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Alienação parental: a proteção da criança e do adolescente à luz da garantia constitucional

Alienação parental: a proteção da criança e do adolescente à luz da garantia constitucional

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O presente trabalho tem como escopo a Alienação Parental, com ênfase na garantia constitucional de proteção integral à criança e ao adolescente, consubstanciada nos artigos 226 e 227 da Carta Magna de 1988, como também na Lei nº 12.318 de 2010.

A decisão de ter um filho é uma coisa muito séria. É decidir ter, para sempre, o coração fora do corpo.

                                                      E. Stone.

Eis que os filhos são herança do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão.

                                               Salmos 127:3

INTRODUÇÃO

O avanço do conhecimento humano é um fato notório. Este é fomentado por várias áreas, dentre as quais ocupa lugar de merecido destaque a multidisciplinaridade da ciência jurídica, a qual entrelaçando-se com a psicologia, traz no decorrer de sua história inúmeros benefícios aos órgãos jurisdicionais que tratam dos direitos da família.

E ao falarmos das ciências em testilha, e da contribuição que elas podem trazer ao Direito de Família, indubitavelmente concluímos que a convergência destas duas ciências, quais sejam o Direito e a Psicologia, é vital e indispensável para uma eficiente e promissora proteção das relações familiares.

Bem porque diante da prática comum da alienação parental no seio das relações em família, torna-se mais complexa a resolução do problema familiar retro citado.

Desta feita, o presente trabalho tem como escopo a Alienação Parental, com ênfase na garantia constitucional de proteção integral à criança e ao adolescente. Não obstante essa prática é realizada há algum tempo, apenas recentemente a discussão ao seu respeito começou a ganhar espaço.

No intento de garantir maior eficácia ao seu arcabouço legislativo, a Ciência Jurídica procura acompanhar as transformações pelas quais passa a sociedade, visto que a mesma como tal é fruto de mutações. Para melhor entender a Alienação Parental e as consequências da mesma, faz-se necessário uma breve passagem pela origem e evolução do instituto familiar, possibilitando compreender o contexto em que insere-se atualmente.

Outrossim, diante do aumento da ocorrência de tal conduta entre os genitores, por ocasião da dissolução da conjugalidade, é importante destacar como funciona esse fenômeno e como ele afeta os membros da família, gerando danos devastadores na criança ou adolescente.

Com efeito, isso nos leva a procurar entender como se dá sua prevenção e/ou repressão por parte do Estado, tendo em vista as consequências psicossociais geradas, merecendo destaque a tutela constitucional consubstanciada nos artigos 226 e 227 da Carta Magna de 1988, como também na Lei nº 12.318 de 2010, que dispõe especificamente sobre Alienação Parental.

A vertente metodológica desta pesquisa é de natureza qualitativa. Destarte, a pesquisa utiliza entrevistas com profissionais que militam na área explorada neste trabalho, visando permitir um aprofundamento prático, e não apenas teórico.

O método de abordagem utilizado é o dedutivo, partindo de uma premissa geral para uma particular. Já o método jurídico utilizado é o sistemático

Com base no objetivo geral, tal pesquisa é classificada como exploratória. Quanto ao procedimento técnico utilizado, é classificada como sendo bibliográfica.

A técnica de pesquisa é a de documentação indireta, por quanto consiste no recolhimento de informações sobre o campo de seu interesse. Daí a presente pesquisa ser basicamente centrada em análises a legislação e obras doutrinárias afetas ao tema. Como a matéria tem caráter interdisciplinar, utilizam-se obras contendo as opiniões de juristas, psicólogos e demais profissionais envolvidos no universo da alienação parental.

Não tem este trabalho a pretensão de esgotar todo o possível esclarecimento a respeito do tema ora proposto. Serão aqui abordadas a questão da autoridade parental, da dissolução do casamento ou união estável e a guarda compartilhada, bem como a importância do papel exercido por cada profissional ligado à resolução do problema, inclusive dos profissionais relacionados ao trato da saúde mental e psicológica.

