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Comentários ao regime jurídico único dos servidores do governo do Distrito Federal e sua aplicação aos policiais civis

Comentários ao regime jurídico único dos servidores do governo do Distrito Federal e sua aplicação aos policiais civis

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COMENTÁRIOS AO REGIME JURÍDICO ÚNICO DOS SERVIDORES DO GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL, E SUA APLICAÇÃO AOS POLICIAIS CIVIS DO “DISTRITO FEDERAL”. POLICIAIS COM DUPLA IDENTIDADE, OU NENHUMA?

O Distrito Federal, por suas particularidades descritas na Constituição Federal de 1988, tem características diferentes daquelas aplicadas aos demais entes federativos. E uma das distinções já começa pelo nome dado: Distrito Federal, cujo projeto foi idealizado pelo então Presidente da República, Juscelino Kubitschek, mudando a Capital do Brasil, que era Rio de Janeiro, para o centro do país.

É a menor unidade federativa do Brasil e a única – por limitações elencadas na Constituição Federal – que não tem municípios, e sim, regiões administrativas. A Capital é Brasília (conhecida aqui como, Plano Piloto), onde se localiza o Centro de todos os Poderes: Executivo (Palácio do Planalto), Legislativo (Congresso Nacional) e Judiciário (Supremo Tribunal Federal).

Por ter essa denominação de “Distrito”, e não de Estado, o Distrito Federal, onde fica sediada a sede do governo federal, tem sua competência legislativa abrandada, ou seja, diminuída. Nem tudo aquilo que o Distrito Federal tenha interesse em realizar, pode se fazer, já que há impedimento por parte da Constituição Federal. Diferentemente do que ocorre com os Estados, que recorrem diretamente a sua Constituição local.

Uma das características essenciais é a vedação de sua divisão em municípios (Art. 32, Caput, da CF). Têm-se as regiões administrativas. Nesse sentido, não poderá ter na sua formatação política, prefeitos, tampouco vereadores. Para substituir estes, p. ex., surgiram a figura dos deputados distritais.

Por ter sua competência abrandada, o Distrito Federal é regido por Lei Orgânica – a mesma dos Municípios –, diferentemente dos Estados, que são regidos por Constituições Estaduais, ex: São Paulo, Minas Gerais, etc, todos com autonomia própria.

Dentre esta mitigação, não compete ao Distrito Federal, organizar e manter as polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar, que são os Órgãos de compõem a Segurança Pública da Capital Federal. Tudo aquilo que diz respeito à organização e mantença (como p. ex. pagamento de salários, criação e extinção de novos cargos) é competência privativa do governo federal. Ou seja, não são atribuições do Governador do Distrito Federal, p. ex., aprovar qualquer reajuste salarial para as categorias mencionadas.

Deixando as outras instituições de segurança pública de lado, já que são regidas por leis adversas daquelas empregadas aos Policiais Civis, vamos ao tema:

No meio jurídico da Capital Federal, há uma grande discussão sobre a identidade dos servidores da Polícia Civil – objeto deste trabalho –, hoje tida como “Policiais Civis do Distrito Federal”, posição que discordamos, haja vista serem regidos por Leis federais, como iremos apresentar.

Inicialmente, deve-se observar que a identidade de um servidor parte do contexto de que esteja em determinado Regime Jurídico, cujo conceito é apresentado como um conjunto de direitos, deveres, garantias, vantagens, proibições e penalidades aplicáveis a determinadas relações sociais qualificadas pelo Direito. No âmbito desta discussão, tem-se o Regime Jurídico Único da União, Lei n. 8.112/90, aplicável aos servidores públicos da União, assim como cada estado federativo dever ter o seu próprio Regime Jurídico, como forma de tratar, além de outros assuntos, dos direitos e deveres de seus servidores. Ou seja: o Regime Jurídico Único é uma Certidão de Nascimento do servidor.

No ano de 2011, o Governo do Distrito Federal apresentou aos seus servidores públicos o “Regime jurídico único dos servidores públicos civis do Distrito Federal, das autarquias e das fundações” – Lei Complementar nº 840, por onde serão, fielmente, norteados os direitos, deveres, garantias, vantagens, proibições e penalidades aplicáveis aos servidores por ela abrangidos. E, nesse sentido, não há registro “in loco”, da presença dos Policiais Civis “do Distrito Federal”, remetendo-os assim, a legislações federais.

