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A doutrina filosófica do jusnaturalismo à luz das teorias contratualistas de John Loke, Thomas Hobbes e Jean-Jaques Rousseau

A doutrina filosófica do jusnaturalismo à luz das teorias contratualistas de John Loke, Thomas Hobbes e Jean-Jaques Rousseau

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O seguinte trabalho tem como escopo desenvolver uma análise acerca da escola de pensamento filosófico do jusnaturalismo na idade moderna, com enfoque nas idéias e concepções de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau.

Resumo: O seguinte trabalho tem como escopo desenvolver uma análise acerca da escola de pensamento filosófico do jusnaturalismo na idade moderna, com enfoque nas idéias e concepções de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, perscrutando, sobretudo, as peculiaridades de cada autor à luz do contratualismo e da formação do Estado. 

Palavras-chave: Jusnaturalismo;Thomas Hobbes; John Locke; Jean-Jacques Rousseau. 

Abstract: This present work has the aim to develop an analysis about the philosophical doctrine of jusnaturalism on modern age, with focus on the theories of Thomas Hobbes, John Locke and Jean-Jacques Rousseau, scrutinizing, especially, the peculiarities of each author based on contractualism and State formation.

Key-words: Jusnaturalism; Thomas Hobbes; John Locke; Jean-Jacques Rousseau; State formation. 

Sumário: 1. Introdução; 2. A doutrina filosófica do jusnaturalismo: jusnaturalismo antigo e jusnaturalismo clássico; 3. Thomas Hobbes; 4. John Locke; 5. Jean-Jacques Rousseau; 6. Considerações finais; 7. Referências bibliográficas 

1. Introdução

A origem do jusnaturalismo advém da Grécia antiga, sendo esta vertente denominada de jusnaturalismo antigo. Os filósofos helênicos e pré-socráticos, possuíam uma visão cosmológica da realidade, não se ocupando da investigação da natureza humana, preocupavam-se com o entendimento da essência do universo. Em virtude desta perspectiva totalizadora da realidade, havia uma coincidência entre o mundo antropológico e o cosmológico. Em suma, existia uma coincidência entre as leis humanas (Direito Positivo), normalmente consuetudinárias, com as do Direito Natural, pois estas eram consideradas emanações da lei divina ou da própria ordem do cosmos.

Em um segundo momento, temos o jusnaturalismo clássico. Esta corrente, que se inicia em meados do século XVI, se ratifica, definitivamente, com Hugo Grócio que utilizando-se do método indutivo, geométrico e matemático pôde alcançar as chamadas imutabilidades naturais, ou seja, as invariáveis da natureza humana. Também possuem suma importância as teorias concernentes a Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, já que estes três autores revolucionaram os paradigmas de sua época.

O primeiro preconizava um Estado máximo, onde haveria a criação de um pacto de submissão entre a população e o soberano; o segundo, em contrapartida, tinha preferência pelo Estado mínimo, ou seja, liberal, mediante um pacto de concessão, devido, sobretudo, a sua tendência de valorização da propriedade tanto material como imaterial; e por fim, Rousseau priorizava um Estado democrático de modo que seu pacto se realizava através do racionalismo, possibilitando que todos pudessem participar das decisões coletivas, a fim de se extinguir as desigualdades políticas.

Destarte, o presente trabalho irá abordar a concepção doutrinaria filosófica da corrente jusnaturalista, elucidando seus ditames fundamentais a fim de demonstrar a sua relevância no processo de modificação do pensamento moderno, com enfoque, sobretudo, no jusnaturalismo clássico, já que este teve grande relevância para toda a conjuntura política e jurídica da modernidade, repercutindo na formação do chamado Estado Democrático de Direito. 

