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A cessão de posição contratual e a novação

A cessão de posição contratual e a novação

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A cessão de posição contratual não tem previsão legal no Brasil, como ocorre em Portugal. No entanto a doutrina e a jurisprudência caminham para aceitar esta figura jurídica como forma de transmissão de obrigações.

INTRODUÇÃO

Os contratos via de regra expressam um valor um econômico. Por essa razão a dinâmica econômica da sociedade atual exige que os bens e as riquezas circulem, e para que isso ocorra, exige segurança jurídica.

Nesse sentido, os pactos que exprimem valor pecuniário podem ser objeto de transferência. Assim, surge o instituto da cessão da posição contratual.

A matéria ainda comporta divergência na doutrina e na jurisprudência. Há dúvidas sobre a sua natureza jurídica, seu conceito e seu real alcance.

A cessão de posição contratual muito se assemelha com outros institutos jurídicos afins tais como a cessão de crédito, a assunção de dívida e também com a novação. Entretanto, conforme será examinado a seguir, com eles não se confunde. Cada um deles tem os seus contornos jurídicos próprios e merece toda a atenção.

Pretende-se expor as principais ideias sobre o assunto neste trabalho, sem a mínima pretensão de esgotá-lo ou mesmo de ser exaustivo, apenas contribuindo para o debate e a análise das principais questões pertinentes ao tema.


DESENVOLVIMENTO

O contrato é o acordo entre duas ou mais partes, em conformidade com a lei, com a finalidade de adquirir, resguardar, transmitir, modificar e extinguir direitos[1].

A princípio, o contrato obriga somente aqueles que o firmaram, conforme o princípio da relatividade dos contratos. Está ligado também ao princípio da obrigatoriedade, onde o que se pactuou deve ser cumprido na forma e modo que foi acordado.

Os requisitos gerais dos contratos ou genéricos estão previstos na legislação e podem ser de ordem subjetiva, objetiva e formal. Os requisitos subjetivos são a capacidade das partes para a prática de atos na ordem civil, ou seja, que tenha discernimento necessário para a concretização do pacto. Outro requisito é a vontade livre de vícios e manifestada de maneira inequívoca, o consentimento.

Os aspectos objetivos referem-se ao objeto do contrato que deverá ser lícito, isto é, em conformidade com a lei, ou por ela aceito. Exige-se a possibilidade jurídica e física do objeto. Exemplo de objeto possível juridicamente seria a compra e venda de drogas e entorpecentes que no caso do Brasil, Portugal, e em muitos países da Europa é ilícito contrato dessa natureza.

A possibilidade física se refere à viabilidade do objeto. Seria impossível fisicamente o arrendamento de uma estrela ou de um terreno lunar. Além disso, o objeto deve ser determinado, especificado para que haja a sua individualização e identificação, ou pelo menos, determinável em gênero e quantidade para obrigações sobre coisa incerta, por exemplo.

Ainda sob o prisma do objeto, há de se perquirir a sua economicidade. O contrato deve ter uma feição econômica. Não é aceitável que se possa contratar que em todas as manhãs se façam um aperto de mão ou um abraço. Apesar do objeto ser lícito, não proibido em lei, falta-lhe a economicidade que direciona os contratos na sociedade capitalista onde os contratos são tidos como instrumentos de circulação de riquezas.

Os requisitos formais são exigidos para conferir maior segurança jurídica às avenças que o legislador elegeu como necessários. A regra geral é que os contratos não exigem forma especial a não ser quando a lei o exigir expressamente, quando ocorre com os negócios envolvendo imóveis que devem passar pelo crivo da forma pública em certos casos.

No estudo da teoria geral dos contratos são analisados inúmeros princípios aplicáveis a exemplo do princípio da autonomia da vontade, do consensualismo, da obrigatoriedade, da relatividade, da boa fé, da função social do contrato, entre outros.

A autonomia da vontade está ligada e relacionada com a liberdade de contratar. As partes não podem ser coagidas, forçadas a contratar sem a sua vontade livre, autônoma de conformidade com seus interesses pessoais, suas aspirações e expectativas sobre a avença. Cabe à parte avaliar as características e consequências que virão com a contratação e, conforme seu livre entendimento, optar por contratar ou não contratar.

