, nessa oportunidade, que a jurisprudência tem reconhecido aos particulares, quando beneficiados pela norma legal, legitimidade ad causam ativa para propositura de ação de preceito cominatório fundada em violação às limitações administrativas incidentes sobre o direito de construir [35]. Confira-se, a título de exemplo, a seguinte decisão da 2.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no julgamento do Agravo de Instrumento n.º 1996.002.05310:

"Ação de preceito cominatório. Remoção de favela da via pública. Legitimidade ativa ‘ad causam’ do proprietário de terreno adjacente. Pedido juridicamente possível. As limitações administrativas ao direito de construir - e consequentemente aos demais direitos - geram direitos subjetivos aos particulares interessados na sua observância, habilitando-os a pedir a demolição de obras vedadas por lei, ou a impedir atividades ilegítimas, mas toleradas indevidamente pela Administração. Desprovimento do recurso" [36].

Quanto ao sujeito passivo, tendo em vista a generalidade que caracteriza a limitação administrativa, este será integrado por pessoas indeterminadas, mas determináveis. Assim, todos os proprietários que tiverem seus bens enquadrados no tipo estabelecido pela lei impositora da limitação serão os sujeitos passivos.

Importante atentar para o fato de não se poder dizer que o pólo passivo dessa relação jurídica é integrado pelas propriedades atingidas pela intervenção, posto que a ciência do direito é profundamente antropocentrista e não admite que uma relação jurídica seja estabelecida entre pessoa e coisa.

Por fim, é de se mencionar que entes públicos também poderão ser atingidos pelas limitações administrativas. É que a idéia de Estado de Direito, e o nosso é mais do que isso, submete a todos, independente de ser pessoa de direito público ou privado, ao império da lei, inclusive a si mesmo.

Foi neste sentido a decisão da 3.ª Câmara Cível do Tribunal de Apelação do Estado de São Paulo, no julgamento do Agravo de Petição n.º 2.332, julgado em 11.01.1938:

"Estão sujeitas às posturas municipais as edificações do poder público, ainda mesmo da União, e, com maioria de razão, as obras projetadas pelos simples concessionários de seus serviços" [37].

e. Conteúdo

Neste tópico, trataremos das formas de limitação possivelmente encontradas no Direito pátrio. Vale dizer, em que tipos de comandos se traduzem essas limitações. Podemos adiantar que a doutrina se divide em duas correntes.

Celso Antônio Bandeira de Mello entende que as limitações administrativas só podem assumir a forma de um non facere, não sendo possível equiparar a essa espécie de intervenção do Estado na propriedade as sujeições (pati), que impõem dever de suportar e os encargos (facere), que impõem deveres positivos aos proprietários [38].

No mesmo sentido é a lição de Fábio Barbalho Leite, que faz distinção entre limitações administrativas e condicionamentos administrativos. Aquelas só implicariam em restrições de não-fazer, enquanto estes poderiam, além das limitações, abranger obrigações de fazer (encargos) e de suportar (sujeições) [39]. Em sua concepção, pode-se dizer, a relação estabelecida entre os institutos seria a de gênero e espécie.

Não nos parece, entretanto, haver razão para essas distinções. O argumento geralmente utilizado é no sentido de que o termo limitação dá a entender imposição de deveres negativos (non facere). Mas não é esse o significado emprestado ao termo pelo Direito Administrativo. O que se quer evidenciar com a utilização do termo limitação é a ausência de uma liberdade total do proprietário em relação à destinação a ser dada ao bem colocado sob o seu domínio. E essa limitação pode se expressar sob forma de deveres negativos (non facere ou pati) ou de deveres positivos (facere).

Maria Sylvia Di Pietro nos adverte de que no mais das vezes as limitações correspondem a obrigações de não fazer. Mas, "examinando-se os casos concretos, verifica-se que em muitos deles, embora haja obrigação negativa de não colocar em risco a segurança, a saúde, a tranqüilidade pública, na realidade a obtenção desses fins depende de prestação positiva por parte do proprietário" [40].

Não é por outra razão que José dos Santos Carvalho Filho conceitua as limitações administrativas como "determinações de caráter geral, através das quais o Poder Público impõe a proprietários indeterminados obrigações positivas, negativas ou permissivas... " [41].

No mesmo sentido as lições de Diógenes Gasparini, para quem "são as limitações administrativas preceitos de ordem pública (não admitem acertos ou composições sobre seus respectivos conteúdos) que se concretizam sob as três modalidades seguintes: positiva, negativa e permissiva" [42].

Também Hely Lopes Meirelles, que em nota de rodapé faz a seguinte observação:

"Alguns autores menos atualizados com o Direito Administrativo se recusam a admitir possa o Poder Público impor obrigações de fazer aos particulares, só admitindo as limitações administrativas consistentes em não fazer e deixar fazer. Tal entendimento está superado. As normas administrativas tanto podem impor obrigações negativas, como permissivas e positivas aos particulares" [43].

Portanto, não resta dúvida de que as limitações poderão se externar de três formas. E, para confirmar essa verdade, citem-se os exemplos dados por M. S. Z. Di Pietro: "as obrigações de adotar medidas de segurança contra incêndio ou medidas impostas por autoridades sanitárias, ou, ainda, a obrigatoriedade de demolir um prédio que ameaça ruína" [44].

f. Distinção entre limitação e servidão administrativas

Resolvemos abrir um item neste opúsculo para tratar dos pontos que distanciam as limitações das servidões administrativas. E a razão determinante dessa iniciativa é a dicotomia existente na doutrina sobre o tema e algumas confusões jurisprudenciais ressaltadas pelos estudiosos do assunto.

Antes de iniciar, entretanto, essa diferenciação, vejamos o que se deve entender por servidão administrativa, no conceito do prof. Diógenes Gasparini, para quem não é outra coisa senão "o ônus real de uso imposto pelo Estado à propriedade particular ou pública, mediante indenização dos efetivos prejuízos causados, para assegurar o oferecimento de utilidades e comodidades públicas aos administrados" [45].

Como a imposição de servidão administrativa confere ao Estado direito real de uso sobre a coisa, salta aos olhos que dependerá de um ato concreto, que individualize o bem sobre o qual recairá. Este o ponto nuclear que distingue um instituto do outro, sobre o que não há controvérsias. Mas não é só isso.

O prof. J. M. Pinheiro Madeira enumera quatro características que diferenciam as duas modalidades de intervenção do Estado na propriedade. Vejamos:

"Primeiramente, no caso das limitações, alcança-se toda uma categoria abstrata de bens ou, pelo menos, todos os que se encontrem em uma situação ou condição abstratamente determinada: nas servidões, atingem-se bens concreta e especificamente determinados.

Em segundo lugar, nas servidões administrativas há um ônus real, de tal modo que o bem gravado fica num estado de especial sujeição à utilidade pública, proporcionando um desfrute direto, parcial, do próprio bem, singularmente fruível pela Administração ou pela coletividade em geral.

Em terceiro lugar, nas servidões há um pati, ou seja, uma obrigação de suportar, ao passo que nas limitações há um non facere, ou seja, uma obrigação de não fazer.

Finalmente, se tanto uma quanto outra podem se originar diretamente da lei, toda vez que uma propriedade sofre restrições em decorrência de ato concreto da Administração, estar-se-á diante de uma servidão" [46].

Embora tal posicionamento reflita o pensamento de importante parte da doutrina, especialmente do prof. Celso Antônio Bandeira de Mello [47], ousamos discordar dele em dois pontos específicos.

Primeiramente, como já tivemos a oportunidade de expor anteriormente (item II, 2, A, a), acreditamos que as limitações administrativas podem se apresentar como imposições de deveres negativos, estes assumido a feição de um non facere ou de um pati, ou como deveres positivos, traduzindo-se em um facere. Não voltaremos à justificação dessa posição, pelo que remetemos o leitor ao ponto indicado.

Em segundo lugar, entendemos que, por ser uma imposição específica e concreta, a servidão administrativa nunca poderá decorrer diretamente da lei, que tem como características essenciais a abstração e a generalidade [48]. Haveria, aí, em nosso modo de ver o problema, uma incompatibilidade invencível.

Ademais, é de se observar que o art. 40 do Decreto-lei n.º 3.365/41, que figura como fundamento legal das servidões administrativas, determina que a sua forma de imposição será a mesma utilizada para a desapropriação por utilidade pública, de modo que a norma que a veiculará será um decreto (via de regra).

Dessa forma, a título ilustrativo, podemos dizer que a norma contida no art. 12 do Decreto n.º 24.643/34 (Código de Águas) está a instituir uma limitação administrativa, ao contrário do que afirma o prof. Celso Antônio Bandeira de Mello [49], embora o próprio dispositivo legal se refira a servidão. Confira-se a sua redação, ipsis litteris:

"Art. 12 - Sobre as margens das correntes a que se refere a última parte do n.º 2 do artigo anterior [50], fica somente, e dentro apenas da faixa de 10 metros, estabelecida uma servidão administrativa de trânsito para os agentes da administração pública, quando em execução de serviço".

Repare que o dispositivo de lei transcrito não especifica que imóvel ou que margens são atingidas pela dita servidão (que, em verdade é uma limitação administrativa), estabelecendo, isto sim, um tipo, vale dizer, um modelo legal. Os proprietários de imóveis que tiverem seus imóveis enquadrados naquele padrão serão os destinatários da referida norma.

Não resta dúvida, assim, de que a generalidade e a abstração marcam aquela norma, que institui, então, uma limitação administrativa e não uma servidão administrativa.

A jurisprudência tem rechaçado, inclusive, a possibilidade de lei sem caráter de generalidade instituir limitações administrativas. Veja-se o seguinte Acórdão da 4.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

"Desapropriação indireta. Dispositivo de lei, sem o caráter de generalidade, que proíbe de edificar em terreno urbano, adquirido por empresa que presta serviços de engenharia, destinando-o a projeto especial de urbanização, assume a configuração de desapropriação indireta, não se incluindo entre as limitações administrativas. (...)" [51].

Outrossim, é de se questionar, à vista do disposto no art. 167, I, n.º 6 da Lei n.º 6.015/73, qual seria o título autorizativo da transcrição da servidão administrativa, como direito real sobre bens imóveis, no caso ora analisado, se não é determinado o bem atingido pela norma citada. Também sob este aspecto, torna-se insustentável a possibilidade de lei instituir diretamente uma servidão administrativa.

Diferentemente ocorre com o disposto no art. 120 do mesmo Decreto n.º 24.643/34, que tem a seguinte redação:

"Art. 120 - A servidão que está em causa será decretada pelo Governo, no caso de aproveitamento das águas, em virtude de concessão por utilidade pública; e pelo juiz, nos outros casos".

Repare que o dispositivo fala em "decretada pelo Governo", sendo esta a ocasião em que dever-se-á especificar que imóvel está sendo atingido pela servidão (esta sim uma autêntica servidão).

Diante do exposto, parece lícito afirmar que, enquanto as limitações administrativas decorrem diretamente da lei, as servidões, embora dela necessitem para existir, somente serão instituídas por ato administrativo concreto, que especifique o sujeito passivo da intervenção. E, por outro lado, poderão as limitações impor um non facere, um pati ou um facere, enquanto as servidões somente impõem um pati. Quanto aos demais itens diferenciadores dos dois institutos, não opomos qualquer opinião contrária.

Só para que não pareçam pretensiosas demais essas considerações, por estarem opondo-se às lições de mestres tão consagrados e respeitados no âmbito do Direito Administrativo, lembramos que essa também é a opinião de J. S. Carvalho Filho, que assim se manifesta:

"Não consideramos legítima a forma de instituição de servidões administrativas através de lei, como o fazem alguns autores. As servidões são instituídas sobre propriedades determinadas, o que não ocorre com a lei, que estabelece o direito de uso sobre propriedades indeterminadas" [52].

Evidencia o autor que as servidões, por terem natureza jurídica de direito real, deverão ser inscritas no RGI através de escritura pública, quando houver concordância por parte do proprietário com a declaração de utilidade pública de seu imóvel, ou de sentença, a ser obtida através de processo judicial que fluirá de acordo com o rito estabelecido para as Ações de Desapropriação, de acordo com o disposto no art. 40 do Decreto-lei n.º 3.365/41.

g. Distinção entre limitação administrativa e direito de vizinhança

Como tivemos a oportunidade de verificar anteriormente, as limitações administrativas têm como fundamento o interesse público e/ou o interesse coletivo, que se sobrepõem aos interesses meramente individuais. À vista de um conflito entre esses interesses de diferentes graus de relevância, haverão de prevalecer os interesses público e social.

No âmbito da propriedade, tal conflito resultará numa das formas de ingerência do Estado no domínio privado, quer restringindo, quer suprimindo parte do patrimônio particular.

De outra forma, os limites impostos pelo direito privado, que configuram normas de vizinhança, estão a proteger interesses iguais, entre particulares, sem que um tenha prevalência sobre o outro, razão pela qual se diz que aí não existe verdadeiramente uma restrição ao direito de propriedade, mas uma identificação de seu âmbito de atuação, para que não se prejudique igual direito de outrem.

Tais considerações podem ser decisivas numa demanda em que, v. g., um determinado Município tenha instituído pretensa limitação administrativa para defender não um interesse público ou social, mas um interesse privado, configurando verdadeira norma de vizinhança.

Obviamente que, em ocorrendo essa hipótese, tal norma será inconstitucional, posto que cabe exclusivamente à União legislar sobre direito civil, ex vi do disposto no art. 22, I da CRFB/88. E, conseqüentemente, não prevalecerá a limitação imposta.

Neste sentido é que o prof. Diógenes Gasparini diz não poder "prevalecer a limitação que impede a construção de motel ou drive-in, com a finalidade de prestigiar a política da Igreja" [53].

Esta é, então, a mais importante conseqüência prática que se pode verificar a partir da distinção do que seja limitação administrativa e direito de vizinhança.

h. Limitações administrativas no âmbito do direito urbanístico e do direito ambiental

Embora a história nos dê conta de longínquas preocupações com o desenvolvimento e crescimento ordenado das cidades, foi principalmente no século XX deste milênio que surgiu a necessidade mais premente de valorização do urbanismo [54], como técnica de organização e planejamento dos grandes centros.

Num primeiro momento, o urbanismo concentra suas preocupações nos centros urbanos, buscando o melhor posicionamento das ruas, edifícios, repartições públicas, indústrias, comércio e residências. Entretanto, como alerta Toshio Mukai [55], a partir da obra de Ebenezer Howard (garden Cities of tomorrow), as atenções passam a se voltar, também, para o campo, além do aspecto relacionado à qualidade de vida. Deste modo, o urbanismo ganha dimensões mais amplas.

Neste sentido, um direito urbanístico estaria profundamente relacionado com o direito ambiental. Por essa razão, embora esta última disciplina jurídica não se resuma aos aspectos em que se pode verificar essa intercessão, trataremos neste mesmo item dos dois âmbitos do direito em que mais vezes se manifestam as limitações administrativas. Aliás a legislação do Município do Rio de Janeiro não separa os dois tipos de intervenção.

A disciplina da política urbana no nosso País foi deferida principalmente aos municípios, conforme se depreende do art. 182 da Constituição da República [56]. E a figura principal do sistema normativo respectivo, a que fazem referência os §§ 1.º e 2.º do citado artigo da Magna Carta, é o Plano Diretor, que funciona como instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.

No Município do Rio de Janeiro, o Plano Diretor, instituído pela Lei Complementar n.º 16, de 04 de junho de 1992, se limita a fixar as diretrizes básicas que norteiam a atuação do Poder Público na ordenação do crescimento da Cidade. Deste modo, não serão encontradas no corpo dessa legislação as limitações administrativas, mas nos documentos normativos criados a partir dela.

Para se ter uma idéia, o art. 41 do citado diploma legal, com o fim de ordenar a ocupação do solo, divide o território municipal em três macrozonas: a) urbana, ocupadas ou já comprometidas com a ocupação pela existência de parcelamentos urbanos implantados ou em execução (§ 1.º) ; b) de expansão urbana, destinadas à ocupação, por necessárias ao crescimento da Cidade (§ 2.º); c) de restrição à ocupação urbana, com quatro tipos de destinação, a saber (§ 3.º) : c.1) com condições físicas adversas à ocupação; c.2) destinadas à ocupação agrícola; c.3) sujeitas à proteção ambiental; c.4) impróprias à urbanização [57]. Entretanto, seria só com a edição de uma lei específica, que versasse sobre o uso e a ocupação do solo urbano, que tais limitações seriam instituídas, como se infere do disposto no art. 105 do Plano Diretor em questão, in verbis:

"Art. 105 - Para controle do uso e ocupação do solo, o Município será dividido em Zonas, que poderão conter, no todo ou em parte, Áreas de Especial Interesse" [58].

Essas zonas impõem a prevalência de uso adequado dos imóveis nelas situados, conforme sejam elas residenciais, industriais, comerciais e de serviços, de uso misto, de conservação ambiental ou agrícolas (art. 106, incisos I a VI).

Ocorre que a referida lei já existia. Era a Lei n.º 1.574/67, do Estado da Guanabara, editada em época em que a competência legislativa municipal estava concentrada nas mãos daquele ente político [59]. Esse o diploma legal responsável pelas limitações administrativas decorrentes do zoneamento do atual Município do Rio de Janeiro. Vejamos como funciona:

"Art. 13 - Em cada zona a terra e as edificações só poderão ser usadas para os fins especificados no ‘Quadro Geral de Uso da Terra’ (artigo 16) e suas regulamentações, através dos ‘Quadros Complementares de Uso da Terra’".

Assim, v. g., num imóvel localizado na zona industrial será considerado inadequado o seu uso para o desenvolvimento de atividades educacionais, como se infere do QGUT. Instituída está a limitação administrativa, pelo art. 16 do citado diploma legal.

De outra forma, será apenas tolerado o uso de imóvel destinado à exploração de atividades comerciais em zonas residenciais. Vale dizer, tais atividades só poderão ser exercidas nesses locais se cumprirem às exigências de intensidade, dimensão, forma, etc., a serem fixadas em regulamento [60].

Além da legislação de zoneamento, que vimos acima, o art. 81 do Plano Diretor do Município do Rio de Janeiro prevê a criação de um Código de Obras e Edificações, de um Código de Licenciamento e Fiscalização, de uma Lei de Parcelamento do Solo Urbano etc..

Também a Lei n.º 1.574/67 trata do parcelamento do solo urbano no Município do Rio de Janeiro. E teve como fonte material o Plano Diretor, que em seu art. 83 previu sua criação com o fito de regular o parcelamento, o remembramento e o desmembramento.

Vejamos um exemplo de limitação administrativa imposta pela legislação municipal sobre parcelamento do solo urbano:

"Art. 22 - A construção e a manutenção dos passeios dos logradouros dotados de meios-fios são obrigatórias em toda a extensão das testadas dos terrenos, edificados ou não, e serão feitas pelos respectivos proprietários, ressalvados os casos explicitamente definidos em regulamento".

Note-se que a Lei (federal) n.º 6.766/79, que figura como norma geral sobre o tema, também contém normas impositoras de limitações administrativas, senão vejamos:

"Art. 3.º -....... ...............................................

Parágrafo único - Não será permitido o parcelamento do solo:

I - Em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas;

II - Em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, sem que sejam previamente saneados;

III - Em terreno com declivedade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes;

IV - Em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação;

V - Em áreas de preservação ecológica ou naquela onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção".

Repare que não só a legislação federal citada, em especial o inciso V, mas também a municipal estabelece limitações administrativas com vistas à proteção do meio ambiente, que foi classificado pela Lex Fundamentalis como bem comum do povo (art. 225, caput). Vejamos o que estabelece, a título exemplificativo, o art. 25, § 2.º, n.º 3 da já mencionada Lei n.º 1.574/67:

Art. 25 - A ninguém, pessoa física ou jurídica, é lícito efetuar, sem prévia autorização da repartição competente, o parcelamento do ou remembramento das áreas dos imóveis de sua propriedade, estendendo-se a interdição deste artigo aos concessionários ou permissionários de serviços públicos.

§ 1.º - Omissis.

§ 2.º - Embora satisfazendo às demais exigências desta lei, qualquer projeto de parcelamento ou remembramento poderá ser recusado ou alterado, total ou parcialmente, pelo órgão estadual competente, tendo em vista:

3 - a defesa das reservas naturais".

Os tribunais do País também têm enfrentado questões que se referem às limitações impostas em defesa do meio ambiente. Veja-se, a propósito, a seguinte ementa, que resume contenda decidida pelo Acórdão da 6.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná no julgamento da Apelação Cível n.º 62897900:

"Ação Civil Pública. Dano Ambiental. Propriedade Rural. "Reserva Florestal Legal". Mata Ciliar. Preservação. Limitação administrativa ao uso da propriedade. Atual proprietário. Culpa. Irrelevância. Legitimidade passiva ad causam.

A existência legal, que traduz a proibição de desmatamento de parte da área florestada em cada propriedade rural, constitui limitação administrativa ao uso da propriedade, obrigando a todo proprietário rural, independente da averiguação da sua culpa pela degradação ambiental ou do estado em que se encontrava o imóvel ao tempo em que o adquiriu. Recurso Desprovido" [61].

Apreciados exemplos concretos de limitações administrativas das espécies mais freqüentes, analisemos, a partir de agora, alguns problemas que decorrem dessa modalidade de intervenção do Estado na propriedade.

i. Limitação administrativa e direito adquirido

Assunto que tem ocupado bastante o meio jurídico é o que se refere à possibilidade de se alegar direito adquirido ao exercício de determinada atividade quando a lei impõe, posteriormente à concessão de licença para tanto, limitação administrativa que se choca com a situação anterior.

Essa situação tem sido freqüente em locais onde se instalam grandes indústrias e, como conseqüência, pequenos povoamentos vão se formando nas periferias em razão dos empregos ofertados. O agravamento dos níveis de poluição começam a prejudicar a saúde da população e, então, o Poder Público resolve limitar as atividades, impondo inclusive, em determinados casos, a relocalização da empresa poluidora.

A alegação mais utilizada em favor das empresas é no sentido de não se justificar o atingimento dos que já possuem licença anterior para o exercício da atividade industrial pelo fato de as populações terem se formado posteriormente à instalação do estabelecimento, postulando, então, o reconhecimento do seu "direito de pré-ocupação". Além disso, invocam obviamente o valor segurança jurídica, que fundamenta o disposto no art. 5.º, XXXVI da CRFB/88.

O Decreto-lei n.º 1.413/75 e a Lei n.º 6.803/80 não reconheceram o direito adquirido nessas hipóteses. E o fundamento dessas normas legais seria, no entendimento do prof. Paulo de Bessa Antunes, o fato de que a ninguém pode ser reconhecido o direito de poluir o meio ambiente [62]. Neste sentido, seria absolutamente legítima a retroatividade da norma em questão.

Ocorre que esse posicionamento não tem merecido acolhida no âmbito jurisprudencial, tendo sido predominante a idéia de que o direito de pré-ocupação deve ser respeitado nessas hipóteses. Neste sentido foi a decisão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais na Apelação Cível n.º 45.501-1, que teve como relator o Juiz Schalcher Ventura [63].

O certo é que a questão ainda está por merecer a qualificada análise do Supremo Tribunal Federal, que definirá o posicionamento jurisprudencial à luz do ordenamento constitucional pátrio.

De nossa parte, não emitiremos parecer contra ou a favor da tese do direito de pré-ocupação, pois ainda não foi por nós devidamente amadurecida a questão.

j. Indenização

No primeiro contato que se tem com o tema "intervenção do Estado na propriedade", via de regra posterior às tradicionalistas lições de direito civil sobre o dominium, a perplexidade toma conta de nossa mente. A noção do absoluto direito de propriedade se esvai e os publicistas nos tentam mostrar porque não é mais bem assim.

Quando nos contam, então, sobre aquela evolução conceitual e passamos a aceitar isso que, inicialmente, nos parecia uma violência, a primeira indagação que nos vem é sobre a indenização pelo desfalque no patrimônio das pessoas atingidas. Ora, se uma ou algumas pessoas têm a sua propriedade limitada em favor do interesse público ou do interesse social, nada mais justo que tal ônus seja repartido por todos, como uma medida de respeito ao valor igualdade, núcleo do conceito de justiça, como já anunciado por Gustav Radbruch [64]. Daí se pensar, ipso facto, no direito à indenização.

E esse tem sido um importante argumento utilizado para fundamentar a tese do direito à indenização nessas hipóteses. Entretanto, na maioria das vezes, só tem encontrado acolhida nos casos de intervenção drástica do Estado na propriedade.

Via de regra o que se afirma é que, nas modalidades de intervenção branda, que são aquelas em que não há supressão do direito de propriedade, só será o particular indenizado se comprovar efetivo dano causado pela atuação estatal. Essa é a posição predominante na doutrina.

Com relação às limitações administrativas, especificamente, José dos Santos Carvalho Filho nos ensina que a inexistência do direito de indenização decorre do fato de a lei, que é seu veículo, por ser genérica e abstrata, não atingir uma propriedade determinada. Vejamos suas palavras:

"As normas genéricas, obviamente, não visam a uma determinada restrição nesta ou naquela propriedade. Abrangem quantidade indeterminada de propriedades. Desse modo, podem contrariar interesses dos proprietários, mas nunca direitos subjetivos. Por outro lado, não há prejuízos individualizados, mas sacrifícios gerais a que se devem obrigar os membros da coletividade em favor desta" [65].

Veja-se que, com isso, utiliza-se, ainda que implicitamente, o princípio da igualdade para fundamentar a tese contrária àquela utilizada anteriormente, que se vale, curiosamente, do mesmo valor jurídico-constitucional.

