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Importância da engenharia legal para o Judiciário no sentido de explicar causas de acidentes de trânsito

Importância da engenharia legal para o Judiciário no sentido de explicar causas de acidentes de trânsito

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A engenharia legal é usada na identificação de causas de acidentes de trânsito e nas investigações de crimes. No meio jurídico, as provas materiais precisam de princípio científico que lhes dê a credibilidade suficiente ao estabelecimento da certeza.

Resumo: Os conhecimentos da engenharia legal são um eficiente instrumento na identificação de causas de acidentes de trânsito e nas investigações de crimes, no sentido de explicar e desvendar fatos investigados com o uso de conceitos e leis da Física. As informações obtidas a partir desses conhecimentos contribuem na compreensão de exames e na decisão de sentenças.

No caso de acidentes de trânsito, é possível estimar a velocidade de veículos a partir das medições de outros parâmetros físicos presentes na situação investigada. Assim, consideramos que as aplicações da Engenharia legal podem contribuir para o judiciário uma vez que permitem construir relações entre os conteúdos e o contexto social. Diante disso é que buscamos nesse artigo mostrar como são realizadas essas aplicações nas investigações de acidentes de trânsito, de modo a construirmos novas compreensões de como são realizadas tais pericias.

Palavras chaves: Perícia criminal, ciências criminais, engenharia legal.  


1.Introdução :

A perícia criminal é garantida no sistema judiciário, sendo função do Estado e que tem como incumbências os exames de corpo de delito, o qual abrange desde a avaliação de materiais até a elucidação de dinâmica criminosa, através da observação e análise de vestígios encontrados em local de crime.   Segundo ZAVERUCHA (2003), a atuação errônea do exame pericial e de seus órgãos é um fator importante para a elevação dos índices da criminalidade e impunidade. Também argumenta que o trabalho da perícia no sentido de explicar e desvendar fatos investigados com o uso de conceitos e leis da Física e sua livre atuação é determinante para a defesa dos direitos e garantias fundamentais das pessoas.  

 A ciência conectada com a perícia criminal é intitulada de Criminalística, sendo assim, uma ciência aplicada que emprega entendimentos de outras áreas do conhecimento, principalmente associados com as ciências tecnológicas e naturais. A Criminalística possui metodologias e regulamentações próprias que são embasadas em normas específicas constantes na legislação de cada país; no Brasil os Códigos de Processo Penal (CPP) e Processo Penal Militar são os principais dispositivos legais que fundamentam o trabalho pericial. O CPP é o código que mais faz alusão sobre a Perícia Criminal no Brasil e sendo assim, é geralmente o principal mencionado sobre o tema.   Com base no CPP, temos no artigo 158:   “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado” (Brasil, 1941).   Quem realiza as perícias é o Perito, que significa: hábil em alguma ciência ou arte. Sendo assim, alguém que detém um amplo conhecimento em uma área, utilizando-o para originar uma determinada investigação. Considerando a área criminal o perito tem a incumbência de realizar exames técnicos – científicos para relatar a dinâmica dos fatos, descobrir a autoria do crime e analisar os objetos e locais envolvidos. A verificação se inicia normalmente no ambiente em que ocorreu o delito e nos vestígios ligados ao crime.  

O processo de investigação é examinado com cuidado de forma a sempre ter conclusões baseadas em análises objetivas com metodologia científica, já que o trabalho do perito é de fé pública e não se pode distorcer resultados ou manipular o laudo.   No meio jurídico há uma constatação de que as provas materiais precisam de princípio científico que lhes deem a credibilidade suficiente ao estabelecimento da certeza do juiz. Além disso, a própria natureza de certos exames, tais como a classificação de substâncias proibidas, a determinação de dinâmicas de acidentes de trânsito, a comparação de padrões de impressão digital e de projéteis e os exames de materiais biológicos demandam, por si só, o uso de técnicas e métodos provenientes da biologia, física e química, por exemplo.   Posteriormente à realização das verificações e exames necessários o Perito Criminal relata os resultados obtidos no laudo.

O código de processo penal ressalta a importância da pericia e fala sobre o profissional:

Art. 159.  O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior.