O princípio do consensualismo prevê que para a concretização do contrato obrigacional basta a formalização da avença. Não é necessário que haja a entrega do bem objeto da avença tal como acontece no contrato reais.

O princípio da obrigatoriedade reza que as obrigações assumidas devem ser cumpridas, sob pena de sofrer consequências previstas na lei ou no próprio contrato, conhecido pela expressão “pacta sunt servanda”.

O princípio da relatividade é o que mais nos interessa para a compreensão do tema tratado neste trabalho. A relatividade informa que o contrato somente possa irradiar efeitos para os personagens do contrato. Terceiros não serão atingidos pela avença, pelo menos em regra, e em um primeiro momento. Há contratos que poderá haver efeitos para terceiros, como ocorre com a estipulação em favor de terceiro, a exemplo do contrato de seguro em que se coloca terceira pessoa como beneficiário. Porém, em regra, somente as partes contratantes serão atingidas pelos efeitos do contrato. Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo se não se obrigou pelo contrato a que esteja vinculado.

O princípio da boa fé informa que as partes devem agir com ética, com moralidade, na consecução e na execução dos contratos.

A função social do contrato é corolário da função social da propriedade. Os bens devem servir à sociedade. Há um bem maior, o interesse público e coletivo que deve ser atendido. A visão puramente individualista e egoísta não pode mais impedir a sociedade de alcançar o bem comum. Nesse sentido surgem os direitos de vizinhança, a legislação urbanística, ambiental, sanitária, onde o proprietário do imóvel deverá respeitar estes valores para o exercício do direito de propriedade que não mais tem caráter absoluto como já ocorreu em outros tempos, especialmente antes do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988.

Nesse compasso, a função social do contrato também determina que as avenças devam estar em consonância com os valores e bens da sociedade, o bem comum, o interesse público. Os contratos também devem interpretados de maneira que não infrinja essas regras e valores de caráter social.

Transmissão legal das obrigações.

A atual sociedade reclama que as riquezas devem circular. Os bens móveis ou imóveis devem cumprir a sua finalidade de satisfazer as necessidades humanas. Nesse cenário, os contratos, como expressão econômica que são, podem circular, ser transmitidos para outras pessoas, para terceiros.

O legislador previu algumas formas de transmissão de obrigações, a cessão de crédito, a cessão de débito ou assunção de dívida e a sub-rogação.

Veremos cada uma dessas hipóteses separadamente:

a)   Cessão de crédito.

A cessão de crédito é o negócio jurídico onde o credor aliena o seu crédito oriundo de uma determinada obrigação (contrato) para uma terceira pessoa.

Denomina-se cedente o credor que cede o seu direito creditício; e cessionário aquele que recebe os direitos contratuais.

Essa transação poderá ser gratuita ou onerosa. No caso de ser onerosa, o cedente pode negociar a cessão considerando diversos fatores que podem influenciar na avaliação desse crédito, como por exemplo a própria solvabilidade e liquidez do mesmo. Quanto maior as garantias, a solvabilidade, a possibilidade de adimplemento do contrato, maior será seu valor.

A cessão de crédito é um negócio muito utilizado no meio comercial. No âmbito dos títulos de crédito ela pode aparecer na forma de cessão de direitos ou até mesmo com um instituto semelhante que é o endosso dos títulos de crédito, com algumas diferenças pontuais. A principal delas é a responsabilidade do cedente.

O cedente responde pela existência do crédito e não responde pela solvência do devedor, salvo disposição em contrário. No casso do endosso (títulos de créditos), o endossante responde solidariamente pela solvência do endossatário.

A lei brasileira não exige a anuência do devedor para a concretização da cessão de crédito, até porque faltaria interesse em recusar, uma vez que a sua obrigação de cumprir o contrato continua a mesma. Basta a sua notificação para que saiba para quem deva pagar.

O Código Civil do Brasil não exige forma especial para a cessão de crédito.

A cessão de crédito garantida por hipoteca deverá ser averbada no cartório de registro de imóveis para conhecimento de terceiros.