O que se tem admitido, por outro lado, é a possibilidade de uma intervenção drástica na propriedade se disfarçar de limitação administrativa para não gerar o dever do Poder Público de indenizar os atingidos pela norma. Isso ocorre quando a pretensa limitação retira do bem toda ou quase toda a possibilidade de utilização, anulando ou diminuindo significativamente o seu valor econômico.

Na prática, essa hipótese tem ocorrido com muita freqüência e os tribunais, nestes casos, têm abraçado a tese do dever de indenizar. Vejamos, a esse respeito, a seguinte decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

"Desapropriação indireta. Área florestal abrangida por parque estadual de reserva ecológica. Vigilância permanente do Poder Público, privando o uso, gozo e livre disposição do bem. Indenização devida.

As limitações administrativas, como regra, não dão direito à indenização por serem de caráter geral, impostas com fundamento no poder de polícia do Estado, gerando para os proprietários obrigações positivas ou negativas, com o fim de condicionar o exercício do direito de propriedade ao bem estar social. Mas, se a pretexto de limitação administrativa ou tombamento, a Administração impõe à propriedade particular restrição que afeta integralmente o direito de uso, gozo e livre disposição do bem, tratar-se-á de desapropriação, à qual deve corresponder a devida indenização, sob pena de configurar-se o confisco. Assim, provado que a área de terras pertencente aos embargantes está incluída no Parque Estadual do Desengano e que, em razão disso, perderam o uso, gozo e livre disposição da mesma, impõe-se o dever de indenizar. Provimento dos embargos" [66].

O Supremo Tribunal Federal abraça esse entendimento, mas adverte para o fato de que, se a limitação administrativa é imposta anteriormente à data de aquisição do imóvel atingido pelo comando legal, não assistirá ao proprietário adquirente o direito de cobrar indenização do Estado, ainda que seja notado aquele esvaziamento do conteúdo econômico do bem. Vejamos a ementa do seguinte Acórdão, que julgou o Recurso Extraordinário n.º 140.436-SP:

"Constitucional. Administrativo. Civil. Limitação administrativa. Indenização.

I - Se a restrição ao direito de construir advinda da limitação administrativa causa aniquilamento da propriedade privada, resulta, em favor do proprietário, o direito à indenização. Todavia, o direito de edificar é relativo, dado que condicionado à função social da propriedade. Se as restrições decorrentes da limitação administrativa preexistiam à aquisição do terreno, assim já do conhecimento dos adquirentes, não podem estes, com base em tais restrições, pedir indenização ao poder público.

II - R. E. não conhecido" [67].

Portanto, não nos parece suficiente afirmar, simplesmente, que as limitações administrativas não rendem direito à indenização. Não que isso esteja incorreto, mas ignora o fato de outras modalidades interventivas vestirem a roupa de limitação para liberar-se o ente político instituidor do dever de pagar a devida indenização pela desapropriação indireta.

B. Servidões administrativas

Sumário: a. Conceito; b. Objeto; c. Natureza jurídica; d. Fundamentos; e. Conteúdo; f. Sujeitos ativo e passivo; g. Distinção entre as servidões civil e administrativa; h. Formas de instituição; i. Indenização; j. Extinção.

a. Conceito

Para não destoar da metodologia adotada anteriormente, quando tratávamos das limitações administrativas, nos utilizaremos, aqui também, de um conceito de grande aceitabilidade do instituto a ser analisado. E repetimos, em homenagem ao brilhantismo do saudoso mestre, as lições de Hely Lopes Meirelles, in verbis:

"Servidão administrativa ou pública é o ônus real de uso, imposto pela Administração à propriedade particular, para assegurar a realização e conservação de obras e serviços públicos ou de utilidade pública, mediante indenização dos prejuízos efetivamente suportados pelo proprietário".

A servidão administrativa é uma modalidade de intervenção branda do Estado na propriedade, o que eqüivale a dizer que a sua imposição não suprime o direito do particular, mas simplesmente o restringe, incidindo, especificamente, sobre o poder de uso do bem.

Analisemos em separado os caracteres do instituto em tela, para termos, ao final, um conceito mais completo do que se pode extrair da definição dada, que servirá de guia para o desenvolvimento do texto.

b. Objeto

Embora não seja unânime a doutrina a esse respeito, parece-nos lícito afirmar que a servidão administrativa somente poderá recair sobre a propriedade imobiliária. Sobre a questão, a doutrina se divide em três correntes. Vejamos.

Adílson de Abreu Dallari entende que as servidões possam recair sobre bens moveis ou imóveis, sendo possível até que seu objeto sejam serviços [68], o que, neste último caso, nos parece inconcebível. Explicaremos oportunamente.

Lúcia Valle Figueiredo, representando a segunda posição, discorda do citado mestre, afirmando que o que aquele autor entende por servidão sobre serviços seria, na verdade, mera requisição, figura que estudaremos mais adiante. Em sua opinião, portanto, as servidões poderão recair sobre bens móveis ou imóveis.

Derradeiramente, o prof. José dos Santos Carvalho Filho considera que a servidão administrativa, à semelhança do que ocorre com as servidões civis, somente poderão ter como objeto os bens imóveis.

Permitimo-nos discordar do primeiro posicionamento, não porque as servidões sobre serviços figurariam como verdadeiras requisições, mas por que é impossível instituir-se direito real sobre serviços. O objeto da relação jurídica de direito real há de ser sempre uma coisa. Os serviços não podem ser objeto de direito real, mas de direito pessoal.

No que toca à segunda manifestação, não nos parece correto admitir servidão administrativa sobre bens móveis, posto que acabaria por configurar uma autêntica desapropriação. Um exemplo esclarecerá o raciocínio.

Imagine uma servidão administrativa instituída sobre um veículo de passeio. Como ficaria o direito do proprietário, quando pretendesse ir às compras, com a prevalência do direito de uso sobre o bem pelo Poder Público, que o está precisando para deslocar o Governador do Estado de seu gabinete para uma reunião com o Presidente da República, que se encontra em lugar diverso? Não resta dúvida de que o direito do particular, nesta hipótese, estaria extinto [69]. E a supressão do direito à propriedade não é compatível com a figura da servidão, que é classificada, como vimos, como modalidade de intervenção branda.

Embora, como veremos, não se confundam as servidões administrativas com as do Direito Civil, correta a afirmação do prof. Carvalho Filho no sentido de que "não se pode perder de vista que as servidões têm o mesmo núcleo, (...), sejam elas administrativas ou de direito privado" [70]. E no direito civil, nos lembra Caio Mário da Silva Pereira, onde tiveram nascedouro ambas, só se admite a servidão sobre prédios (coisa imóvel corpórea) [71]. Aliás isso faz parte do conceito do instituto.

c. Natureza jurídica

As servidões administrativas assumem as características de um autêntico direito real sobre coisa alheia, conferindo ao Poder Público o direito de uso sobre o bem imóvel do particular. Sobre isso não há questionamentos.

O conceito de propriedade, na concepção do Código Civil [72], é composto por quatro elementos (poderes), bem discriminados por seu art. 524, a saber: uso, gozo (ou fruição), disposição e defesa. Entretanto, esses poderes podem ser separados uns dos outros, sem que importe em transferência do domínio de uma pessoa para outra. Ocorrendo essa hipótese, converte-se a propriedade, anteriormente plena, em limitada, conforme se infere do disposto no art. 525 do Código Civil, ipsis litteris:

"Art. 525 - É plena a propriedade, quando todos os seus direitos elementares se acham reunidos no do proprietário; limitada, quando tem ônus real, ou é resolúvel".

Partindo dessas noções, convém conceituar propriedade resolúvel e ônus real, fazendo, inclusive, algumas observações importantes.

Propriedade resolúvel é aquela em que a efetivação da transferência do dominium de um titular para o outro está a depender do advento de um termo ou condição (CC, art. 647). Nesta hipótese, todos os poderes podem estar concentrados nas mãos de uma mesma pessoa, de modo que não se poderá falar em propriedade limitada (de acordo com o conceito do Código Civil). Por esta razão, embora a doutrina especializada não faça essa observação [73], me parece despropositada a consideração da propriedade resolúvel como limitada pelo Código Civil.

Por sua vez, a propriedade gravada com ônus real se vê desmembrada, de modo a se poder enxergar nela a coexistência de direitos reais com titulares diversos sobre a mesma coisa. O proprietário mesmo passa a ter de aceitar que sobre a coisa, que ainda é sua, exerça um direito também real outra pessoa, mas tendo por objeto poderes específicos [74]. Estes os chamados direitos reais sobre coisa alheia, que se classificam em: a) de uso e/ou gozo; b) de garantia; c) de aquisição.

Os primeiros incidem sobre o direito de uso e/ou de gozo sobre o bem, de modo que a sua utilização e/ou o aproveitamento de seus frutos poderá caber a pessoa diferente daquela que é proprietária. Assim se classificam, pois, no âmbito do Direito Civil, a enfiteuse (CC, art. 678 e segs.), a servidão (CC, art. 695 e segs.), o usufruto e suas especializações (uso e habitação) e as rendas constituídas sobre bens imóveis (CC, art. 749 e segs.).

Os direitos reais de garantia, que também se constituem sobre coisa alheia, conferem a titular diferente do proprietário os poderes parciais de disposição e de defesa, de modo que a permanência de tal situação fica condicionada ao cumprimento ou não da obrigação garantida. Desta forma, se o proprietário, devedor daquela relação obrigacional, não a cumpre, poderá executar judicialmente a coisa o titular do direito real de garantia, para satisfação de seu crédito (CC, art. 759) [75]. Por outro lado, adimplindo com a sua obrigação o proprietário da coisa dada em garantia, extingue-se o direito real sobre coisa alheia [76].

São quatro as espécies de direito real de garantia: a hipoteca (CC, arts. 809 e segs.), o penhor (CC, arts. 768 e segs.), a anticrese (CC, arts. 805 e segs.) e a alienação fiduciária (Lei n.º 4.728/65, art. 66, com redação dada pelo art. 1.º do DL 911/69).

Por fim, os direitos reais sobre coisa alheia podem se dar em favor do promitente-comprador de bem imóvel, quando cumpridos os requisitos enumerados pelo art. 1.º da Lei n.º 649/49. Neste caso, confere a lei ao promitente-comprador o direito de ter efetivada a transferência da propriedade imobiliária para o seu patrimônio. Esse direito real sobre coisa alheia é atípico, não conferindo nenhum daqueles poderes discriminados pelo art. 525 do Código Civil. De modo que não é possível, neste caso, falar-se em propriedade limitada, mas talvez em propriedade resolúvel.

As servidões administrativas, assim como as servidões civis, conferem à Administração Pública poder de uso sobre a coisa objeto da intervenção. O proprietário, geralmente particular, continua titular do bem, mas tem de suportar o seu uso por outra pessoa.

Entretanto, a 1.ª Turma do Tribunal Regional da 2.ª Região, no julgamento da Apelação Cível n.º 92.0209415-2, entendeu a servidão administrativa como "direito real de gozo sobre coisa alheia" [77]. Com a devida vênia, não nos parecem muito precisos os termos utilizados na citada decisão.

Em primeiro lugar, não existe direito real de gozo. Este é apenas um dos poderes que um direito real pode conferir a alguém.

Em segundo lugar, o gozo (ou fruição), como poder que integra um dos elementos do novo conceito de propriedade, está a proporcionar ao favorecido o direito de ter para si os frutos advindos da propriedade. E o que a instituição de servidão administrativa confere ao Poder Público é menos do que isto. Restringe-se à utilização do bem, para o que basta o poder de uso.

O poder de uso conferido ao ente político interveniente se destina ao desenvolvimento de atividades típicas ou atípicas do Estado, sejam elas qualificadas como públicas ou de utilidade pública. Neste sentido é que se institui servidão administrativa, por exemplo, para a passagem de linha de transmissão de energia elétrica, fincando o Poder Público aquelas torres enormes que sustentam os cabos de alta tensão; para a instalação e manutenção de oleodutos e gasodutos; para a instalação de placas de trânsito; etc..

d. Fundamentos

As normas jurídicas são, conceitualmente, comandos abstratos induzidos de fenômenos fáticos concretos ou de outras normas jurídicas com menor grau de abstratividade. Neste sentido, cabe fazer distinção entre normas-princípio e normas-preceito, sendo estas abstrações de 1.º grau e aquelas abstrações de 2.º grau [78].

Assim como acontece com qualquer forma de intervenção do Estado na propriedade, as servidões administrativas se assentam em dois princípios básicos: a) o da supremacia do interesse público sobre o privado (implícito); b) o da função social da propriedade (art. 5.º, XXIII e art. 170, XIII da CRFB/88).

O Estado pode, pois, instituir servidão administrativa para executar serviço público ou de utilidade pública. Não o poderá fazer, entretanto, para a satisfação de interesse privado, que está no mesmo nível hierárquico do interesse daquele que teve seu direito limitado (ou até, como teremos a oportunidade de verificar, em nível inferior).

Não nos alongaremos no desenvolvimento desses conceitos, aqui, posto que o já fizemos linhas atrás. Por outro lado, faremos as distinções entre a servidão administrativa e a do direito civil em ponto específico.

Quanto ao fundamento específico das servidões administrativas, veiculado através de uma norma-preceito, temos o art. 40 do Decreto-lei n.º 3.365/41, que transcrevemos:

"Art. 40 - O expropriante poderá constituir servidões, mediante indenização na forma desta lei".

Com toda a imprecisão desse dispositivo legal, que dá a entender que as servidões administrativas só poderiam ser impostas se vinculadas, de alguma forma, à desapropriação, este é o seu fundamento legal genérico dessa modalidade de intervenção estatal na propriedade.

e. Conteúdo

O desenvolvimento do conceito função social da propriedade de alguma forma dependeu da evolução do conceito de Estado, encontrando melhor ambiente para se desenvolver quando do advento da noção de Estado do bem-estar social. Neste sentido, pode-se dizer que as servidões administrativas estão a depender dessa evolução da concepção acerca do Estado.

Por outro lado, é de se reconhecer que o maior reflexo que o spread da concepção de um Estado promotor do bem-estar social pode lançar sobre o tema intervenções estatais na propriedade foi a possibilidade de imposição de condutas positivas aos particulares proprietários, o que não aproveita às servidões administrativas, já que estas só impõem uma espécie de dever, de ordem negativa. Expliquemos.

Quando examinávamos a evolução jurídica do conceito de propriedade, pudemos destacar três diferentes momentos, em suma: a) um primeiro, em que o direito de propriedade era visto como absoluto, não se admitindo qualquer tipo de intervenção do Estado nele; b) um segundo, em que se admite a intervenção do Estado, que estaria autorizado a impor deveres negativos aos proprietários de bens (non facere ou pati); c) por fim, um terceiro momento, em que, além daqueles limites negativos, estaria legitimado o Poder Público a impor ao proprietário de bens deveres de ordem positiva (facere).

Pois bem. Para a previsão jurídica da possibilidade de instituição de servidões administrativas bastaria atingir o segundo momento, já que essa modalidade de intervenção do Estado na propriedade se limita a impor deveres de caráter negativo. Mais especificamente, o que se impõe com as servidões administrativas é dever de suportar (pati). É neste sentido que o prof. José Maria Pinheiro Madeira afirma que, "nas servidões há um pati, ou seja, uma obrigação de suportar" [79].

Se essa lição é repetida por toda [80] a doutrina administrativista que fere esta minúcia, não se pode dizer o mesmo sobre a jurisprudência. Veja-se o seguinte acórdão da 2.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, no julgamento da Apelação Cível n.º 93.0202285-4:

"Civil. Desapropriação. Constituição de servidão administrativa de passagem de linha de transmissão de energia elétrica. Adequado o percentual aplicado para cálculo da indenização sobre o valor da propriedade. Mantida a r. sentença.

I - A situação do terreno, próximo à área urbana, por si só, justifica a incidência do percentual, vez que a servidão impedira o seu loteamento.

II - (...).

III - (...).

IV - (...).

V - Por unanimidade, negado provimento à apelação e à remessa" [81].

Repare que, logo no primeiro item (que grifamos), o acórdão fala em servidão que impede o loteamento do imóvel. Isto não é, propriamente, uma servidão administrativa. Não está a Administração Pública, com isso, instituindo direito real sobre coisa alheia. As proibições de loteamento são matérias reservadas ao âmbito das limitações administrativas, cujo veículo é a lei formal, genérica e abstrata, e pode impor o dever de fazer, de deixar de fazer ou de suportar. Diferente disso, as servidões administrativas somente impõem o dever de suportar (pati), o que não ocorreu naquele caso, pelo menos no ponto específico relativo à proibição de lotear o terreno. Sobre as distinções entre os dois institutos em cotejo, vide item II, da letra A, n.º 6 deste trabalho.

Portanto, por mais que não sejam rigorosamente utilizados os termos, tanto pela lei como pela jurisprudência, não resta dúvidas de que as servidões administrativas não impõem outra espécie de dever senão o de suportar uma ação do Estado, que adquire, na forma da lei [82], um direito real conferidor de poder de uso da propriedade alheia.

f. Sujeitos ativo e passivo

É um pouco costumeiro iniciar a análise subjetiva das relações jurídicas sempre do seu pólo ativo, passando, só após, ao pólo passivo. Entretanto, por dois motivos especiais, não o faremos dessa forma aqui. Em primeiro lugar, temos como razão de ser dessa forma de exposição o fato de fazer parte do núcleo do conceito das servidões administrativas a caracterização do sujeito passivo, que as suporta. Por outro lado, as curiosidades que a análise do pólo ativo dessa forma de intervenção do Estado na propriedade apresenta poderiam sombrear o interesse pelo estudo do pólo passivo, com grave prejuízo para uma boa compreensão do instituto em apreço. Assim, justificada se encontra, aos nossos olhos, a metodologia adotada para esse ponto específico.

O sujeito passivo das servidões administrativas será sempre uma pessoa determinada, proprietária de imóvel que interesse ao Poder Público para fins de utilização em suas atividades. Assim, a instituição de servidões de direito público deverá apontar o bem especificamente atingido pelo ato.

É por essa razão que negamos a qualidade de servidão pública, por exemplo, à modalidade de intervenção instituída pelo art. 43 da Lei n.º 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica), in verbis:

"Art. 43 - As propriedades vizinhas dos aeródromos e das instalações de auxílio à navegação aérea estão sujeitas a restrições especiais.

Parágrafo único. As restrições a que se refere este artigo são relativas ao uso das propriedades quanto a edificações, instalações, culturas agrícolas e objetos de natureza permanente ou temporária, e tudo mais que possa embaraçar as operações de aeronaves ou causar interferência nos sinais dos auxílios à radionavegação ou dificultar a viabilidade de auxílios visuais".

Veja-se que a lei, por ser genérica e abstrata, faz menção a um tipo de propriedade, qual seja, toda aquela que for vizinha de aeródromo ou de instalações de auxílio à navegação aérea. Portanto, não será o Sr. Joaquim da Padaria Portugal ou a Sra. Maricota do cabeleireiro da esquina Y o sujeito passivo da intervenção analisada, mas pessoas indeterminadas que tiverem suas propriedades imobiliárias localizadas em áreas com aquelas características.

Portanto, sempre que se tiver dúvida quanto a uma intervenção do Estado na propriedade ser limitação ou servidão administrativa, foque a atenção na determinação ou indeterminação do sujeito passivo e terá a resposta. Sendo determinado (v. g., proprietário da casa 4, lote 13 da Rua Projetada 1, Bairro Vermelho), será uma servidão. Sendo apenas determinável, como no exemplo do art. 43 da Lei n.º 7.565/86, será limitação administrativa.

Feitas estas considerações, importantíssimas, tratemos agora do sujeito ativo das servidões públicas.

Em primeiro lugar, é de se dizer que a Constituição defere a todos os entes da Federação a instituição de servidões administrativas. E a essa conclusão se chega pelo fato de o Texto Maior não discriminar qualquer competência neste sentido. A partir daí, e considerando que o interesse público se faz presente em todos os níveis de nosso Estado federal, somente sendo lícito fazer distinção entre interesse público local (competência municipal), regional (competência estadual) ou nacional (competência da União), tomamos como indiscutível aquela assertiva, feita no início deste parágrafo.

Entretanto, só para não deixar dúvidas quanto a isto, citemos, a esse respeito, por todos, a lição da prof. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in verbis:

"A servidão administrativa, por constituir-se em forma de limitação à propriedade privada, é prerrogativa estatal, inerente às pessoas jurídicas de direito público interno, União, Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios" [83].

Questão que merece análise mais detalhada é a que se refere à possibilidade de autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e concessionárias de serviços públicos instituírem as servidões administrativas.

Apoiada por grandes mestres, como Otto Mayer, Rafael Bielsa, Osvaldo Aranha Bandeira de Melo e outros, Maria Syilva Z. Di Pietro admite tal instituição, inclusive por aquelas pessoas jurídicas de direito privado, desde que haja autorização legislativa para tanto [84]. E cita, como exemplo, o disposto no art. 151, c do Decreto n.º 24.643/34, que outorga às concessionárias o poder de estabelecer servidões permanentes ou temporárias exigidas para obras hidráulicas e para o transporte e distribuição da energia elétrica. Não nos parece correto, entretanto, esse entendimento.

Ao nosso sentir, a declaração de utilidade pública para fins de servidão administrativa, assim como ocorre com as desapropriações, é de competência privativa [85] do ente político em nome do qual se registrará o direito real sobre a coisa alheia, podendo ser delegada tal competência somente a entes dotados de personalidade jurídica de direito público, por lei específica. E assim deve ser, pois o contrário importaria numa elevação de nível das empresas com personalidade jurídica de direito privado, que passariam a se equiparar às de direito público, com grave violação ao princípio da isonomia.

Foi, inclusive, por reconhecer essa inconstitucionalidade que o art. 10 da Lei n.º 9.074/95 alterou, no plano infraconstitucional, a disciplina contida no Código de Águas anteriormente citada, atribuindo à Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, autarquia federal, a competência para declarar a utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, as áreas necessárias à implantação de instalações de concessionários, permissionários e autorizados de energia elétrica. Vejamos:

"Art. 10 - Cabe à Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL, declarar a utilidade pública, para fins de desapropriação ou instituição de servidão administrativa, das áreas necessárias à implantação de instalações de concessionários, permissionários e autorizados de energia elétrica".

Assim, no caso de o uso efetivo do imóvel a ser gravado pela servidão administrativa ter de ser exercido por empresa concessionária, que tem personalidade jurídica de direito privado, deverá o Poder Executivo declarar a utilidade pública de tal bem, via decreto, transferindo-se, por contrato, o exercício do poder de uso àquela que executará o serviço público. Mas, no caso de haver permissão legal exclusiva para tanto, poderão as autarquias exercer aquela competência declaratória. O que não se permite é que tal competência seja delegada a pessoas privadas, já que da supremacia do interesse público só podem se beneficiar os entes dotados de personalidade jurídica de direito público.

Corroborando com esse entendimento, o Supremo Tribunal Federal entendeu ser inconstitucional a delegação do poder de polícia a pessoas jurídicas de direito privado, que também é, como naquele caso, atividade própria do Estado, sendo, portanto, indelegável. Veja-se o seguinte trecho do acórdão que julgou a Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.717-DF:

"Com efeito, não parece possível, a um primeiro exame, em face do ordenamento constitucional, mediante a interpretação conjugada dos artigos 5.º, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da C.F., a delegação, a uma entidade privada, de atividade típica do Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que tange ao exercício de atividades profissionais" [86].

Portanto, somente a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e, desde que haja autorização legislativa específica para tanto, as suas respectivas autarquias e fundações públicas (com personalidade jurídica de direito público) poderão declarar um imóvel de utilidade pública para fins de servidão administrativa.

As concessionárias de serviços públicos poderão, nos termos do art. 3.º do Decreto-lei n.º 3.365/41, promover desapropriações e, por analogia, servidões administrativas, o que é diferente. Significa dizer que tais empresas poderão, por lei ou contrato, obter autorização para praticar atos concretos para efetivar a expropriação ou a constituição de servidão administrativa, depois de existente uma declaração de utilidade pública [87].

Pelo que se disse, podemos concluir, v. g., pela inconstitucionalidade da Lei n.º 2.004/53, que autorizava à Petrobras, sociedade de economia mista (pessoa jurídica de direito privado), a declarar a utilidade pública de imóvel para fins de desapropriação e, por conseqüência, de servidão administrativa. Mas, à semelhança do que ocorreu na área da energia elétrica, a Lei n.º 9.478//97 revogou todo aquele diploma legal (art. 83), devolvendo formalmente tal competência ao Executivo federal. À Agência Nacional do Petróleo somente caberá a instrução de processo com vistas à declaração de utilidade pública para fins de desapropriação ou de servidão administrativa (art. 8.º, VIII).

Registre-se, aqui, importante acórdão do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, que decidiu pela legalidade da delegação de competência a Ministro de Estado para declaração de utilidade pública, via Portaria, com o intuito de instituição de servidão administrativa:

"Processual civil. Servidão administrativa. Desapropriação. Legítima a portaria ministerial que declara o imóvel de utilidade pública para fins de passagem de linha de transmissão de energia elétrica, em face da delegação de competência prevista no art. 81, V da Constituição Federal de 1967, regulada pelos arts. 11 e 12 do Decreto-lei n.º 200/67 e Decreto n.º 90.378/84. Apelações providas. Reforma da sentença para determinar que nova decisão seja proferida pelo M.M. juiz a quo, em termos de fixação do valor da indenização pela constituição de servidão" [88].

Outra questão que merece especial atenção neste tópico é sobre a possibilidade de um Município instituir servidão sobre bens do Estado ou da União; ou de um Estado a instituir sobre os bens da União. E o contrário, seria possível?