2. A doutrina filosófica do jusnaturalismo: jusnaturalismo antigo e jusnaturalismo clássico

O jus naturalismo antigo tem início nas Cidades-estados Gregas e usa a natureza como fonte de lei que tem a mesma força em toda parte independente da diversidade de opiniões. Na cultura grega, quem primeiro levantou a diferença entre o direito natural e o positivo foram os poetas dramáticos, em especial Sófocles que, por meio de sua célebre obra Antígona, contestou a validade das leis positivas impostas pelos reis da época ao povo, desqualificando-as em face da supremacia das leis dos deuses, ou seja, as leis naturais. Nesse sentido, enaltece António Teixeira: 

“[...] o Direito Natural clássico dos gregos compreende uma concepção essencialista ou substancialista do Direito Natural: a natureza contém em si a sua própria lei, fonte da ordem, em que se processam os movimentos dos corpos, ou em que se articulam os seus elementos constitutivos essenciais. A ordem da natureza é permanente, constante e imutável.” [3]

Portanto, cabe ressaltar que os gregos fundamentavam os direitos naturais em preceitos superiores: imutáveis, estáveis e permanentes; cuja autoridade se originava da natureza, ou seja, do cosmos, e não da vontade humana. Porquanto, cabe agora analisar a doutrina jusnaturalista clássica.

A corrente de pensamento do Jusnaturalismo clássico, por sua vez, possuía um caráter renovador, no sentido de romper com os paradigmas da filosofia escolástica teocrática do medievo.

Esta corrente dogmática teocrática, tinha como fundamento a existência de uma lei divina. Dentro dessa concepção, a lei não possuiria nenhuma espécie de falha, sendo então, perfeita e imutável. Essa concepção surge de modo visível nas idéias de Tomás de Aquino e de Santo Agostinho.

Tomás de Aquino inspirando-se nos ensinamentos de Aristóteles, elege como elemento primordial a lex aeterna (lei eterna), entendida como a expressão inseparável da razão divina, que controla todo o cosmos.

Isto posto, com o intuito de ratificar que a razão humana era falha, e deveria estar a serviço da fé, Tomás de Aquino laborou a seguinte quadripartição das leis em eterna (a razão divina, imutável e ilimitada), natural (parcela da lei eterna reconhecida pelo homem por meio de sua razão), humana (a lei elaborada pelo homem, como forma de concretizar os ditames genéricos da lei natural) e divina (conhecida por revelação, e não por razão).

Em virtude disto, não se questionava a autoridade religiosa, visto que: se Deus criou o mundo e a igreja representa deus, como criticar à igreja e suas leis?

É contra esta corrente de pensamento que o jusnaturalismo clássico se insurge, utilizando como subsidio a razão natural, ou seja, um direito natural racional.

Tal racionalismo, foi marcado pelas idéias que surgiam à época, sobretudo com as alterações políticas, econômicas e científicas, que marcaram a história humana a partir do século XVI, como o desenvolvimento da economia capitalista e os avanços nas ciências exatas e biológicas, através da utilização dos métodos experimentais, que repercutiram fortemente na cultura ocidental da época, sobretudo na Filosofia e no Direito, gerando, assim, um dos marcos da Idade Moderna e a base de uma nova cultura laica, consolidada a partir do século XVII.

Podemos dizer que o precursor do jusnaturalismo clássico foi Hugo Grócio, no sentido de inaugurar uma nova forma de pensamento que privilegiava a razão humana e não mais a razão de Deus.

A teoria de Grócio sobre a concepção do direito natural é explicitada precipuamente na sua obra, De Jure Belli ac Pacis, publicada em 1625, onde afirmava que o direito natural não se alterava, sendo imutável e independente da existência de um Deus.

O método indutivo, geométrico e matemático era o que possibilitava o alcance dessa imutabilidade natural, ou seja, as invariáveis da natureza humana. Nesse sentido, Grócio contribui indubitavelmente para a criação de um Direito Internacional[4], visto que, se há direitos naturais inerentes a todos, não importa aonde o ser humano resida, este sempre será detentor de direitos naturais, ou seja, existe um Direito das Gentes que seria uma fragmentação dos direitos naturais, regulando desta forma a convivência de diversas nações.