Cumpre ressaltar que até então, 2011, o Distrito Federal não dispunha de Regime Jurídico. Eram regidos pela Lei Distrital 197/1991, e no seu Art. 5º versava:

"Art. 5º. A partir de 1º de janeiro de 1992, aos servidores da administração direta, autárquica e fundacional do Distrito Federal aplicar-se-ão, no couber, as disposições da Lei Federal nº 8112/90 e legislação complementar, até a aprovação do regime jurídico único dos servidores públicos do Distrito Federal pela Câmara Legislativa."

 

Além da citada Lei Distrital, os servidores públicos civis, das autarquias e fundações do Distrito Federal, eram regidos por outras tantas, dentro as quais, subsidiariamente, a Lei 8.112/90, Estatuto dos servidores públicos federais.  

Uma aberração jurídica, já que segundo consta da Constituição Federal de 1988, ou seja, muito antes da Lei 197/1991, manter e organizar com exclusividade, a Polícia Civil “do Distrito Federal”, Art. 21, inc. XIV, já era competência do governo federal.  

O texto da referida LC nº 840/2011 – uma obrigatoriedade do art. 34 do Ato das Disposições Transitórias da Lei Orgânica do Distrito Federal, o qual determinava o encaminhamento, por parte do Poder Executivo, de projeto de Lei Complementar dispondo sobre o Regime Jurídico dos servidores públicos civis do Distrito Federal –, teve como base a Lei 8.112/90, a qual não deve ser contrariada, já que é a Lei Geral dos Servidores Públicos.

Por se tratar de um Regime Jurídico Único, o projeto unificou todas as leis que normatizavam a vida dos servidores públicos do Distrito Federal. Dentre as várias peculiaridades atinentes aos servidores, o Estatuto normatizou Direitos e Obrigações para todos.

Mas algo – de não tão novo – vem por se confirmar com a sanção da Lei Complementar nº 840/2011: a identidade da Polícia Civil do Distrito Federal, do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, da Polícia Militar do Distrito Federal, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, e do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, de que, apesar de estarem na Estrutura Administrativa do Governo do Distrito Federal, não constam no rol de servidores abrangidos pela respectiva Lei Complementar. Por que será?

Embora o Ministério Público e o Tribunal de Justiça tenham na sua “definição” o chavão “do Distrito Federal”, não são apresentadas na Lei Complementar como Órgãos da Capital Federal, pois têm leis próprias, oriundas do governo federal, por força de mandamento Constitucional. Citamos como exemplo a nomeação do Chefe do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios que é feita pelo Presidente da República. In verbis:

 

Art. 155. O Procurador-Geral de Justiça é o Chefe do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

Art. 156. O Procurador-Geral de Justiça será nomeado pelo Presidente da República dentre integrantes de lista tríplice elaborada pelo Colégio de Procuradores e Promotores de Justiça, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, precedida de nova lista tríplice.

Diferentemente dos estados que são nomeados pelos seus próprios governadores. 

A vedação dos Policiais Civis, foco desta discussão, não constarem na LC 840/2011, está na Constituição Federal, § 4º, do art. 32, já que o aludido parágrafo reza que uma Lei específica, aprovada no Congresso Nacional, e não na Câmara Legislativa do Distrito Federal, disporá sobre a utilização da Polícia Civil do Distrito Federal, por parte do Governo do Distrito Federal.

Diz o § 4º do art. 32 da CF.

 

§ 4º - Lei federal disporá sobre a utilização, pelo Governo do Distrito Federal, das polícias civil e militar e do corpo de bombeiros militar. (grifei).

É um embaraço total. Até os dias de hoje não se tem uma Lei específica para a identificação desta identidade. Contudo, há um substitutivo ao projeto de lei, nº 4.275/1993, regulamentando o dispositivo acima. Ou seja, da utilização.

Como a matéria é de ordem federal, e não distrital - local), o foco principal é discutir se os Policiais Civis, e os demais servidores que compõe as forças de segurança pública da Capital Federal, são servidores do Governo do Distrito Federal ou da União.