Ao nosso ver, é perfeitamente aplicável a analogia neste caso, utilizando-se como norma paradigma o § 2.º do art. 2.º do Decreto-lei n.º 3.365/41, que assim dispõe:

"Art. 2.º - Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados, pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.

§ 1.º - Omissis;

§ 2.º - Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa".

De acordo com tal regra, pois, somente será admitida a imposição de servidão administrativa incidente sobre bem público se for a União o sujeito ativo e o Estado ou o Município o sujeito passivo; ou, de outra forma, se figurar o Estado como sujeito ativo, sendo o município o sujeito sacrificado com a tal imposição. O contrário não será possível.

O professor Fábio Konder Comparato [89] nega validade a essa fórmula legal e, em face do resgate da forma federativa do nosso Estado empreendido pela Constituição de 1946, considera revogado, desde então, o § 2.º do art. 2.º do Decreto-lei n.º 3.365/41. Acredita o respeitável jurista que nenhum ente político poderia expropriar e, ipso facto, instituir servidões administrativas sobre o bem de outro ente político.

Contra essa opinião, que balança qualquer um pela consistência que apresenta, se posiciona o prof. José Carlos Moraes Salles, que se baseia no princípio da predominância do interesse para expressar sua tese. Veja, ipsis litteris, a sua argumentação:

"Ora, não pode haver dúvida de que, sendo determinado bem de predominante interesse geral, nacional, deva a União ter o poder de expropriá-lo, ainda que de propriedade do Estado-membro. E também não há razão para se ter dúvida de que, sendo certo bem de predominante interesse regional, possa o Estado-membro expropriá-lo, mesmo que de propriedade do Município. E isto sem que se possa falar em violação do princípio da autonomia e independência entre as unidades da Federação, mas com apoio no princípio da predominância do interesse" [90].

A maioria da doutrina não se posiciona de maneira expressa sobre a questão, o que reflete uma aceitação da constitucionalidade do dispositivo legal em tela. Veja-se, por todos, o que nos fala o saudoso Hely Lopes Meirelles:

"Os bens públicos são passíveis de desapropriação pelas entidades estatais superiores, desde que haja autorização legislativa para o ato expropriatório e se observe a hierarquia política entre estas entidades" [91].

Merece reparo, data venia, a lição transcrita, pois fundamenta tal dispositivo numa suposta hierarquia existente entre os entes da federação, o que é um absurdo ao nosso ver. Só para lembrar, não se utiliza desse argumento o professor Moraes Salles, que também afirma a igualdade entre os entes políticos.

O Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n.º 172.816-RJ, apreciou essa questão e decidiu pela validade do § 2.º do art. 2.º do Decreto-lei n.º 3.365/41. Veja-se o trecho da ementa que interessa a essa controvérsia:

"A União pode desapropriar bens dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos Territórios e os Estados, dos Municípios, sempre com autorização legislativa específica. A lei estabeleceu uma graduação de poder entre os sujeitos ativos da desapropriação, de modo a prevalecer o ato da pessoa jurídica de mais alta categoria, segundo o interesse de que cuida: o interesse nacional, representado pela União, prevalece sobre o regional, interpretado pelo Estado, e este sobre o local, ligado ao Município, não havendo reversão ascendente; os Estados e o Distrito Federal não podem desapropriar bens da União, nem os Municípios, bens dos Estados ou da União, Decreto-lei n.º 3.365/41, art. 2.º, § 2.º" [92].

Por fim, em tema de sujeito passivo, cabe ainda questionar sobre a possibilidade de, por exemplo, um ente da administração pública indireta da União ter seus bens gravados através da imposição de uma servidão administrativa por um Estado ou por um Município. A doutrina se posiciona sobre essa questão no âmbito das desapropriações. E, mais uma vez, nos valemos da analogia para compor essa problemática no nosso âmbito de estudo.

Em primeiro lugar, Hely Lopes Meirelles advoga a tese da possibilidade da desapropriação, desde que haja autorização legislativa da entidade superior, se tal medida de alguma forma for comprometer a continuidade do serviço público [93].

Diógenes Gasparini entende, por seu turno, que só será possível a desapropriação nessas condições se o bem a ser gravado não estiver sendo utilizado no desenvolvimento da atividade-fim do ente da Administração Pública indireta [94].

Finalmente, José dos Santos Carvalho Filho adota o entendimento segundo o qual há de ser aplicado aqui o mesmo raciocínio utilizado para o caso que envolve tão somente as pessoas que integram a federação, fazendo incidir também o art. 2.º, § 2.º do Decreto-lei n.º 3.365/41 [95].

O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal já tiveram a oportunidade de se posicionar sobre o tema, decidindo pela impossibilidade de entes federados (Estados, Distrito Federal ou Municípios) desapropriarem bens de sociedade de economia mista federal, baseando-se no fato de que o serviço prestigiado pela serventia daqueles bens é de titularidade da União, devendo incidir aquela regra do art. 2.º, § 2.º do Decreto n.º 3.365/41. Vejamos o trecho da ementa do acórdão do STF:

"Desapropriação, por Estado, de bem de sociedade de economia mista federal que explora serviço público privativo da União.

4. Competindo à União, e só a ela, explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os portos marítimos, fluviais e lacustres, art. 21, XII, f, da CF, está caracterizada a natureza pública do serviço de docas.

5. A Companhia Docas do Rio de Janeiro, sociedade de economia mista federal, incumbida de explorar o serviço portuário em regime de exclusividade, não pode ter bem desapropriado pelo Estado" [96].

E com base nos mesmos argumentos, o STF, no mesmo acórdão, decidiu pela impossibilidade de a desapropriação perpetrada por ente político local ou regional incidir sobre bens de empresas concessionárias de serviços públicos federais, independente de terem alguma ligação societária com a União. Veja-se:

"Se o serviço de docas fosse confiado, por concessão, a uma empresa privada, seus bens não poderiam ser desapropriados por Estado sem autorização do Presidente da República, súmula 157 e Decreto-lei n.º 856/69" [97].

Transportando-se, portanto, aqui também, esse raciocínio para o âmbito das servidões administrativas, é de se concluir pela impossibilidade de um ente cujo interesse público seja menor do que o do outro instituir aquele ônus real sobre bem deste último, conclusão que se alcança por força de interpretação analógica.

Entretanto, parece-nos que tudo o que se disse a esse respeito não deverá ser considerado se a imposição do tal ônus não tiver o condão de oferecer qualquer risco ao pleno desenvolvimento das atividades públicas tuteladas pela norma do art. 2.º, § 2.º do Decreto-lei n.º 3.365/41, já que nas servidões administrativas não é drástica (ou supressiva) a intervenção.

g. Distinção entre as servidões civil e administrativa

Salta aos olhos de quem quiser ver que as servidões administrativas não se confundem com as do Direito Civil, embora estas sejam a fonte inspiradora daquelas, como bem ressaltou Carvalho Filho [98]. Vejamos em que pontos se distanciam os dois institutos.

Em primeiro lugar, enquanto as servidões administrativas se fundam nos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da função social da propriedade; as servidões do direito privado são fundadas no princípio da autonomia da vontade.

Em segundo lugar, enquanto as servidões administrativas podem ser instituídas mesmo contra a vontade do proprietário do bem gravado, por sentença judicial, como veremos, as servidões do Direito Civil dependem, via de regra, de acordo de vontades, tendo como título geralmente um contrato [99]. Em ambos os casos, entretanto, poder-se-á adquirir a servidão por usucapião [100].

Por fim, a servidão do Direito Civil envolve sempre proprietários de dois prédios, um chamado de serviente, sobre o qual recai o direito real, e o outro chamado dominante, cujo proprietário se beneficiará com o poder de uso sobre a coisa alheia. De outra forma, a servidão administrativa não pressupõe a existência daqueles dois prédios, razão pela qual Caio Mário da Silva Pereira a considera uma quase-servidão [101].

Maria Sylvia Zanella Di Pietro chega a fazer a seguinte e interessante observação sobre esse aspecto diferenciador:

"Se se pretender ‘transpor’ o conceito e servidão predial, do direito privado para a esfera do direito público, sem atentar-se para as peculiaridades deste, chegar-se-á, forçosamente, à conclusão de que não existem as chamadas servidões administrativas, porque nestas o direito real é instituído em razão da utilidade pública à qual está afetado determinado bem" [102].

E é a mesma autora que resolve este impasse, enxergando nos dois institutos ora comparados espécies dos quais seria gênero a servidão simplesmente. Em ambos os casos são instituídos direitos reais conferidores de pode de uso sobre a coisa alheia. Veja-se o desfecho:

"Para chegar-se ao reconhecimento das servidões administrativas, é preciso fazer-se abstração do conceito privatista e partir-se do conceito da servidão in genere, como um direito real de gozo sobre coisa alheia, instituído em benefício de outra coisa ou pessoa" [103].

Os únicos reparos que merece tal lição são os seguintes: a) a autora se refere a direito real de gozo, quando na verdade está querendo dizer, tecnicamente, poder de uso. É só uma questão de terminologia; b) nunca será instituída uma servidão em favor de um outro prédio, já que as coisas não podem ser consideradas sujeitos de uma relação jurídica. A servidão predial é instituída, isto sim, em benefício do proprietário de um prédio dito dominante.

h. Formas de instituição

A partir do que já constatamos acerca da natureza jurídica (direito real sobre coisa alheia) da servidão administrativa e de seu objeto (bens imóveis), podemos afirmar, em primeiro lugar, que a constituição desse direito em favor do Estado dependerá, conforme disposição do art. 676 do Código Civil, do registro no órgão competente. Vejamos:

"Art. 676 - Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos só se adquirem depois da transcrição, ou da inscrição, no registro de imóveis, dos referidos títulos (art. 530, n.º I, e 856), salvo os casos expressos neste Código".

Tendo em vista essa exigência jurídica, instituída pelo Código Civil, a Lei n.º 6.015/73, em seu art. 167, I, n.º 6, elencou a servidão dentre os outros direitos que deverão ser registrados no Registro de Imóveis. Vejamos:

"Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos:

I - o registro:

6) das servidões em geral".

Por outro lado, assim como ocorre com as desapropriações, é de se verificar que o decreto que declara a utilidade pública de determinado bem imóvel para fins de servidão administrativa não é instrumento bastante para justificar uma atuação da Administração Pública no sentido de se imitir compulsoriamente na posse [104] do bem particular. Em outras palavras, o privilégio da auto-executoriedade não prestigia a Administração Pública nesses casos.

Expedido o decreto declaratório de utilidade pública [105], a Administração deve contatar o sujeito passivo, que será o proprietário do bem, e lhe dará ciência da necessidade pública de utilização do seu imóvel, oferecendo-lhe, se for o caso, a indenização que entender justa. Caso o proprietário não se oponha à proposta estatal, será lavrada escritura pública, que servirá de título para a transcrição no Registro de Imóveis. Registrada a escritura, estará instituída a servidão administrativa.

Todavia, caso o proprietário do bem imóvel não concorde com os termos da intervenção, deverá o Poder Público ajuizar ação com vistas à obtenção de título judicial que sirva à transcrição da servidão administrativa no Registro de Imóveis. É neste sentido que o art. 40 do Decreto-lei n.º 3.365/41 prescreve a mesma forma da desapropriação para a instituição das servidões administrativas.

O rito processual a ser adotado é o reservado à ação de desapropriação, prescrito pelos arts. 11 e segs. do Decreto-lei n.º 3.365/41.

Não consideramos oportuna a ocasião para discorrer sobre o rito processual referido. Entretanto, não nos furtaremos de apreciar algumas questões peculiares ao processo de constituição de servidão administrativa. E, basicamente, são dois os pontos a serem abordados.

Em primeiro lugar, questiona-se sobre a aplicabilidade dos arts. 9.º e 20 do Decreto-lei n.º 3.365/41 quando a ação visa à constituição de servidão administrativa. Vejamos a redação daqueles dispositivos legais:

"Art. 9.º - Ao Poder Judiciário é vedado, no processo de desapropriação, decidir se se verificam ou não os casos de utilidade pública.

Art. 20 - A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outra questão deverá ser decidida por ação direta".

José Carlos de Moraes Salles entende que não há que se restringir a discussão no bojo da Ação de Constituição de Servidão Administrativa, baseando seu posicionamento no fato de que, em sua opinião, o art. 40 da Lei Geral das Desapropriações só equipara os dois institutos para fins de cálculo da indenização devida ao particular. Confira-se o seu pronunciamento.

"A própria Lei de Desapropriações (Dec.-lei 3.365/41), no único dispositivo (art. 40) que dedicou às servidões administrativas, só tratou da forma pela qual se calcularia a indenização devida ao particular, não criando a exigência de declaração de utilidade pública.

Daí entendermos, também, que - ao contrário do que se verifica com a ação expropriatória, ex vi do disposto nos arts. 9.º e 20 do Dec.-lei 3.365/41 - na ação de constituição de servidão poderá ser amplamente discutida a matéria relativa à ocorrência ou não de utilidade ou necessidade pública, por não estar o particular sujeito a nenhuma vedação legal nesse sentido" [106].

Ousamos, todavia, dissentir do preclaro mestre. A razão de ser dessas vedações está na impossibilidade de o Poder Judiciário se imiscuir no mérito dos atos administrativos. Só a Administração Pública sabe dizer qual é ou não o interesse público. E se o Poder Judiciário pretender julgar a validade dessa opção do Administrador, que é política e não jurídica, estará afrontando o disposto no art. 2.º da Constituição da República, que consagra o princípio da separação dos Poderes.

Assim, independentemente de se enxergar ou não na norma contida no art. 40 do Decreto-lei n.º 3.365/41 força suficiente para fazer os arts. 9.º e 20 do mesmo diploma legal alcançarem as servidões administrativas, aquelas vedações terão aplicabilidade garantida, posto que se assentam em princípios consagrados no âmbito do Direito Administrativo e do Direito Constitucional.

Mas ainda assim, entendemos que o art. 40 da LGD está a vincular a instituição das servidões administrativas a todo aquele processo.

Além dessa questão, é de se mencionar a possibilidade de o Poder Público se imitir provisoriamente na posse do bem, antes mesmo de findo o processo judicial. E essa medida tem sido amplamente aceita no âmbito do Poder Judiciário, como se verifica a partir da leitura da seguinte ementa jurisprudencial:

"Processual civil. Recurso de Agravo de Instrumento. Imissão de posse em processo de constituição de servidão. Possibilidade.

I - Instruída a inicial de processo expropriatório em conformidade com o Decreto-lei n.º 3.365, de 21/06/1941, inclusive, com o depósito prévio, o juiz imitirá na posse o expropriante, sem a oitiva do expropriado;

II - Agravo improvido" [107].

Mas, aqui, algumas observações devem ser feitas.

Na ação expropriatória, sempre haverá a necessidade de indenização [108], o que não ocorre em relação às servidões administrativas, como veremos mais adiante. De modo que, no processo judicial em que se pretenda obter título para a transferência da propriedade particular (ou do poder público nas hipóteses cabíveis) para o patrimônio do ente expropriante, alegando urgência e fazendo o depósito prévio da quantia oferecida a título de indenização, poderá o Poder Público se imitir desde logo na posse do imóvel.

Transferindo-se aquele raciocínio para o âmbito das servidões administrativas, há que se fazer a seguinte indagação: será uma servidão indenizável? Sendo positiva a resposta, deverá a imissão na posse ser precedida do respectivo depósito. Não o sendo, será, obviamente, dispensável o depósito. Mas, como saber se será ou não indenizável sob a ótica processual e, por outro lado, se o valor do depósito é justo?

No âmbito das desapropriações, a imissão provisória costuma ser autorizada mediante o depósito da quantia ofertada pelo Poder Público, que geralmente se baseia no valor constante dos cadastros municipais para fins de cálculo do IPTU, conforme autoriza o art. 15, § 1.º, c do Decreto-lei n.º 3.365/41 (lembre-se que a base de cálculo daquele imposto municipal é o valor venal do imóvel, nos termos do art. 33 do Código Tributário Nacional). Ocorre que tais valores são geralmente muito inferiores aos realmente vigorantes no mercado, de modo que costuma causar grande transtorno aos expropriados tal medida judicial por razões que dispensam comentários.

Sensível a esse problema, o Superior Tribunal de Justiça tem entendido ser sempre inafastável uma perícia prévia, ainda que superficial, com vistas a identificar aproximadamente o valor venal do imóvel, de modo a impedir maiores injustiças. Confira-se a seguinte ementa jurisprudencial:

"Desapropriação. Imissão na Posse. Princípio da indenização prévia e justa. Decreto-lei n.º 3.365/41, art. 15.

- Na desapropriação, a imissão provisória na posse há de ser concedida em face da alegada urgência, na forma do disposto no art. 15, caput, da Lei das Desapropriações, recepcionado pela Constituição Federal de 1988.

- A decisão recorrida guarda estreita identidade com entendimento dominante nas Turmas que compõem a Egrégia Primeira Seção, do que dá conta precedente guarnecido pela seguinte ementa:

‘Administrativo. Desapropriação. Imissão provisória na posse. Decreto-lei n.º 3.365/41. Inteligência. Decisão da Seção.

I - Consoante decidido pela Egrégia Primeira Seção desta Corte, a imissão antecipada e ‘definitiva’ na posse de imóvel expropriado deve ser condicionada pelo depósito integral do valor apurado na avaliação provisória.

II - Recurso improvido (Resp n.º 74.179/RO, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ de 11.12.95)’.

- No mesmo sentido, os Resp n.º36.503/SP; Embargos de Divergência nos Resp’s n.º 920/SP e n.º 22.278/SP, também relatados pelo Ministro Hélio Mosimann; no Resp n.º 910/SP, Relator Ministro José de Jesus. Ultimamente, os recursos especiais nem vêm sendo admitidos: DJ de 07.03.94.

- Assim, alegada a urgência para o imediato apossamento do bem expropriado, exige-se o depósito prévio com o valor atualizado em avaliação judicial provisória (Incidente de Uniformização de Jurisprudência no Resp n.º 19.647-0/SP)" [109].

No âmbito das servidões administrativas, com muito mais razão, tal perícia prévia deverá ser realizada, devendo o auxiliar da justiça esclarecer os dois seguintes pontos básicos: a) se houve ou não prejuízo que justifique a indenização; b)em caso positivo, qual o valor a ser indenizado.

Sendo o caso de depósito prévio para a imissão provisória na posse, após a sua efetivação continuará o processo até os seus últimos termos, somente ao final se extraindo o respectivo mandado de transcrição imobiliária, que será remetido ao RGI para fins de registro da servidão administrativa.

i. Indenização

Como tivemos a oportunidade de verificar, quando da leitura do art. 40 do Decreto-lei n.º 3.365/41, a lei fala de forma bastante clara sobre a necessidade de se indenizar o sujeito passivo das servidões administrativas. Por outro lado, vimos, quando tratamos da indenização nas limitações administrativas, que a doutrina majoritária tem anunciado a regra que aponta para a desnecessidade de se indenizar o particular atingido por intervenção branda na sua propriedade. Por conta disso, a questão que se põe é a seguinte: como compor essas duas soluções divergentes?

Baseando-se no texto legal, Marcello Caetano afirma que, via de regra, as servidões administrativas renderão ao sujeito passivo o direito de pleitear indenização do ente público interveniente [110]. Mas essa lição é amplamente minoritária, sucumbindo diante dos pronunciamentos mais atualizados.

Maria Sylvia Di Pietro faz distinção entre servidão, digamos, concreta, que implica o desmembramento dos poderes da propriedade, e servidão genérica, que atinge indivíduos indeterminados, afirmando que, no primeiro caso, a indenização será sempre devida e, no segundo, não [111].

Para nós, que não aceitamos a possibilidade uma servidão ser instituída de forma genérica por lei formal, não está correta, data venia da respeitável administrativista, essa distinção. Mas também somos daqueles que entendem que há hipóteses em que a indenização será devida e outras em que não. Mas qual seria, então, o critério diferenciador?

Parte da doutrina, ao nosso ver corretamente, aponta para a necessidade de comprovação de que a servidão causou efetivo prejuízo ao administrado, só neste caso sendo devida a indenização. Esta, parece-nos, é a posição predominante entre os estudiosos do tema.

O professor J. M. Pinheiro Madeira assim se manifesta, apresentando sua solução através de um exemplo esclarecedor, capaz de espancar qualquer dúvida sobre a questão:

"Na maioria dos casos, as servidões administrativas configuram-se como indenizáveis, mas isso não acontece sempre. Os particulares, por exemplo, são obrigados a permitir que se coloquem placas indicativas de ruas em sua propriedade, sem que por isso lhes caiba direito de indenização, porque não há, neste caso, qualquer espécie de prejuízo para o prédio serviente" [112].

Mas em que oportunidade será avaliada essa questão, qual seja, a de saber se houve ou não prejuízo? A questão não se nos afigura de grande complexidade.

Vimos, há algumas linhas, que a instituição das servidões poderá se dar amigavelmente, formalizando o Poder Público e o proprietário do bem a ser gravado escritura pública e levando-a a registro no RGI. Se o Poder Público reconhece o dano que causará a servidão ao particular e lhe oferece justa indenização, concordando este, composto estará o problema e a indenização será paga administrativamente. O mesmo ocorrerá se o particular reconhecer que nenhum prejuízo lhe causará o direito real a ser exercido pela Administração, direta ou indiretamente (neste último caso, através de seus delegatários).

Entretanto, se o ente instituidor da servidão administrativa não reconhece o prejuízo que causará a intervenção na propriedade ou, mesmo o reconhecendo, não oferece indenização compatível com as expectativas do particular, deverá aquele ajuizar Ação de Constituição de Servidão Administrativa (lembre-se de que não há falar, aqui, em auto-executoriedade). E no curso do processo, que seguirá o rito estabelecido para a Ação de Desapropriação, será feita perícia técnica para a avaliação do alegado dano.

A indenização será, via de regra, paga ao final do processo, mas antes da expedição do mandado de transcrição imobiliária (instruído com algumas peças processuais, dentre as quais se destacam as decisões meritórias, especialmente a que transitar em julgado), que servirá de título para o registro do direito real no RGI.

A jurisprudência tem prestigiado esse procedimento, conforme se infere da seguinte ementa:

"Administrativo - Desapropriação - Servidão Administrativa.

I - Correta a sentença que fixou o valor com base no bem elaborado laudo do perito do juízo, com os consectários legais na forma prevista nas súmulas do extinto TFR.

II - Remessa necessária improvida" [113].

E, para acabar com qualquer possibilidade de dúvida a esse respeito, confira-se a seguinte decisão, também do Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, em que se desprestigiou a sentença, por não ter levado em consideração o laudo pericial:

"Constitucional. Administrativo. Desapropriação. Servidão de passagem aérea em área urbana. Indenização a que faz jus o expropriado pela passagem de linha de transmissão de energia elétrica. Injusto valor fixado para a indenização.

- Procedem as críticas da apelante quanto ao afastamento pelo eminente julgador monocrático das conclusões do laudo pericial de excepcional qualidade técnica.

- Tampouco foi feita qualquer referência ao laudo do assistente técnico da apelada, para excluir, sem qualquer explicação, as duas áreas encravadas, do valor indenizatório.

- Indicação de percentual inadequado para áreas urbanas. Discrepância entre o constante da sentença e o apontado pelo perito.

- Sem outras considerações, para adotar, na integralidade, o laudo pericial do assistente técnico da apelante, no seu conteúdo e conclusões.

- Provida a apelação. Decisão unânime" [114].

Verifique-se, entretanto, que o valor a ser apurado pela perícia técnica deve se restringir à amplitude do prejuízo experimentado pelo particular, diferentemente do que ocorre com a desapropriação, que, além de outros itens, abarca o valor global do bem, já que este lhe é retirado do patrimônio compulsoriamente. Se não for observada essa distinção, perceberá o sujeito ativo da servidão administrativa um enriquecimento sem causa, o que é repelido pela Ciência Jurídica.

Sobre essa questão, confira-se o seguinte acórdão da 3.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que julgou a Apelação Cível n.º 641/97:

"Desapropriação. Servidão administrativa. Passagem de oleoduto e gasoduto. Imóvel rural. Desvalorização. Indenização justa.

Em tema de desapropriação, ainda que rural o imóvel, objetivando servidão de passagem de oleoduto e gasoduto, a indenização há de ser justa e em dinheiro, para evitar-se o confisco, ante a limitação do direito de propriedade, não servindo, no entanto, para enriquecimento sem causa" [115].

Antes ainda de verificarmos que verbas deverão ser incluídas no montante a ser pago a título de indenização, convém mencionar a oportuna lição da prof. Lúcia Valle Figueiredo [116], no que toca à possibilidade de uma autêntica desapropriação se disfarçar de servidão administrativa. Isso ocorrerá quando a pretensa intervenção branda retirar todo o conteúdo econômico do bem objeto da falsa servidão. Nesta hipótese, que se traduz - sem medo de parecer repetitivo - em verdadeira desapropriação, a indenização deverá ser global, posto que a propriedade in totum se descompôs.