        § 1o  Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame.

        § 2o  Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo.

        § 3o  Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico.

        § 5o  Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia:

        I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com  antecedência  mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar

        II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência

        § 6o  Havendo  requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado  no  ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.

        § 7o  Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico.

        Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que examinarem, e responderão aos quesitos formulados.

        Parágrafo único.  O laudo pericial será elaborado no prazo máximo de 10 dias, podendo este prazo ser prorrogado, em casos excepcionais, a requerimento dos peritos.

        Art. 161.  O exame de corpo de delito poderá ser feito em qualquer dia e a qualquer hora.

     Art. 162.  A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que declararão no auto.

     Parágrafo único.  Nos casos de morte violenta, bastará o simples exame externo do cadáver, quando não houver infração penal que apurar, ou quando as lesões externas permitirem precisar a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de alguma circunstância relevante.

        Art. 163.  Em caso de exumação para exame cadavérico, a autoridade providenciará para que, em dia e hora previamente marcados, se realize a diligência, da qual se lavrará auto circunstanciado.

 Art. 167.  Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.

 Art. 168.  Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto, proceder-se-á a exame complementar por determinação da autoridade policial ou judiciária, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor.

 § 1o  No exame complementar, os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a fim de suprir-lhe a deficiência ou retificá-lo.

        § 2o  Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1o, I, do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de 30 dias, contado da data do crime.

  § 3o  A falta de exame complementar poderá ser suprida pela prova testemunhal.

Art. 169.  Para o efeito de exame do local onde houver sido praticada a infração, a autoridade providenciará imediatamente para que não se altere o estado das coisas até a chegada dos peritos, que poderão instruir seus laudos com fotografias, desenhos ou esquemas elucidativos. (Vide Lei nº 5.970, de 1973)

      Parágrafo único.  Os peritos registrarão, no laudo, as alterações do estado das coisas e discutirão, no relatório, as conseqüências dessas alterações na dinâmica dos fatos. (Incluído pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994)

  Art. 170.  Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas.

    Art. 171.  Nos crimes cometidos com destruição ou rompimento de obstáculo a subtração da coisa, ou por meio de escalada, os peritos, além de descrever os vestígios, indicarão com que instrumentos, por que meios e em que época presumem ter sido o fato praticado.

  Art. 172.  Proceder-se-á, quando necessário, à avaliação de coisas destruídas, deterioradas ou que constituam produto do crime.

 Parágrafo único.  Se impossível a avaliação direta, os peritos procederão à avaliação por meio dos elementos existentes nos autos e dos que resultarem de diligências.

  Art. 173.  No caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato.

      Art. 175.  Serão sujeitos a exame os instrumentos empregados para a prática da infração, a fim de se Ihes verificar a natureza e a eficiência.

     Art. 176.  A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato da diligência.

  Art. 180.  Se houver divergência entre os peritos, serão consignadas no auto do exame as declarações e respostas de um e de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a autoridade nomeará um terceiro; se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar proceder a novo exame por outros peritos.

  Art. 181. No caso de inobservância de formalidades, ou no caso de omissões, obscuridades ou contradições, a autoridade judiciária mandará suprir a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo.  (Redação dada pela Lei nº 8.862, de 28.3.1994)

   Parágrafo único.  A autoridade poderá também ordenar que se proceda a novo exame, por outros peritos, se julgar conveniente.


2.Engenharia Legal :

A expressão já consta, desde 1937, no decreto número 23.569, que regulamentou o exercício da profissão do engenheiro. A Engenharia Legal compreende todas as atividades do engenheiro tendentes a solucionar problemas jurídicos que dependem de conhecimentos técnicos, os quais normalmente não são inerentes aos advogados e magistrados, traduzindo especialmente a função do perito judicial em matéria de engenharia.


3. Área de atuação:

Dentre as perícias realizadas pela Seção de Engenharia Legal destacam-se:

  -Exame de Local de Incêndio, que consiste em analisar os vestígios existentes procurando determinar o(s) foco(s) de fogo e a causa do evento.

 - Exame de Local de Explosão, que consiste em analisar os vestígios existentes procurando determinar o tipo de artefato explosivo utilizado bem como o ponto de implantação do mesmo.