A peculiaridade da cessão de crédito reside no fato de que não abrange os seus acessórios, ou seja, não estão incluídas as garantias reais ou fidejussórias, salvo se houver expressa disposição em contrário.

Não podem ser objeto de cessão de crédito quando houver proibição na lei ou em convenção das partes. A lei proíbe, por exemplo, a cessão de créditos de caráter alimentícios, devido a sua natureza personalíssima e intransmissível.

Em Portugal, o Código Civil lusitano prevê a cessão de crédito também como instituto de transmissão das obrigações com roupagem semelhante à do Brasil, conforme se percebe da leitura da redação precisa dos artigos 578 a 580.[2]

b)  Cessão imprópria (cessão legal).

O Brasil tem uma particularidade em termos de cessão que a doutrina a classifica como de cessão imprópria, pois não há qualquer intervenção ou manifestação de vontade das partes. Haverá a cessão de direitos de forma impositiva pelos termos da lei n. 8.245/91 que regula a locação de imóveis urbanos[3].

Quando o imóvel alugado for alienado a terceiro e o contrato de locação continua em vigor, haverá uma cessão imprópria onde o novo proprietário, o adquirente, deverá obrigatoriamente respeitar o contrato locatício firmado anteriormente entre o vendedor e o locatário, desde que, naturalmente, esse contrato tenha sido registrado no cartório de registro de imóveis para conhecimento de terceiros.

Veja que o novo proprietário adquire, além do imóvel, os ônus contratuais da locação que já se encontrava em vigor quando da concretização da alienação imóvel.

Esta figura jurídica, no meu modesto entender, está mais para uma “cessão de posição contratual” que será tratada oportunamente ainda que de forma compulsória do que uma cessão imprópria como classifica a doutrina, com o devido respeito, uma vez que todas as obrigações são trespassadas ao adquirente.

c)   Cessão de débito (assunção de dívida).

A assunção de dívida também foi tratada pela legislação civil. É o negócio jurídico onde o polo passivo da relação contratual é transmitida para uma terceira pessoa. Esse negócio envolve a troca ou a substituição de um devedor por outro.

Devido ao princípio da relatividade dos contratos, o credor deverá ser consultado previamente sobre a assunção de dívida por terceiro, pois esta avença repercute diretamente na solvência do devedor e na adimplência do contrato. É evidente que se o novo devedor tiver menores condições de adimplir o contrato, o credor oferecerá resistências, até porque eventuais garantias prestadas por terceiros (fiança, hipoteca, e outros) não surtirão efeitos em relação ao novo devedor, sem que haja a concordância expressa do garantidor.

Havendo notificação do credor para manifestar sobre o desejo de entabular a assunção de dívida por terceiro, caso o credor não manifeste, não poderá valer se do silêncio para presumir que aceitou. É uma exceção do brocardo jurídico de que “quem cala consente”. Na assunção de dívida não ocorre isso. É interesse do credor que o contrato se desenvolva em relação ao devedor originário até o seu termo final, pois levou em conta as características pessoais dele (ética, honestidade, confiança, patrimônio entre outros), e só poderá aceitar novo devedor com a concordância expressa do credor.

Existem as modalidades de assunção de dívida: a) liberatória, que é a verdadeira liberação do devedor originário da obrigação; b) cumulativa, onde o devedor primitivo não é liberado da obrigação, ficando responsável, juntamente com o novo devedor. Ambos passam a responder solidariamente. Essa modalidade não há previsão na legislação brasileira.

Poderão ser, ainda, expromissória ou delegatória. Na expromissória teremos contrato entre o credor e o novo devedor, havendo a desoneração do devedor originário, sem que ele participe da avença. É negócio raro, porém, poderá um pai fazer para o seu filho, como exemplo. A delegatória é quando há uma relação trilateral, havendo a participação do credor, antigo devedor e novo devedor, com expressa anuência de todos.

d)  Sub-rogação.

Na sub-rogação haverá a substituição, por força de lei ou do contrato, dos direitos creditórios daquele que solveu a dívida de outrem a que estava obrigado como garantidor.