Derradeiramente, é de se esclarecer quais as verbas que integrarão o montante a ser pago ao proprietário do imóvel gravado a título de indenização, conforme orientação dominante da jurisprudência pátria:

a) valor de depreciação do imóvel, conforme apurado na perícia técnica. Observe-se, entretanto, que, se houver imissão provisória na posse, deverá o valor previamente depositado ser abatido do total da indenização;

b) eventuais lucros cessantes;

c) correção monetária;

d) juros moratórios, devidos em razão da demora no pagamento da indenização. O percentual será de 6% ao ano, iniciando a contagem da data em que transitar em julgado o título executivo;

e) juros compensatórios, devidos em razão da utilização precoce do bem pelo Poder Público por ocasião da imissão provisória na posse. O percentual a ser aplicado é de 6%, de acordo com a MP n.º 1.658-12/98, contando-se da data em que o Poder Público se imitir na posse. A base de cálculo será a diferença entre o valor da oferta e a condenação final, atualizada monetariamente e acrescida dos juros moratórios;

f) honorários de advogado, calculado sobre a seguinte base de cálculo: diferença existente entre o valor ofertado pelo Poder Público e o valor fina da condenação.

j. Extinção

Embora tenham caráter de permanência, o que não se confunde com perpetuidade, característica que lhes é negada pelo prof. Caio Mário da Silva Pereira [117], que prefere nelas ver, com bastante razão, uma duração indeterminada, as servidões, inclusive as administrativas, estão sujeitas a causas capazes de acarretar-lhes a extinção.

O Código Civil, em seu art. 708, inicia a disciplina da extinção das servidões afirmando que esta só se dará com o cancelamento do registro feito no órgão competente. E isso por uma razão simples: se somente com o registro se constitui a servidão (no nosso caso isso não se discute, pois não admitimos servidão sobre bens móveis ou sobre direitos), somente com o seu cancelamento será possível a sua extinção. O registro, em outras palavras, é constitutivo do direito real, devendo ser desconstituído para que este não mais subsista.

Portanto, não basta que as causas de extinção se apresentem para que se considere extinta a servidão. Deverá o proprietário do prédio serviente providenciar o seu cancelamento junto ao RGI, na forma do art. 257 da Lei n.º 6.015/73, observando que o oficial só o promoverá por força de decisão judicial trânsita em julgado, a requerimento unânime das partes interessadas ou a requerimento do interessado, desde que munido de documento hábil (LRP, art. 250).

Passemos, então, ao estudo das causas de extinção das servidões administrativas.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro afirma que "as servidões administrativas são perpétuas no sentido de que perduram enquanto subsiste a necessidade do poder público e a utilidade do prédio serviente. Cessada aquela ou esta, extingue-se a servidão" [118]. E, nessa assertiva, podemos vislumbrar uma primeira causa, que é o não-uso [119]. No caso do direito administrativo, talvez seja mais próprio referir-se a desafetação, acompanhando a lição da prof. Lúcia Valle Figueiredo [120]. O não-uso corresponderia a uma desafetação fática, que existe ao lado da desafetação formal.

Portanto, se a servidão foi instituída, por exemplo, para a afixação de uma placa de sinalização e, posteriormente, o trânsito de veículos fica vedado naquele logradouro, não terá mais sentido a manutenção da servidão, pelo que ocorrerá a sua desafetação. Mas, lembre-se, para que fique extinto o ônus real, deverá ser providenciado o cancelamento do registro no RGI.

Outra forma de extinção das servidões administrativas anunciada pela doutrina é a confusão, que ocorrerá na hipótese de o imóvel gravado por aquele ônus real passar a integrar, por qualquer motivo, o patrimônio do ente interventor. Com isso, o que era uma propriedade limitada (CC, art. 525) volve à sua plenitude original, não sendo mais possível falar-se em direito real sobre coisa alheia e, por conseguinte, em servidão administrativa.

Afirma-se, também, que o perecimento da coisa sobre a qual recaiu o direito real também é causa de extinção da servidão administrativa. Aqui, a extinção se dá por perda do objeto. Seria o caso de um prédio ser gravado com aquele ônus e um incêndio o destruir.

Por último, é de se afirmar que o usucapião não será causa de extinção das servidões administrativas, por força do disposto nos arts. 183 e 191 da Constituição.


TOMBAMENTO: ASPECTOS JURÍDICOS

Sumário: a. Colocação do tema; b. Disciplina normativa; c Natureza jurídica; d. Fundamentos; e. Objeto; f. Conteúdo; g. Sujeitos ativo e passivo; h. Espécies; i. Instituição; j. Indenização; k. Controle; l. Cancelamento.

a. Colocação do tema

Junto à opinião pública, o tombamento é cercado de dualismo, porque, ao mesmo tempo que o instituto desperta simpatias, vem despertando, também, antipatias.

No Brasil, é um assunto que se ouve falar, mas se conhece pouco.

Alguns episódios de nossa história, características culturais, artísticas e ambientais se encontram, por vezes, retratadas em monumentos, presentes naturais que os brasileiros tivemos a graça de receber, etc., cuja proteção interessa à manutenção de nosso passado na memória de hoje (e de sempre) e de nosso presente para a posteridade. E é com vistas a conservar esses bens culturais que se justifica a intervenção do Estado na propriedade através do tombamento.

Não se trata de querer viver uma eterna nostalgia, mas viver sem conhecer o passado é como começar a ler um livro a partir da sua metade. E o direito de conhecer a história, que é fundamental para a compreensão de nosso presente, deve ser assegurado também para os cidadãos vindouros.

Sem mais delongas, e para não destoar da metodologia adotada até aqui, vejamos uma boa definição do instituto em tela, nas palavras do mestre Diogo de Figueiredo Moreira Neto:

"É a intervenção ordinatória e concreta do Estado na propriedade privada, limitativa de exercício de direitos de utilização e disposição, gratuita, permanente e indelegável, destinada à preservação, sob regime especial dos bens de valor cultural, histórico, arqueológico, artístico, turístico ou paisagístico" [121].

Não há dúvidas de que todas as definições direcionam para uma só, ou seja, a proteção da memória nacional.

De forma bem nítida, tombamento é um ato administrativo realizado pelo poder público com o objetivo de preservar, através da aplicação de legislação específica, bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo que venham a ser destruídos ou descaracterizados.

O vocábulo tombo traz a idéia de registro, inventário e inscrição de bens, isso por conta de sua origem lusitana. Em Portugal, a famosa Torre do Tombo ganhou esse nome em função de abrigar os livros das leis, escrituras públicas, contratos, tratados com nações estrangeiras, etc., todos submetidos ao tal registro no livro tombo [122].

A expressão tombamento provém do direito português, deriva da palavra tombar, que significa, inventariar, arrolar ou inscrever. Uma vez declarado o tombamento, a utilização e conservação da coisa se dá nos termos da legislação vigente. As coisas tombadas permanecem no domínio e posse dos proprietários, contudo, esses bens tombados, em caso algum, poderão ser demolidos, destruídos ou mutilados, tampouco podem ser reformados, pintados ou restaurados, sem prévia autorização especial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, sob pena de multa pelo dano causado. Não podem, outrossim, sem prévia autorização do referido Instituto, saírem do País ou do Estado ou do Município, nem serem alienados a título oneroso os referidos bens tombados, a não ser proporcionado direito de preferência à aquisição ao Poder Público. Será nula alienação realizada sem observância a esse preceito, quer dizer, de ignorado o direito de preferência.

Assim, tombar determinado bem, sem considerar o aspecto eminentemente jurídico, significa registrá-lo num livro tombo, declarando-o integrante do patrimônio cultural do povo, o que ensejará a sua proteção contra danificações em geral.

Sob o aspecto exclusivamente jurídico, façamos, em princípio, uma análise perfunctória do conceito acima transcrito, para depois entrar nas minúcias nos itens específicos.

O tombamento é uma modalidade de intervenção branda do Estado na propriedade, o que implica em considerar que não se destina a retirar o bem das mãos de seu titular, limitando-se a impor determinados deveres públicos, com vistas a manter a conservação da coisa tombada.

Diz-se concreta essa intervenção, posto que atinge a bens determinados, ao contrário do que acontece com as limitações administrativas, cujos proprietários atingidos não são pessoas certas, mas titulares de propriedades que se amoldarem aos tipos legais consagrados.

A definição transcrita se refere a propriedades privadas. Entretanto, como teremos a oportunidade de verificar, também os bens públicos podem ser tocados por tombamento. Aliás, essa crítica já foi feita, com muita propriedade, pela prof. Maria Coeli Simões Pires [123].

Os limites impostos pelo tombamento atingem, tão-somente, o exercício dos poderes de uso e disposição da propriedade tombada, diferentemente do que ocorre com a servidão administrativa, por exemplo, que confere ao ente interventor o poder de uso, constituindo, pois, um direito real sobre coisa alheia.

Quanto à gratuidade, pode-se afirmar que essa é a regra, de modo que não renderá direito à indenização, como ocorre com todas as intervenções brandas. Mas em determinados casos, como veremos, ficará o ente público obrigado a indenizar o proprietário do bem tombado.

Corretamente se referiu a permanência o autor citado, posto que não significa o mesmo que perpetuidade. O tombamento, assim como a maioria das modalidades de intervenção, estende-se por um período indeterminado de tempo.

A indelegabilidade a que alude a definição ora analisada aponta para a impossibilidade de outro órgão administrativo, que não aquele indicado pela lei, impor restrições a direito de propriedade alheia a pretexto de estar tombando, ainda que fundado o seu ato em eventual delegação de funções.

No que toca à finalidade, já vimos que o tombamento se destina à preservação dos bens que tenham algum significado artístico, cultural, histórico, paisagístico, turístico ou arqueológico, a juízo da autoridade competente.

Analisemos com mais profundidade cada um desses itens, com vistas a esclarecer o conceito desse instituto tão instigante e que apresenta variações também muito interessantes.

b. Disciplina normativa

A Constituição de 1937 foi a pioneira em relação à previsão de medidas públicas voltadas para a proteção do patrimônio histórico e artístico e natural (art. 134), sem, contudo, fazer menção expressa à figura do tombamento, que viria a ser inaugurado na ordem jurídica pátria através do Decreto-lei n.º 25, de 30 de novembro de 1937.

A partir de então, todas as Constituições reservaram espaço para a disciplina da preservação do patrimônio histórico, cultural e natural do País: a Constituição de 1946 (art. 175); a Constituição de 1967 (art. 172, parágrafo único); a Constituição de 1969 (art. 180, parágrafo único); e a Constituição de 1988 (art. 216, § 1.º).

Mas foi a Constituição vigente foi primeira a se referir ao tombamento expressamente, no dispositivo anteriormente citado. Vejamos a sua redação:

"Art. 216 -......................................................

§ 1.º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação".

Mediante o tombamento, os poderes públicos se habilitam a proporcionar uma especial proteção a documentos, a obras e a locais de valores históricos, artísticos, aos monumentos, às paisagens notáveis e, até mesmo, às jazidas arqueológicas. O fundamento constitucional é o art. 216, nos seus parágrafos 1° e 5°. Este último diz o seguinte: " Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos". No primeiro parágrafo do aludido artigo fala que o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. Essa preservação é realizada fundamentalmente por meio do tombamento, isto é, da inscrição da coisa em livro próprio, denominado Livro do Tombo.

O Decreto-lei n.º 25/37 ainda é hoje o diploma legal disciplinador do tombamento (norma geral) e o procedimento está regulado pela Lei Federal 6292/75, mas Estados, Distrito Federal e Municípios também têm competência para legislar sobre o tema, como se infere do disposto no art. 24, VII e art. 30, I e II, todos da CRFB/88. Portanto, temos neste caso competência legislativa concorrente, o que importa em dizer que a legislação daqueles entes federados deverão se amoldar à legislação federal, mas só no que essas tiverem de geral.

Todos os entes da federação podem efetuar o tombamento, mas o único problema é com respeito à legislação já que o Texto Constitucional quando fala da competência para legislar – art. 23, da Constituição Federal -, diz da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Todos podem providenciar o tombamento, é o que diz o inciso III (exibir documentos, provas contundentes do valor histórico, artístico e cultural...).

Art. 24, inc. VII: compete à União, aos Estados, Distrito Federal, legislar concorrentemente, porém, não fala dos Municípios.

Quanto à proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico, de acordo com o inc. VII, percebe-se que o Município, em questão de competência, aparentemente, não teria condições de legislar. Porém, usando da mesma técnica, exatamente pelo que diz o art. 30, encontramos: compete aos Municípios, incisos I, II, legislar sobre assuntos de interesses locais e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber. Podemos somar com o inc. IX que fala, apesar de parecer mais materialização e não legislação, vale promover a proteção do ambiente histórico – cultural local, observada a legislação e ação fiscalizadora federal estadual. O que significa dizer que compete ao Município, com base no art. 30, incisos I, II e IX, legislar suplementarmente à legislação federal e estadual.

Dada a complexidade do tema, analisaremos, aqui, tão-somente a legislação federal, sem fazer referência à legislação dos Estados e Municípios.

c. Natureza jurídica

Discute-se, em doutrina, qual seria a natureza jurídica do tombamento, não sendo de forma alguma pacíficas as conclusões alcançadas pelos administrativistas de peso.

Celso Antônio Bandeira de Mello advoga a tese de que o tombamento seria uma espécie de servidão administrativa [124], ganhando, por incrível que pareça, a adesão da prof. Lúcia Valle Figueiredo, quando esta afirma:

"De conseguinte, o tombamento, além de fato administrativo - ato de inscrever - nada mais é que rótulo inútil no que tange ao regime jurídico. É dizer: ou estaremos diante da figura jurídica da expropriação, ou da servidão administrativa" [125].

De outro lado, o prof. Cretella Júnior [126] pretende equiparar o tombamento às limitações administrativas, no que acompanha Themístocles Brandão Cavalcanti em sua antigas e respeitáveis lições, que transcrevemos:

"Uma das manifestações do poder de polícia cuja influência no conteúdo do direito de propriedade foi mais profunda, é a que se exerce sôbre aquêles bens considerados de valor social, pela sua estimação, artística e histórica" [127].

Em que pese o brilhantismo dos autores citados, não podemos concordar com suas lições. Por isso, refutaremos uma a uma, separadamente.

No que toca ao primeiro posicionamento, que trata do tombamento como verdadeira servidão administrativa, é de se considerar que aquele não confere direito real incidente sobre o poder de uso da propriedade atingida à Administração Pública. E, mesmo que se considere de natureza real o direito de preferência instituído pelo art. 22 do Decreto-lei n.º 25/37 [128], não se poderia, por isso, afirmar tal equiparação, pois este incide (ou incidiria) sobre o poder de disposição do bem (móvel ou imóvel), enquanto as servidões gravam o direito de propriedade no que concerne ao poder de uso do bem (sempre imóvel).

Em relação ao segundo posicionamento, que trata do tombamento como limitação administrativa, é de se verificar que esta é necessariamente genérica e abstrata, atingindo bens indeterminados, enquanto o tombamento, ao contrário, é intervenção concreta, dirigida a um ou mais bens determinados. Mas aqui ainda cabe uma observação.

Hely Lopes Meirelles faz distinção entre tombamento individual e tombamento geral. O primeiro atingiria bem determinado e o segundo uma coletividade de bens. E cita como exemplo de tombamento geral o que atinge locais históricos ou paisagísticos. Nisto parece estar, de alguma forma, pretendendo equiparar o dito tombamento geral às limitações administrativas.

Neste particular, para refutar aquela lição o prof. José dos Santos Carvalho Filho erige os seguinte comentários, in verbis:

"Mesmo quando o tombamento abrange uma determinada área, um bairro ou até uma cidade, os imóveis tombados são apenas aqueles inseridos no local mencionado pelo ato. Dizer-se que todos os imóveis de uma rua estão tombados significa que cada um deles, especificamente, sofre a restrição" [129].

Mas ainda não nos damos por satisfeito!

Veja-se que o exemplo sempre utilizado para ilustrar os ensinamentos acerca do tombamento coletivo é o da Cidade de Ouro Preto. Afirma-se, então, inadvertidamente, que toda a cidade foi tombada e que, portanto, estaríamos diante de um tombamento geral ou coletivo. Entretanto, não é bem assim.

Como teremos a oportunidade de verificar, o art. 216 da Constituição de 1988 prevê a possibilidade de o tombamento atingir bens incorpóreos, assim como já o fazia a Constituição de 1937 em seu art. 134. E foi justamente um bem incorpóreo o atingido pelo Processo n.º 70-T, Inscrição n.º 39, Livro das Belas Artes, f. 8, em 20 de abril de 1938, que tombou o acervo arquitetônico e paisagístico da Cidade de Ouro Preto [130].

Assim, podemos chegar à conclusão de que mister se faz a distinção entre três figuras distintas: a) tombamento de bens incorpóreos, onde se atinge bem determinado, embora incorpóreo; b) tombamento coletivo, onde vários bens determinados são tombados por um mesmo ato administrativo; c) limitação administrativa, intervenção genérica e abstrata que abarca bens indeterminados, porém determináveis.

Mas, então, qual seria a natureza jurídica do tombamento?

Parece-nos lícito afirmar: o elemento marcante, que supera discussões, é o fato da imposição do tombamento em face de preservar o valor histórico, cultural, artístico, etc. O tombamento é uma modalidade distinta de intervenção do Estado na propriedade.

Essa é, também, a lição do consagrado e eminente publicista, prof. José dos Santos Carvalho Filho, senão, vejamos:

"Podemos, pois, concluir que a natureza jurídica do tombamento é a de se qualificar como meio de intervenção do Estado consistente na restrição do uso de propriedades determinadas" [131].

Portanto, não é o tombamento espécie de limitação ou de servidão administrativa. É, isto sim, ao lado destas, uma modalidade independente, autônoma, de intervenção do Estado na propriedade, incidindo sim sobre propriedade determinada, como as servidões, mas sem conferir direito real incidente sobre o poder de uso da propriedade.

Há, portanto, três posicionamentos. O tombamento atinge, primeira e unicamente, o direito de propriedade ou o próprio bem? Quanto ao direito de propriedade, não haveria dúvida de que ela deveria ser tido como limitação; se a este último, o próprio bem mostrar-se-ia como servidão.

Tanto material como instantaneamente, ele alcança tanto um quanto outro. Assim, não se pode afirmar categoricamente ou de maneira absoluta, que o tombamento se reveste de características que o situem, plenamente, como limitação ou servidão, separadamente.

O Professor Queiroz Telles propõe uma posição, a esse respeito, que se resume no seguinte: "Como, por força de um princípio lógico uma coisa não pode ser outra concomitantemente, já que obrigatoriamente uma situação excluiria a outra, o tombamento seria limitação, à medida que sua incidência fosse encarada, exclusivamente, como providência restritiva do direito de propriedade, de natureza primacialmente pessoal". Poderia, segundo o festejado mestre, ser entendido o tombamento como servidão administrativa, de igual forma, quando verificado o reflexo de sua situação, especificamente, sobre o bem atingido.

Os defensores – tombamento é uma servidão administrativa especial – distanciam-se da limitação administrativa em razão da finalidade do destinatário. Aduzem mais: a limitação administrativa é sempre genérica, abstrata; o tombamento é sempre individualizado, personalizado e aproxima-se da servidão porque acarreta um ônus que adere ao bem, quer dizer, o proprietário tem o dever de manter, conservar...

Verdadeiramente, o instituto do tombamento talvez possa estampar-se em um modo autônomo, próprio, de intervenção do Estado na propriedade.

Sobre a natureza do ato administrativo que veicula o tombamento, há uma controvérsia na doutrina, classificando-o uns como ato vinculado e outro como discricionário. Mas não faremos a análise dessa discussão neste ponto. Deixemos para o ocasião em que formos tratar da instituição do tombamento.

d. Fundamentos

Assim como as demais modalidades analisadas anteriormente, a intervenção do Estado na propriedade através do tombamento se funda naqueles dois grandes pilares constitucionais, quais sejam: a) o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado (princípio implícito); b) princípio da função social da propriedade (art. 5.º, XXIII e art. 170, III da CRFB/88). Entretanto, podemos vislumbrar, aqui, um diferencial.

Com efeito, não é qualquer interesse público que legitima o tombamento de um bem. Trata-se de um interesse público específico, relacionado com peculiaridades do bem atingido. Vale dizer, deve este bem guardar alguma vinculação com fatos memoráveis da história do Brasil ou ter um excepcional valor de natureza cultural, artística, arqueológica, etc. Só neste caso se justifica a dita intervenção, com vistas à sua preservação.

Não poderá, verbi gratia, o prédio da esquina X, onde funciona o Botequim da Cachaça, ser tombado com a finalidade de ali ser exercida uma atividade pública consistente no cadastramento de pessoas portadores do vírus da hepatite C, pelo Ministério da Saúde. Seria, sem dúvida, essa intervenção motivada por um interesse público. Entretanto, nenhuma relação guardaria com a finalidade de preservação de um patrimônio que traz em si lembranças, por exemplo, de um, fato histórico relevante para a nação. Seria o caso, isto sim, de uma ocupação temporária, como veremos.

e. Objeto

Já vimos que o tombamento se aproxima mais das servidões administrativas por atingirem ambos propriedades determinadas. Mas vimos também que com estas não se confunde, por mais de um motivo, dentre os quais pelo fato de estas incidirem somente sobre bens imóveis, enquanto aquele poderá ter como objeto várias espécies de bens. Vejamos quais são eles.

Bem em sentido jurídico é tudo aquilo que, excluindo-se o homem, interessa ao direito de alguma forma, sendo conveniente estabelecer a distinção entre este conceito e o de coisa. Na lição de Clóvis Beviláqua, "bens são os valores materiais ou imateriais que servem de objeto a uma relação jurídica. É um conceito mais amplo do que o de coisa. Esta, no dizer magistral de Teixeira de Freitas, é ‘todo

objeto material suscetível de medida de valor’" [132].

Por oportuno, as obras de origem estrangeira são bens não alcançados pelo tombamento,consoante determinação do DL 25/37, art. 3º.

Não só as coisas, mas todos os bens, móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, individuais ou coletivos, públicos ou privados (CRFB/88, art. 216, caput), podem ser objeto do tombamento. O indispensável é que os tais bens portem alguma referência à identidade, à ação ou à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, como o exige o citado dispositivo constitucional. Esse o rol exemplificativo que nos traz a Constituição: "I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico".

O tombamento pode incidir sobre bens urbanos e rurais, mas a grosso modo, é habitual recair sobre os primeiros, pois é na cidade (capitais) que o homem produz e cria maior percentual de artes.

O próprio Decreto-Lei nº 25 de 30/11/37, caracterizou sobre que modalidade de bens pode recair o tombamento: bens móveis e imóveis de interesse cultural ou ambiental, visando a preservação da memória coletiva, tais como: fotografias, livros, mobiliários, utensílios, obras de arte, edifícios, ruas, praças, cidades, regiões, florestas, cascatas etc.

No plano infraconstitucional, o art. 1.º do Decreto-lei n.º 25/37 traz as seguintes exigências para que um bem possa ser tombado: a) vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil; b) excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico ou bibliográfico., artístico ou científico.

Destaque-se, aqui, que o Supremo Tribunal Federal, à vista da diferença existente entre os conceitos do § 1.º do art. 216 da CRFB/88 e do art. 1.º do Dec.-lei n.º 25/37, preferiu distinguir um conceito amplo e um conceito restrito de patrimônio histórico e artístico nacional. Vejamos o trecho que nos interessa da ementa em questão:

"No tocante ao par. 1.º do art. 216 da Constituição Federal, não ofende esse dispositivo constitucional a afirmação constante do acórdão recorrido no sentido de que há um conceito amplo e um conceito restrito de patrimônio histórico e artístico, cabendo à legislação infraconstitucional adotar um desses dois conceitos para determinar que sua proteção se fará por tombamento ou por desapropriação, sendo que, tendo a legislação vigente sobre tombamento adotado a conceituação mais restrita, ficou, pois, a proteção dos bens, que integram o conceito mais amplo, no âmbito das desapropriações" [133].

Ao ver daquela Corte, então, tendo sido prestigiado pela legislação infraconstitucional o conceito restrito, se determinado bem se enquadra tão somente nos moldes constitucionais, mas não nos legais, não poderá ser objeto de tombamento, mas sim de desapropriação.

Não nos parece correto esse entendimento. Acreditamos que a ampliação do conceito adotado pelo legislador de 1937 perpetrada pela Constituição de 1988 legitima o tombamento de bens que somente se enquadrem no conceito do art. 1.º do Decreto-lei n.º 25/37 se este for conjugado com o § 1.º do art. 216 da CRFB/88. Em outras palavras, a Constituição ampliou o conceito, já deferindo à Administração Pública condição de tombar quaisquer daqueles bens.

De qualquer forma, esta uma informação relevante, que não poderia deixar de ser noticiada, posto que poderá servir de fundamento para defesa contra o tombamento em muitas hipóteses.

Mas outras considerações merecem destaque neste item.

Os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger pela feição notável com que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana poderão ser objeto de tombamento por expressa disposição legal (art. 1.º, § 2.º do Decreto-lei n.º 25/37).

Autores do porte de Hely Lopes Meirelles e do consagrado José dos Santos Carvalho Filho criticam a promoção de tombamentos de florestas, reservas naturais e parques ecológicos, uma vez que tais bens jurídicos tem uma tutela própria no Código Florestal do Poder Público. Ousamos discordar, pois o tombamento pode incidir sobre um parque, uma área verde, uma reserva florestal, desde que haja valor histórico ou arqueológico, devem ser preservados, protegido pelo instituto do tombamento.

Às vezes, o Código Florestal, ao abordar à reserva florestal, impõe certos deveres, mas não todos os deveres específicos que o tombamento pode impor. O tombamento pode impor até a preservação de certas espécies. Numa reserva florestal, pode-se até admitir a reposição de espécies, permitindo-se, inclusive, cortar e retirar as árvores dentro de certos percentuais, em geral, de até 10% (dez por cento), exigindo-se que haja reposição, é compatível com o regime de reserva. Agora, com uma reserva tombada, já é totalmente incompatível, tendo-se que deixar tudo como está. Portanto, o tombamento agrava e torna mais severo o regime de proteção em relação ao da reserva.