- Exame de Local de Crime Ambiental, que consiste em analisar, constatar e descrever a ocorrência de crimes ambientais tais como desmatamento em áreas de preservação permanente, desmatamento de mata nativa, extração de substância mineral, poluição do ar, degradação e ocupação irregular do solo, poluição hídrica, poluição sonora, poluição ambiental causada por empresas públicas e privadas, lixões e aterros sanitários, transporte e armazenamento de produtos químicos, materiais de pesca irregular e balões, dentre outros.

- Exame de Local de Acidente de Trabalho, que consiste em analisar os vestígios existentes procurando determinar se o acidente foi causado por falha ou ausência de equipamentos de segurança ou imperícia.

 - Exame de Local de Desabamentos, Deslizamentos, Desmoronamentos e Soterramentos, que consiste em analisar as causas genéricas, ou seja, de projeto, de execução, ou infrações as normas técnicas, ou sucessivamente, as causas específicas, tais como: falhas geotécnicas, de estrutura, de construção, de demolição ou de materiais.

- Exame de Máquinas e Equipamentos, que consiste em analisar as características de máquinas, equipamentos e instrumentos envolvidos na autoria de delitos ou crimes.

 - Exame de Local de Danos, que consiste em analisar, constatar e descrever a ocorrência de danos ao patrimônio público ou privado.

 - Exame de Local de Fuga de Presos, que consiste em analisar os vestígios existentes procurando determinar os meios empregados por detentos ao empreender uma fuga (ou tentativa).

 - Exame de Local de Alteração de Limites, que consiste em analisar a possível alteração das divisas ou dos limites originais ou da situação da área ou terreno, confrontados os documentos de posse e outros ofertados nos autos ou pelas partes envolvidas; para fazer o levantamento topográfico, planialtimétrico, GPS ou aerofotografias, ou aprovações aprovadas pelos órgãos públicos pertinentes.

 - Exame de Local Relacionados com Crimes contra o Privilégio de Invenção, constatar a cópia de equipamentos, sistema patenteado e registrado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, ou por contrafação de marca, quando envolver processos produtivos e equipamentos de engenharia (dos crimes contra as marcas e patentes e desenhos industriais).

- Exame de Local de Esbulho Possessório, constatar invasão de faixas de área titulada e/ou terreno, com invasão ou alteração de posse de área, sem a correspondente documentação legal.

- Exame de Local Furto de Água e/ou Energia, constatar o artifício ou a alteração em equipamentos na rede da concessionária, com o fito de redução de consumo próprio, de subtrair para si ou para outrem, desviar, reservar através de dispositivo ou meio ilícito.

- Exame de Local Furto de Pulso Telefônico e/ou Sinal de Tv a Cabo, constatar o artifício ou a alteração em equipamentos e na rede da concessionária, com o fito de reduzir o consumo próprio, de subtrair para si ou para outrem, desviar, reservar através de extensão clandestina, dispositivo ou meio ilícito.

- Exame de Local Violação da Comunicação Telegráfica, Radioelétrica ou Telefônica, constatar com eficiência a alteração em equipamentos eletroeletrônicos de escuta, gravações ou interferências na rede de concessionárias e agências públicas: grampos, emissoras de rádiofusão clandestina (radio pirata), centrais telefônicas, sabotagem em serviços públicos, etc

- Exame de Local Defeitos de Peças e de Máquinas, constatar a certificação e a eficácia em peças e máquinas relacionadas a aspectos de engenharia, tais como: materiais de construção, ferramentas, equipamentos, medidores, equipamentos de proteção individual e coletiva, capacetes, eletrodomésticos, eletroeletrônicos, faixa de freqüência de rádios e Hand Talker – HT’s.

-Exame de local de acidente de trânsito, crimes de trânsito, ocorrências de tráfego e outras denominações. Tanto na área civil quanto criminal determinar as reais condições de como ocorreu aquele incidente, vistorias veiculares , Constatação de Culpabilidade de Condutor; Constatação de Defeitos Mecânicos e elétricos.