A sub-rogação legal se opera de pronto, independentemente de manifestação das partes. Poderá ocorrer, por exemplo, quando o fiador ou avalista paga a dívida do devedor afiançado ou avalizado. Também ocorre quando o devedor de dívida comum solidária, paga toda a dívida, e sub-roga no crédito em relação aos dos demais coobrigados. O adquirente de imóvel hipotecado que quita o crédito da hipoteca também se subrroga no valor da dívida paga.

A sub-rogação convencional advém de um acordo de um contrato onde há a responsabilização pelo débito por terceira pessoa. Há a intervenção de credor, devedor e do terceiro pagador sub-rogante.

Não haverá sub-rogação por presunção. Deve ser declarada expressamente.

Importante destacar o enunciado 352 do Conselho da Justiça Federal que reza o seguinte:

“Salvo expressa concordância dos terceiros, as garantias por eles prestadas se extinguem com a assunção de dívida; já as garantias prestadas pelo devedor primitivo somente são mantidas no caso em que este concorde com a assunção.”

O entendimento se mostra adequado em consonância com o princípio da relatividade dos contratos. O terceiro garantidor somente estará obrigado se anuir expressamente com a assunção de dívida por estranhos à relação contratual original.

A subrrogação real ocorre quando a lei autoriza a substituição de pleno de direito de um bem pelo outro sem que se altere o regime jurídico que o determina, tal como ocorre com o consorte que antes do casamento era proprietário de alguns bens. Após o casamento poderá vender esse bem (particular) e adquirir outro com o produto desta alienação. Assim, o bem adquirido ocupará o lugar do anterior. A qualidade jurídica de “bem particular” será sub-rogada para o novo bem. Essa classificação e também o exemplo referido é muito bem explicada por Maria Helena Diniz.[4]


CESSÃO DE POSIÇÃO CONTRATUAL.

A cessão de posição contratual é o negócio jurídico pelo qual uma terceira pessoa, estranha ao contrato inicial, ingressa na relação jurídica em substituição a uma das partes. Essa terceira pessoa denomina-se cessionário. E os contratantes iniciais serão denominados cedente e cedido.

Esse negócio é mais amplo que as demais formas de transmissão das obrigações. A cessão de posição contratual é abrangente e engloba todos o ônus e bônus, os direitos e as obrigações, os acessórios e garantias, que antes pertenciam ao contratante original.

É a forma mais elevada de transmitir obrigações, atualmente.

Na legislação brasileira não há previsão deste instituto. A doutrina e jurisprudência ainda caminham por assimilá-lo baseando-se fundamentalmente no Código Civil de Portugal e nas lições do Direito Italiano.

No Direito de Portugal o Código Civil prevê expressamente no artigo 424 que tem a seguinte redação:

“1. No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão.

2. Se o consentimento do outro contraente for anterior à cessão, esta só produz efeitos a partir da sua notificação ou reconhecimento.”

A cessão de posição contratual está regulada pela legislação portuguesa expressamente nos artigos seguintes do Código Civil português.[5]

A norma exige que haja a anuência do outro contratante para que a cessão de posição contratual. A anuência poderá ser dada antes ou depois da celebração da cessão.

O princípio do consensualismo determina que o contrato somente opera efeitos entre os contraentes. Não pode gerar efeitos obrigacionais para terceiros estranhos à relação jurídica inicial. Para que se admita a mudança de um dos polos da relação contratual, evidentemente a outra parte deve dar a sua concordância, afinal de contas, não se pode obrigar alguém a contratar, conforme o princípio da liberdade e autonomia da vontade.

Permite-se que a anuência com a cessão de posição contratual seja dada em momento posterior, como forma de ratificação o que proporciona maior facilidade para as partes. Nesse ponto, entretanto, o cedente deve ficar atento para que em determinadas situações o cessionário não possa fazer abuso dessa prerrogativa. Para maior segurança das partes e do próprio cessionário, é mais prudente que a anuência tenha sido manifestada prévia ou concomitantemente com a cessão.

A legislação autoriza que a anuência seja manifestada posteriormente, porém, nesse caso, as partes ficam numa posição fragilizada uma vez que caso haja discordância, restará sem efeitos a cessão.