Por fim, para o autor, tanto as relações entre os indivíduos, como as relações entre estes e seus governos e as relações entre Estados Soberanos, baseiam-se na idéia de um contrato, sendo tais pactos de cumprimento obrigatório, visto que são impostos pelas partes que os ratificam. Logo, os contratos deveriam ser feitos por meio da razão, utilizando-se o raciocínio dedutivo, afim de garantir os direitos naturais.

Em suma, se para os gregos o direito natural é fundado na própria natureza ordenada (concepção cosmológica), e para os filósofos medievais o jusnaturalismo tem na razão divina sua principal fonte (concepção teológica), para os iluministas, ou filósofos da Renascença, o direito natural seria produto da própria razão humana (concepção antropológica).

Com isto, há assim, um enaltecimento da figura do homem, no sentido de que este recupera sua liberdade de pensamento e adquire autonomia e individualismo. Com essa mudança no pensamento filosófico da época, busca-se realizar uma mudança na estrutura do governo medieval, com intuito de retirar o poder da igreja e do rei e designá-lo a um Soberano (no sentido de que não necessariamente precisa ser um único homem) qualificado para garantir os direitos naturais e a segurança de todos.

Tal segurança seria necessária já que, naturalmente, os homens tendem a ser hostis e entrar em conflito, de maneira que, tendo seus direitos naturais ameaçados, todo e qualquer homem pode revidar a uma agressão a tais direitos, é o que se chama de lei natural.

A este Estado, onde não há Estado propriamente, isto é, não há nenhuma lei ratificada, somente as leis naturais, dá se o nome de estado de natureza. Nesse sentido, cabe a realização de um pacto para se alcançar um estado de bem estar social, ou seja, busca-se um Estado Civil, onde todos teriam seus direitos naturais garantidos através do governo de um Soberano.

 Assim, pode-se afirmar que as diretrizes do jusnaturalismo clássico no que concerne o Estado são: a existência de uma concepção racionalista do Estado; o Estado civil como antítese do estado de natureza; a formação de uma teoria contratualista do fundamento do poder Estatal; legitimação através do consenso e ter o homem como princípio fundamental.

Visto tal conjuntura, os acontecimentos elucidados abrem caminho para que teóricos e filósofos possam desenvolver inúmeras obras e teorias. Destarte, cumpre analisar três dos principais autores contratualistas do período moderno: Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. 

3. Thomas Hobbes

Thomas Hobbes é considerado por muitos o precursor do positivismo jurídico, visto que, sua idéias representam um verdadeiro divisor de águas para a época, já que este não aceita a existência de vários direitos naturais anteriores ao Estado, mas somente de um: o direito à legitima defesa. Por isso, Hobbes não é considerado um jusnaturalista tradicional.

Em sua principal obra, O Leviatã, Hobbes desconstrói o homem para demonstrar suas fragilidades e limitações cognitivas, é o que ele chama de método resolutivo compositivo, dividindo, assim, o homem: sensação, imaginação, linguagem, ou seja, há uma análise introspectiva.

A antropologia encontrada no filósofo inglês Thomas Hobbes é carregada de negatividade. Segundo ele, a natureza humana é dotada de uma miséria cognitiva, egoísmo, hedonismo, concupiscência, entre outras características que tornam os indivíduos indesejáveis entre si.

Neste sentido, Hobbes aponta as três principais causas da discórdia: a competição, a descrença e a glória. Vale ressaltar que para Hobbes a razão é adquirida, não nascendo com o indivíduo.

Para o autor, esses seriam os principais motivos que levariam o homem ao conflito, caso não houvesse um poder capaz de mantê-los em harmonia, já que o homem é um ser tão crente e fanático que é capaz de se destruir com suas próprias paixões.