1            ASPECTOS DA FAMÍLIA BRASILEIRA SOB A ÉGIDE DA LEGISLAÇÃO CIVIL E CONSTITUCIONAL

1.1         CONCEITO DE FAMÍLIA

A alienação parental e as consequências psicossociais que decorrem dela afetam diretamente o núcleo familiar, desfazendo-o. Desestrutura os genitores e com força maior, a criança ou adolescente alienado, verdadeira vítima dessa ação. A priori, deve-se procurar entender o instituto da família, que representa um dos pilares da sociedade, exercendo influência tal que merece especial tutela do Estado. O sociólogo Pedro Scuro Neto (2010, p. 43-44), analisando a família como um dos modelos sociais de conduta, afirma:

Com efeito, graças a modelos de conduta em todas as civilizações, as ideias de família, justiça, amor, etc. assumiram conteúdos sociais precisos no contexto de instituições ligadas por um elo comum – a norma, elemento que concede unidade ao sistema; [...] No entanto, no decorrer da vida, sobretudo na infância e na juventude, continuamos a aprender modelos sociais de conduta, que assimilamos e transformamos em regras, incorporando-os ao nosso próprio ser e modo de agir.

Logo, é no seio familiar que absorvemos os valores que se integrarão à nossa personalidade, e serão reproduzidos na convivência com os demais membros. Nessa perspectiva, à medida que é um dos pilares da sociedade, é indubitável o papel que assume no contexto da formação do sujeito.

O Direito de Família é, sem dúvida, aquele em que mais nos deparamos com sentimentos inerentes à pessoa humana. É inevitável não lidar com sentimentos, sejam eles positivos ou negativos. Sua atuação envolve aspectos relevantes da pessoa humana, trazendo à tona a vulnerabilidade do indivíduo e a necessidade de proteção pela ordem jurídica.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 17):

A família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado.

É certo que a família não se trata de uma ficção, mas de uma realidade que não envolvem apenas alguns, mas sim todos os membros da sociedade. Em virtude de sua importância, a mesma recebe proteção do Estado, que busca resguardar esse pilar. O Código Civil de 2002 não define o que é família, e entre as muitas civilizações existe diversidade de conceito. Fica a cargo da doutrina sua tentativa conceitual. A importância da sua conceituação se dá para a análise sistemática da mesma, ao longo da história e o aspecto atual em que está contextualizada.

Cáio Mário da Silva Pereira (2004, p. 19), por sua vez, buscando conceituar a família, afirma:

Ao conceituar a família, destaque-se a diversificação. Em sentido genérico e biológico, considera-se família o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum. [...] Na verdade, em senso estrito, a família se restringe ao grupo formado pelos pais e filhos. Aí se exerce a autoridade paterna e materna, participação na criação e educação, orientação para a vida profissional, disciplina do espírito, aquisição dos bons ou maus hábitos influentes na projeção social do indivíduo. Aí se pratica e desenvolve em mais alto grau o princípio da solidariedade doméstica e cooperação recíproca.

Conforme leciona o autor supramencionado, a família, em seu sentido estrito, liga-se à ideia de pais e seus descendentes e tem direta e imediata relação no desenvolvimento do menor.

Ainda na perspectiva conceitual, vejamos as lições de Silvio de Salvo Venosa (2010, p. 2):

Pode ainda ser considerada a família sob o conceito sociológico, integrado pelas pessoas que vivem sob um mesmo teto, sob a autoridade de um titular. Essa noção, sempre atual e frequentemente reconhecida pelo legislador, coincide com a clássica posição do pater famílias do Direito Romano, descrita no Digesto por Ulpiano.

É por meio dela que haverá o desenvolvimento dos hábitos do indivíduo, que determinará seus valores em seus diversos relacionamentos e consigo. Sua função não se restringe à criação material da criança ou adolescente, ou mesmo ao aspecto patrimonial, vai além. Repercutirá e influenciará tanto no psicológico como nas relações sociais dos mesmos. Nesse ínterim, muitas são as posições acerca do que seja a família, e é certo que ao longo da história seu conceito e suas características foram evoluindo, modificando-se, refletindo as novas faces da sociedade.

Observa com propriedade Pablo Stolze Glagiano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 43):

Posto isso, é forçoso convir que nenhuma definição nessa seara pode ser considerada absoluta ou infalível, uma vez que a família, enquanto núcleo de organização social, é, sem dúvida, a mais personalizada forma de agregação intersubjetiva, não podendo, por conseguinte, ser aprioristicamente encerrada em um único standard doutrinário.

Ainda que diversos os conceitos ou posições do que seja família, é sem dúvida o instituto que mais revela o íntimo da vida das pessoas. É a responsável pela continuidade cultural do ser humano, pela transmissão dos valores e formadora da base dos indivíduos em suas relações, daí sua importância para o Estado e a razão pela qual recebe tutela especial.