             Desta breve descrição que não abrangeu todas as áreas  pode-se constatar que os exames realizados pela Seção de Engenharia Legal, e laudos periciais resultantes, são peças fundamentais para os operadores da justiça tomarem suas decisões em relação aos diversos delitos e crimes citados..   


4. Acidente de trânsito:

A Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, em sua NBR 10697, define acidente de trânsito como: Acidente de trânsito é todo evento não premeditado de que resulte dano em veículo ou na sua carga e/ou lesões em pessoas e/ou animais, em que pelo menos uma das partes está em movimento nas vias terrestres ou áreas abertas ao público. Pode originar-se, terminar ou envolver veículo parcialmente na via pública. Do ponto de vista do órgão de trânsito, cabem algumas ponderações. As áreas abertas ao público (estacionamentos de shopping centers, etc.) não se incluem em sua jurisdição.      


5. Fatores contribuintes nos acidentes

Costuma-se classificar os fatores contribuintes em três grupos: humanos; da via e/ou meio ambiente e veiculares. Fatores humanos são ações arriscadas do indivíduo no trânsito, quer na condição de condutor de veículo que pode se envolver em um acidente, quer na de pedestre arriscando-se a ser atropelado. Estes comportamentos indevidos acabam, isolados ou juntamente com outros fatores, induzindo à ocorrência do acidente. Desrespeitar o sinal vermelho, dirigir com excesso de velocidade, não sinalizar intenção de manobra e dirigir alcoolizado são exemplos de fatores humanos que contribuem para que o acidente aconteça. Normalmente, são erros cometidos pelos usuários da via e, em sua maioria, constituem infrações de trânsito.

 Os fatores citados são bastante objetivos, não oferecendo dificuldades para serem levantados. No entanto, existem fatores humanos de outra ordem, mais subjetivos, aqui chamados de indiretos, que estão na raiz dos primeiros e que refletem aspectos ligados à formação insatisfatória do envolvido (imperícia, inabilitação, inexperiência etc.) ou às suas condições físicas / psicológicas desfavoráveis (cansaço, sonolência, estresse, agressividade, euforia, pressa, desatenção etc.) e que são mais difíceis de serem identificados, por necessitarem de entrevistas com os envolvidos. No entanto, seu conhecimento pode ser desejável, já que eles potencializam o cometimento de erros no trânsito por parte dos seus usuários.

Fatores da via e/ou meio ambiente são características inseguras da via e/ou do ambiente no momento do acidente, que podem ter contribuído para a sua ocorrência. Os aspectos inseguros podem estar ligados às características geométricas da via (deficiências de projeto), à incorreção da sinalização implantada (idem), ao estado dessa sinalização (problemas de manutenção), ao estado do pavimento, às condições climáticas etc. Assim, placa mal posicionada, faixa de pedestres inexistente, semáforo com defeito, buraco na pista, curva acentuada, obra na pista, chuva intensa etc. são exemplos de fatores relacionados com a via / meio ambiente, que contribuem para a ocorrência dos acidentes de trânsito.

Fatores veiculares são aqueles decorrentes de falhas no desempenho dos veículos envolvidos no acidente, normalmente provocadas pelo seu mal estado de conservação. Farol desregulado


6. Tipos de acidentes

Embora exista uma diversidade de formas com que as unidades veiculares possam se acidentar nas vias, existe uma certa regularidade na maneira como os acidentes acontecem. Pode-se dessa forma dividir os acidentes da seguinte forma:

-Colisão entre veículos: normalmente envolve dois ou mais veículos, estando incluso nesta modalidade de tipo de acidente aquele em que se envolve ciclista sobre a bicicleta. colisão entre veículos caso o condutor da bicicleta esteja montado na bicicleta. Caso a pessoa envolvida no acidente esteja apenas empurrando a bicicleta, o acidente deve ser tratado como atropelamento.

-Atropelamento (Colisão veículo x corpo flácido): ocorre envolvendo veículo automotor (automóveis, motocicletas e caminhões) e um ou mais pedestres, podendo também ocorrer contra um animal (semoventes, cães, etc).

-Choque Mecânico (Colisão veículo x obstáculo fixo): envolve pelo menos um veículo e um obstáculo fixo como poste, árvore, muro, parede ou guarda corpo.