Deve ser ponderado que o contratante tem o direito de saber quem é a pessoa com que está contratando. São levados em consideração as qualidades pessoais, éticas, caráter, especialmente a solvência, a capacidade econômica e financeira e outras qualidades especiais que possam influenciar na consecução do contrato, sem as quais a parte não haveria contratado se tivesse conhecimento delas.

Nesse sentido, entendo que o legislador português andou bem em exigir a anuência do outro contratante para a concretização da cessão, ainda que seja em momento posterior.

A natureza jurídica desse negócio é controvertida na doutrina. Há um debate intenso sobre o tema. O ilustre jurista Galvão Telles[6] entende que a teoria da decomposição é mais adequada sendo aquela em que a cessão de posição contratual seria um misto entre a cessão de crédito e a assunção de dívida.

Uma outra corrente defende a “renovatio contractus” onde haverá a extinção da relação contratual original, semelhantemente com o que já ocorre com a novação.

A teoria unitária considera o negócio como autônomo e independente em relação ao contrato anterior. A transmissão dos direitos e obrigações se daria em bloco. Esta tem sido a mais aceita e utilizada pela doutrina majoritária, conforme defende Galvão Telles[7] e Antônio Menezes[8], a meu ver, com acerto, pois esta é a razão de ser da desse negócio, a transmissão integral da posição contratual.

Requisitos.

A cessão da posição contratual exige como requisitos de validade a existência de um contrato válido anterior que será objeto de cessão; a transmissão de uma das posições das partes através do negócio cessionado; e que haja uma causa, uma fonte, dentro da ideia da causalidade. Não se admite a cessão de contratos abstratos.

A lei exige expressamente que o contrato que está sendo objeto de cessão de posição contratual esteja em pleno vigor, que suas prestações sejam recíprocas e para cumprimento futuro. Isso ocorre porque caso o contrato já esteja exaurido faria mais sentido optar pela cessão de crédito ou pela assunção de dívida, e não pela cessão de posição contratual. Mais uma vez a redação da legislação lusitana merece aplausos pela sua precisão e incorreção.

Efeitos.

O principal efeito da cessão de posição contratual é a substituição da parte originária pelo cessionário nos direitos e obrigações que lhe eram inerentes.

Em relação ao cedente e cessionário o efeito será de substituir a posição da parte. Em regra, o cedente não responde pela solvência do devedor, porém, pela autonomia da vontade, nada impede que isso seja acordado, caso em que haverá responsabilidade solidária.

Se o cedente sabia da existência de vícios de nulidade ou mesmo da extinção da obrigação e ainda assim opta por concretizar a cessão, responderá por perdas e danos frente ao cessionário de boa fé.

De outro lado, o cedente fica exonerado das obrigações do contrato, via de regra, pois haverá a assunção das obrigações pelo cessionário.

Vedações.

Com base no princípio da autonomia da vontade, qualquer negócio, via de regra, pode ser objeto de cessão de posição contratual. Entretanto, há que se sustentar que haverá casos em que a cessão será vedada seja por imposição da lei ou por convenção das partes e, ainda, conforme a natureza da obrigação.

Desse modo, ficará vedada a cessão de posição contratual quando a obrigação for fundada nas qualidades pessoais dos contratantes a exemplo de obrigações infungíveis ou obrigações personalíssimas.

Se houver convenção das partes a respeito de vedar a cessão essa cláusula será válida, pela autonomia das partes. Veja que as partes podem elevar à qualidade infungível uma determinada relação contratual obrigacional.

A lei também pode proibir a cessão, como ocorre com a obrigação alimentar (art. 2008, item I, do Código Civil Português). Outro exemplo de vedação legal seria a cessão de posição contratual de casamento, devido à natureza personalíssima que impera sobre as relações matrimoniais.

O Código Civil proíbe ainda a cessão de posição contratual no caso de se referir a bens litigiosos, conforme artigo n. 579[9].