1.2      ORIGEM E EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA

A família é, sem dúvida, instituição mais antiga que o próprio Estado. Desde o surgimento da raça humana, a família existe, embora não nos moldes atuais. Desde a Antiguidade sua extensão tem se alterado.

Segundo Ana Carolina Brochado Teixeira (2009, p. 9-10):

O contexto histórico está diretamente atrelado às mudanças sucedidas no interior da família. O universo doméstico não vive de forma paralela ao “mundo” externo, seja no âmbito da economia, da política e da cultura. [...] O relacionamento dentro da família também não está isento das transformações havidas nas relações públicas e interprivadas, mesmo porque “a família é o elemento ativo; nunca permanece estacionária”.

Em seu estado primitivo, as relações entre os membros da tribo caracterizavam-se pela endogamia. A monogamia fez surgir o caráter patriarcal na família. Logo, o seu papel na sociedade passou a ser de uma família institucional, patriarcal, matrimonial, e assim, manteve-se por longo tempo.

A família nos moldes romanos, chefiada pelo pater famílias era deveras patrimonialista. As uniões matrimoniais não se fundamentavam no aspecto amor, pelo contrário, eram assentadas em interesses econômicos. O casamento legitimava a filiação, de maneira que o filho havido fora do casamento era punido. Todos do grupo eram submissos ao chefe de família, que detinha poder quase ilimitado e atribuições além das domésticas.

A família assumida pelo Código Civil de 1916 era legitimada e constituída por meio do matrimônio, reflexo da contribuição do Direito Canônico. “O Cristianismo condenou as uniões livres e instituiu o casamento como sacramento, pondo em relevo a comunhão espiritual entre os nubentes” (VENOSA, 2010, p. 4). O resultado dessa influência foi atribuir uma relação hierárquica em que a mulher e os filhos deveriam obedecer ao Chefe da família; esta, por sua vez, só se legitimava pela instituição do casamento que era reconhecidamente indissolúvel. Na medida que o casamento era visto como sagrado, qualquer versão que divergisse era recebida com total estranheza e preconceito. 

Analisando o contexto em que se enquadrava a entidade familiar, Maria Berenice Dias (2010, p. 28), leciona:

Em uma sociedade conservadora, os vínculos afetivos, para merecerem aceitação social e reconhecimento jurídico, necessitavam ser chancelados pelo que se convencionou chamar de matrimônio. A família tinha uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. Sendo entidade patrimonializada, seus membros eram força de trabalho. O crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a todos. O núcleo familiar dispunha de perfil hierárquico e patriarcal.

E mais adiante, arremata:

Esse quadro não resistiu à revolução industrial, que fez aumentar a necessidade de mão-de-obra, principalmente para desempenhar atividades terciárias. Foi assim que a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família, que se tornou nuclear, restrita ao casal e a sua prole. Acabou a prevalência do caráter produtivo e reprodutivo da família, que migrou do campo para as cidades e passou a conviver em espaços menores. Isso levou à aproximação dos seus membros, sendo mais prestigiado o vínculo afetivo que envolve seus integrantes. (DIAS, 2010)

Com a Revolução Industrial, ocorre uma ruptura secular do modelo familiar até então conhecido. Sabe-se que desde a Antiguidade, a família era marcada pela ancestralidade, entretanto, com o novo contexto histórico, importantes mudanças ocorrem em seu universo, descaracterizando esse critério.

Conforme se vê, o caráter familiar vai mudando ao longo dos tempos, de modo que, não apenas os membros mudam suas atuações como também a própria razão de ser da família muda. Ao longo de toda a história, esse instituto vai ganhando inovadores aspectos que vão tornando-o mais abrangente. Pode-se notar que as transformações desempenhadas após a Revolução Industrial afetaram ativamente a família.

Desse modo, a instituição familiar nos moldes conhecidos desde a Antiguidade passou por grandes transformações. Houve uma verdadeira mudança de paradigmas. A desigualdade entre homens e mulheres cedeu espaço para a igualdade entre os mesmos e os interesses existenciais passaram a prevalecer. A mesma deixou de ter estrutura essencialmente hierarquizada e patriarcal. A realidade da família passou a ser vista com outros olhos. Logo, ocorreu um estreitamento do núcleo familiar que culminou no conseqüente advento de um grupo que prioriza o caráter afetivo entre seus membros. “A verticalidade das relações começa a ceder lugar à busca de uma horizontalidade que caracterizava a ‘família igualitária’” (TEIXEIRA, 2009, p. 28). E é exatamente na Constituição Federal de 1988 que visualizamos efetivamente esse novo horizonte.