Sendo assim, pela necessidade de se controlar as paixões e crenças desse homem, cuja condição natural é dominada pelas fantasias de seu mundo mental imaginário, deve-se criar o Estado, que, segundo Hobbes, seria um homem artificial (O Leviatã), cuja força ultrapasse a de muitos homens naturais para garantir sua segurança, não apenas contra o inimigo comum, mas também contra as suas próprias paixões hedonistas. É visível, portanto, que Thomas Hobbes parte de uma definição negativa da natureza humana para justificar a necessidade do Estado.

O estado de natureza hobbesiano é considerado um estado anárquico, devido a sua imprevisibilidade e incerteza, no sentido de que a todo o momento podem irromper conflitos, já que não há leis positivadas e todos são livres e desimpedidos. Pode-se considerar, nesse sentido, o estado de natureza de Hobbes como um estado de guerra, onde o homem seria o lobo do homem.

Visto isso, se faz necessária a criação de um pacto social entre a população e o seu Soberano, com intuito de se manter a paz e a ordem, passando-se assim de um estado de natureza, conflituoso e imprevisível, para um estado civil, onde há segurança e bem estar. Neste pacto, o povo se submete ao soberano delegando a ele todos os poderes estatais, ou seja, o soberano é um Deus-homem.

Vale ressaltar que o pacto só poderia ser revogado se o soberano o fizer, tendo em vista que o absolutismo seria a única forma de controlar as imprevisibilidades e conflitos que são gerados. Portanto, somente as leis do Estado são legitimas e devem ser cumpridas sem contestação, ou seja, é um Estado máximo, totalmente centralizado na figura do Soberano.

Para Thomas Hobbes, a visão de Estado é criada a partir de um ideal absolutista com o regime monárquico, não há divisão de poderes. Logo, o governante tem todo o poder, desde que não antente contra à vida de cada indivíduo sem justa causa, nessa hipotese, dentro do Estado, o homem seria um deus para o homem. 

O Estado deveria controlar tanto o poder eclesiástico, quanto o poder político, devendo, pois, possuir o total controle do povo, não divindo, deste modo, o poder político e nem a influência, ou seja, deve haver a secularização do poder, já que um homem não poderia obedecer a vários senhores.

Apesar de oferecer uma nova fundação ao poder hegemônico, as ideias de Hobbes foram veementemente rejeitadas pelos monarcas ingleses de sua época (meados do século XVII), pois elas desafiavam a teoria do direito divino dos reis, que ainda era a ideia predominante. As outras versões clássicas do contratualismo, formuladas no século seguinte por Locke e Rousseau, ofereceram teorias propriamente iluministas, na medida em que não se tratava de uma refundação do poder tradicional, mas de uma justificativa da criação de um novo modelo social.

4. John Locke

Se Hobbes é considerado o precursor do positivismo jurídico, Locke, por sua vez, é o pai do Estado Liberal. Este, advindo de família burguesa e intensamente envolvido com o movimento iluminista, se mostra altamente propenso às ideologias liberais do período.

Ao contrario de Hobbes, John Locke, além de ser liberal, é um jusnaturalista tradicional, no sentido de que, este, acredita que existem direitos naturais anteriores ao Estado Civil. Tal fato se mostra verossímil ao se analisar a crença de Locke nas leis naturais, que se antepõem a sociedade civil, ou seja, caso ocorram danos a tais direitos naturais, pode haver retaliação afim de se proteger estes direitos.

Em sua célebre obra, Segundo Tratado Sobre o Governo Civil, percebemos que, fundamentalmente, o estado de natureza de Locke não era necessariamente um estado de guerra, como o de Hobbes, mas este poderia vir a se tornar caso houvesse alguma violação a um direito. Em virtude disto, Locke afirma que haveriam dois estados de natureza: o ideal e o real.

Naquele, há igualdade entre os homens, todos obedecem às leis naturais de maneira a não gerar conflitos e conviver em harmonia. Neste, todos os homens são juízes dos atos cometidos, sendo esta, inclusive, uma lei natural. Em razão disto, John Locke afirma que cada homem poderia julgar em causa própria, gerando, assim, atritos e conflitos, que culminariam em um estado de guerra.