NOVAÇÃO

A novação é o negócio jurídico pelo qual se extingue a obrigação anterior entabulando nova avença nascendo uma nova relação obrigacional entre os contraentes. A legislação portuguesa prevê duas espécies de novação. A novação objetiva é aquela em que credor e devedor inovam com referência ao objeto da obrigação[10]. Haverá novo objeto a ser negociado entre as mesmas partes originárias. A novação subjetiva, por sua vez, também tem sua previsão legal na legislação lusitana[11]. Poderá ser novação subjetiva ativa, quando altera o credor; e novação subjetiva passiva, alterando-se o devedor. Quando houve alteração do objeto e de mais alguma das partes haverá novação mista, conforme se extrai da redação do Código Civil.[12]

A legislação brasileira tratou desse tema conceituando a novação subjetiva ativa e passiva. A novação subjetiva ativa é aquela em que a inovação se refere à modificação da parte ativa da relação obrigacional, isto é, da parte credora. A novação subjetiva passiva refere-se à modificação da parte devedora.

A novação exige como pressupostos que a relação contratual anterior não esteja extinta e nem inválida. Dessa forma os pressupostos da novação requer: a) existência de um contrato válido; b) ânimo de “novatio”; c) alteração substancial.

A existência de um contrato válido é necessário porque a novação visa justamente extinguir a situação anterior e estabelecer uma nova. Obrigações nulas, ou seja, eivadas de vícios que resultam em sua nulidade inerentes à capacidade civil das partes, ao objeto lícito, possível e determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei.

As obrigações anuláveis podem ser passíveis de novação, isso ocorre pois elas podem ser ratificadas ou confirmadas pelas partes daí não faria sentido em proibir que a novação deliberasse sobre ela, ainda que para extingui-la e constituir novo negócio.

O ânimo de novar é requisito obrigatório. Necessita que as partes deliberem expressamente sobre a vontade certa e induvidosa de extinguir a obrigação anterior. Sem essa manifestação de vontade não haverá novação, podendo ser tão somente aditamento do contrato anterior, se for o caso.

A alteração substancial do objeto do contrato quer dizer que não é qualquer modificação que se denomina de novação. Para assim ser considerada, necessita que o objeto principal da avença seja extinto e um novo seja acordado. Simples alterações nos prazos de pagamento, juros e outras condições acessórias não serão consideradas novação.

A análise dos requisitos da novação é importantíssimo pois determinará a natureza de um contrato com efeitos jurídicos correspondentes. Se for novação, por exemplo, além de extinguir a operação anterior, haverá a interrupção dos prazos de prescrição e de decadência, devendo o termo de contagem desses prazos serem reiniciados a partir da novação. Isso não acontecerá caso haja apenas um aditamento contratual do negócio original.

Essa diferença é a mais visível e que tem maior relevância prática quando cotejamos a novação e cessão de posição contratual. Na novação haverá a extinção da relação obrigacional anterior, logo os prazo prescricionais e decadenciais começam a correm novamente. No caso da cessão não haverá interrupção dos prazos pois os efeitos do contrato continuam vigorando desde o primeiro negócio. O cessionário adquire os direitos contratuais no estado em que se encontra, seja bons ou maus; os bônus e os ônus.


CONCLUSÃO

Os contratos, do ponto vista econômico, podem exprimir valor, os quais podem circular na sociedade para a satisfação das mais variadas necessidades humanas.

A legislação, para conferir segurança jurídica nessas transações, deve regular as situações em que os contratos são transmitidos tal como ocorre com a cessão de crédito, assunção de dívida, sub-rogação e cessão de posição contratual. A novação, por outro lado, é contrato em que as partes extingue a relação obrigacional anterior estabelecendo uma nova.

A cessão de crédito é negócio onde o credor transmite o seu crédito ao cessionário, respondendo apenas pela existência da obrigação e ficando desobrigado pela solvência do devedor, salvo se houver pactuado nesse sentido. A cessão imprópria está prevista na legislação brasileira, porém, muito se assemelha com a cessão de posição contratual.

A assunção de dívida, por sua vez, determina a substituição do devedor por terceira pessoa que assume a obrigação, com a anuência do credor.

A sub-rogação é a substituição dos direitos contratuais daquele que solveu dívida de outrem a que estava obrigado como terceiro garantidor. A subrrogação legal opera-se de pleno direito. A subrrogação convencional depende de vontade das partes. A sub-rogação real ocorre quando um bem é substituído por outro preservando a relação jurídica que o imperava.