Em um primeiro substitutivo, apresentado pelo deputado federal Ronaldo Fonseca, em 2012, no seu art. 3º, § 1º, garantia aos Policiais Civis, a identidade de servidores públicos federais, e apenas subordinados ao Governador do Distrito Federal. Senão vejamos:

Art. 3º. Compete ao Governo do Distrito Federal dispor sobre a criação e extinção das unidades, cargos e funções em comissão das Polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros Militar, bem como nomear, dispensar, exonerar, demitir, aposentar e destituir seus servidores, e regular, de forma subsidiária, o regime e o exercício dos respectivos cargos públicos efetivos, observado o limite orçamentário e financeiro de que trata a Lei nº 10.633 de 27 de dezembro de 2002.

§ 1º. Os policiais civis, servidores públicos federais; e os policiais militares e os bombeiros militares, todos organizados e mantidos pela União, exercem atividades no âmbito do Distrito Federal, subordinados ao Governador. (grifei) (http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1034971&filename=SBE+1+CCJC+%3D%3E+SBT+1+CREDN+%3D%3E+PL+4275/1993.

 

 

Todavia, em 2014, o nobre deputado apresenta novo substitutivo, desta vez retirando do texto o caráter destes servidores serem servidores públicos federais, sem, contudo, citar outra identidade, deixando, portanto, ao entendimento jurisprudencial. Ao que parece ninguém quer mexer na ferida. Vejamos então:

Art. 3º. Compete ao Governo do Distrito Federal:

I - dispor sobre a criação e extinção das unidades, cargos e funções em comissão das Polícias Civil e Militar e do Corpo de Bombeiros Militar;

II - nomear, dispensar, exonerar, demitir, aposentar e destituir seus servidores, observado os limites orçamentário e financeiro de que trata a Lei nº 10.633 de 27 de dezembro de 2002.

§ 1º A Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros Militar e a Polícia Civil subordinam-se, observado o disposto no art. 2º, ao Governador do Distrito Federal, sujeitando-se, os seus integrantes, ao limite remuneratório fixado para os ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta da União. (file:///F:/Meu%20back%20up/Unidade%20(c)/Meus%20documentos/Tramitacao-SBR%201%20CCJC%20=-%20SBT%201%20CREDN%20=-%20PL%204275-1993.pdf).

Fica a pergunta. Qual a competência que o Governador do Distrito Federal tem sobre os Policiais Civis que aqui estão sendo utilizados? A reposta é Constitucional: apenas de subordinação consoante consentimento da Constituição Federal, art. 21, inc. XIV.

Direitos como licença prêmio por assiduidade que contemplam os servidores públicos civis do Distrito Federal, no art. 112, inc. V, da LC nº 840/2011, não se aplicará aos Policiais Civis “do Distrito Federal”, visto estarem subordinados a regramentos oriundos da União, ou seja, submetidos à ingerência do Poder Executivo Federal, por meio da Lei 4.878/65, que trata do Regime Jurídico Único peculiar dos funcionários policiais civis da União (Polícia Federal) e do Distrito Federal, e subsidiariamente, pela Lei nº 8.112/90. Tem-se, portanto, que os Policiais Civis já dispunham de Regime Jurídico Único, oriundo do governo federal, mesmo antes da edição da lei distrital 197/91, daí a vedação de inclusão em novo Regime.  

Tão clara essa intervenção do governo federal sobre os Policiais Civis, que a licença prêmio, que constava do Art. 81, inc. V, da Lei 8.112/90, a qual há muitos anos foi atribuída aos Policiais Civis “do Distrito Federal” – que calculava em dobro o seu período para aposentadoria – foi sonegada a estes mesmo servidores, por uma mera regulamentação do Governo Federal, e não do governo local.

Esta sonegação sequer foi fruto de qualquer intervenção por parte do Governo do Distrito Federal, ou mesmo por parte dos representantes classistas. Não se sabia a quem recorrer.

A referida licença prêmio – que a cada cinco anos se serviço ininterrupto, o servidor teria direito a três meses de licença, com a remuneração do cargo – a qual foi regulamenta pela Lei federal n. 9.527/97, alterando o que dispunha o art. 87, Caput, da referida Lei, transformando-a em licença capacitação, concedida no interesse da Administração, com a remuneração do cargo, desde que a capacitação profissional seja em benefício da Administração. Com essa regulamentação o Policial Civil “do Distrito Federal” perdeu o direito de uso para aposentadoria. Ou seja, uma regulamentação do governo federal surrupiou a licença-prêmio dos Policiais Civis do “Distrito Federal”. Contudo, esta mesma licença, consoante consta da LC 840/2011, Regime Jurídico Único do Distrito Federal, é assegurado aos servidores da Capital Federal. Senão Vejamos:

 

Art. 139. Após cada quinquênio ininterrupto de exercício, o servidor efetivo faz jus a três meses de licença-prêmio por assiduidade, sem prejuízo da remuneração ou subsídio do cargo efetivo.