Também os bens públicos poderão ser tombados, como se infere do art. 2.º do mesmo Decreto-lei n.º 25/37. Mas aqui cabe aquele velho questionamento: poderá a União ter seus bens tombados por ato estadual ou municipal ou o Estado por ato municipal?

O tombamento, como intervenção branda na propriedade, via de regra não impede ou embaraça o uso da propriedade atingida, limitando-se a impor a conservação de suas características. Entretanto, grava a propriedade com um direito real de preferência (ao nosso ver), implicando, por isso, na sua classificação como intervenção branda, mas não tanto.

Aliando-se essas considerações àquelas feitas quando tratamos do sujeito ativo da servidão administrativa, concluímos pela negativa da indagação feita. Mas ressalve-se o fato de que poderá a União, por ato próprio tombar seus próprios bens, como, aliás, não raro ocorre.

Entretanto, não nos parece juridicamente possível que ente político algum exija de outro, qualquer que seja, o desembolso de quantias para a conservação do bem tombado, posto que a realização de despesa pública, nos termos do art. 167 da CRFB/88, depende de previsão orçamentária. E como cada ente da Federação é competente para a elaboração de seu próprio orçamento, pretender a União vincular receitas dos Estados ou dos Municípios, bem como os Estados destes últimos feriria o princípio do federalismo.

Por fim, não serão passíveis de tombamento as obras de origem estrangeira que pertençam às representações diplomáticas ou consulares creditadas no País, que adornem quaisquer veículos pertencentes a empresas estrangeiras, que se incluam entre os do art. 10 da LICC, continuando sujeitos à lei pessoal do proprietário, que pertençam a casas de comércio de objetos históricos ou artísticos, que sejam trazidos para o País a fim de serem expostos em comemorações educativas ou comerciais ou que sejam importadas por empresas estrangeiras expressamente para adorno dos respectivos estabelecimentos (art. 3.º do Decreto-lei n.º 25/37.

f. Conteúdo

Neste tópico, analisaremos as conseqüências que acarreta o tombamento de determinado bem. Em outras palavras, vamos nos debruçar aqui sobre que tipos de limites (em sentido amplo) que são impostos aos proprietários dos bens tombados. E para isso, partiremos, novamente, daquele novo conceito de propriedade, já anunciado anteriormente. Vejamos.

a) poderes (uso, gozo, disposição e defesa)

Propriedade:b) limites (p.p. ditos, non facere ou pati)

c) deveres positivos (limites impróprios - facere)

O tombamento impõe, em primeiro lugar, um non facere, consistente em não permitir que o proprietário destrua ou mutile o bem tombado e nem, sem prévia autorização do IPHAN, sob pena de multa de 50% do dano causado, repare-o, pinte-o ou restaure-o (DL 25/37, art. 17). Além disso, em se tratando de bens móveis, não poderá o seu titular retirar o bem do País, senão por curto prazo, para fins de intercâmbio cultural, a juízo do Conselho Consultivo do IPHAN (DL 25/37, art. 14). Tentada sua exportação, a coisa fica sujeita a seqüestro e o seu proprietário, às penas cominadas para o crime de contrabando e multa (art. 15, DL 25/37).

Esses limites incidem, assim, sobre o exercício do poder de uso do bem, não constituindo direito real sobre coisa alheia.

Em segundo lugar, com a intervenção em tela fica o proprietário do bem obrigado a algumas condutas positivas (facere), sempre com vistas à conservação da coisa tombada. Se não dispuser de recursos necessários, deverá comunicar, no plano federal, ao Instituto de Patrimônio Histórico Artístico Nacional - IPHAN a carência das obras e a falta de condições para tanto, arcando a União com as despesas, se não preferir a desapropriação, com fundamento no art. 5.º, l do Decreto-lei n.º 3.365/41 (DL 25/37, art. 19, caput e § 1.º). A não comunicação ao órgão competente, o proprietário do imóvel tombado incorrerá em multa correspondente ao dobro da importância em que foi avaliado o dano sofrido pela coisa (art.19, DL 25/37).

Em terceiro lugar, por disposição expressa do art. 20 do Decreto-lei n.º 20/37, as coisas tombadas ficam sujeitas à vistoria da autoridade competente, que poderá inspecioná-lo sempre que achar conveniente. Isso constitui imposição de um dever de sujeição (pati), obrigação de suportar.

Em quarto lugar, e esse ponto merece algum destaque, temos o direito de preferência dado à União, aos Estados e aos Municípios, nesta ordem, um verdadeiro direito real sobre coisa alheia, que incidirá sobre o poder de disposição do proprietário do bem tombado (art.22,DL-25/37).

Analisemos esta questão, iniciando pela leitura do art. 22, caput e §§ 1.º e 2.º do Decreto-lei n.º 25/37, ipsis litteris:

"Art. 22 - Em face da alienação onerosa de bens tombados, pertencentes a pessoas naturais ou pessoas jurídicas de direito privado, a União, os Estados e os Municípios terão, nessa ordem, o direito de preferência.

§ 1.º - Tal alienação não será permitida, sem que previamente sejam os bens oferecidos, pelo mesmo preço, à União, bem como aos Estados e ao município em que se encontrarem. O proprietário deverá notificar os titulares do direito de preferência a usá-lo, dentro de trinta dias, sob pena de perdê-lo.

§ 2.º - É nula a alienação realizada com violação do disposto no parágrafo anterior, ficando qualquer dos titulares do direito de preferência habilitado a seqüestrar a coisa e a impor a multa de vinte por cento do seu valor ao transmitente e ao adquirente, que serão por ela solidariamente responsáveis. A nulidade será pronunciada, na forma da lei pelo juiz que conceder o seqüestro, o qual só será levantado depois de paga a multa e se qualquer dos titulares do direito de preferência não tiver adquirido a coisa no prazo de trinta dias".

Repare que não se abre aos sujeitos da compra e venda do bem tombado a opção das perdas e danos, ao contrário do que ocorre com o direito de preferência do locatário na alienação do bem locado, previsto pelos arts. 27 e 33 da Lei n.º 8.245/91. Essa possibilidade de resolver-se em perdas e danos é que caracteriza a pessoalidade do direito de preferência do locatário.

Ao contrário, o ente público, seja ele o interventor ou não, titular do direito de preferência, não ficará satisfeito com a mera indenização pela ignorância em face do seu direito. A lei declara a nulidade do negócio jurídico que não observar aquela regra.

Aliando-se essas considerações ao fato de o art. 13 do mesmo Decreto-lei n.º 25/37 prever a necessidade de o tombamento de bem imóvel ser levado a registro no RGI, o que confere eficácia erga omnes àquele direito de preferência, não nos resta dúvida de que estamos diante de um típico direito real sobre coisa alheia.

Diga-se, entretanto, sem medo de ser redundante, que isso não é suficiente para pretender-se equiparar o tombamento às servidões administrativas, pelo simples fato de ambos conferirem direito real ao ente interventor. É que o direito real ora estudado está a incidir sobre o poder de disposição da coisa, enquanto nas servidões é o poder de uso o atingido pelo direito real alheio.

Em tese, no tombamento, o proprietário não perde nem a posse nem o domínio do imóvel. Logo, não há que se falar em impedimento para a venda, aluguel, testamento ou doação. Havendo intenção de alienação onerosa do bem, deverá assegurar o direito de preferência ao ente federativo que efetuou o tombamento, sob pena de nulidade do ato, seqüestro do bem por qualquer dos titulares do direito de preferência e multa de 20 % do valor a que ficam sujeitos o transmitente e o adquirente (DL 25/37, art.22). Uma vez transferido o bem, o adquirente fica obrigado a inscrever a transferência no registro imobiliário, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de pagamento de multa equivalente a 10 (dez) por cento do valor do respectivo bem. Se o bem tombado for público será inalienável, ressalvado a possibilidade de transferência entre União, Estados e Municípios (DL 25/37, art. 11).

Por fim, ainda em tema de conteúdo dos tombamentos, o mais importante é o efeito perante terceiro, previsto no art. 18 do Decreto-lei n.º 25/37. Vejamos:

"Art. 18 - Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não poderá, a vizinhança da coisa tombada, fazer construção que impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objeto, impondo-se, neste caso, a multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo objeto".

Repare que estamos diante de uma intervenção impositora de limites ao direito de uso de bens, cujos destinatários são proprietários indeterminados. É, portanto, uma imposição genérica e fundada num interesse público. Não é ao proprietário do bem tombado que se dirige essa norma, mas aos seus vizinhos. E tendo sido imposta por lei (lembre-se de que a figura do decreto-lei é equivalente, hodiernamente, à da medida provisória em termos de hierarquia normativa), é instrumento hábil a obrigar os particulares, nos termos do art. 5.º, II da CRFB/88.

Além do imóvel tombado, o ente da federação poderá impor uma obrigação de "non facere" perante os vizinhos, podendo-se estender, portanto, ao entorno.

O que a lei entende por esta imposição: junto à vizinhança a coisa tombada não poderá fazer construção? Qual a metragem definida na legislação?

A lei federal, em momento nenhum, define a metragem, a extensão dessa faixa. Silencia sobre a distância do bem tombado que poderia levantar uma construção nova, contígua ao prédio tombado, para que não venha descaracterizar, reduzir ou obstruir a visibilidade da coisa tombada e, também, de não se colocar cartazes ou anúncios aos vizinhos proprietários. A ausência da previsão, não amparada na lei, é o principal responsável para eximir as Prefeituras de responsabilidade. Então, é prudente que a entidade, efetuadora do tombamento, estabeleça, logo de saída, tais limites, uma vez que o legislador deixou, a cargo do administrador, em cada caso concreto, essa delimitação.

A este respeito, esclarece Edmur Ferreira de Faria [134], "o proprietário vizinho de prédio tombado sofre profunda restrição em seu direito de propriedade consistente em limitações ao exercício de tal direito. Autores de formação civilista mais conservadora consideram essas restrições verdadeiro atentado contra o direito de propriedade assegurado pela Constituição Federal. Sustentam, por isso, que só mediante desapropriação e justa e prévia indenização poderia o Poder Público interferir na propriedade. Outra corrente entende que a restrição deve ser considerada servidão, podendo gerar direito a indenização nos casos previstos em lei referentes às servidões administrativas. Uma terceira corrente sustenta o entendimento de que a restrição sofrida pelo vizinho de prédio tombado constitui mera limitação administrativa fundada no princípio da função social da propriedade e, por tais motivos, não assegura o direito indenizatório (art. 18 do DL n. 25/37)".

O proprietário de imóvel próximo ao bem tombado depende de prévia autorização do órgão do Patrimônio Cultural para nele edificar, sob pena de demolição.

Entretanto, não é também para se afirmar que, por isso, o tombamento se confunde com as limitações administrativas, pelas razões que já expusemos no item II, C, n.º 3 e pelo fato de que não faz parte do tombamento essa limitação. Aquele, como veremos, é imposto por ato administrativo concreto, enquanto a tal limitação administrativa é veiculada por lei formal e já está desde a sua edição instituída, mas só será, in casu, determinável a partir do tombamento concreto.

g. Sujeitos ativo e passivo

Já vimos anteriormente que a competência para legislar sobre tombamento é concorrente, o que implica em dizer que á União caberá editar normas gerais sobre o tema e aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios caberá complementar essa disciplina através de suas legislações.

Da mesma forma, a todos os entes da Federação é dado tombar bens em defesa do patrimônio histórico, artístico, cultural, paisagístico, paleontológico e arqueológico. Mas cada um pelos seus respectivos órgãos.

No âmbito federal - e lembre-se que não analisaremos aqui as legislações estaduais e municipais sobre o tema - caberá ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN [135], nos termos do art. 4.º do Decreto-lei n.º 25/37, através de ato administrativo do Sr. Diretor do citado órgão, a ordem de tombamento.

Já o sujeito passivo será o proprietário do bem especificado, que deverá, como já vimos, reunir qualidades especiais, de acordo com o disposto no art. 1.º do Decreto-lei n.º 25/37.

O sujeito passivo do tombamento poderá ser tanto determinado quanto indeterminado, mas o normal, na sua grande maioria, é que ele seja determinado.

O tombamento determinado biparte-se em parcial ou total. Um prédio totalmente tombado, em função de seu valor histórico, cultural ou arqueológico, sofrerá imposição severíssima, visto que proíbe seu proprietário alterar até mesmo a cor do prédio, que terá que ser mantida conforme originalmente concedida, ou seja, a cada pintura de conservação ou reparo. Nada poderá ser alterado no tombamento total: portas, janelas, telhados, tudo...

No tombamento parcial, haverá incidência apenas sobre parte do prédio, não incidindo sobre outras partes do imóvel, por exemplo, quando o tombamento incidir tão-somente sobre a faixada do imóvel. Aí, no caso, os fundos do prédio podem ser alterados. O tombamento pode alcançar estátuas, chafariz etc.

Por outro lado, pode-se tombar um bairro inteiro, uma cidade. No caso de tombamento desse porte, como ocorreu em Ouro Preto, Minas Gerais, o sujeito passivo é indeterminado.

O que é importante fixar, neste item, é a necessidade de o bem tombado ser individual ou coletivamente determinado, não apenas determinável. Vale dizer, mesmo quando um mesmo ato tombar vários bens, estes deverão ser discriminados pelo ato.

h. Instituição do tombamento

Na vigência de um Estado de Direito, como é o nosso, a figura do tombamento, para prevalecer diante da proteção que se confere ao direito de propriedade, deve estar amparado, como está, pela Constituição (CRFB/88, art. 216, § 1.º) e por lei formal (Decreto-lei n.º 25/37). No entanto - e isso não se discute - é um ato administrativo que o instituirá.

A discussão que se pode enfrentar neste ponto envolve a seguinte dúvida: seria esse ato administrativo discricionário ou vinculado? A doutrina se divide em três correntes.

Uma primeira parcela da doutrina afirma a vinculação do ato administrativo de tombamento à lei, pelo fato de só os bens de interesse artístico, histórico, cultural e etc. poderem ser objeto desta modalidade de intervenção na propriedade.

Num outro extremo, temos o posicionamento dos que vêem no tombamento um ato discricionário, já que fica reservada ao alvedrio da autoridade administrativa a avaliação da oportunidade e da conveniência da intervenção, bem como pelo fato de ser subjetivo o critério para se classificar um bem como de interesse histórico, artístico, cultural, etc..

Certo é que ambos os seguimentos da doutrina enunciam verdades inabaláveis, aparentemente conflitantes. Mas só aparentemente. E a razão está, ao nosso ver, com uma terceira corrente, que compõe o dissenso apontado afirmando que cada um daqueles posicionamentos destaca um aspecto do ato de tombamento.

Na verdade, focando o ato por um lado, é de se reconhecer a necessidade de se tombar um bem com vistas a defender o patrimônio artístico, histórico, cultural, etc.. Sob esse ângulo, seria um ato vinculado. Mas, de outra forma, se o enfoque se der sobre a valoração do bem como ligado a um fato memorável da história ou de extravagante interesse artístico, cultural e etc., tendo em vista que será tal mister desenvolvido por órgão integrante da Administração Pública, como determina a lei, é inegável a sua discricionariedade. E também se chegará a essa conclusão que é ao Poder Executivo que caberá decidir se determinado bem será ou não tombado, e em que oportunidade.

Neste sentido é a lição de José dos Santos Carvalho Filho, in verbis:

"Sob o aspecto de que o tombamento há de ter por pressuposto a defesa do patrimônio cultural, o ato é vinculado, o que significa que o autor do ato não pode praticá-lo apresentando motivo diverso. Está, pois, vinculado a essa razão. Todavia, no que concerne à valoração da qualificação do bem como de natureza histórica, artística etc. e da necessidade de sua proteção, o ato é discricionário, visto que essa avaliação é privativa da Administração" [136].

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça tem feito prevalecer o aspecto vinculativo, já que têm anunciado a obrigatoriedade de o ato ser motivado, dando a possibilidade de o judiciário o anular por não se vincular a fatos históricos memoráveis da história do Brasil ou por não ser de excepcional valor artístico, bibliográfico, arqueológico etc. (teoria dos motivos determinantes).

Em outras palavras, aquilo que se tem destacado como mérito administrativo por uns tem sido objeto de discussão judicial, com anuência daquela Corte, com base na necessária motivação do que se tem por discricionário no ato de tombamento.

Vejamos, por oportuno, o seguinte trecho do acórdão, que julgou o Recurso Especial n.º 30.519-RJ:

"Se o ato administrativo pode ser imotivado, como é o caso da promoção por merecimento, é um ato político, mas estamos sujeitos a certas limitações, não quanto à escolha, mas quanto à clientela que pode ser promovida. Quanto ao próprio objeto e à motivação, que é o que nos interessa no caso, há uma discricionariedade bastante ampla, porém.

Isto não ocorre no tombamento, onde a motivação é inerente ao ato, tanto assim que o ato praticado foi motivado, não só na sua origem como depois, à medida em que os processos administrativos e o jurisdicional se desenvolveram, à medida em que a autoridade administrativa foi justificando seu ato.

(...)

O tombamento é ato parcialmente discricionário, na medida em que envolve alguma margem de aferição do valor histórico, artístico, etc.: mas ele é na sua maior parte um ato vinculado, especificamente, especificamente quanto à sua motivação, que, como vimos, tem de ser considerada com o cuidado, dado àquilo que a lei exige, ou seja, a vinculação a fatos memoráveis da história e a excepcionalidade do valor artístico" [137].

A partir daí, podemos desmembrar o ato de tombamento em duas partes: uma vinculada e outra discricionária; sendo que, esta última, pela necessidade de motivação, se transmuda em vinculada em razão da teoria dos motivos determinantes, tornando-se o ato, por completo, vinculado.

A Administração Pública estará obrigada a agir vinculadamente, no sentido de ser obrigada a tombar determinado bem?

opiniões e opiniões a esse respeito, como a descrita abaixo, de Carlos Augusto A Machado [138]:

"Toda vez que determinado bem for revestido dos requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio histórico e artístico nacional, é dever do IPHAN, fazê-lo, pois, por exigência constitucional".

"O pronunciamento da autoridade, concretizado em ato administrativo, está localizado na esfera discricionária da Administração: pode o administrador reconhecer a qualificação do bem, louvando-se no parecer do órgão competente e, no entanto, não editar o ato, por não achar nem conveniente e nem oportuno tombá-lo" - José Cretella Júnior [139].

Arremata tal entendimento: " não se confunda, pois, a qualificação do bem com o tombamento em si. Qualificar é tipificar, é atribuir ao bem valor histórico, artístico, paisagístico, enquadrando-o de modo preciso em uma das hipóteses legais. Tombar é o momento jurídico concretizado pela edição do ato. Qualificação é a operação de natureza técnica; o tombamento em si é o ato administrativo discricionário que pode ser editado ou não, porque envolve oportunidade, razoabilidade".16

Constitui-se, na verdade, dever da Administração Pública editar o ato administrativo que se traduz pelo tombamento, sempre que ocorrem as condições previstas na referida legislação.

Em igual sentido: "O ato estatal não é discricionário. Há o pressuposto de ter valor artístico ou histórico, ou de beleza natural, o bem que se tomba, como monumento ou documento protegido". [140]

Ou, "o tombamento é um ato administrativo vinculado e constitutivo". [141]

São dignos de tombamento todos os bens ligados a fatos memoráveis da História do Brasil ou, que apresentem excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico, ou, que constituam lugares de feição notável por obra do homem ou da natureza". [142]

Opina professor José Afonso da Silva, quanto a ser discricionário ou vinculado, o ato administrativo do tombamento: "o ato do tombamento é, porém, vinculado no sentido de que não se verificará sem o parecer técnico do órgão competente (IPHAN), ou entidade semelhante nos Estados ou Municípios, aconselhando a medida. O ato está pois, vinculado a este parecer. Mas este não se vincula a autoridade competente para emitir o parecer do tombamento. Quer dizer: mesmo que seja pela expedição do ato, a autoridade goza de competência discricionária para examinar de sua conveniência e oportunidade". [143]

Outros autores de prestígio têm entendido, que o tombamento é, primeiramente, ato administrativo; decorre, vinculadamente, de parecer prévio, acerca das qualidades que justificam a sua materialização. Segundo, o instituto se revela como ato administrativo de natureza discricionária; não vincula o agente administrativo, no sentido da obrigatoriedade de sua homologação.

Preliminarmente, pode-se concluir, se considerado o parecer do ato administrativo e, iniciando o tombamento através dele, pela sua natureza vinculada, pois é dever da Administração Pública, com origem no art. 216, da Constituição, emiti-lo, caso sejam verificados os pressupostos preconizados na legislação específica, Decreto-lei 25/37.

Contudo, se ao Poder Público se atribui a obrigação de qualificar, através do parecer, o bem dotado de características que o tornem suscetível de ser tombado, também é verdade que "ao Judiciário cabe decidir, se o imóvel inscrito no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tem ou não valor histórico ou artístico, não se limitando a sua competência em verificar apenas se foram observadas as formalidades legais no processo de tombamento". [144] Concluindo: nos parece que inexiste qualquer marca de discricionariedade, quanto à prática do ato inicial do procedimento, ou seja, do parecer.

O tombamento, sem nenhuma perplexidade, revela-se como procedimento, do qual o parecer é o ato vestibular, como observa Antonio Queiroz Telles, vinculado quanto à obrigatoriedade de sua edição e, a homologação que, embora vinculada ao parecer, é, na verdade, discricionária quanto a sua efetiva concretização.

Observe-se o seguinte esquema, que bem representa a conclusão alcançada:

Ato administrativo de tombamento:

1.ª parte: vinculada à lei.

2.ª parte: vinculada ao motivo fático determinante.

i. Espécies

Compulsando a legislação antes mencionada, podemos identificar, como em geral o faz a doutrina, algumas espécies de instituição do tombamento, que podem ser assim classificadas:

i) Quanto à titularidade do bem tombado:

a) de bem público

b) de bem particular

Quanto aos bens públicos, é de se mencionar a regra contida no art. 5.º do Decreto-lei n.º 25/37, que reza sobre a possibilidade de se inscrever ex officio o tombamento, sem necessidade de anuência do sujeito passivo, que somente será notificado do ato, com vistas à regular produção de efeitos. Não precisa, conseqüentemente, de procedimento. Tomba-se e notifica-se a entidade a que o bem pertencer ou sob cuja guarda estiver, a fim de produzir os necessários efeitos.

O significado que Maria Coeli Simões Pires extrai do citado dispositivo legal é que sempre será definitivo o tombamento de bem público, não sendo possível qualquer impugnação na via administrativa [145]. Entretanto, com base no disposto no art. 5.º, LV da CRFB/88, não nos parece merecer recepção aquela regra, posto que o princípio da ampla defesa e do contraditório inequivocamente têm aplicabilidade também na esfera administrativa. De modo que, se não há procedimento previsto para tal impugnação, deverá ser adotado o do art. 9.º, a ser analisado oportunamente.

E não se argumente com a inaplicabilidade do dispositivo constitucional citado, por se tratar de ente público o beneficiário, já que, nesta hipótese, estará figurando na relação jurídica como qualquer outro proprietário, merecendo, pois, tal favorecimento.

Quanto aos bens particulares, sempre haverá, como veremos, a oportunidade de defesa administrativa, o que é expressamente previsto pela legislação citada, em seu art. 9.º. Sobre essa questão, trataremos mais adiante.

ii) Quanto à manifestação de vontade do sujeito passivo:

a) voluntário

b) compulsório

Prevê o Decreto-lei n.º 25/37 a possibilidade do próprio proprietário de determinado bem, por reconhecer o seu valor histórico, artístico, cultural, etc., oferecê-lo ao tombamento. Neste caso, deverá ser ouvido o Conselho Consultivo do IPHAN, para que se manifeste sobre as características do bem ofertado, informando se preenche ou não os requisitos para que se configure patrimônio histórico e artístico nacional. Sendo positivo o parecer, proceder-se-á ao tombamento (DL n.º 25/37, art. 7.º).

Qualquer pessoa física ou jurídica pode solicitar, aos órgãos responsáveis pela preservação, o tombamento.

Também será considerado voluntário, de acordo com a legislação em análise, o tombamento cuja motivação encontrar origem em atos do próprio IPHAN, quando o sujeito passivo não se opor à intervenção. Observe-se, entretanto, que essa anuência deverá ser escrita, informando expressamente o proprietário do bem que concorda com a sua inscrição no livro tombo.

Caso não seja observada tal conduta, deverá o Diretor do IPHAN aguardar o decurso do prazo para impugnação. E somente se correr in albis tal interregno temporal é que se poderá inscrever o bem no livro próprio.

Poderá ainda ser compulsório o tombamento, configurando-se essa hipótese se o proprietário do bem objeto da intervenção discordar da mesma, dentro do prazo de 15 (quinze) dias, contados da notificação [146], através de impugnação escrita e fundamentada (DL n.º 25/37, art. 9.º I).Neste caso, o tombamento terá procedimento mais complexo.

Tendo sido oferecida tempestivamente a cabível impugnação, abrir-se-á vista ao órgão de que houver emanado a iniciativa do tombamento, que sustentar-lhe-á no prazo de 15 (quinze) dias também, sendo remetido o processo em seguida ao Conselho Consultivo do IPHAN, para proferir a decisão no prazo de 60 (sessenta) dias.

Interessante notar que o art. 9.º, III do Decreto-lei n.º 25/37 diz que não caberá recurso contra a decisão a que nos referimos no parágrafo anterior. Mas tal regra não há de prevalecer diante do já mencionado art. 5.º, LV da CRFB/88, que prevê, sempre, a possibilidade de pelo menos um recurso no âmbito administrativo também.