-Choque Mecânico (Colisão veículo x corpo rígido): envolve pelo menos um veículo e um corpo rígido não fixo (containeres de lixo, lixeiras, material de depósito no leito da via ou na margem dela), podendo ser o objeto atingido um outro veículo que se encontra estacionado.

-Tombamento: Nestes casos o veículo experimenta uma rotação de cerca de 90 graus em torno de seu eixo longitudinal horizontal.

-Capotamento: Nestes casos o veículo sofre um giro ou semi-giro em torno do seu eixo longitudinal ou do eixo-transversal. O veículo capotado se encontra no local de acidente com o teto voltado para a superfície asfáltica. Pode ocorrer também situações em que o veículo sofreu tombamento ou capotamento e tenha voltado para sua posição convencional. Nesses casos o tombamento ou capotamento se evidencia pelos danos presentes no teto e nas laterais do veículo pelo contato com a superfície asfáltica ou de terra.

-Abalroamento: o embate entre os dois veículos envolvidos no acidente ocorre com um veículo em movimento atingindo lateral x lateral de veículo que está parado. O termo é emprestado da área naval, cujo significado corresponde ao contato entre duas embarcações.

-Saída de pista: o veículo sai da pista sem ter contato com outro veículo ou obstáculo além do meio-fio ou desnível da pista, podendo ocorrer também precipitação quando o veículo passa a desenvolver queda livre por ação da gravidade ao se desprender do leito da via para um precipício ou vale.

É evidente que um acidente na maioria das vezes ocorre de forma complexa, podendo dentro de um mesmo acidente ocorrer diversas formas de colisões e de embates em uma seqüência de fatos que cabe ao perito de local informar em uma sugestão de dinâmica provável.


7. Vestígios decorrentes de acidentes de trânsito

Conhecidos os critérios para se identificar uma via e os seus elementos, a definição de sua velocidade máxima, os critérios para se classificar os veículos envolvidos em um acidente, a topografia dos veículos para a localização das sedes de impacto e os tipos de colisão mais comuns, passemos à definição dos vestígios relacionados aos acidentes de trânsito.

Frenagem: consiste em marca pneumática impressa na superfície asfáltica, caracterizada pelo desprendimento de material dos pneumáticos devido ao aquecimento quando da aplicação dos freios no processo de parada dos veículos. Pode ocorrer em vias de terra batida, onde não se observa o desprendimento de material dos pneumáticos, mas fica evidente o revolvimento de terra no trecho em que o veículo percorreu no processo de desaceleração. Atualmente devido aos sistemas de freios do tipo ABS, a frenagem em superfície asfáltica, nos casos em que envolvem veículos com esses dispositivos não ficam tão evidentes.

Derrapagem: consiste em marca pneumática impressa na superfície asfáltica, caracterizada pelo desprendimento de material dos pneumáticos devido ao aquecimento quando da aplicação dos freios no processo de parada dos veículos. A derrapagem se diferencia da frenagem pelo seguinte aspecto: quando da derrapagem o veículo se encontra sob ação de dois movimentos, sendo um na direção longitudinal da unidade veicular e outro movimento na direção transversal, o que resulta em movimento oblíquo.

Fricção: a fricção se caracteriza por marcas de contato entre as partes metálicas de um veículo e uma superfície dura, asfalto ou concreto.

Sulcagem: a sulcagem é decorrente do contato violento entre as partes metálicas de uma unidade veicular e a superfície asfáltica ou de concreto, caracterizada pela retirada de parte da camada da superficial da pista. A sulcagem demarca na pista um sulco, bem característico o que a diferencia das marcas de fricção, pelo aspecto de sua maior violência no contato entre a unidade veicular e o trecho da via.

Fragmentos: peças desprendidas dos veículos quando de uma colisão. Diversos são os fragmentos encontrados em um local de acidente: fragmentos de vidro, partes de farol, para choques, partes metálicas, fragmentos de partes plásticas entre outros.

Definir as posições de tais fragmentos auxiliam na definição da trajetória dos veículos envolvidos, bem como são elementos que auxiliam no cálculo da velocidade dos veículos pela projeção dos fragmentos.