Não se deve olvidar a questão da propriedade na teoria de Locke. Esta, é considerada pelo autor um dos mais importantes institutos a serem preservados. Para ele a propriedade é um bem de produção, ela antecede ao Estado Civil, sendo considerado como propriedade tudo aquilo que é adquirido através do trabalho, ou seja, bens móveis e imóveis, mas também a propriedade do homem como seu corpo, ou seja, sua integridade física e psíquica; tal concepção é um reflexo altamente liberal e burguês presente na ideologia de Locke.

Vale ressaltar que, um ponto de convergência entre as teorias hobbesiana e lockeana é, sem dúvida, a questão da rejeição à doutrina aristotélica, na medida em que esta preconizava a concepção histórica e não racional e se utilizava de uma teoria naturalista e não contratualista para realização de um Estado. Alem disso, esta se pautava na concepção social e orgânica, já que, segundo a doutrina tradicional, a legitimação se dava através da força das coisas e não do consenso.

O homem para Locke é visto com um ser racional livre e igualitário perante seus semelhantes devendo se aperfeiçoar através do empirismo, ao contrário do que preconiza Hobbes, afirmando, este, que os homens são falhos e se deixam levar pelos seus medos e paixões.

Isto posto, o contrato social de Locke é primordialmente um contrato de associação, ao contrario de Hobbes onde há uma submissão. O pacto lockeano se divide em duas fases: na primeira todos renunciam seus poderem em detrimento da coletividade ainda no estado de natureza, ou seja, há uma concessão generalizada com intuito de se deixar o estado natural; no segundo momento, escolhe-se a forma de governo, ou sociedade política, que irá reger o Estado Civil.

Locke admite que podem ser utilizadas inúmeras formas de governo: Democracia, Oligarquia e Monarquia; porém, o autor tem preferência pela Monarquia Constitucional.

Neste caso, deveria haver um poder executivo, composto por um rei ou assembléia, que seria responsável pela administração interna; um poder legislativo que seria o poder supremo, já que criaria as leis sem nenhuma limitação formal, havendo, porém, limitações materiais, no sentido de que o legislador não poderia se aproveitar das leis para benefícios pessoais, estas deveriam ser promulgadas em detrimento da coletividade, estando o próprio legislados sujeito a elas; e um poder federativo que ficaria encarregado de questões supranacionais, como manter a paz e realizar acordos.

No caso de haver insatisfação social, pode-se destituir tal governo e o poder retornará ao povo, hipótese que seria inconcebível no Estado de Hobbes. Da mesma forma, no Estado Civil de Locke, as liberdades individuais são mantidas, o que não ocorre no Estado hobbesiano.

A degeneração do governo poderá ocorrer nas hipóteses de conquista, ou seja, no caso de haver alguma invasão por parte de outro Estado, nesse caso, o conquistador tem o direito de propriedade sobre os derrotados, com exceção das mulheres e crianças; esta também ocorre no caso de usurpação, isto é, quando alguém toma o lugar de outrem indevidamente: o executivo assume o legislativo; por fim, pode ocorrer destituição do governo no caso de tirania: quando o legislativo promulga leis em beneficio próprio, por exemplo.

Por isso, quando o poder político ameaça os direitos naturais coletivos, os súditos podem dissolvê-lo, fazendo com que este poder retorne às mãos do povo, que por fim acaba sendo o verdadeiro detentor do poder supremo. 

5. Jean-Jacques Rousseau

A priori, Rousseau buscou analisar o passado humano visando explicar por que o homem abandonou seus instintos, inocência e bondade natural se socializando com outros semelhantes, criando, assim, desigualdades, desafetos e hedonismos.