 

Têm-se ainda, como p. exemplo, o recebimento do auxílio alimentação, que são os mesmos aplicados aos servidores públicos federais, do Poder Executivo. In verbis:

 

PORTARIA No - 619, DE 26 DE DEZEMBRO DE 2012

...

Art. 1o O valor mensal do auxílio-alimentação de que trata o art. 22 da Lei no 8.460, de 17 de setembro de 1992, a ser pago aos servidores da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, passa a ser de R$ 373,00 (trezentos e setenta e três reais) em todo o território nacional, com efeitos financeiros a partir de 1o de janeiro de 2013. (http://www.planejamento.gov.br/secretarias/upload/Legislacao/Portarias/2012/portaria_619.pdf).

Não resta dúvida que os servidores da Polícia Civil “do Distrito Federal” são equiparados aos servidores públicos federais. A certidão de nascimento dos policiais civis do Distrito Federal é oriunda da União e não do Governo local. E essa identidade – ainda não reconhecida – só virá com a regulamentação do parágrafo 4º do art. 32 da Constituição Federal de 1988.

Portanto, há muito a se discutir acerca da identidade dos Policiais Civis “do Distrito Federal. Despesas como, salários, organização, aumento de quadro de pessoal devem ser autorizados pelo governo federal e votados no Congresso Nacional. Para tanto, criou-se, em 2002, o Fundo Constitucional, Lei Federal nº 10.633/2002, com o fim específico de atender o que dispõe o inc. XIV do art. 21 da Constituição Federal, com natureza meramente contábil, cuja finalidade é prover recursos (federais), necessários à organização de mantença da Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar. 

A LC 840/2011, ou qualquer outra, assim como a Lei Orgânica local, não pode ser aplicadas aos Policiais Civis. A jurisprudência é unânime nesse sentido. Senão vejamos:

STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AgRg no AREsp 217049 DF 2012/0170165-5 (STJ)

Data de publicação: 11/06/2014

Ementa: ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POLICIAL CIVILDO DISTRITO FEDERAL. LICENÇA-PRÊMIO. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. LEIFEDERAL 8.112 /90. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. "Admite-se a análise, no julgamento de recurso especial, das leis que regulam disposições relativas à polícia militar, à policial civil e ao corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, uma vez que é da competência da União legislar com exclusividade sobre seu regime jurídico, nos termos do art. 21, inciso XIV , da Constituição Federal " (REsp 1.294.265/DF, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, DJe 29/6/12). 2. A aplicação de forma supletiva da Lei Federal 8.112 /90 aos Policiais Civis do Distrito Federal, determinada pelo Tribunal de origem, encontra amparo nos arts. 1º e 72 da Lei Federal 4.878 /65 (que "Dispõe sôbre o regime jurídico peculiar dos funcionários policiais civis da União e do Distrito Federal"). 3. Agravo regimental não provido. (grifei)

Competência privativa da União para organizar e manter a Polícia Civil do Distrito Federal: competência da União para legislar, com exclusividade, sobre a sua estrutura e o regime jurídico do seu pessoal.


ADI 2881 / DF - DISTRITO FEDERAL 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO

Julgamento:  19/02/2004           Órgão Julgador:  Tribunal Pleno

Publicação

DJ 02-04-2004 PP-00009 EMENT VOL-02146-03 PP-00604

Parte(s)

REQTE.(S): GOVERNADOR DO DISTRITO FEDERAL

ADV.(A/S): PG-DF - MARIA DOLORES SERRA DE MELLO MARTINS E OUTRO (A/S)

REQDO.(A/S): CÂMARA LEGISLATIVA DO DISTRITO FEDERAL

Ementa 

EMENTA: CONSTITUCIONAL. DISTRITO FEDERAL. POLÍCIA CIVIL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. C.F., art. 21, XIV. Lei Distrital 2.939/02. I. - Competência privativa da União para organizar e manter a Polícia Civil do Distrito Federal: competência da União para legislar, com exclusividade, sobre a sua estrutura e o regime jurídico do seu pessoal. Precedentes do STF. II. - ADI julgada procedente.