1.3      A FAMÍLIA MODERNA E A CONSTITUIÇÃO DE 1988

        

Com o passar dos anos, a evolução da sociedade contribuiu para que o mecanismo familiar se alterasse. Se antes o funcionamento era patriarcal e hierarquizado, verticalizado, hoje não se vê tal. Não cabe mais somente ao pai o sustento da família, nem só à mãe as tarefas do lar, o comportamento dos membros mudou, é mais horizontal. A família com fins reprodutivos, patrimoniais deu lugar à família afetiva.

Segundo Pedro Scuro Neto (2010, p. 45), “quando em algum segmento da cultura as premissas mudam, o Direito tende a mudar também, se bem que não de modo fragmentado ou ao acaso, mas em sincronia com o resto da cultura”. Logo, diante de uma nova concepção de família, a ordem jurídica buscou acompanhar tal mudança, dispondo a Constituição Federal de 1988 de uma importante efetivação dos direitos fundamentais em tutela da família contemporânea.

Segundo Ana Carolina Brochado Teixeira (2009, p. 31):

O importante é que a família contemporânea, inscrita na Constituição Federal de 1988, não é apenas albergada pelo casamento. O art. 226 é uma enumeração meramente exemplificativa, abarcando em seu bojo inúmeras espécies de entidade familiares.

   

O fortalecimento dos laços afetivos familiares fez com que houvesse uma tutela constitucional de uma família igualitária. Visto que, com a saída da mulher para o mercado de trabalho, houve uma profunda alteração de seu papel, repercutindo na relação entre pai e filhos, e no papel de cada um destes na relação familiar.

Acerca da família moderna e dos novos fenômenos sociais, Silvio de Salvo Venosa (2010, p. 5), discorre:

A passagem da economia agrária à economia industrial atingiu irremediavelmente a família. A industrialização transforma drasticamente a composição da família, restringindo o número de nascimentos nos países mais desenvolvidos. A família deixa de ser uma unidade de produção na qual todos trabalhavam sob a autoridade de um chefe. Coube à ciência jurídica acompanhar legislativamente essas transformações sociais, que se fizeram sentir mais acentuadamente em nosso país na segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra.

Urge esclarecer que, a Constituição Federal de 1988 vem afirmar com força maior a nova face do grupo familiar, preocupando-se com a dignidade de cada um de seus membros. Uma vez que o alicerce familiar passou a ser a valorização do aspecto afetivo, surge o que se pode chamar de família solidarista.

Segundo Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2011, p. 62):

Hoje, no momento em que se reconhece à família, em nível constitucional, a função social de realização existencial do indivíduo, pode-se compreender o porquê de a admitirmos efetivamente como base de uma sociedade que, ao menos em tese, se propõe a constituir um Estado Democrático de Direito calcado no princípio da dignidade humana.

A Constituição Federal de 1988 tem demonstrado uma tendência à valorização da pessoa humana e do aspecto afetivo, resultado da queda das características institucionalista e patrimonialista da família. Sobre essa inovação constitucional, Ana Carolina Brochado Teixeira (2009, p. 34), afirma:

A própria Constituição Federal de 1988 traz em seu bojo sinais da família-instrumento e da democracia no interior da família, tais como a proteção à união estável (art.226, §3º) e às famílias monoparentais (art. 226, §4º); a igualdade de direitos entre homens e mulheres, no âmbito da conjugalidade (art. 226, §5º); a garantia da possibilidade da dissolução da sociedade conjugal independentemente de culpa (art. 226, §6º); o planejamento familiar fundados nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável (art. 226, §7º); intervenção estatal na família para proteger seus integrante e inibir a violência doméstica (art. 226, § 8º).

Importante entender que, embora ao pensar em família venha à mente a figura de um homem, uma mulher e seus filhos, houve um alargamento conceitual. Hoje, com a Constituição Federal de 1988, pode-se falar em famílias. Não é mais pré-requisito o matrimônio, nem mais necessário que haja a figura do homem junto à mulher. Há um pluralismo de relações familiares que receberam especial tutela da Constituição, que conseguiu alcançar as significativas mudanças e evoluções da sociedade.