Dizia Rousseau, que o homem primitivo não conhecia a sociedade, não haviam vínculos entre os homens, ou seja, cada um vivia isoladamente. Tal homem original não possuía razão, mas sim o chamado ‘amor de si’, sendo por isto, naturalmente bom e não podendo se tornar mal já que não há sociedade que o corrompa. Neste ponto, existe um contraste nítido com a teoria antropológica de Hobbes, visto que, para este, o homem é falho e possui uma natureza malévola por natureza.

Diferentemente de Hobbes e Locke, Rousseau acredita que o estado de natureza se divide em dois momentos. No primeiro momento, os homens vivem isolados, não há interações sociais, ninguém mandava, obedecia ou trabalhava, havia plena igualdade e liberdade para todos. Desta forma, a felicidade humana se constituía plenamente, em razão do fato de que, nesta fase, encontrava-se o ‘bom selvagem’, este que possuía o ‘amor de si’, isto é, um instinto de auto conservação, altruísmo e piedade perante os seus semelhantes. Em suma, todos tem direitos e são soberanos de si mesmos.

O segundo momento do estado de natureza de Rousseau é caracterizado pela mutabilidade, ou seja, o homem se aperfeiçoa visando o progresso, ocorrendo relacionamentos entre os mesmos, a comunicação humana atinge o ápice através da linguagem. Conforme as interações se intensificam, nasce a propriedade, assim, Rousseau afirma que neste momento surge a desigualdade, visto que é delimitada uma propriedade que pertence a um e não a todos.

Nesse momento posterior, o homem é guiado pelo que o autor chama de ‘amor próprio’, no sentido de ser levado pelo seu hedonismo, valorizando os bens materiais com intuito de sobrepujar os seus semelhantes.

Uma crítica feita por Rousseau às teorias de Locke e de Hobbes, concerne à questão das desigualdades que se mantém mesmo após o pacto social. Rousseau afirma que as desigualdades se mantém, ou seja, o contrato social se mostra ineficaz, visto que ainda perduram o status, o poder político e o capital, embora hajam direitos naturais que, em tese, deveriam garantir igualdade e oportunidades a todos.

Neste sentido, denota-se uma veemente crítica à burguesia da época embora Rousseau não fosse contra o desenvolvimento social, mas sim da maneira como este era realizado. Assim, ele preconiza um desenvolvimento de modo a proporcionar equidade para todos e não um desenvolvimento que gere dicotomias e miséria.

Haja visto, a linguagem, a propriedade e a sociabilidade são os males que geram as desigualdades políticas e sociais, fazendo com que os homens percam a sua liberdade natural, modificando, assim, seus valores naturais.

Visto tal conjuntura, Rousseau propõe um contrato social através do racionalismo, utilizando as leis naturais e a essência humana, de maneira que tal contrato pudesse ser realizado mediante uma transformação política e educacional, e esta transformação seria feita utilizando-se o método da desnaturação. O método aludido, se embasa, fundamentalmente, na concepção de educação, em outras palavras, haveria uma modificação na consciência do homem de modo a torná-lo um cidadão consciente e racional, capaz de ver a equidade e o ‘amor de si’, este, seria o homem natural ‘reformado’, ou seja, o cidadão.

Destarte, o pacto de Rousseau tornaria os homens conscientes de seu papel, submetendo-os a si mesmos pelo seu bem comum, todos seriam cidadãos com plena capacidade intelectual para governar. Em suma, todos se submeteriam a sua própria vontade, visto que, todos os cidadãos teriam poder de decisão política, eliminando, portanto, as desigualdades políticas, já que não há mandante e obediente.

A Soberania de Rousseau seria o exercício da vontade geral, onde haveria uma vontade absoluta, em detrimento da coletividade. O autor afirma que é possível adotar a democracia, aristocracia ou monarquia, podendo qualquer forma de governo ser desmantelada se o povo assim desejar.