Líquidos: após a colisão, devido aos danos, os veículos podem derramar óleo, combustível ou mesmo água, que ficam depositados na pista. Os vestígios como os líquidos auxiliam na definição da trajetória dos veículos envolvidos.

Material orgânico: manchas de sangue, pêlos, desprendimento de pele e até mesmo ossos são encontrados em locais de acidentes de trânsito. Tais fragmentos, conforme os outros vestígios devem ser catalogados, identificados e localizados nos croquis quando do levantamento. Havendo necessidade, dependendo do tipo de acidente, tais vestígios devem ser coletados para posterior identificação da origem do material orgânico.

Cargas: veículos que portam carga, após um acidente podem ter seu conteúdo espalhados pela pista ou ainda ter todo ou parte do conteúdo dentro do compartimento de carga.

Em tais condições, a carga de um veículo é importante item de análise de um acidente, mas também deve ser elemento relevante quanto à segurança daqueles que estão envolvidos no levantamento do local. Cargas explosivas, tóxicas ou cargas instáveis são motivos para se redobrar os cuidados com a segurança. Cuidados que trataremos mais à frente.


8. Investigação e levantamento de local de acidente de trânsito isolamento e preservação de local

O local de acidente de trânsito possui diversas peculiaridades. O levantamento dos dados deve ser feito em uma seqüência lógica que permita ao perito criar uma rotina de trabalho, objetivando que o levantamento seja feito no menor tempo possível e com melhor qualidade.

A equipe pericial, via de regra, chega ao local de acidente de trânsito depois que outras equipes policiais já chegaram ao local. primeiramente a Polícia Militar, em seguida equipes do Corpo de Bombeiros ou da Defesa Civil, posteriormente a Polícia Civil e por último a equipe da Perícia Oficial. Nas rodovias federais quem primeiro atende as ocorrências são os policiais rodoviários federais.

Nessas condições é imprescindível primeiramente a preservação do local seguido de um bom isolamento. Preservar é manter o estado das coisas conforme foi encontrado. A simples presença da Polícia Civil ou Militar em um local de acidente de trânsito não é garantia da preservação do local. O trânsito de populares, a passagem de veículos, a parada de veículos com condutores curiosos na pista interferem sobremaneira no local de acidente de trânsito, deslocando vestígios, apagando outros e criando também falsos vestígios, devido a sobreposição de marcas pneumáticos dos que passam pelo local. O responsável direto pela preservação do local é a autoridade policial (Delegado de Polícia) que deverá estar presente no local para que sejam feitas as devidas correções quanto ao isolamento. O isolamento do local de acidente de trânsito deve ser feito da seguinte forma:

Percorrida toda a pista para que se possa observar a extensão do acidente. O isolamento do local não deve se concentrar apenas na região onde os veículos se encontram em repouso. Caso se faça necessário posicione ou reposicione os cones de modo que a distância destes ao local do acidente permita que os veículos que transitem pela pista tenham condições de frear antes do local do acidente ou dele se desviar Em nenhum momento podemos nos esquecer que o perito de local concentra a atenção no seu trabalho, o que por certo o deixa de certa forma desprotegido diante da possibilidade de novos acidentes em uma mesma via.

 Fragmentos diversos, tais como partes de pára-choques, de faróis, de latarias, entre outros, devem ser deixados na pista do modo como foram encontrados, ou seja, o isolamento deve compreender também os fragmentos decorrentes do acidente. Onde houver grande concentração de populares é aconselhável o uso de fitas zebradas para delimitar a área.

Também nesses casos a presença de pessoal de apoio (PM, PRF e PRE) é de fundamental importância, ou seja, os policiais militares devem de preferência se manter no local durante os levantamentos.   Importante item de segurança se relaciona às cargas dos veículos. Ao se aproximar de locais onde houver cargas voláteis ou inflamáveis a segurança deve ser redobrada. O levantamento só deve ter prosseguimento quando todas as condições de segurança forem asseguradas,

Nos casos onde houver cadáver ou cadáveres, se faz necessário que se evite o trânsito de pessoas pelo local. O isolamento deve ser feito de tal modo que os populares e curiosos se encontrem o mais distante possível.