Em função disso, há de ser aplicado o disposto no artigo único do Decreto-lei n.º 3.866/41 [147], que prevê a possibilidade de recurso ao Presidente da República, para pleitear o cancelamento do ato de tombamento.

Assim também se manifesta José dos Santos Carvalho Filho, in verbis:

"Anote-se, por fim, que ao proprietário do bem tombado é conferido o direito de recorrer contra o ato de tombamento. O recurso é dirigido ao Presidente da República, que, atendendo a razões de interesse público, pode cancelar o tombamento" [148].

E acrescenta:

"Esse recurso, considerado como impróprio, tem previsão no Decreto-lei n.º 3.866, de 29.11.41" [149].

Hely Lopes Meirelles, embora reconhecendo a juridicidade desse recurso, ao qual faz expressa menção, critica veementemente a competência do Presidente da República para o exercício dessa competência. Vejamos, por oportuno, as suas palavras:

"A autoridade deste órgão do mais alto gabarito técnico e artístico, não deveria ficar sumariamente anulada pelo julgamento político, do Chefe da Nação, em matéria estranha às suas funções governamentais. A instituição deste recurso se deve, naturalmente, à origem ditatorial do diploma que o estabeleceu, em cujo regime o Chefe de Estado absorvia todos os poderes e funções inclusive os de julgamento artístico e histórico, nada condizentes com o governo da Nação" [150].

Por mais que se possa criticar a conferência daquela competência ao Chefe do Executivo, que exerce função política, não merecerá, ao nosso sentir, o mesmo tipo de comentário o fato de a legislação prever tal recurso, posto que está a atender o importante princípio da ampla defesa e contraditório.

iii) Quanto à duração da eficácia do ato:

O tombamento compulsório faz nascer mais outros dois tipos de tombamento:

a) definitivo

b) provisório

Será considerado definitivo o tombamento quando não for regularmente oferecida a impugnação ou quando esta for julgada improcedente, sem recurso ou com decisão do Presidente da República favorável à intervenção. Portanto, quando concluído pela sua inscrição no competente Livro de Tombo.

Maria Coeli Simões Pires, com base nos arts. 5.º e 10 do Decreto-lei n.º 25/37, afirma a impossibilidade de se considerar definitivo o tombamento de bem público [151]. Entretanto, considerando-se a crítica que tecemos anteriormente àqueles dispositivos legais, à luz do art. 5.º, LV da CRFB/88, não nos parece merecer sucesso essa observação.

No que tange ao tombamento provisório, este se configurará enquanto pender decisão (administrativa) capaz de cancelar o ato administrativo anterior, seja do Conselho Consultivo do IPHAN, por ocasião do julgamento de impugnação administrativa, seja do Presidente da República, por ocasião do julgamento de recurso administrativo.

Urge frisar que, quando o particular recebe a notificação e a resiste, o tombamento, automaticamente, já é provisório, para evitar a ação rápida do proprietário em demolir ou desfazer da coisa antes do término do procedimento (DL 25/37, art. 10º).

Eis as fases do procedimento:

1. Manifestação do órgão sobre o valor do bem para fins de tombamento;

2. Notificação ao proprietário para anuir ao tombamento dentro do prazo de quinze (15) dias, a contar da data do recebimento da notificação ou para, se quiser, impugnar e oferecer razões dessa impugnação;

3. Se o proprietário anuir, por escrito, à notificação, ou não impugnar, tem-se o tombamento voluntário, com a inscrição no Livro do Tombo;

4. Havendo impugnação, será dada vista, no prazo de mais quinze (15) dias, ao órgão que tiver tomado a iniciativa do tombamento, a fim de sustentar as suas razões;

5. A seguir, o processo será remetido ao Conselho Consultivo do IPHAN, que proferirá decisão a respeito, no prazo de sessenta (60) dias, a contar da data do recebimento;

6. Se a decisão for contrária ao proprietário, será determinada a inscrição no Livro do Tombo; se for favorável, o processo será arquivado;

7. A decisão do Conselho Consultivo terá que ser apreciada pelo Ministro da Cultura (Lei nº 6.292, de 15.12.75, o qual poderá examinar todo o procedimento, anulando-o, se houver ilegalidade, ou revogando a decisão do órgão técnico, se contrária ao interesse público, ou, finalmente, apenas homologando-a;

Obs: Art. 9º, III, foi revogado pelo DL – 3866/41, cabendo recurso ao Presidente da República.

8. O tombamento só se torna definitivo com a sua inscrição em um dos Livros do Tombo que, na esfera federal, compreende, nos termos do art. 4º, do DL – 25/37:

Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico;

Livro do Tombo das Belas Artes;

Livro do Tombo das Artes Aplicadas;

Livro do Tombo Histórico.

Feitas essas observações, que muito ajudam a compreender pragmaticamente o instituto em tela, analisemos agora o ato instituidor do tombamento em si.

iv) Quanto à quantidade de bens atingidos:

a) individual

b) coletivo

Quanto ao tombamento individual não há dúvida, já que o mesmo ato administrativo atingirá um único e determinado bem. O problema está no tombamento coletivo, que os doutrinadores preferem chamar geral.

Não nos parece correto ou, até mesmo, conveniente chamar de geral qualquer tipo de tombamento, isto porque poderá dar a idéia de que incidirá sobre uma generalidade de bens indeterminados, o que não é possível, como já tivemos a oportunidade de ver. Por isso, parece-nos mais correto dizer tombamento coletivo, caso em que dois ou mais bens são tombados por um mesmo ato administrativo, mas todos devidamente discriminados.

v) Tombamento de uso

Tem-se denominado tombamento de uso aquele pretenso tombamento que é instituído com o fim de limitar a utilização de determinado bem imóvel, destinando-o exclusivamente a atividades artístico culturais.

Obviamente que é ilegítima essa intervenção, por duas razões: a) o tombamento não pode ir além do que o Decreto-lei n.º 25/37 prescreve em termo de conteúdo, e isso não encontra amparo na legislação, como tivemos a oportunidade de conferir linhas atrás; b) esse tipo de exigência acaba por retirar das mãos do proprietário a titularidade do bem, por vias transversas.

Por isso, o Supremo Tribunal Federal rechaçou a possibilidade de se instituir o chamado tombamento de uso no julgamento do Recurso Extraordinário n.º 219.292-MG. Confira-se a ementa do acórdão:

"Tombamento de bem imóvel para limitar sua destinação à atividades artístico-culturais. Preservação a ser atendida por meio de desapropriação. Não pelo emprego da modalidade do chamado tombamento de uso. Recurso da Municipalidade do qual não se conhece, porquanto não configurada a alegada contrariedade, pelo acórdão recorrido, do disposto no art. 216, § 1.º, da Constituição" [152].

j. Indenização

Figurando o tombamento como espécie de intervenção branda na propriedade, é de se dizer que, em regra, não merecerá o proprietário do bem tombado, como anunciado no conceito dado ao instituto pelo prof. Diogo de Figueiredo Moreira Neto (item II, C, a infra), qualquer indenização.

Além de se poder invocar essa regra como fundamento para a gratuidade do tombamento, podemos reforçar a argumentação com mais dois motivos.

Em primeiro lugar, ao contrário do que ocorre em relação às limitações administrativas, o tombamento de determinado bem não tem o condão de impedir que o seu proprietário exerça qualquer atividade nele ou com ele - e, lembre-se, nem por isso as limitações administrativas geram, em regra, o dever de indenizar. Os condicionamentos impostos são tão somente o dever de conservação, a vedação à destruição ou desfiguração e a necessidade de se pedir autorização ao IPHAN para retirar o bem móvel e objeto de tombamento do País.

Desde que, assim, o uso da propriedade tombada não implique em infração àqueles limites, qualquer atividade poderá ser exercida nela ou com ela, de modo que não há falar em prejuízo merecedor de reparação.

Confirmando essas considerações, assim se manifestou o Supremo Tribunal Federal:

"A finalidade do tombamento é conservar a coisa, reputada de valor histórico ou artístico, com a sua fisionomia característica.

Mas essa preservação não acarreta necessariamente a perda da propriedade, o proprietário não é substituído pelo Estado; apenas se lhe retira uma das faculdades elementares do domínio, o direito de transformar e desnaturar a coisa" [153].

Em segundo lugar, ao contrário do que ocorre com as servidões - que nem por isso geram o dever de indenizar -, o tombamento não confere à Administração Pública o direito de usar a propriedade, chegando, no máximo, a impor ao proprietário do bem atingido o dever de suportar a fiscalização das autoridades competentes, o que, também, não causa qualquer prejuízo concreto.

Lembre-se, ainda, de que o tombamento de uso é figura estranha ao nosso ordenamento jurídico, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal já noticiada anteriormente (item II, C, i infra).

Assim, não existindo probabilidade de dano, pelo menos em tese, com a instituição do tombamento de um bem, seja ele móvel ou imóvel, material ou imaterial, não há que se falar, em regra, de indenização por tombamento.

Celso Antônio Bandeira de Mello não se pronuncia expressamente sobre essa questão em relação especificamente ao tombamento. Entretanto, por considerar esta uma espécie de servidão administrativa - com o que não podemos concordar - afirma a necessidade de o Poder Público indenizar o proprietário do bem tombado, sempre que houver prejuízo efetivo, traduzido num real declínio de sua expressão econômica ou numa subtração de utilidade fruída por seu titular [154].

Até aí, tirando o fato de o mestre paulista considerar o tombamento espécie de servidão administrativa, teoricamente não apresentou qualquer distinção em relação ao que pensamos sobre o tema. Mas se no âmbito teórico discrepância não há, o mesmo não se pode dizer do plano prático. Expliquemos o motivo.

A regra para as servidões administrativas é a de que não gerará dever de indenizar, salvo se resultar num real e concreto prejuízo para o proprietário do bem gravado. Todavia, as situações práticas em que esse prejuízo se verifica não são raras, sendo lícito, talvez, afirmar constituem a maioria dos casos.

Diferentemente, embora a regra teórica quanto ao dever de indenizar seja a mesma das servidões administrativas, no tombamento difícil fica vislumbrar hipóteses em que prejuízos decorram de sua instituição. De modo que se pode afirmar que, geralmente, não se verificará o dever de indenizar o particular em decorrência de tombamento de seu bem.

Não obstante o que se afirma como regra, hipóteses há em que, a pretexto de se estar instituindo um tombamento, o Poder Público desapropria o bem de forma indireta, por esvaziar todo o seu conteúdo econômico. Vejamos, para ilustrar, o seguinte trecho do acórdão do Supremo Tribunal Federal em que se enfrentou caso dessa natureza:

"Embora de extração constitucional, o tombamento não pode - e não deve - ser invocado pelo Estado como causa de exoneração de seu dever de indenizar aqueles que, como os particulares ora agravados, expondo-se à ação desenvolvida pelo Poder Público na defesa do patrimônio cultural, vêm a sofrer prejuízos materiais de ordem econômica resultantes da utilização governamental desse instrumento de limitação ao uso da propriedade privada" [155].

Esses casos têm sido apreciados inclusive pela doutrina mais conservadora, como a de Hely Lopes Meirelles, que afirmava:

"O tombamento não obriga a indenização alguma, salvo se as condições de conservação da coisa acarretarem despesas extraordinárias para o proprietário, caso que deverão ser suportadas pelo Poder Público, ou realizada a desapropriação do bem tombado (art. 19)" [156].

Portanto, somente o caso concreto definirá a situação da intervenção estatal na propriedade através do tombamento no tocante à questão da indenização, sendo esta devida sempre que ficar provado o dano efetivo.

A característica básica do tombamento é a sua gratuidade, porque, a princípio, não se retira do titular do bem tombado nenhum direito. Por causa disso, o ato de tombamento não pode obstar ou tornar economicamente inviável a posição do bem.

A título de ilustração, vamos supor que determinado palacete, de inegável valor arquitetônico e histórico, o Poder Público ao tomba-lo, determina o direito de visitação pública, de 8h às 18h. Não obstante, entretanto, a importância e a relevância de que se reveste a medida, o Poder Público não pode transformar, o que é do proprietário-particular, em bem de todos. Aqui, está inviabilizando e retirando, do proprietário, o direito de propriedade, consagrado constitucionalmente, inc. XX, art. 5º. Eis uma caso típico em que a indenização do proprietário do bem tombado seja totalmente reconhecido, impondo-se a desapropriação, sob pena de prosperar uma demanda judicial, segundo inciso XXXV, art. 5º, do Texto Constitucional.

O tombamento é uma intervenção branda na propriedade, via de regra, não acarreta indenização.

Nossos Tribunais têm decidido, por reiteradas vezes, se o tombamento suprimir a utilização da atividade econômica, por exemplo, causando prejuízo, cabe indenização. Indenização, no tombamento, portanto, só se acarretar esvaziamento econômico do bem, dano.

O tombamento constitui-se, inegavelmente, numa contribuição que o proprietário deve dar para a preservação da memória cultural, histórica. Então, alguns tribunais passaram a seguir uma orientação da Suprema Corte, hoje já superada, de que não cabe indenização, mesmo que o tombamento seja total, até porque o proprietário não tem o domínio afetado, continua sendo dono e tendo à livre disposição do seu bem, só não podendo altera-lo naqueles aspectos efetivados pelo tombamento.

A partir da década de 90, começou uma enorme discussão, batalha judicial, pretendendo a revisão desta orientação. Por quê? Porque começaram a ocorrer, com maior freqüência, tombamentos coletivos, bairros inteiros tombados, cidades, áreas litorâneas. Esses tombamentos coletivos começaram a despertar os estudiosos do tema. Uma coisa é um proprietário suportar, sozinho, os encargos decorrentes da preservação do imóvel tombado, singularmente; outra coisa, é o proprietário suportar os encargos de preservação de imóveis tombados coletivamente. Logo, não poderia ser dispensado o mesmo tratamento indenizatório. Surgem vários autores propondo a seguinte solução: no caso do tombamento coletivo, é admissível manter a tese do descaimento da indenização. Se toda uma cidade é tombada, todos os imóveis desta cidade sofrerão, por igual, as conseqüências do tombamento e, aí, nenhum proprietário poderia argüir quem está em situação de desigualdade, perante os demais proprietários. Conseqüentemente, não cabe indenização, porque não houve perda ou diminuição em relação ao mercado. Mas, no tombamento singular, deveria ser revista a posição de alguns tribunais e da própria doutrina, para que se possa admitir a indenização. Supondo que um prédio é escolhido para ser a lembrança de uma determinada fase da história ou de um certo estilo arquitetônico ou de um episódio da história local ou nacional. Nenhum outro é alcançado por este tombamento. Então, isto está impondo, isoladamente, a um proprietário uma eventual depreciação, o que causaria uma situação de injustiça, pois desigualaria este proprietário em relação aos demais proprietários. Só este deveria responder pela preservação da memória. A enfocada proposta, que tem sido feita de 10 anos para cá, não encontra pacífico entendimento. Hodiernamente, há juízes entendendo que não há o cabimento de indenização, quando se tratar de tombamento, seja coletivo, seja singular.

k. Controle

Esse item mereceria análise sob duplo aspecto: a) controle do ato de tombamento; b) controle da preservação do patrimônio cultural brasileiro. Entretanto, nos fixaremos, aqui, no segundo deles, deixando o primeiro para ser analisado no ponto final.

Sabidamente, não basta tombar o bem histórica ou culturalmente significante para que esteja garantida a sua preservação. Necessário se faz um acompanhamento a ser desenvolvido pelas autoridades administrativas competentes. E não foi por outro motivo que previu o art. 20 do Decreto-lei n.º 25/37 o dever jurídico negativo do proprietário do bem tombado consistente em ter de permitir a vigilância permanente pelo IPHAN, com vistas à verificação do cumprimento dos demais deveres impostos por ocasião da instituição do tombamento. Mas não é somente essa a modalidade de controle da preservação do patrimônio cultural brasileiro.

Ao lado desse controle efetivo e concreto a ser realizado pelos agentes públicos, as sanções previstas pela legislação se nos afiguram como instrumentos de intimidação, principalmente a contida no art. 21, ipsis litteris:

"Art. 21 - Os atentados cometidos contra os bens de que trata o art. 1.º desta lei são equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional".

No mesmo diapasão, a norma do art. 15, § 3.º do mesmo Decreto-lei n.º 25/37 impõe conseqüências de ordem criminal aos infratores da legislação protetora dos bens tombados, nos seguintes termos:

"Art. 15 -....... ................................................

§ 3.º - A pessoa que tentar a exportação de coisa tombada, além de incidir na multa a que se referem os parágrafos anteriores, incorrerá nas penas cominadas no Código Penal para o crime de contrabando" [157].

Impondo sanções tão graves, que chegam a por em jogo até a liberdade do transgressor da norma protetiva do patrimônio cultural, o Decreto-lei n.º 25/37 institui um controle psicológico, que compele à sua fiel observância.

Por fim, temos ainda o controle realizado pela sociedade civil, através das ações populares (CRFB/88, art. 5.º, LXXIII e Lei n.º 4.717/65) e do exercício do direito de petição (CRFB/88, art. 5.º, XXXIV), e pelo Ministério Público, através das ações civis públicas (CRFB/88, art. 129, III e Lei n.º 7.347/83).

Repare, entretanto, que, dentre os citados, os instrumentos processuais propriamente ditos (que desencadeiam processo judicial) não poderão ser utilizados antes de o Poder Público promover o tombamento do bem. Vale dizer, não se poderá exigir que o Executivo, através de seu órgão competente, tombe determinado bem por ordem judicial, pois, como vimos, é discricionário o tal ato administrativo, somente se podendo falar em vinculação naquelas duas hipóteses vistas anteriormente, nunca no que se refere ao momento de se proceder ao tombamento. Burlar esse limite equivaleria a atentar contra a independência dos Poderes (art. 2.º da CRFB/88).

Questão interessante do tombamento é a que incita seu controle judicial. Pode-se ou não submeter ao Poder Judiciário a revisão do ato de tombamento? O Poder Judiciário pode rever o ato de tombamento, como qualquer outro ato administrativo, quanto a dois aspectos:

No dever do devido processo legal, a legislação que rege o tombamento, seja a nível federal, estadual ou municipal. Não há tombamento, sem se prever um processo administrativo, inclusive, com oportunidade para manifestação do proprietário. Logo, se o ato final do tombamento materializou-se sem ou com supressão de etapas, há anulação e isso é suscetível ao Poder Judiciário, porque não se observou as etapas do processo administrativo previsto em lei.

O outro espaço concerne ao plano da validade, ou seja, os elementos estruturais do ato. È dever da Administração Pública expedir o ato de tombamento com uma estrutura íntegra. Não se pode admitir que o ato de tombamento eventualmente seja maculado por vícios em um ou mais desses elementos. O vício mais freqüente, que atualmente vem sendo controlado pelo Poder Judiciário, refere-se ao motivo. Qual o motivo do tombamento? O componente motivo deve ser informado por fatos e pelo próprio direito. O tombamento, como ato administrativo que é, requer motivação obrigatória, isto é, a exposição das justificativas, das razões de sua edição e, ainda, se os motivos forem insuficientes, ambíguos, obscuros, incorretos, o tombamento será inválido. E para se aferir o motivo, o magistrado determinará perícia, para ouvir técnicos-historiadores, pois é preciso efetivamente certificar-se de que há valor histórico, por exemplo, para fundamentar o controle do ato. Não é o agente administrativo só que fará esse exame. Se ficar demonstrado que houve o motivo alegado, o assunto está encerrado do ponto de vista do controle judicial.

l. Cancelamento

Como se pode extrair de tudo o que disse até aqui, o cancelamento do tombamento poderá se dar tanto pela via administrativa como pela via judicial, quer por vício de legalidade, quer por questões de oportunidade e conveniência.

No primeiro caso, caberá ao próprio IPHAN tal revogação ou ao Presidente da República, nos termos do disposto no artigo único do Decreto-lei n.º 3.866/41, quer por vício de legalidade (anulação), quer por juízo de oportunidade e conveniência (revogação). Veja-se a regra de direito positivo citada:

"Artigo único - O Presidente da República, atendendo a motivo de interesse público, poderá determinar, de ofício ou em grau de recurso, interposto por qualquer legítimo interessado, seja cancelado o tombamento de bens pertencentes à União, aos Estados, aos Municípios ou a pessoas naturais ou jurídicas de direito privado, feito no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional de acordo com o Decreto-lei n.º 25, de 30 de novembro de 1937".

É certo que a lei só fala em motivo de interesse público, o que remete a um controle meramente político. Entretanto, como não deixa dúvidas a leitura da Súmula n.º 473 do Supremo Tribunal Federal, poderá a Administração anular seus atos sempre que neles verificar vício de legalidade, senão vejamos:

"473 - A Administração pode anular seus próprios atos eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial".

No que toca ao controle judicial do ato de tombamento, já vimos que haverá essa possibilidade, não só no que se refere ao controle de legalidade, mas também quanto à valoração do bem tombado como de interesse histórico e ou cultural, conforme polêmica decisão do Supremo Tribunal Federal anteriormente transcrita, com apoio na obrigatoriedade de motivação e na teoria dos motivos determinantes. Essa é uma das quatro hipóteses em que se admite a invasão do mérito administrativo pelo Poder Judiciário.

Em sentido contrário, entretanto, posiciona-se o professor José dos Santos Carvalho Filho, in verbis:

"Quanto ao motivo do ato, repetimos, é importante distinguir os ângulos de que se reveste. Se o proprietário provar que não existe qualquer fator que implique a necessidade da intervenção protetiva do Estado, o ato estará eivado de vício e poderá ser invalidado na via judicial.

Não cabe, porém, nessa via discutir os aspectos administrativos que conduzem à valoração do sentido cultural do bem e à necessidade de sua proteção. Essa parte do ato é insindicável pelo Judiciário" [158].

D. Ocupação Temporária

Sumário: a. Conceito; b. Fundamentos; c. Natureza jurídica; d. Objeto; e. Conteúdo; f. Sujeitos ativo e passivo; g. Instituição; h. Indenização; i. Extinção.

a. Conceito

Denomina-se ocupação temporária a espécie de intervenção branda na propriedade através da qual o Estado se apossa momentaneamente de bem particular (ou, com algumas restrições a mais, públicos) para executar serviço ou obra pública.

Ousando um pouco mais, abandonamos aqui a conceituação de outros autores e formulamos a nossa mesma. Mas isso não muda a nossa opinião sobre a necessidade de explorar as características do instituto sem se prender à tola tentação de reuni-los todos em uma única e simplificada sentença.

Portanto, passemos a explorar com mais liberdade esse instituto de tamanha importância.

b. Fundamentos

Mais uma vez deparamo-nos com o choque entre o interesse público e o direito de propriedade, devendo, como se sabe, prevalecer o primeiro, já que é superior e está a compor também o patrimônio do titular do direito de propriedade atingido pela intervenção, além de prestar auxílio a toda a coletividade, enquanto o uso exclusivo da propriedade somente prestigia o interesse privado de seu dono.

Além da supremacia do interesse público, porque não lançar luzes aqui também sobre a consagrada fórmula função social da propriedade, já que as obras e serviços públicos contemplados pela intervenção serão fruídos, em tese, por toda a coletividade? Obviamente não há razão para essa exclusão, razão pela qual aqui também se faz alusão aos arts. 5.º, XXIII e 170, III, ambos da Constituição da República.

Especificamente sobre a ocupação temporária, é a norma infraconstitucional que está a prever a sua existência. E, embora sua evocação se faça com algumas reservas, por razões várias, é o art. 36 do Decreto-lei n.º 3.365/41 que lhe respalda menos abstratamente, ipsis litteris:

"Art. 36 - É permitida a ocupação temporária, que será indenizada, a final, por ação própria, de terrenos não edificados, vizinhos às obras e necessários à sua realização".

Embora não seja o único dispositivo legal que faça referência à ocupação temporária, é geralmente este o que se aponta como fundamento específico dessa modalidade de intervenção branda na propriedade.

Derradeiramente, verifique-se que o art. 136, § 1.º, II da Constituição, apesar de usar a expressão "ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos" institui verdadeira requisição, como teremos a oportunidade de verificar. De modo que não seria muito correto pretender fundamentar o instituto em apreço no citado dispositivo constitucional.

c. Natureza jurídica

A ocupação temporária é forma independente de intervenção branda do Estado na propriedade. Não obstante, alguns doutrinadores tentam, mas sem sucesso, equipara-la ora às servidões administrativas, ora às requisições e ora à desapropriação.

José Carlos de Moraes Salles chega a afirmar que a natureza jurídica da ocupação temporária, seguindo a linha de raciocínio de Seabra Fagundes, é de arrendamento forçado [159]. Equivocada a lição, entretanto. Aqui, o ente interveniente não realiza contrato com o proprietário do bem ocupado. O Estado entra com a sua força, subjugando a vontade do particular.

Não se confundem a ocupação temporária e a servidão administrativa, posto que esta institui um direito real sobre a coisa alheia, dando uma idéia de permanência daquela situação; enquanto a ocupação temporária só defere a posse (exercício do poder de uso) de determinado imóvel, por período curto de tempo.

Não se confunde a ocupação temporária também com a requisição, ao contrário do que nos faz crer a lição da prof. Lúcia Valle Figueiredo, in verbis:

"Consoante se nos afigura, a ocupação temporária do imóvel tem, sob outro rótulo, idêntico regime ao da requisição, vertendo-se, todavia, sobre bem imóvel" [160].

Para chegar a essa conclusão, baseia-se, também, a citada autora no disposto no art. 136, § 1.º, II da CRFB/88, que chama de ocupação temporária o que, na verdade, é uma requisição.