 

 

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. 1) REMUNERAÇÃO E REGIME JURÍDICO DOS INTEGRANTES DA POLÍCIA CIVIL DO DISTRITO FEDERAL: DISCIPLINA POR LEI FEDERAL. 2) CONTROVÉRSIA SOBRE APLICABILIDADE DO ART. [20]§ 4º, DA LEI N.8.112/1990 E DO ART. [14]§ 1º, DA LEI N. 9.624/1998: OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.Relatório1. Recurso extraordinário interposto com base no art.[102], inc. III, alínea a, da Constituição da República contra julgado do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que concluiu pela aplicabilidade do art. [20]§ 4º, da Lei n. 8.112/1990 (“ao servidor em estágio probatório somente poderão ser concedidas as licenças e os afastamentos previstos nos arts. 81, incisos I a IV, 94, 95 e 96, bem assim afastamento para participar de curso de formação decorrente de aprovação em concurso para outro cargo na Administração Pública Federal”) e do art. [14]§ 1º, da Lei n. 9.624/1998 (“no caso de o candidato ser servidor da Administração Pública Federal, ser-lhe-á facultado optar pela percepção do vencimento e das vantagens de seu cargo efetivo”) a servidor da Agência Nacional de Vigilância Sanitária aprovado em concurso público para cargo da Polícia Civil do Distrito Federal.2. A Recorrente afirma que o Tribunal a quo teria contrariado o art. [20]§ 4º, da Lei n. 8.112/1990, o art. [14]§ 1º, da Lei n. 9.624/1998, e os arts. [21], inc. XIV[24], inc. XVI, e [37], caput, da Constituiçãoda República.Assevera que, “não obstante a União seja o ente público constitucionalmente incumbido da organização e manutenção da Polícia Civil do Distrito Federal, esse órgão, bem como seus cargos, pertencem à estrutura administrativa do Distrito Federal” (fl.239).Alega que “a tese de que a Polícia Civil do Distrito Federal pertence à Administração Pública Federal também não merce prosperar, porque organizar e manter não significa possuir, ter ingerência, comando” (fl. 243).Analisados os elementos havidos nos autos, DECIDO.3. Razão jurídica não assiste à Recorrente.4. Pela jurisprudência do Supremo Tribunal, a remuneração e o regime jurídico dos integrantes da Polícia Civil do Distrito Federal são disciplinados por lei federal:“Compete privativamente à União legislar sobre vencimentos dos membros das Polícias Civil e Militar do Distrito Federal” (Súmula n. 647 do Supremo Tribunal).“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL 935, DE 11 DE OUTUBRO DE 1995, QUE AUTORIZA O GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL A CONCEDER AOS POLICIAIS MILITARES E BOMBEIROS MILITARES A GRATIFICAÇÃO DE RISCO DE VIDA. 1. Ao instituir a chamada "gratificação por risco de vida" dos policiais e bombeiros militares do Distrito Federal, o Poder Legislativo distrital usurpou a competência material da União para "organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços públicos, por meio de fundo próprio" (inciso XIV do art. [21]da Constituição Federal). Incidência da Súmula 647 do STF. 2. A Lei distrital 935/95 padece também de vício de iniciativa. Dispondo sobre a remuneração de pessoal da Administração Pública direta, teve a deflagrá-la proposta parlamentar. O que se contrapõe à alínea a do inciso IIdo § 1º do art. [61] daConstituição Federal, que prevê, no caso, a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. 3. Tendo em conta a natureza alimentar da gratificação e a presunção de boa-fé, a operar em favor dos militares do Distrito Federal, atribui-se à declaração de inconstitucionalidade efeitos prospectivos (ex nunc). 4. Ação direta que se julga procedente” (ADI 3.791, Rel. Min. Ayres Britto, Plenário, DJe 27.8.2010 – grifos nossos).“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 3º DA LEI DISTRITAL N. 3.556/2005. SERVIDORES DAS CARREIRAS POLICIAIS CIVIS CEDIDOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA DA UNIÃO E DO DISTRITO FEDERAL: TEMPO DE SERVIÇO CONSIDERADO PELA NORMA QUESTIONADA COMO DE EFETIVO EXERCÍCIO DE ATIVIDADE POLICIAL. AMPLIAÇÃO DO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA ESPECIAL DOS POLICIAIS CIVIS ESTABELECIDO NO ARTIGO 1º DA LEI COMPLR FEDERAL Nº 51, DE 20.12.1985. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. Inexistência de afronta ao art. art. [40]§ 4º, daConstituição da República, por restringir-se a exigência constitucional de lei complementar à matéria relativa à aposentadoria especial do servidor público, o que não foi tratado no dispositivo impugnado. 