Nota: Nos casos em que houver vítima e que esta tenha sido removida do local, a autoridade policial ou investigador deverá indicar a posição em que se encontrava a vítima em relação ao veículo e em relação à via. Importante tópico a ser discutido se relaciona à Lei N° 5.970, de 11 de maio de 1973, que exclui da aplicação do disposto nos artigos 6º, inciso I,  e 169, do Código de Processo Penal, os casos de acidente de trânsito, e, dá outras providências:

Art 1º Em caso de acidente de trânsito, a autoridade ou agente policial que primeiro tomar conhecimento do fato poderá autorizar, independentemente de exame do local, a imediata remoção das pessoas que tenham sofrido lesão, bem como dos veículos nele envolvidos, se estiverem no leito da via pública e prejudicarem o tráfego.

Parágrafo único. Para autorizar a remoção, a autoridade ou agente policial lavrará boletim da ocorrência, nele consignado o fato, as testemunhas que o presenciaram e todas as demais circunstâncias necessárias ao esclarecimento da verdade .


9. Vestígios no local de acidente de trânsito

Os vestígios comumente encontrados em um local de acidente são os seguintes:

marcas pneumáticas de frenagem: produzidas pelos veículos que se encontram com os pneumáticos travados.

marcas pneumáticas de derrapagem: produzidas quando o veículo se desloca em processo de rodagem, mas em curva, com deslocamento transversal, normalmente são mais largas que os pneus e mais escuras.

marcas pneumáticas por rolamento: o veículo por movimentação de terra, por impressão em terra mole, por deposição de algum material define sua trajetória.

fragmentos: peças desprendidas dos veículos quando de uma colisão.

fricções: quando do contato de peças metálicas retira superficialmente pequena camada da superfície pavimentada.

sulcagens: quando do contato de peças metálicas retira profundamente camada da superfície pavimentada.

líquidos: derramamento de óleo, combustível e água na pista.

Material orgânico : pêlo, pele, sangue.

Destacamos: mais importante que catalogar os vestígios em um local de acidente de trânsito é fazer a correlação desses vestígios entre os veículos envolvidos, com as vítimas e com a via. Por exemplo, é fundamental definir no local a que veículo pertence determinada frenagem, a que veículo pertence um fragmento de farol, ou ainda, qual dos veículos envolvidos em um acidente teve contato com este ou aquele obstáculo da via. Por óbvio, tais definições só podem ser feitas no local do acidente. Não pode um perito a partir de fotografias ou a partir de lembranças do local fazer ilações quanto à dinâmica de um acidente se não tem elementos comprobatórios para tal. O princípio físico da ação e da reação pode ser aqui utilizado para lembrar que aquele toca também é tocado, e que a busca por vestígios em local de acidente de trânsito deve ser feita norteada por esse princípio.

Sítio de colisão: Dentro desse conjunto de vestígios que podemos encontrar em um local de acidente de trânsito necessariamente devemos destacar o sítio de colisão. Consiste o sítio de colisão em área na pista de rolamento, ou mesmo fora dela, onde ocorreu o contato ou impacto entre dois veículos ou entre um veículo e um ou mais pedestres. O sitio de colisão é um vestígio secundário, ou seja, a sua determinação é feita a partir de outros vestígios. A área onde se constata desvio abrupto de marcas de frenagem, áreas onde se observa superposição de marcas de frenagem, presença de marcas de fricção e sulcagens concentradas juntamente com marca de frenagem possuem elementos que auxiliam na determinação de um sítio de colisão. Desaconselhamos o uso do termo ponto de colisão, uma vez que entendemos ser impossível demarcar na pista o exato ponto onde houve uma colisão, sendo então a nomenclatura sítio de colisão como sendo a mais adequada, por tratar a região como sendo uma área onde houve a colisão. Podendo ainda ser demarcada na pista uma área de colisão com seu respectivo ponto central.


10. Exemplo de pericia utilizando a Engenharia legal

Dentre as várias tarefas executadas pelo perito engenheiro hoje, a análise de acidentes de trânsito é a que mais se destaca, por infelizmente ter-se tornado algo corriqueiro, além de envolver vários fenômenos físicos. Estes podem ser compreendidos como parte da dinâmica de corpos rígidos.