A cessão de posição contratual é o negócio em que uma pessoa estranha à relação jurídica ingressa na relação jurídica no lugar de um dos contratantes. A legislação brasileira não previu essa forma de transmissão das obrigações, valendo-se a doutrina e a jurisprudência da legislação e obras de Portugal para a compreensão do instituto que pode ser aceito no Brasil numa perspectiva da autonomia da vontade.

A natureza jurídica da cessão de posição contratual é controvertida na doutrina. A teoria da decomposição defende que houve uma mistura entre o cessão de crédito e assunção de dívida. A teoria unitária considera o negócio da cessão de posição contratual como autônomo e independente onde haverá a transmissão em bloco de todos os direitos e obrigações. Há também uma linha de pensamento que ensina que a cessão de posição contratual seria uma “renovatio contractus” assemelhando com a novação.

A teoria mais coerente é a unitária, com o devido respeito às posições contrárias.

Os requisitos de validade da cessão de posição contratual são a existência de um contrato válido anterior que será objeto da cessão; a transmissão de uma das posições das partes através do negócio cessionado; e que haja uma causa, uma fonte, dentro da ideia da causalidade.

O principal efeito da cessão de posição contratual é a substituição da parte original pelo cessionário.

É vedada a cessão de posição contratual quando se referir a contrato personalíssimo ou obrigação de natureza infungível; quando houver cláusula proibitiva no contrato original; obrigações alimentares; e ainda quando se referir a bens litigiosos.

A novação é o negócio que, ao contrário daqueles acima citados, extingue a obrigação anterior estabelecendo uma nova relação obrigacional. A novação objetiva refere-se ao objeto do contrato. A novação subjetiva refere-se aos sujeitos da avença, ativa no caso do credor e passiva referente ao devedor. E mista quando houver novação do objeto e de um dos sujeitos. Os pressupostos da novação são a existência de um contrato válido; ânimo de “novatio”; e alteração substancial.

Não se pode confundir a novação com a cessão de posição contratual pois elas tem contornos jurídicos próprios e efeitos diferentes. O mais visível é a extinção da obrigação anterior que ocorre com a novação e não ocorre com a cessão de posição contratual que é forma de transmissão de obrigação.

Os prazos prescricionais e decadenciais serão interrompidos no caso da novação. Tratando-se de cessão de posição contratual não haverá interrupção, fluindo-se os prazos desde o contrato original.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANOTILHO, J. J. Gomes e MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2010.

CORDEIRO, António Menezes. Direito das Obrigações, 2.º volume (reimpressão), AAFDL, Lisboa, 1990.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro-Teoria Geral das Obrigações. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. V. 2

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito civil: obrigações, 9. ed., São Paulo: Saraiva, 2008. Vol. 2.

TELLES, Inocêncio Galvão (2002) – Manual dos Contratos em Geral, 4º edição, Almedina, Coimbra.

TELLES, Inocêncio Galvão. Manual dos Contratos em Geral, refundido e actualizado, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2002.

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: Teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos, 3ed. São Paulo. Atlas, 2003.


Notas

[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro-Teoria Geral das Obrigações. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. V. 2

[2] ARTIGO 577º

(Admissibilidade da cessão)

1. O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor.

2. A convenção pela qual se proíba ou restrinja a possibilidade da cessão não é oponível ao cessionário, salvo se este a conhecia no momento da cessão.

ARTIGO 578º

(Regime aplicável)

1. Os requisitos e efeitos da cessão entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que lhe serve de base.

2. A cessão de créditos hipotecários, quando não seja feita em testamento e a hipoteca recaia sobre bens imóveis, deve necessariamente constar de escritura pública.

ARTIGO 579º

(Proibição da cessão de direitos litigiosos)

1. A cessão de créditos ou outros direitos litigiosos feita, directamente ou por interposta pessoa, a juízes ou magistrados do Ministério Público, funcionários de justiça ou mandatários judiciais é nula, se o processo decorrer na área em que exercem habitualmente a sua actividade ou profissão; é igualmente nula a cessão desses créditos ou direitos feita a peritos ou outros auxiliares da justiça que tenham intervenção no respectivo processo.