A ocupação temporária, entretanto, somente incide, como veremos adiante, sobre bens imóveis, enquanto as requisições poderão ter como objeto bens móveis, imóveis ou até mesmo serviços. Mas ainda não é esse o ponto crucial da distinção.

Marca, como veremos, o instituto da requisição o fato de ser instituída em ocasião de necessidade urgente, o que justifica uma informalidade na sua instituição. Diferentemente, essa urgência não marca a ocupação temporária, razão pela qual deverá obedecer a algum formalismo para ser instituída.

Por fim, não se confundem a ocupação temporária e a desapropriação, ao contrário do que afirma Luiz da Cunha Gonçalves [161], por mais de uma razão.

Em primeiro lugar, a desapropriação retira do particular (ou, em determinados casos, de outro ente público) a propriedade, transferindo-a compulsoriamente para o patrimônio do ente interveniente; o que não ocorre com a ocupação temporária, que apenas concede direito de exercício de um dos poderes que integram o conceito de propriedade (uso).

Além disso, a ocupação temporária, como o próprio nome já diz, é instituída por pequeno prazo, enquanto a desapropriação é definitiva, importando na aniquilação perpétua do direito alheio.

Por todas essas razões, não nos parece haver lugar para dúvidas quanto ao fato de que a ocupação temporária é forma autônoma de intervenção do Estado na propriedade.

d. Objeto

Neste ponto, três perguntas serão respondidas, a saber: a) somente os bens imóveis, ou também os móveis, serão atingidos pela ocupação temporária? b) Quanto aos imóveis, somente os não edificados podem ser temporariamente ocupados? Somente por ocasião de uma desapropriação é que as ocupações temporárias serão instituídas?

Analisando a questão com os olhos voltados somente para o art. 36 do Decreto-lei n.º 3.365/41, a resposta seria, tranqüilamente, no sentido de somente os imóveis não edificados poderem ser objeto de ocupação temporária, por ocasião de uma desapropriação. Mas não é bem assim.

Para iniciar, diga-se que não encontramos registros, dentre os autores nacionais mais conhecidos [162], de opinião no sentido de ser possível a ocupação temporária de bem móvel. Ao contrário, o prof. José dos Santos Carvalho Filho afirma que "a ocupação temporária é instituto típico de utilização da propriedade imóvel" [163].

Mas ainda persistem as outras duas dúvidas.

Embora a maioria da doutrina já entenda ser possível a ocupação temporária completamente desvinculada da desapropriação, ainda se afirma com alguma freqüência que somente terrenos baldios poderão ser objeto de ocupação temporária. Neste sentido é a lição da prof. Odília Ferreira da Luz Oliveira, que transcrevemos:

"... a ocupação temporária pode ser definida como a utilização temporária e direta pelos agentes da Administração Pública de terrenos baldios de domínio privado, próximos de obras públicas ou de locais onde se realizam outras atividades públicas, com a finalidade de instalar depósitos de material, mediante indenização posterior" [164].

Repare que a redação acima não utiliza uma vírgula após "obras públicas", de modo que quando fala em "locais onde se realizam outras atividades públicas" está se referindo a terrenos baldios próximos desses locais. Mas não nos parece correto restringir o alcance da ocupação temporária dessa forma, por apego excessivo àquele dispositivo legal, ainda mais se considerarmos que não é o único que trata do assunto em tela.

O prof. Hely Lopes Meirelles dizia que, normalmente, o fundamento dessa modalidade de intervenção na propriedade é a necessidade de local para funcionar como canteiro de obras. Portanto, ao se utilizar do termo normalmente, está dizendo que quase sempre, mas nem sempre. E, ao definir o instituto não fazia essa restrição, senão vejamos:

"Ocupação temporária é a utilização transitória, remunerada ou gratuita, de bens particulares pelo Poder Público, para a execução de obras, serviços ou atividades públicas ou de interesse público" [165].

Diógenes Gasparini, por sua vez, admite que haja no terreno pequena construção ou aproveitamento qualquer. O importante é que não haja alteração substancial ou ocupação do bem. Vejamos as suas palavras:

"Embora se fale em espaço ou área livre, admite-se a ocupação temporária, mesmo que no interior da área haja pequena construção ou um aproveitamento qualquer" [166].

Ao nosso ver, não importa se a ocupação temporária se dá sobre bem imóvel edificado ou não, a despeito do que se lê no art. 36 do Decreto-lei n.º 3.365/41. E, a npartir do seguinte exemplo, procuraremos evidenciar a verdade do que se afirma.

Nas eleições para cargos políticos, como de Presidente da República, Deputados, etc., muito comum é que se utilize o Tribunal Regional Eleitoral (vide Lei n.º 4.737/65 - Código Eleitoral) de prédios públicos ou particulares, geralmente escolas, para a realização do escrutínio. Essa utilização é por tempo determinado e não é caracterizada por motivo de urgência, já que as eleições têm data certa para acontecer.

Portanto, esse modo de intervenção do Estado na propriedade é, nada mais nada menos, do que uma ocupação temporária sobre bem imóvel edificado. Aliás, essa é também a opinião do prof. José dos Santos Carvalho Filho, in verbis:

"Exemplo típico de ocupação temporária de terrenos particulares contíguos a estradas (em construção ou em reforma), para a alocação transitória de máquinas de asfalto, equipamentos de serviço, pequenas barracas de operários etc. É também caso de ocupação temporária o uso de escolas, clubes e outros estabelecimentos privados por ocasião das eleições; aqui a intervenção visa a propiciar a execução de serviço público eleitoral" [167].

Portanto, não se pode negar a possibilidade de se instituir ocupação temporária sobre bens imóveis edificados, autorizando o exercício, pela Administração Pública, do poder de uso da propriedade atingida por prazo certo.

e. Conteúdo

Ao distinguirmos a ocupação temporária das servidões administrativas, quando falávamos da natureza jurídica do instituto em tela, afirmamos que a primeira, ao contrário da segunda, não confere ao Poder Público um direito real sobre a coisa alheia.

As servidões administrativas, como tivemos a oportunidade de ver (item II, B, c infra), conferem ao Poder Público a titularidade do poder de uso da propriedade (o que não se confunde como direito real de uso), o que se justifica pela necessidade de permanência na utilização daquele bem.

Diferentemente, a ocupação temporária, que é instituída para suprir necessidade transitória da Administração Pública, somente lhe confere direito ao exercício do poder de uso do bem atingido, figurando o Poder Público como mero possuidor do imóvel, nos termos do art. 485 do Código Civil.

Portanto, a ocupação temporária tem conteúdo muito menos denso e muito mais suave do que as servidões administrativas.

f. Sujeitos ativo e passivo

Qualquer pessoa integrante da Federação poderá se beneficiar da propriedade particular (ou, em determinados casos, das públicas também) através da ocupação temporária. É a mesma regra aplicável às servidões administrativas.

Mas por que meios se fará essa intervenção?

José Carlos de Moraes Salles vinculando a idéia de ocupação temporária à realização de uma obra pública, diz que sempre será a intervenção autorizada por decreto, baixado pela entidade de direito público interno que houver determinado a execução da obra. E, se fosse essa a única hipótese de ocupação temporária, estaria plenamente correto.

Entretanto, não só o chefe do Poder Executivo, através da edição de decreto declaratório de utilidade pública, poderá concretizar a intervenção, como também outros Poderes.

O exemplo sempre utilizado para demonstrar essa verdade é o da ocupação temporária para fins eleitorais, hipótese em que a instituição da ocupação temporária se faz por ato do Poder Judiciário, que obviamente não pode nunca ser um decreto.

No caso de ocupação temporária para fins de estudos arqueológicos, como previsto no art. 13 da Lei n.º 3.924/61, a intervenção se fará via decreto, como não deixa dúvidas o disposto no respectivo parágrafo único:

Art. 13 -....... .................................................

Parágrafo único - À falta de acordo amigável com o proprietário da área onde situar-se a jazida, será esta declarada de utilidade pública e autorizada sua ocupação pelo período necessário à execução dos estudos, nos termos do art. 36 do Decreto-lei n.º 3.365, de 21 de junho de 1941".

Quanto às concessionárias de serviço público, empresas públicas e sociedades de economia mista, valem aquelas mesmas considerações feitas por ocasião do estudo das servidões administrativas (item II, B, f, infra). Vale dizer, poderão essas entidades se beneficiar com a ocupação temporária, mas desde que a declaração de utilidade pública se faça pelo chefe do Executivo do poder concedente.

Neste sentido é a lição de José Carlos Moraes Salles, in verbis:

"As autarquias, empresas concessionárias de serviço público e entidades paraestatais autorizadas a simplesmente promover desapropriações (art. 3.º do Dec.-lei 3.365/41) só poderão ocupar temporariamente terrenos não edificados e necessários à execução das obras desde que haja ato, baixado pela entidade (União, Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios) a que estejam vinculadas, autorizando a ocupação" [168].

Passando, agora, a análise para o lado passivo da relação que se estabelece, verificamos, inicialmente, que a ocupação temporária deverá atingir a imóvel certo, perfeitamente discriminado no decreto declaratório de sua utilidade pública (ou no ato de outra autoridade competente).

Agora aquela velha e conhecida pergunta: poderá recair sobre bem de pessoa jurídica de direito público? E em que hipóteses?

Poderá, sim, recair sobre bem de pessoa jurídica de direito público, e nas mesmas hipóteses em que se houver de admitir a instituição de servidão administrativa. Por isso remetemos, aqui também, o leitor ao item em que tratamos desse assunto (item II, C, f), para não ser repetitivo.

g. Indenização

Imagine as duas situações a seguir narradas:

a) Um terreno não edificado num bairro residencial, para o qual não há qualquer projeto de construção por parte do proprietário, que o tem como forma de investimento, é ocupado pelo Município para funcionar como canteiro de obra pública realizada por este último no terreno ao lado. Ao final de 1 (um) ano, as obras terminam e, com elas, a ocupação temporária;

b) Num clube, onde existem vários campos de futebol, muito bem conservados e freqüentados, um grupo de pesquisadores, calcados em decreto declaratório de utilidade pública, ocupam temporariamente o terreno para fins de pesquisa arqueológica, acreditando existir por ali fósseis. E acabam por proceder a escavações na área, concluindo, ao final de 4 meses, que suas expectativas falharam, nada havendo de importante no local.

No primeiro caso, salta aos olhos que nenhum prejuízo teve o proprietário do terreno com a sua utilização pelo Poder Público, já que estava inutilizado e sem qualquer perspectiva de oferecer, a curto prazo, frutos.

Diferentemente, na segunda situação, o proprietário do clube amarga sensível prejuízo com a sua utilização nas pesquisas, já que, durante o tempo em que são realizadas, perde com a ausência da clientela e, ao final, ainda tem despesas com a reconstituição dos campos, dever não cumprido pelos pesquisadores [169].

Inegável a distinção entre as duas situações. E, para ser coerente, deve o Direito tratá-las com regras díspares, para que não seja injusto.

Assim, há de se aplicar aquela velha e, ao nosso ver, correta regra: causando prejuízo a ocupação temporária, emerge o dever de indenizar; não o causando, não há que se falar em indenização.

Não obstante, o prof. José Carlos de Moraes Salles, por considerar - equivocadamente ao nosso ver - a ocupação temporária um arrendamento forçado, entende que o ocupante deve, "durante todo o tempo pelo qual perdurar a ocupação, pagar uma renda ao proprietário do bem ocupado" [170].

E se baseia, também, para afirmar esse dever, no art. 36 do Decreto-lei n.º 3.365/41, que fala, expressamente, no dever de indenizar.

Conclui, então o citado autor da seguinte forma:

"Nada impede, portanto, que, baixado o decreto declaratório da necessidade de ocupação de determinado terreno não edificado, acordem as partes interessadas sobre o valor do arrendamento, que poderá ser pago semanal, quinzenal, mensal, trimestral, semestral ou anualmente, conforme se avençar" [171].

Permissa maxima venia, não podemos concordar com essa conclusão, não só pelo fato de discordarmos, como já tivemos a oportunidade de dizer, dessa natureza da ocupação temporária atribuída pelo mestre citado, mas também à vista da cláusula constitucional da função social da propriedade.

Se o proprietário do terreno não lhe dá a destinação que se pode esperar (de acordo com o plano diretor, nos termos do art. 182 da CRFB/88), omitindo-se quanto ao valor social que tem seu imóvel, não poderá exigir que a sua utilização pelo Poder Público, por necessidade ou utilidade pública, seja remunerada. É o que pensamos.

Diferente é a situação em que, a pretexto de se instituir uma ocupação temporária, o Estado se utiliza permanentemente do imóvel, instalando ali serviço público contínuo. Neste caso, configurar-se-á verdadeira desapropriação indireta, a ser indenizada pela via ordinária, ainda que se esteja em frente a situação semelhante àquela primeira por nós narrada. A única hipótese de confisco autorizado pela Constituição é a do art. 243, no caso de terreno utilizado para o cultivo de plantas psicotrópicas.

E, com razão, o mesmo prof. José Carlos de Moraes Salles diz que se a ocupação perdurar, injustificadamente, por tempo superior ao necessário para a conclusão da obra (o que será apreciado de acordo com o princípio da razoabilidade), poderá ser ajuizada ação de reintegração de posse, por constituir aquela conduta verdadeiro esbulho possessório [172].

Mas, ainda aqui, advirto: só será possível o sucesso nessa ação possessória se não for instalado no local serviço público contínuo. Do contrário, incidirá a regra do art. 35 do Decreto-lei n.º 3.365/41, resolvendo-se a questão em perdas e danos.

Diga-se, por fim, que não nos parece correto o critério adotado pelo prof. José dos Santos Carvalho Filho, consistente em afirmar a necessidade de indenizar somente se a ocupação temporária for vinculada à desapropriação; não o sendo, não seria exigível a reparação [173].

Podemos utilizar os mesmos casos narrados no início deste item para evidenciar a fragilidade desse critério, posto que, no primeiro deles, onde pode-se vislumbrar a vinculação a uma desapropriação, nenhum prejuízo houve para o proprietário do terreno ocupado. E, no segundo, onde não há a tal vinculação, o prejuízo é evidente, merecendo reparação.

h. Extinção

Se para a instituição da ocupação temporária somos daqueles que entendem necessária a declaração de utilidade pública do bem (por decreto ou não), para a extinção parece-nos despicienda qualquer formalidade. Vale dizer, a extinção da ocupação temporária será um mero fato administrativo.

Neste sentido é a opinião do prof. José dos Santos Carvalho Filho, in verbis:

"Quanto à extinção, não haverá muita dificuldade em identificar a situação que a provoca. Se a ocupação visa à consecução de obras e serviços públicos, segue-se que a propriedade deve ser desocupada tão logo esteja concluída a atividade pública. Prevalece, pois, o princípio de que, extinta a causa, extingue-se o efeito" [175].

Embora não se utilize da expressão fato administrativo, é o que prega o citado mestre, como não deixam dúvidas as sua palavras transcritas.

E. Requisição

Sumário: a. Conceito; b. Fundamentos; c. Natureza jurídica; d. Objeto; e. Conteúdo; f. Sujeitos ativo e passivo; g. Instituição; h. Indenização; i. Extinção.

a. Conceito

Muito comum nos filmes de Hollywold é a cena do heróico policial que, na busca ao transgressor das leis penais, se utiliza do carro de um cidadão, que passeia calmamente pelas ruas da violenta cidade. Eis aí um típico caso de requisição, que também encontra amparo no direito brasileiro.

Nos dizeres de Hely Lopes Meirelles,

"requisição é a utilização coativa de bens ou serviços particulares, pelo Poder Público, por ato de execução imediata e direta da autoridade requisitante e indenização ulterior, para atendimento de necessidades coletivas urgentes e transitórias" [176].

Trata-se de uma modalidade de intervenção branda na propriedade, em regra, mas que pode se converter em intervenção drástica nalgumas hipóteses. Sempre será drástica, no entanto, quando incidir sobre bens de consumo imediato, isto é, aqueles que se desintegram com a sua utilização normal.

b. Fundamentos

Além dos fundamentos genéricos utilizados para todas as modalidades de intervenção do Estado na propriedade, quais sejam, a supremacia do interesse público e a função social da propriedade, as requisições encontram dois outros fundamentos específicos também no corpo da Constituição, a saber:

"Art. 5.º........ ...............................................

XXV - No caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano".

Este tem sido o único citado pela grande maioria dos doutrinadores como fundamento específico das requisições. Entretanto, apesar de não se utilizar dessa nomenclatura, é típico caso de requisição o previsto pelo art. 136, § 1.º, II da Constituição. Vejamos:

"Art. 136 -....... ..............................................

§ 1.º - O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:

I - omissis;

II - ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes".

A expressão "ocupação e uso temporário" é impreciso, como bem leciona o prof. José Maria Pinheiro Madeira em suas aulas transcritas e de publicação autorizada. E isso se afirma por dois motivos básicos: a) em primeiro lugar, a premência que marca a intervenção em tela é típica das requisições, o que não ocorre nas ocupações temporárias; b) além disso, a incidência sobre bens móveis e serviços não pode ocorrer, como vimos, nas ocupações temporárias.

Por tudo isso, é de se admitir a desnecessidade de a Constituição consagrar esse instituto no capítulo que trata do estado de defesa, posto que, se o disposto no seu art. 5.º, XXV é suficiente para legitimar tal modalidade de intervenção em épocas de normalidade institucional, com maior razão será evocável em períodos de legalidade extraordinária.

c. Natureza Jurídica

Aqui, dois pontos devem ser analisados, para que se afaste a possibilidade de as requisições serem confundidas com outras espécies de intervenção do Estado na propriedade.

Em primeiro lugar, já vimos anteriormente que as requisições não se confundem com a ocupação temporária, muito embora a prof. Lúcia Valle Figueiredo advogue essa tese (vide item II, D, c infra). Dada a anterior análise da questão, não nos alongaremos desnecessariamente nesse ponto.

Em segundo lugar, ainda quando as requisições chegarem a retirar do particular a sua propriedade, não poderão ser confundidas com a desapropriação, posto que estas não estão marcadas pela urgência e necessidade transitória e devem ser previamente indenizadas. Além disso, é de se observar que a desapropriação nunca poderá recair sobre os serviços de alguém.

Cite-se ainda o fato de que a indenização pela desapropriação é sempre prévia, enquanto na requisição, só será devida se houver dano efetivo, sendo paga posteriormente.

Assim, a requisição é uma modalidade autônoma de intervenção do Estado na propriedade, que poderá ser branda ou drástica, mas sempre para suprir necessidade premente e transitória da Administração Pública, podendo recair sobre bens móveis ou imóveis, assim como sobre os serviços.

Merece algum destaque a questão da transitoriedade nas requisições supressivas, já que se poderia vislumbrar aí uma incompatibilidade, pelo fato de haver transferência da propriedade, com caráter de definitividade. Mas incompatibilidade não há.

Forçosamente transitória é a necessidade da Administração Pública e não a situação de privação da utilização do bem requisitado que experimenta o proprietário. De modo que a coisa pode lhe ser arrancada do patrimônio definitivamente, quer pelo consumo normal, quer por fato estranho à vontade do agente público encarregado de sua utilização. Mas, em qualquer caso, não haverá desapropriação.

Na desapropriação, o que a Administração Pública visa, imediatamente, é a transferência da propriedade, para desenvolver com ela alguma atividade de interesse público. Já nas requisições supressivas, a transferência da propriedade é uma conseqüência da intervenção e não um fim (ainda que imediato).

Neste sentido é a lição de José Carlos de Moraes Salles, que cita Pontes de Miranda, senão vejamos:

"Nem mesmo quando os bens requisitados são consumíveis ou fungíveis ocorre desapropriação. Neste caso, o bem se extingue pelo simples fato do consumo e não porque tenha havido expropriação. Daí a afirmação de Pontes de Miranda no sentido de que ‘o Estado, requisitando gêneros, pode devolvê-los; se são consumidos, a perda da propriedade foi pelo consumo’" [177].

d. Objeto

A requisição, como amplamente divulgado pela doutrina, poderá recair sobre a propriedade, móvel ou imóvel, ou sobre serviços particulares.

Imagine que uma chuva forte provoque o desmoronamento de várias casas de uma determinada região, configurando uma situação de calamidade pública. Os sobreviventes ficam, além de feridos, desabrigados. Na cidade, de interior, só há um hospital, particular, com capacidade para atender à necessidade pública e urgente que se instala. O prefeito, então, requisita à empresa proprietária do hospital não só as suas instalações, como também os seus serviços médicos, para dar assistência aos feridos e demais necessitados. Eis aí um caso típico de requisição, abrangendo, também, os serviços como objeto.

Importante destacar, todavia, uma distinção feita pelo art. 2.º, III da Lei Delegada n.º 4/62, ipsis litteris:

"Art. 2.º - A intervenção consistirá:

I - omissis;

II - omissis;

III - na desapropriação de bens, por interesse social, ou na requisição de serviços, necessários à realização dos objetivos previstos nesta lei".

Note-se que a redação do dispositivo legal transcrito dá a entender que as requisições somente poderiam recair sobre os serviços; enquanto que, se a intervenção tivesse por objeto um bem, seria caso de desapropriação. Entretanto, não é esse o significado que se tem atribuído a esse diploma legal.

Embora seja verdadeiro que não pode a desapropriação recair sobre os serviços, não significa que as requisições não possam recair sobre bens, móveis ou imóveis. Aliás derruba esse entendimento a redação do inciso XXV do art. 5.º da CRFB/88, antes transcrito.

Para confirmar esse entendimento, antes da nossa última Constituição, o Decreto-lei n.º 2/66, em seu art. 1.º, já confirmava o que aqui dizemos. Vejamos:

"Art. 1.º - A Superintendência Nacional do Abastecimento (SUNAB), na qualidade de órgão incumbido de aplicar a legislação de intervenção do Estado no domínio econômico, poderá, quando assim exigir o interêsse público, requisitar bens ou serviços essenciais ao abastecimento da população".

Também na doutrina, essa é a orientação consagrada. Cite-se, por todos, Diógenes Gasparini:

"Em situação de urgência, ou não, e quase sempre sem o caráter de definitividade, a Administração Pública, com ou sem indenização posterior, pode utilizar bens e serviços particulares... " [178].

e. Conteúdo

O conteúdo das requisições varia de acordo com a situação concreta e de acordo com a natureza do bem que figurar como objeto da intervenção.

Assim, de início, já podemos identificar a necessária distinção entre os casos de requisição branda e os de requisição drástica. Na primeira hipótese, o conteúdo da intervenção será, coerentemente, leve, restringindo-se ao exercício do poder de uso da propriedade alheia. Já na segunda, haverá a transferência plena da propriedade.

Quanto à requisição de serviços, não há que se falar em poderes da propriedade, porque não incide sobre esse tipo de bens. O conteúdo, será, aqui, sempre bastante sereno, até porque não se pode admitir a desapropriação de serviços.

f. Sujeitos ativo e passivo

Em primeiro lugar, há de se distinguir, no que tange ao sujeito ativo da modalidade de intervenção em tela, entre competência para legislar sobre requisição e competência para requisitar bens ou serviços.

Nos termos do art. 22, III da Constituição da República, é competência exclusiva da União legislar sobre requisições civis e militares, senão vejamos:

"Art. 22 - Compete privativamente à União legislar sobre:

I - omissis;

II - omissis;

III - requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra".

Entretanto, qualquer esfera de governo poderá requisitar bens ou serviços particulares, tendo em vista que o inciso XXV do art. 5.º da Constituição fala em "Poder Público", não discriminando que entes da Federação poderão se beneficiar com a intervenção.

Todavia, as requisições que funcionem como meio de intervenção do Estado no domínio econômico, somente à União será deferida a competência.

Quanto ao sujeito passivo, este será devidamente individualizado, podendo ser um particular ou até mesmo o Poder Público, sempre com a ressalva de que, neste último caso, deverá ser observada aquela conhecida hierarquia de interesses de que trata a já transcrita decisão do Supremo Tribunal Federal.

g. Instituição

A requisição será instituída sempre com suporte legal, mas por ato administrativo.

Discute-se se o ato de requisição é ou não discricionário. E, aqui, esbarramos, mais uma vez naquela situação de dúvida, como aconteceu como estudávamos o tombamento. E de forma semelhante se resolve a questão.

A doutrina tem feito a distinção entre dois aspectos do ato de requisição. E a conclusão alcançada é a seguinte: trata-se de ato vinculado, se relacionarmos esse ato com a necessidade de existência de uma situação emergencial e de perigo público. De outra forma, haveremos de admitir a discricionariedade da Administração na valoração desse perigo público.

Diferentemente do tombamento, entretanto, haverá hipóteses em que o ato, dada a iminência de um resultado negativo da situação que justificar a requisição, não se materializará num documento formal. Seria, a título ilustrativo, esdrúxulo exigir do policial que vai em busca do marginal a comunicação à sua chefia que este, por ato próprio ou de outro superior, autorizasse a intervenção.

Entretanto, a legalidade do ato interventivo, bem como a arbitrariedade, disfarçada de discricionariedade, poderão ser apreciadas pelo Judiciário, utilizando-se, no segundo caso, o juiz do princípio da razoabilidade, que funcionará como instrumento legitimador da invasão do mérito administrativo.

h. Indenização

Inicialmente, é de se fazer, também aqui, a distinção entre a requisição branda e a requisição drástica. No último caso, sempre haverá a indenização, seja pela destruição do bem requisitado, seja pelo seu total consumo, pela utilização normal. Já na hipótese de intervenção branda, o dever de indenizar somente se verificará no caso concreto, aplicando-se aquela regra comum a todas as outras formas de intervenção do Estado na propriedade.