Neste sentido, o Estado pós-contrato social de Rousseau é regido pela democracia e pela equidade, com intuito de evitar as desigualdades e garantir a segurança e o bem estar de todos. A sua teoria é orientada de uma forma racionalista afastando todos os fatos presentes, baseando-se sobretudo, no “dever ser” da sociedade como um todo, não acreditando, assim, na imutabilidade humana já que a história, para ele, não é cíclica.

Por fim, sua teoria representa a mais fundamentada forma de contratualismo, exprimindo claramente o espírito da época liberal, tendo o escopo de alcançar uma forma de associação, por um contrato social, que defenda e proteja, com base na vontade coletiva, cada membro e seus bens, segundo leis que eles próprios elaboraram, de maneira que estes obedeçam a si mesmos mantendo suas liberdades preservadas. 

6. Considerações finais

Haja visto a extensa quantidade de informações sintetizadas ao longo do trabalho, pode-se inferir que a doutrina filosófica do jusnaturalismo, sobretudo o clássico, teve fundamental importância para o processo de formação jurídica e estatal do Estado Moderno. Neste sentido, denota-se a imensa relevância desta corrente para a concepção do pensamento jurídico moderno e contemporâneo.

Tal doutrina preconizava os seguintes valores fundamentais: a existência de uma concepção racionalista do Estado; o Estado civil como antítese do estado de natureza; a formação de uma teoria contratualista do fundamento do poder Estatal; legitimação através do consenso e o antropocentrismo como princípio basilar.

Tanto as concepções de Hobbes, Estado Máximo; Locke, Estado Liberal; e Rousseau Estado Democrático, embora divergentes, possuíram forte influência da corrente jusnaturalista. Tal movimento, como já aludido, tinha a razão como principio basilar e através deste racionalismo natural, focando sobretudo na figura do homem e na coletividade, pôde-se chegar à ideologia iluminista, que constitui a base do pensamento liberal e repercute no Estado Moderno.

A ideologia protecionista do jusnaturalismo, no sentido de garantir direitos a todos os homens independente de qualquer fato paralelo tem influência direta sobre o constitucionalismo contemporâneo do nosso Estado Democrático de Direito, como pode se ver claramente na Constituição Federal de 1988. Nas palavras de Norberto Bobbio:

“(...) os direitos do homem nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais.”

Em suma, a conjuntura que se estabeleceu é fruto das influências e transformações trazidas pela doutrina do jusnaturalismo, e muito embora o nosso ordenamento jurídico seja regrado pela doutrina pós-positivista, os direitos fundamentais naturais, enaltecidos pelo jusnaturalismo, constituem verdadeiro alicerce do nosso sistema jurídico. 

7. Referências bibliográficas

BITTAR, Eduardo; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. Editora Atlas, 4ª Ed, São Paulo, 2005;

BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Apresentação, Tércio Sampaio Ferraz Jr; trad. Maria Celeste Santos. Editora Universidade de Brasília, 6ª Ed, 1995;

_______ A Era dos Direitos. Prefácio de Celso Lafer. Campus Elsevier, 1ª Ed, 2004; COSTA, Alexandre Araujo. Curso de Filosofia do Direito. Artigo ministrado em fevereiro de 2009 para Pós-Graduação em Direito Público pela UnB;

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. Editora Saraiva, 2ª Ed, 1998;

HOBBES, Thomas. Leviatã. Trad. João Paulo Monteiro. Editora Martins Fontes, São Paulo, 2003;

LOCKE, John. Segundo Tratado Sobre o Governo Civil. Trad. Magda Lopes, Editora Vozes, 4ª Ed, 2004;

ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Trad. Antonio de Pádua Danesi, 3ª Ed, Martins Fontes, São Paulo, 1996;

TEIXEIRA, António Braz. Sentido e Valor do Direito. Introdução à Filosofia Jurídica, 3ª Ed, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 2006.

[3] António Braz Teixeira. Sentido e Valor do Direito: Introdução à Filosofia Jurídica, p. 126

[4] Vale ressaltar um trecho da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: “O reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;”

[5] NorbertoBobbio. A Era dos Direitos, p. 28



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