2. Entende-se que a cessão é efectuada por interposta pessoa, quando é feita ao cônjuge do inibido ou a pessoa de quem este seja herdeiro presumido, ou quando é feita a terceiro, de acordo com o inibido, para o cessionário transmitir a este a coisa ou direito cedido.

3. Diz-se litigioso o direito que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado.

[3] Art. 8º Se o imóvel for alienado durante a locação, o adquirente poderá denunciar o contrato, com o prazo de noventa dias para a desocupação, salvo se a locação for por tempo determinado e o contrato contiver cláusula de vigência em caso de alienação e estiver averbado junto à matrícula do imóvel.

[4] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro-Teoria Geral das Obrigações. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. V. 2

[5] ARTIGO 425º (Regime) A forma da transmissão, a capacidade de dispor e de receber, a falta e vícios da vontade e as relações entre as partes definem-se em função do tipo de negócio que serve de base à cessão.

ARTIGO 426º (Garantia da existência da posição contratual)

1. O cedente garante ao cessionário, no momento da cessão, a existência da posição contratual transmitida, nos termos aplicáveis ao negócio, gratuito ou oneroso, em que a cessão se integra.

2. A garantia do cumprimento das obrigações só existe se for convencionada nos termos gerais.

ARTIGO 427º (Relações entre o outro contraente e o cessionário)

A outra parte no contrato tem o direito de opor ao cessionário os meios de defesa provenientes desse contrato, mas não os que provenham de outras relações com o cedente, a não ser que os tenha reservado ao consentir na cessão.”       

[6] GALVÃO TELLES, Inocêncio (2002) – Manual dos Contratos em Geral, 4º edição, Almedina, Coimbra.

[7] GALVÃO TELLES, Inocêncio (2002) – Manual dos Contratos em Geral, 4º edição, Almedina, Coimbra.

[8] CORDEIRO, António Cordeiro. (2000). Tratado de Direito Civil Português, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Coimbra. Almedina.

[9] ARTIGO 579º

(Proibição da cessão de direitos litigiosos)

1. A cessão de créditos ou outros direitos litigiosos feita, directamente ou por interposta pessoa, a juízes ou magistrados do Ministério Público, funcionários de justiça ou  mandatários judiciais é nula, se o processo decorrer na área em que exercem  habitualmente a sua actividade ou profissão; é igualmente nula a cessão desses créditos ou direitos feita a peritos ou outros auxiliares da justiça que tenham intervenção no respectivo processo.

2. Entende-se que a cessão é efectuada por interposta pessoa, quando é feita ao cônjuge do inibido ou a pessoa de quem este seja herdeiro presumido, ou quando é feita a terceiro, de acordo com o inibido, para o cessionário transmitir a este a coisa ou direito cedido.

3. Diz-se litigioso o direito que tiver sido contestado em juízo contencioso, ainda que arbitral, por qualquer interessado.

[10] ARTIGO 857º do Código Cívil Português: Dá-se a novação objectiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga.

[11] Artigo 858 do Código Civil Português: A novação por substituição do credor dá-se quando um novo credor é substituído ao antigo, vinculando-se o devedor para com ele por uma nova obrigação; e a novação por substituição do devedor, quando um novo devedor, contraindo nova obrigação, é substituído ao antigo, que é exonerado pelo credor.

[12] ARTIGO 857º

(Novação objectiva)

Dá-se a novação objectiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga.

ARTIGO 858º

(Novação subjectiva)

A novação por substituição do credor dá-se quando um novo credor é substituído ao antigo, vinculando-se o devedor para com ele por uma nova obrigação; e a novação por substituição do devedor, quando um novo devedor, contraindo nova obrigação, é substituído ao antigo, que é exonerado pelo credor.


Autor

  • Fábio Seabra de Oliveira

    Bacharel em Direito. Pós graduado em Direito Público pela Universidade de Araras, Direito Civil Processo Civil e Empresarial pela Universidade de Araras, Direito Notarial e Registral pela Universidade Cândido Mendes, Direito Imobiliário pela Universidade Gama Filho.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Fábio Seabra de. A cessão de posição contratual e a novação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4876, 6 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35873. Acesso em: 26 abr. 2024.