Acerca do pluralismo familiar, Maria Berenice Dias (2010, p. 41), afirma:

A Constituição Federal, rastreando os fatos da vida, viu a necessidade de reconhecer a existência de outras entidades familiares, além das constituídas pelo casamento. Assim, enlaçou no conceito de família e emprestou especial proteção à união estável (CF 226 § 3º) e à comunidade formada por qualquer dos pais com seus descendentes (CF 226 § 4º), que começou a ser chamada de família monoparental. No entanto, os tipos de entidades familiares explicitados são meramente exemplificativos, sem embargo de serem os mais comuns, por isso mesmo merecendo referência expressa. Mas não só nesse limitado universo flagra-se a presença de uma família. Não se pode deixar de ver como família a universalidade dos filhos que não contam com a presença dos pais. Dentro desse aspecto mais amplo, não cabe excluir do âmbito do direito das famílias os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo, que mantêm entre si relação pontificada pelo afeto, a ponto de merecerem a denominação de uniões homoafetivas. Apesar de posturas discriminatórias e preconceituosas, não é mais possível deixar de emprestar-lhes visibilidade. Dita flexibilização conceitual vem permitindo que os relacionamentos, antes clandestinos e marginalizados, adquiram visibilidade, o que acaba conduzindo a sociedade à aceitação de todas as formas de convívio que as pessoas encontram para buscar a felicidade.

Dessa forma, no atual quadro social, o principal suporte para a conceituação de família é o quesito afetividade. Afasta-se a visão única de família, e abre-se espaço para a visão pluralista da família. São novos elementos que compõem a realidade familiar.

Nessa linha, Cáio Mário da Silva Pereira (2004, p. 39), afirma:

Consolida-se a família socioafetiva em nossa Doutrina e Jurisprudência uma vez declarada a convivência familiar e comunitária como Direito Fundamental, a não-discriminação de filhos, a co-responsabilidade dos pais quanto ao exercício do poder familiar e o núcleo monoparental reconhecido como entidade familiar.

Com efeito, deixou-se de reconhecer apenas como família aquela que era concebida por união matrimonial. Não há mais referência à família legítima, nem a sacralização do casamento, muito menos cabível termo pejorativo e discriminatório para se referir aos filhos havidos de relações extramatrimoniais. As uniões homoafetivas passaram a requerer novas posturas dos profissionais do Direito, sendo reconhecidas como entidade familiar, assim como a união estável. O núcleo formado por um dos genitores e seus descendentes, também recebeu proteção do Estado, por tratar-se de outra realidade inegável da evolução familiar. As diversas formas de família encontradas na sociedade, fruto da evolução, antes alvo de cegueira do Estado, são destinatárias dessa proteção constitucional.

1.4      O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (LEI N. 8.069/90)

O advento da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) tendo como escopo assegurar e proteger o menor procurou atender ao que dispôs a Constituição Federal em seu art. 227, in verbis:

 É dever da família, da sociedade, e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988)

É fato que, a legislação que trata do menor vem evoluindo ao longo do tempo. No novo modelo familiar tutelado pela Carta Magna, temos a criança e o adolescente como alvos prioritários das garantias constitucionais. O menor, antes da Constituição cidadã, não dispunha de qualquer proteção. Ainda pior, era visto como objeto de direito, ficando a cargo do chefe da família as decisões acerca da sua pessoa. O Estatuto da Criança e do adolescente dispõe em seus artigos 3º e 4º:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990)

A respeito do diploma estatutário, Caio Mário da Silva Pereira (2004, p. 42), afirma:

Já antes disto, entretanto, o art. 227 da Constituição de 1988 enunciou princípio programático de proteção, ao dizer que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança ou adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

O Estatuto tem como balizador dos Direitos Fundamentais do Menor o Princípio da Proteção Integral, rompendo com o pensamento do antigo Código de Menores, e dando prevalência ao Melhor Interesse do Menor. Segundo esse princípio, a criança e o adolescente, como pessoas em desenvolvimento, devem gozar de condições prioritárias, não cabendo apenas ao Estado garantir seus direitos e destinar-lhes proteção, mas também à sociedade e à família. Este foi estabelecido pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil, e em seu art. 3º, inciso I, dispõe, verbis:

Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o melhor interesse da criança. (1989)

Não obstante esteja a dignidade da pessoa humana no ápice dos direitos fundamentais conferidos a todos constitucionalmente, a ordem jurídica veio tutelar especificamente a criança e o adolescente no caput do art. 227 da CF.

         Segundo esse princípio, em meio a um conflito no qual esteja envolvida uma criança ou adolescente, o Estado deve garantir que os interesses destes venham prevalecer. Canotilho (2003, p. 1161) afirma que “princípios são normas jurídicas impositivas de uma optimização compatíveis com vários graus de concretização, consoante com condicionalismo fácticos e jurídicos”.

Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente, consubstanciado pelo texto constitucional, procura garantir proteção absoluta ao menor em virtude da sua condição peculiar. Diante da maior vulnerabilidade da criança e/ou adolescente, considera-se que os mesmos devem gozar de maior proteção.

Acerca do melhor interesse, Tânia da Silva Pereira (1999, p. 3), afirma:

Atualmente, a aplicação do princípio do best interest permanece como um padrão considerando, sobretudo, as necessidades da criança em detrimento dos interesses de seus pais, devendo realizar-se sempre uma análise do caso concreto.

Logo, sendo decorrência lógica desse princípio, e em respeito à pessoa em desenvolvimento, os casos envolvendo alienação parental devem ser tratados com cautela, sobretudo na averiguação da veracidade das afirmações, posto que o egoísmo que toma os genitores em tais situações não lhes permite enxergar os danos causados à sua prole.

Como sujeitos de Direitos Fundamentais, consagrando-se, ainda, a proteção integral, é necessário que atos de tal natureza sejam devidamente brecados pelo Estado, e que o mesmo procure sempre verificar se os responsáveis estão agindo como prevê a lei. Ademais, cada caso deve ser analisado com vistas a garantir o desenvolvimento sadio do menor, tanto psíquico quanto social, procurando-se sempre uma interpretação dirigida na aplicação do melhor interesse da população infanto-juvenil, que se encontra numa fase fundamental para a formação do indivíduo na sociedade.

2            ALIENAÇÃO PARENTAL E SEUS REFLEXOS NAS RELAÇÕES FAMILIARES

2.1         CONCEITO DE ALIENAÇÃO PARENTAL. DIFERENÇA ENTRE ALIENAÇÃO PARENTAL E SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL

É de extrema relevância o estudo acerca da alienação parental, sobretudo no que concerne ao tratamento jurídico dispensado pelo Estado à família vítima dessa prática, como também nas medidas que possam ser tomadas para que tal problema seja combatido.

Com o advento da Lei 12.318/ 2010, passou a existir efetiva tutela sobre os casos de alienação parental, cujo artigo 2º da mesma dispõe sobre o conceito legal da Alienação Parental, in verbis:

Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vinculo com este. (BRASIL, 2010).

Não obstante o conceito legal seja tão recente, tal prática vem sido estabelecida há algum tempo. O psiquiatra americano Richard Gardner foi um dos primeiros a identificá-la ao observar os transtornos apresentados pelas crianças cujos pais, em processo de separação, disputavam a guarda e um dos genitores exercia uma campanha denegritória para que houvesse uma ruptura dos laços afetivos entre o filho e outro genitor.

Ainda na análise do que é Alienação Parental com o escopo de buscar na atividade jurisdicional conhecimentos práticos e teóricos atinentes à matéria em estudo, fora realizada entrevista com a Excelentíssima Senhora Juíza de Direito Maria de Fátima Lucia Ramalho, da 4ª Vara de Família da Comarca de João Pessoa, Paraíba (2014, Apêndice A), a qual aduziu que:

É a situação em que a mãe ou pai de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro cônjuge. São sentimentos de ansiedade e temor em relação ao outro. Na linguagem mais popular nós podemos dizer que um pai ou uma mãe fica jogando a criança contra o outro para que ele rompa os laços afetivos.

Com efeito, esse empreendimento nefasto e cruel apresenta-se com mais freqüência através de pressões psicológicas, ou atitudes que impeçam fisicamente do genitor visitar o menor. No entanto, é possível que se dê “à custa de agressividade e maus tratos”, segundo observou em entrevista a Senhora Cristiana Vasconcelos, Promotora de Justiça de Família e Sucessões na Comarca de João Pessoa, Paraíba (2014, Apêndice B).

Desse modo, na alienação parental o genitor, em geral detentor da guarda, não aceitando a conjugalidade desfeita, revestido de um sentimento neurótico e egoísta, utiliza-se de um sem número de estratégias para difamar o outro genitor e, por fim, afastá-lo do menor.

Acerca do alienador, Denise Maria Perissini da Silva (2011, p. 55) afirma:

A alienação parental opera-se ou pela mãe, ou pelo pai, ou no pior dos casos pelos dois pais. Essas manobras não se baseiam sobre o sexo, masculino ou feminino, mas sobre a estrutura da personalidade de um lado, e sobre a natureza da interação antes da separação do casal, do outro lado.