Além da utilização das Leis de Newton e da lei de Variação da energia Cinética, em acidentes de trânsito destaca-se o princípio da Conservação da Quantidade de Movimento, pelo qual é possível calcular com boa aproximação a velocidade de um carro na colisão.

A força resultante, em uma freada, é igual ao módulo do produto do coeficiente de atrito pelo peso do veículo F = ¼mg, ou seja, é a força exercida pela pista sobre o carro. Aplicando a segunda Lei de Newton (F = ma) chega-se a expressão da desaceleração de um veículo, a = ¼g. Percebe-se que não há dependência da massa do carro em questão. Este resultado nos diz que um fusca e um caminhão freiam em distâncias iguais se vierem com a mesma velocidade.

Um carro ao frear está sujeito a aplicação de uma força de atrito ao nível do centro de massa. Como resultado, a frente do carro tende a baixar, levantando a traseira, o que afeta a distribuição de peso entre os eixos. Portanto, o carro permanece deste modo até atingir o repouso, quando endireita-se do seu cabeceio, executando uma rotação em torno de seu centro de massa. Os sinais deixados por uma freada são de fundamental importância para a reconstituição do acidente. Por serem duráveis, essas marcas dão conta dos estados intermediários ocorridos nesse processo. Durante uma freada, o carro desenha na pista as marcas dos pneus através de um processo que utiliza muita energia. O conhecimento desse processo permite designar tempos a cada ponto da trajetória. Medindo a distância (L) dessas marcas e sabendo que a energia cinética do carro vai diminuindo ao longo da trajetória, sabe-se que ao percorrer a trajetória L, o carro atinge uma velocidade final VF.

Usando o teorema da energia na sua forma integral:

½m{(VI)²   (VF)²} = + F dx

onde F = ¼mg

Assim: ½m{(VI)²   (VF)²} = + ¼mg dx

½m{(VI)²   (VF)²}= ¼mgx onde x eqüivale a distancia L.

Logo: (VI)²   (VF)² = 2¼gL

Igualando a velocidade do carro a zero no momento da colisão ( VF = 0), encontra-se o valor aproximado da velocidade em que o carro estava antes de o motorista acionar os freios. Porém, na maioria dos acidentes, os carros não param logo ao colidirem. Por esta razão, o valor encontrado é uma aproximação do valor exato do carro.


11. Conclusão

O famoso físico Werner Heisenberg, quando jovem, escreveu em uma de suas cartas que as teorias físicas tinham que se limitar a descrever o que vemos. Como resposta, seu correspondente Albert Einstein escreveu que, pelo contrário, são as teorias que nos dizem o que podemos ver. Em resumo, esta resposta descreve a função básica de um perito engenheiro, pois para um pesquisador forense, uma análise minuciosa da cena do crime vale mais que várias testemunhas. Além disso, os mínimos detalhes, por mais que pareçam irrelevantes e grotescos, passando despercebidos para os leigos, são na maioria das vezes, o elo de ligação entre a teoria e o ocorrido, sendo de extrema importância na solução da maior parte dos casos.

A Engenharia aplicada as pesquisas forenses é o segmento que tem como principal objetivo observar e analisar os fenômenos físicos naturais, cuja interpretação é de interesse do poder judiciário. É tarefa de um perito, não somente a análise de acidentes de trânsito, mas também determinação do tipo de veículo a que possam pertencer fragmentos como pedaços de lanternas e para-choques encontrados nos locais da colisão, determinar a trajetória de projéteis, a distância em que foi efetuado o disparo, os orifícios de entrada e saída desses projéteis, bem como materializar as possíveis posições da vítima no momento do crime.

Este artigo teve como objetivo mostrar a importância da engenharia legal para a eficácia das investigações em acidentes de trânsito com um exemplo de colisão e demostrar a sua importância perante a justiça.


12.Referências bibliográficas.

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NETO, Osvaldo Negrini. Soluções Eletrônicas para Cálculos de Velocidade em Acidentes de Trânsito. Disponível em: <http://www.scielo.br/>. Acesso em 2014

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