2. Inconstitucionalidade formal por desobediência ao art. [21], inc. XIV, da Constituição da República que outorga competência privativa à União legislar sobre regime jurídico de policiais civis do Distrito Federal. 3. O art.  da Lei Complementar Federal n. [51]/1985, que dispõe que o policial será aposentado voluntariamente, com proventos integrais, após 30 (trinta) anos de serviço, desde que conte pelo menos 20 anos de exercício em cargo de natureza estritamente policial, foi recepcionado pelaConstituição da República de 1988. A combinação desse dispositivo com o art. 3º da Lei Distrital n. 3.556/2005 autoriza a contagem do período de vinte anos previsto na Lei Complementar n. [51]/1985 sem que o servidor público tenha, necessariamente, exercido atividades de natureza estritamente policial, expondo sua integridade física a risco, pressuposto para o reconhecimento da aposentadoria especial do art. [40]§ 4º, da Constituição da República: inconstitucionalidade configurada. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (ADI 3.817, de minha relatoria, Plenário, Dje 3.4.2009 – grifos nossos).“Como a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal não integram a Administração do Distrito Federal, compete à União, com exclusividade, legislar sobre sua organização, estrutura, atribuições e competência” (ADI 1.359, Rel. Min.Carlos Velloso, Plenário, DJ 11.10.2002 – grifos nossos).Dessa orientação jurisprudencial não divergiu o julgado recorrido.5. A questão relativa à aplicabilidade do art. [20]§ 4º, da Lei n.8.112/90 e do art. [14]§ 1º, da Lei n. 9.624/1998 tem natureza infraconstitucional, o que não viabiliza o recurso extraordinário. Nesse sentido:“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. POLICIAL CIVIL. AFASTAMENTO PARA PARTICIPAÇÃO EM CURSO DE FORMAÇÃO DE PAPILOSCOPISTA. LEI N. 8.112/90. IMPOSSIBILIDADE DA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO” (AI 670.932-AgR, de minha relatoria, Primeira Turma, Dje 13.3.2009 – grifos nossos).“RECURSO. Extraordinário. Inadmissibilidade. Agravo de instrumento. Não conhecimento. Interpretação do artigo [192]II, da Lei nº 8.112/90. Ofensa constitucional indireta. Aplicação da súmula 279. Agravo regimental não provido. Não cabe recurso extraordinário que teria por objeto alegação de ofensa que, irradiando-se de má interpretação, aplicação ou, até, de inobservância de normas infraconstitucionais, seria apenas indireta àConstituição da República, e, muito menos, de reexame de provas”(AI 551.047-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, Primeira Turma, DJ 9.6.2006 – grifos nossos).“Recurso extraordinário: descabimento: questão relativa ao cálculo de proventos de inatividade de servidor público, decidida à luz do art. [192]II, da L.8.112/90: alegada ofensa ao texto constitucional que, além de não prequestionada (Súmula 282),seria, se ocorresse, indireta ou reflexa, que não enseja reexame no RE: incidência, mutatis mutandis, da Súmula 636” (AI 495.833-AgR, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 3.9.2004 – grifos nossos).“Não cabe recurso extraordinário que teria por objeto alegação de ofensa que, irradiando-se de má interpretação, aplicação, ou, até, de inobservância de normas infraconstitucionais, seria apenas indireta àConstituição da República” (AI 508.047-AgR,Rel. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, DJe 21.11.2008).6. Nada há, pois, a prover quanto às alegações da Recorrente.7. Pelo exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (art. [557], caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).Publique-se.Brasília, 14 de abril de 2011.

Ministra CÁRMEN LÚCIA Relatora.

 

Portanto, não há muito a se discutir quanto a esta identidade. Resta-nos apenas enxergar quais as Leis que regem os Policiais Civis, sua origem e aplicar. A Lei Complementar nº 840/2011, Regime Jurídico Único do Governo do Distrito Federal não se aplica aos Policiais Civis da Capital. Qual será a verdadeira identidade destes servidores?

Autor: Francisco Pereira de Sousa, Bacharel em Direito, pela Universidade Paulista – Unip – Brasília – DF.


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