          

A alienação parental tem sido empreendida com maior freqüência por aquele genitor que detém a guarda, por ficar mais tempo com as crianças. Não obstante, pode ser promovida pelo genitor que não detém a guarda, que se utilizará dos momentos em que estará com o filho para manipulá-lo de todos os modos.

Além disso, terceiros também poderão promover a alienação parental. É nesse sentido que o art. 2º da Lei 12.318/2010 atribui esse fator a outros além do pai ou da mãe. Vasconcelos (2014, apêndice B), afirma que “o alienador pode ser um avô, uma avó, um irmão que não seja do mesmo pai, um tio. Então, há várias formas de alienação praticada por pessoas diferentes”.

Não se pode negar que, muita das vezes, esse papel alienador é exercido pela mãe que, revestida pelo sentimento de abandono e rejeição, tende a buscar vingança a qualquer preço, não importando se repercutirá maior dano sobre o filho. Nesse sentido, Denise Maria Perissini da Silva (2011, p. 56) afirma:

O que dificulta a punibilidade da maioria das mães durante suas manobras de AP é que, para compor sua “personagem” de “mãe protetora”, “zelosa”, que “se sacrifica” pelo filho para compensar o pai “omisso” e “ausente”, elas são, de fato, boas mães, são carinhosas e afetivas, cuidam dos filhos, preocupam-se com seu bem-estar, estão atentas às suas necessidades etc. O problema é que têm todos esses comportamentos para encobrir as manobras para afastar o outro pai do convívio com os filhos.

Quando o alienador inicia sua campanha denegritória contra o outro genitor, passa a ter uma atitude extremamente controladora e simbiótica com o filho. Dessa forma, o genitor alienador torna-se o universo da criança, representando o único em que ela confia, não permitindo que seja independente. Tratando do vínculo simbiótico, Maria Antonieta Pisano Motta (2007, p. 40) expõe que:

A simbiose é clara quando ao exame de determinadas situações encontramos crianças incapazes de autonomia no fazer e no pensar, reportando-se para tudo e a todos os momentos ao genitor alienador que funciona como “ego auxiliar” sem o qual essas crianças parecem incapazes de sobreviver.

        

Outra característica freqüente no alienador é a “vitimização”. Por meio dessa atitude, aquele que promove a alienação parental passa a exprimir emoções falsas para então poder manipular terceiros, encobrindo sua perversidade e egoísmo. Nesse momento, ocorre uma inversão de funções entre o genitor e a criança, pois esta se vê na obrigação de protegê-lo. É a chamada parentalização, caracterizada quando os filhos cuidam dos seus pais.

Iniciados os atos de alienação parental, o genitor alienador passa a construir uma relação inabalável com o filho, tornando-se unos, manobrando o menor para afastá-lo do outro genitor a qualquer preço. Para tanto, utiliza-se das mais nefastas armas. Seu intento é convencer o filho de um fato e fazê-lo repetir. Logo, o pai passa a ser considerado um invasor, um estranho. Segundo Rosana Barbosa Cipriano Simão (2007, p. 14), “o objetivo do alienador é distanciar o filho do outro genitor. Isso se dá de diversas formas, consciente ou inconscientemente”.

Ocorre que, essa atitude do alienador irá atingir negativamente o universo psicossocial da criança que refletirá as emoções do genitor, tornando-se dependente do mesmo. Diante dessa guerra de emoções, o menor se vê em um dilema insolúvel repercutindo em um verdadeiro conflito de lealdade. Para Maria Antonieta Pisano Motta (2007, p. 52):

Os conflitos de lealdade caracterizam-se como a necessidade imposta às crianças de escolher entre seus pais. Quando vítimas desse conflito elas tendem a defender, tomar partido, proteger um dos genitores e a renegar, afastar-se e acusar o outro, o que as leva a intenso sofrimento.

Por fim, urge esclarecer a diferença entre Alienação Parental e Síndrome da Alienação Parental. Com efeito, a alienação parental é o ato pelo qual o alienador inicia sua campanha contra o ex-cônjuge, denegrindo-o diante do filho, induzindo a criança a afastar-se do genitor.

A Síndrome da Alienação Parental, por sua vez, representa a contribuição da criança dirigida à difamação do outro genitor, proveniente do ato de alienação parental. Aqui o menor alienado atinge pessoalmente o outro genitor baseado nas falsas premissas instaladas na sua memória pelo alienador.