Assim, se houver dano efetivo à coisa, a indenização será devida. Do contrário não. Mas outras hipóteses serão indenizáveis também.

Tomemos como exemplo aquela situação do policial na busca do bandido em fuga. Se o sujeito passivo é um empresário que está se dirigindo ao aeroporto para tomar o avião do Rio de Janeiro para São Paulo e, por conta do ato interventivo, se atrasa perde a passagem, também esse valor deverá integrar o montante a ser indenizado.

Tem-se, assim, que será coberto pelo Estado todo o prejuízo causado ao particular por ocasião da requisição, por mais amplo que seja.

Analise-se em separado a questão da requisição de serviços. Aqui, absolutamente, não temos caso de intervenção do Estado na propriedade, mas da mesma forma será cabível indenização pelos prejuízos causados aos particulares que tiverem seus serviços requisitados. Mas, importante que se diga, a indenização não será uma forma de remuneração pelos serviços prestados.

Naquela situação hipotética do hospital, por exemplo, o que se indenizaria seria o custo do material utilizado no atendimento dos feridos e os lucros cessantes, pela ocupação dos leitos pela população necessitada.

Em qualquer caso, entretanto, a indenização será posterior, ao contrário do que ocorre com a desapropriação, como se infere da disposto no art. 5.º, XXV da CRFB/88.

i. Extinção

À semelhança do que ocorre com a ocupação temporária, a extinção das requisições decorrem de mero fato administrativo, não sendo necessária a edição de ato administrativo para que ocorra, embora nada impeça que se dê dessa forma.

Assim, esvaindo-se a situação de perigo que justificou a requisição, deverá o Poder Público cessar a intervenção, liberando o particular do ônus de solidariedade. E se, ainda depois disso, o Poder Público mantiver a intervenção, poder-se-á recorrer ao Judiciário para fazer cessar a arbitrariedade. Mas, à vista da necessidade de se produzir prova complexa, não será remédio eficaz o mandado de segurança.


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Notas

1. John Locke, Dois Tratados sobre o Governo, tradução de Julio Fischer, 1.ª edição, Editora Martins Fontes, 1998.

2. Jean Jaques Rousseau, Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, trad. de Iracema Gomes Soares e Maria Cristina Roveri Nagle, Editora Ática, 1989.

3. Alcorta (Las Garantías Constitucionales, ed. de 1881, p. 78), citado por Rui Barbosa (in Que vem a ser direitos individuais?), assim se manifestava: "Se llaman derechos individuales a todos aquellos derechos que constituyen la personalidad del hombre y cuyo ejercicio le corresponde esclusivamente, sin mas límite que el límite del derecho recíproco... Los derechos individuales, aunque elementos de la personalidad del hombre, se manifiestan en la persona misma, en la cosas y en las acciones. En la persona, en todos los actos que se refieren a la liberdad individual; en las cosas, en cuanto a su uso y disposición esclusivos, propriedad, medios de adquirir, de existencia y de beinestar; y en cuanto a las acciones, respecto a las manifestaciones de palabra o escritas y a todo ejercicio que con ella se relaciona".

4. José Cretella Júnior, Curso de Direito Romano, 19.ª edição, Editora Forense, 1995, p. 170.

5. Faz-se, aqui, menção exclusiva à Revolução Francesa em razão de ser este o símbolo maior do liberalismo e, principalmente, do iluminismo.

6. L. Cabral de Moncada, Filosofia do Direito e do Estado, vol. 1, 2.ª edição, Editora Coimbra, 1995, p. 215/216.

7. Adam Smith (A Riqueza das Nações, traduzido por Edwin Cannan, Editora Abril, 1983), ao comentar a interferência dos Estados na economia, para favorecer ora o campo, ora a cidade, afirmou que "Se as instituições humanas nunca tivessem interferido nessas inclinações naturais, jamais as cidades poderiam em qualquer parte ter crescido além da medida compatível com o aprimoramento e o cultivo do território ou do país do qual fazem parte".

8. Silvio Rodrigues, Direito Civil, vol. 7, Direito das Sucessões, 22.ª edição, Editora Saraiva, 1998, p. 5.

9. Ao contrário do que se possa imaginar, já era prevista, entretanto, a possibilidade de se usar e de se empregar a propriedade particular em benefício do bem comum, exceção essa que deveria ter previsão legal e que seria obrigatoriamente precedida de indenização.

10. Dalmo de Abreu Dallari, Legislação Municipal e Direito deConstruir, in Revista de Direito Público, Vol. 14, p. 49.

11. Veja-se, inclusive, que foi sob a égide dessa Constituição que veio à tona a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei n.º 5.452, de 1.º de maio de 1943).

12. Com o advento da Lei Constitucional n.º 5, de 10 de março de 1942, o art. 122, item 14 ganhou nova redação. Mas não corrigiu a falha da redação original, somente prevendo a possibilidade de, além da desapropriação, serem suspensos os direitos relativos à propriedade no caso de declaração de estado de emergência em todo o país (art. 166, § 2.º).

13. Apesar de a Constituição de 1934 (art. 113, n.º 17) já fazer menção a interesse social, foi somente com a Lei n.º 4.132/62, editada sob a égide da Constituição de 1946, que esse conceito se tornou objetivo. O art. 2.º do citado diploma legal elencou as hipóteses que revelam a existência desse interesse, dentre as quais merece destaque a reforma agrária.

14. A Emenda Constitucional n.º 10, de 9 de novembro de 1964 alterou a redação desse dispositivo no que toca à indenização, estabelecendo uma exceção, que estaria prevista no § 1.º do art. 147, dispositivo esse introduzido pela mesma Emenda. A nova disciplina autorizava a desapropriação de propriedade territorial rural com o pagamento da indenização através de títulos especiais da dívida pública, resgatáveis em até 20 (vinte) anos ou compensáveis com o Impôsto Territorial Rural a qualquer tempo.

15. O § 1.º do art. 157 tratava da possibilidade de pagamento da indenização pela desapropriação de terras rurais mediante títulos da dívida pública, nos mesmos moldes estabelecidos pela Constituição de 1946, após a Emenda Constitucional n.º 10/64.

16. principalmente os imóveis territoriais.

17. José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo, 15.ª edição, Malheiros Editores, 1998, p. 275. Inclusive, em escrito anterior (Disciplina Jurídico-Urbanística da Propriedade Urbana, in Revista de Direito Público, Vol. 53-54, p.79) o professor da Universidade de São Paulo revela o seu repúdio à doutrina de Messineo.

18. Celso Ribeiro Bastos, Curso de Direito Constitucional, 17.ª edição, Editora Saraiva, 1996, p. 193.

19. Luís Roberto Barroso, O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas, Editora Renovar, 1990, p. 56.

20. Não estamos aqui a abraçar a tese de Lassale, para quem a constituição escrita não passa de um pedaço de papel. Acreditamos, fielmente, que a força normativa da constituição é sempre capaz de impor seus comandos, desde que respeitadas as consições reais de sua implementação. A esse respeito, ver a fantástica obra de Konrad Hesse (A Força Normativa da Constituição, tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1991).

21. Gisele Cittadino, Plurarismo, Direito e Justiça Distributiva, 2.ª edição, Editora Lumen Juris, 2000.

22. Apud Carlos Alberto Dabus Maluf, Limitações ao Direito de Propriedade, Editora Saraiva, 1997.

23. Essa expressão indica o dever de suportar uma atuação do Estado que se traduza numa forma de intervenção na propriedade.

24. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 3.ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 1975, p. 568.

25. Celso Antônio Bandeia de Mello anuncia esse entendimento, também, acerca das limitações administrativas (ob. cit., p. 179). Entretanto, não podemos concordar com toda a sua exposição, pois entende que também as servidões administrativas podem decorrer diretamente da lei. Sobre essa questão, analisaremos com maior atenção no título próprio.

26. RDA, vol. 60/228.

27. TJRJ, 1.ª Câm. Cível, Rel. Des. Carlos Raimundo Cardoso, Apelação n.º 7.495/99, votação unânime.

28. STF, 1.ª Turma, Relator Ministro Cunha Peixoto, Acórdão publicado no DJ em 15/05/81, p. 4431. Em tal decisão, utiliza-se, também, como fundamento o fato de tal intervenção ter comprometido a economicidade do bem.

29. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 9.ª edição, Editora Atlas, 1998, p. 94.

30. Celso Antônio Bandeira de Mello, Elementos de Direto Administrativo, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1980, p. 176.

31. Obra citada, p. 178.

32. Lúcia Valle de Figueiredo, Curso de Direito Administrativo, 2.ª edição, Malheiros Editores, 1995, p. 194.

33. José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, 3.ª edição, Editora Lumen Juris, 1999, p. 492.

34. Ob. cit., p. 492.

35. Entretanto, isso não autoriza a ninguém afirmar que o particular será, nestas hipóteses sujeito ativo da relação jurídica de direito material que se forma com a imposição das limitacãoes administrativas. Somente integrarão o pólo ativo da relação jurídica processual.

36. TJRJ, 2.ª Câm. Cível, Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho, julgada em 04/03/1997.

37. RT, vol. 113/639.

38. Ob. cit., p. 179.

39. Ob. cit., p. 158.

40. Ob. cit., p. 108.

41. Ob. cit., p. 491.

42. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, Editora Saraiva, 1989, p. 293.

43. Nota 38, localizada na obra citada, p. 568.

44. Ob. cit, p. 108.

45. Ob. cit., p. 297.

46. José Maria Pinheiro Madeira, Reconceituando o Poder de Polícia, Editora Lumen Juris, 2000, p. 64.

47. Ob. cit., p. 179/180.

48. Paulo Nader, Introdução ao Estudo do Direito, 12.ª edição, Editora Forense, 1995, p. 104.

49. Vide nota 19 da obra citada, p. 179.

50. Art. 11 - São públicos dominicais, se não estiverem destinados ao uso comum, ou por algum título legítimo não pertencerem ao domínio particular: 1.º - omissis; 2.º - os terrenos reservados nas margens das correntes públicas de uso comum, bem como dos canais, lagos e lagoas da mesma espécie. Salvo quanto às correntes que, não sendo navegáveis nem flutuáveis, concorrem apenas para formar outras simplesmente flutuáveis, e não navegáveis".

51. TJRJ, 4.ª Câm. Cível, Apelação n.º 6.605/94, votação unânime, Rel. Des. Marden Gomes.

52. Ob. cit, p. 481.

53. Ob. cit., p. 294.

54. Como afirma Franck Moderne (in Propriedad Privada y Urbanismo, artigo publicado na Revista de Direito Público, vol. 87, p. 5), "El urbanismo choca naturalmente con la propiedad privada, en la medida en que pretende ser racional y disciplinar la ocupación del suelo".

55. Toshio Mukai, Direito e Legislação Urbanística no Brasil, Editora Saraiva, 1988, p. 3.

56. Não obstante, o art. 21, XX da CRFB/88 confere à União competência para estabelecer diretrizes gerais de desenvolvimento urbano, inclusive habitação, saneamento básico e transportes urbanos. E o art. 24 da mesma Carta diz ser de competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre direito urbanístico. A propósito, veja-se a ementa do Acórdão em que o Supremo Tribunal Federal julgou o Recurso Extraordinário n.º 101.331-PB: "Limitações ao direito de construir. A competência estadual para legislar sobre matéria urbanística que transcenda ao peculiar interesse local, não contraria as disposições constitucionais e legais sobre o direito de propriedade. Precedente do STF" (DJ em 29/11/85, p. 21.920).

57. O inciso V foi vetado.

58. As áreas de especial interesse são espaços delimitados da Cidade onde, independente da zona em que se situem (poderão, inclusive se sobrepor a mais de uma zona), o regime urbanístico será específico (art. 105, § 3.º da Lei Complementar n.º 16/92, do MRJ).

59. Com a transferência da Capital do País para Brasília, em 1960, nasceu o Estado da Guanabara, posteriormente transformado em Município do Rio de Janeiro, quando da incorporação de seu território ao Estado do Rio de Janeiro, em 1975.

60. O regulamento vigente no Município do Rio de Janeiro é o baixado pelo Decreto n.º 322, de 3 de março de 1976.

61. TJPR, 6.ª Câm. Cível, Rel. Des. Telmo Cherem, AC n.º 628997900, julgado em 28/04/1999.

62. Paulo de Bessa Antunes, Direito Ambiental, Editora Lumen Juris, 1996, p. 102.

63. Essa decisão foi citada pelo próprio Paulo de Bessa Antunes (ob. cit., p. 104), que a qualifica de ultrapassada, citando duas outras, supostamente contrárias e mais recentes, do Tribunal de Alçada Cível de São Paulo, mas que na verdade não ferem o ponto decisivo da questão, de modo que não se pode dizer que estão renovando o posicionamento jurisprudencial acerca do tema.

64. Gustav Hadbruch, Leyes que no son derecho y derecho por encima de las leyes, in Derecho injusto y derecho nulo, Aguilar, Madrid, 1971, p. 14.

65. Ob. cit., p. 493.

66. TJRJ, II Grupo de Câmaras Cíveis, Rel. Des. Sérgio Cavalieri Filho, Embargos Infringentes na Apelação Cível n.º 4.324/90, julgado em 06/06/97.

67. STF, 2.ª Turma, Rel. Ministro Carlos Velloso, RE 140.436-SP, julgado em 25/05/99 e publicado no DJ em 06/08/99, p. 45.

68. Adílson de Abreu Dallari, Servidões Administrativas, Universidade Católica de Tucumán, 1979.

69. Isso se diz dado o caráter de permanência que guardam as servidões, embora não sejam perpétuas. E, caso fosse instituída a intervenção de uso por tempo curto, por medida de urgência, estaria configurada, de outra sorte, autêntica requisição, que não confere direito real ao sujeito ativo. Servidão jamais.

70. Ob. cit., p. 479/480.

71. Caio Mário da Silva Pereira, Insituições de Direito Civil, vol. IV, 12.ª edição, Editora Forensa, 1997, p. 185.

72. Lembramos que, conforme a lição de Messineo, que adotamos, os poderes são apenas um grupo dos elementos que integram o novo conceito de propriedade, ao lado dos limites propriamente ditos e dos deveres positivos (ou limites impróprios).

73. Silvio Rodrigues (Direito Civil, vol. 5, Direito das Coisas, 24.ª edição, Editora Saraiva, 1997, p.80), por exemplo, se resume a fazer a seguinte afirmação sobre essa questão: "Finalmente, é limitada a propriedade resolúvel (v. n. 129 e s., infra).Propriedade resolúvel é a que encontra, no próprio título que a constitui, uma razão de sua extinção. De modo que o direito de propriedade perece pelo advento da causa extintiva, e independe da vontade do titular do domínio".

74. Do contrário, o que se configurará será um condomínio.

75. Essa regra não se aplica ao credor anticrético, que somente tem o direito de retenção da coisa, que se extingue em 15 anos, contados do dia da transcrição (art. 760 do CC).

76. Sobre outras formas de extinção dos direitos reais de garantia, vide arts. 802 e 849, ambos do Código Civil.

77. TRF da 2.ª Região, 1.ª Turma, Relator Juiz Ricardo Regueira, acórdão publicado no DJ em 27/01/99, p. 90. Este é, também, a posição da prof. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Servidão Administrativa, Revista dos Tribunais, 1978. p. 56.

78. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Princípios da Licitação, Revista de Direito da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, n.º 48, 1995, p. 40.

79. Ob. cit., p. 64.

80. Neste sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello (Ob. cit., p. 179), Hely Lopes Meirelles (Ob. cit., p. 559), Diógenes Gasparini (Ob. cit., p. 297) e José dos Santos Carvalho Filho (Ob. cit., p. 478).

81. TRF da 2.ª Região, 2.ª Turma, Relator Juiz Alberto Nogueira, decisão publicada no DJ em 23/06/94.

82. Vide o art. 12 do Decreto n.º 24.643/34 (Código de Águas), citado no item II, da letra A, n.º 6 deste trabalho.

83. M. S. Z. Di Pietro, Servidão Administrativa, ob. cit., p. 62.

84. Idem à nota anterior.

85. Lembre-se: quando se fala em competência exclusiva é que não se admite delegação, conforme interpretação do Parágrafo único do art. 84 da CRFB/88.

86. STF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Sydney Sanches, ADIMC n.º 1.717-DF, publicado no DJ em 25.02.2000, p. 50.

87. Wanderley José Federighi, Ação de Desapropriação, Editora Saraiva, 1999, p. 22.

88. TRF da 2.ª Região, 1.ª Turma, Relator Juiz Frederico Gueiros, AC n.º 92.0215956-4, publicaddo no DJ em 06/06/95.

89. RT 723/111.

90. José Carlos de Moreira Salles, A Desapropriação à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 4.ª edição, Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 135/136.

91. Ob. cit., p. 537.

92. STF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Paulo Brossard, RE n.º 172.816-RJ, publicado no DJ em 13.05.94, p. 11.365.

93. Idem à nota anterior.

94. Ob. cit., p. 318.

95. Ob. cit., p. 516/517.

96. STF, Tribunal Pleno, Relator Ministro Paulo Brossard, RE n.º 172.816-RJ, publicado no DJ em 13.05.94, p. 11.365.

97. Idem à nota anterior.

98. Ob. cit., p. 479/480.

99. Orlando Gomes (Direitos Reais, 15.ª edição, Editora Forense, 1999, p.287) diz-nos que as servidões podem ser voluntárias ou decorrentes de usucapião. As voluntárias podem ser constituídas através de contrato, por testamento ou de ato unilateral de vontade inter vivos. Mas nessa última hipótese, ambos os prédios devem ser, inicialmente, da mesma pessoa, caso em que não se pode falar ainda, propriamente, em servidão. A constituição desta ficaria sujeita a uma condição suspensiva, qual seja, a alienação de um dos prédios.

100. Vide nota anterior.

101. Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, Vol. IV, Editora Forense, 12.ª edição, 1997, pg. 187

102. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Servidões Administrativas, ob. cit., p. 47.

103. Ob. cit., p. 49.

104. Vide art. 485 do Código Civil.

105. O prof. José Carlos de Moraes Salles (ob. cit., p. 795) defende a tese de que o decreto declaratório de utilidade pública para fins de servidão administrativa somente será necessário se o particular não concordar com a proposta amigável do Poder Público. Entretanto, à vista do rigor das formas a ser exigido em razão do interesse particular envolvido, não abraçamos aquela tese.

106. Ob. cit., p. 795/796.

107. TRF da 2.ª Região, 1.ª Turma, Relator Juiz Ney Fonseca, Agravo de Instrumento n.º 92.0211904-0, publicado no DJ em 20.06.96, p. 42.414. Ressalve-se, aqui, a imprecisão terminológica.

108. Salvo o caso de desapropriação confiscatória, prevista no art. 243 da CRFB/88.

109. STJ, 2.ª Turma, Relator Ministro Hélio Mosimann, julgamento do Resp n.º 74.178-RO. Acórdão publicado nos JSTJ e TRF - Lex, 84:201 e segs..

110. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, tomo II, 1970, p. 974.

111. M. S. Z. Di Pietro, Servidão Administrativa, ob. cit., p. 71/72.

112. Ob. cit., p. 65.

113. TRF da 2.ª Região, 1.ª Turma, Relatora Juíza Tânia Heine, Remessa ex officio n.º 94.0210282-5, publicado no DJ em 30.03.95.

114. TRF da 2.ª Região, 2.ª Turma, Relator Juiz Alberto Nogueira, AC n.º 90.0219590-7, publicado no DJ em 21/10/93.

115. TJRJ. 3.ª Câm. Cível, Relator Des. Oscar Silvares, AC n.º 641/97, julgado em 27/05/97.

116. Ob. cit., p. 202.

117. Ob. cit., p. 188.

118. M. S. Z. Di Pietro, Servidão Administrativa, ob. cit., p. 68.

119. A prof. Di Pietro afirma que as servidões administrativas não se extinguem pelo não-uso. No entanto, esse não-uso, no âmbito do Direito Administrativo, assume a feição da desafetação, que pode ser fática ou jurídica, conforme lição da doutrina mais autorizada. Mas neste caso não tem aplicabilidade, ao nosso ver, o prazo de 10 anos a que se refere o art. 710, III do Código Civil.

120. Ob. cit., p. 202.

121. Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de Direito Administrativo, 3.ª edição, Editora Forense, 1976, p. 289.

122. Maria Coeli Simões Pires, Da Proteção ao Patrimônio Cultural, Editora Del Rey, 1994, p. 75.

123. Ob. cit., p. 76.

124. "São exemplos de servidão administrativa: a passagem de fios elétricos sobre imóveis particulares, a passagem de aquedutos, a instalação de placas sinaizadoras de ruas nos imóveis particulares, o trânsito sobre bens privados, o tombamento em favor do Patrimônio Histórico, etc." (Ob. cit., p. 182).

125. Ob. cit., p. 200. Note-se que, linhas atrás a autora se refere à possibilidade de a Administração mascarar a desapropriação, fazendo-a parecer com o tombamento, para se livrar do dever de indenizar. Daí ela se referir, neste ponto, à desapropriação.

126. RDA 112/55.

127. Themistocles Cavalcanti, Curso de Direito Administrativo, 4.ª edição, Editora Freitas Bastos, 1956, p. 146.

128. Parece-nos que é sim de natureza real esse direito de preferência.

129. Ob. cit., p. 497, nota 53.

130. Informações colhidas do anexo 6, do livro da prof. Maria Coeli Simões Pires, ob. cit., p. 377. Quanto aos imóveis tombados na Cidade de Ouro Preto, existe um processo administrativo para cada bem, embora sejam muitos.

131. Ob. cit., p. 497.

132. Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, edição histórica, vol. I, p. 269.

133. STF, 1.ª Turma, Relator Ministro Moreira Alves, RE n.º 182.782-RJ, publicado no DJ em 09.02.1992, p. 2092.

134. Edmur Ferreira de Faria, Curso de Direito Administrativo Positivo, Ed. Del Rey, 2000, p.463.

135. Antes da edição da Medida Provisória n.º 610/94, tal órgão era chamado "Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional". E o Decreto-lei n.º 25/37 assim se refere quando trata da competência para tombar os bens de interesse público.

136. Ob. cit., p. 497.

137. STJ, 2.ª Turma, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Resp n.º 30.519-RJ, in RF 333/251. No caso em questão, o ato de tombamento foi anulado.

138. Machado, Carlos Augsuto A Machado. Tombamento, um Instituto Jurídico, Temas de Direito Urbanístico 1, Ed. RT, 1987, p. 33.

139. Cretella Júnior, José. Regime Jurídico do Tombamento, RDA, 112/54 Idem, idem, idem, p. 112/54.

140. Miranda, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a emenda nº 1 de 1969, ob. cit., Vol. I, p. 358.

141. Idem, p. 358

142. Gasparini, Dógenes. Enciclopédia Saraiva de Direito, verbete "Tombamento", vol. II, ps. 16-18.

143. Silva, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro, ob. cit., p. 491

144. Julgado no STF, de 19.08,1943, RDA, 98/586.

145. Ob. cit., p. 151.

146. Essa notificação é indispensável, sob pena de ser negado qualquer efeito ao tombamento em relação ao proprietário e à vizinhança, como decidiu o Superior Tribunal de Justiça no ROMS n.º 7.581-PA, in RSTJ 97/140.

147. Observe-se que o livro de legislação administrativa do prof. Luiz de Oliveira Castro Jungstedt diz tratar-se de simples decreto federal. Mas, na verdade não é. Trata-se de decreto-lei, até porque expressamente fundamentado no art. 180 da CRFB/37, que trata dessa espécie normativa.

148. Ob. cit., p. 500.

150. Nota 60, na mesma pág. 500.

151. Ob., cit., p. 525.

152. Ob. cit., p. 151.

153. STF, 1.ª Turma, Relator Ministro Octávio Gallotti, RE n.º 219.292-MG, publicado no DJ em 23.06.2000, p. 31.

154. RF, vol. 98/590.

155. Ob. cit., p. 180.

156. STF, 1.ª Turma, Relator Ministro Celso de Mello, despacho no Agravo de Instrumento n.º 127.174-SP.

157. Ob. cit., p. 524.

158. Lembre-se de que o art. 14 do mesmo diploma legal veda a saída do bem tombado dos limites do nosso território, senão por tempo curto e com autorização do IPHAN.

159. Ob. cit., p. 501.

160. Ob. cit., p. 763.

161. Ob. cit., p. 204.

162. Citado por José Carlos de Moraes Salles, ob. cit., p. 762.

163. O prof. José dos Santos Carvalho Filho nos dá conta de que Dromi e Manuel Maria Diez aceitam a ocupação temporária de bens móveis (ob. cit., p. 487).

164. Ob. cit., p. 487.

165. Odília Ferreira da Luz Oliveira, Manual de Direito Administrativo, Editora Renovar, 1997, p. 250.

166. Ob. cit., p. 566.

167. Ob. cit., p. 295.

168. Ob. cit., p. 487/488.

169. On. cit., p. 765.

170. Note-se que o art. 14, § 2.º da Lei n.º 3.924/61 obriga o Poder Público a reconstruir o relevo danificado quando causa prejuízo ao proprietário.

171. Ob. cit., p. 766.

172. Ob. cit., p. 766.

173. Ob. cit., p. 766.

174. Ob. cit., p. 488.

175. Ob. cit., p. 490.

176. Ob. cit., p. 563.

177. Ob. cit., p. 816/817.

178. Ob. cit., p. 299.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MADEIRA, José Maria Pinheiro. Institutos afins à desapropriação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3433. Acesso em: 25 abr. 2024.