Para Denise Maria Perissini da Silva (2011, p. 45):

A sua primeira manifestação é uma campanha de difamação contra um dos genitores por parte da criança, campanha essa que não tem justificação. O fenômeno resulta da combinação da doutrinação sistemática (lavagem cerebral) de um dos genitores e das próprias contribuições da criança dirigidas à difamação do progenitor objetivo dessa campanha.

        

Com efeito, os atos de alienação parental vão programando gradativamente o menor com o objetivo de tornar o genitor alienado um completo forasteiro na relação, ocasionando a perda do afeto entre eles. “A criança é manipulada e usurpada nos seus direitos por via de conseqüência”, reflete Vasconcelos (2014, Apêndice B). Ao Estado cabe coibir tal prática, evitando que atinja seu grau mais elevado e que os efeitos da Síndrome sejam irreversíveis.

2.1.1   Acusação de Abuso Sexual

Os artifícios empregados pelo genitor alienador para atingir seu objetivo maldoso podem ser variados. A atitude mais grave é aquela que condiciona o menor a formular ou confirmar falsa acusação de abuso sexual contra o outro genitor.

A essa altura, o desequilíbrio psicológico apresentado pelo alienador é tão grande que ele irá forjar ou ajudar o filho a fabricar fatos inverídicos. Assim, ainda que o fato não tenha ocorrido, o genitor alienante irá conduzir suas atitudes de maneira que leve a crer que o evento efetivamente aconteceu. Desse modo, a criança ou adolescente passa a lembrar, sentir, e até mesmo reagir às suas lembranças como se as tivesse vivido.

A respeito desse grave nível da Alienação Parental, Denise Maria Perissini da Silva (2011, p. 101), afirma:

O genitor alienador utiliza-se de diversos recursos, estratégias (nem sempre legítimas...) de excluir o alienado da vida dos filhos. Possivelmente a mais grave, a mais devastadora e a mais ilícita de todas seja a indução dos filhos a formular falsas acusações de abuso sexual contra o pai alienado. Isso porque, além de ser um ato lesivo à moral, e que depreciará para sempre a reputação daquele que recebe a acusação, em determinados momentos da vida dos filhos essa manobra encontra guarida em alguma fase do desenvolvimento psicossexual infantil, bem como na importante questão da fantasia e do desejo.

A dificuldade reside na identificação do que seja abuso sexual e o que é falsa acusação de abuso sexual inserida no contexto da alienação parental. O genitor que sofre acusação de abuso, sem tê-lo feito, certamente terá considerável mácula na sua imagem perante toda a sociedade.                           

Ocorre que, a denúncia de abuso sexual deve ser considerada com muita cautela, visto que existe uma linha muito sensível entre a verdade e a falsa acusação. Encaminhada tal acusação ao Juiz, é possível que o mesmo, em nome do Poder Geral de Cautela e dos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana e da Proteção Integral da Criança ou do Adolescente, defira medida cautelar determinando o afastamento entre o genitor e o filho. Para tanto, é necessário a cooperação de equipe multidisciplinar para averiguar o caso concreto em tempo hábil a não causar maiores prejuízos à relação parental. Conforme expõe Denise Maria Perissini da Silva (2011, p. 124):

O que acontece, porém, é que as acusações inverídicas de molestação sexual servem para interromper definitivamente as visitas do genitor afastado. Com isso, as dramatizações do genitor alienador e da criança envolvida na alienação (induzida pelo alienador) passam a convencer os profissionais chamados a prestar os serviços: conselheiros tutelares, delegados, psicólogos, assistentes sociais, médicos, promotores e juízes, especialmente se tais profissionais forem despreparados e desconhecerem a possibilidade de uma acusação ser falsa.

Desse modo, a aferição da denúncia com total empenho dos profissionais especializados, verificando a relação do menor com os genitores, e avaliando cada um dos envolvidos permitirá concluir se o fato procede ou se decorre de mais uma artimanha utilizada para disputar a guarda e interromper a relação entre o genitor que foi acusado e o filho. Ana Surany Martins Costa (2010), destaca:

Operante é o papel da Psiquiatria/Psicologia no âmbito do Direito por permitir, quando possível, a produção de provas (laudos) que auxiliam o Judiciário a ter uma correta e justa valoração da prova em casos em que haja suspeita de SAP e/ou denúncia de abuso sexual, tendo por leme o fim máximo da ciência jurídica que é o alcance da justiça social, através da decretação de um decisium justo.

Com efeito, quanto mais houver demora na investigação do fato e realização da perícia maior será a possibilidade de dano na relação parental, visto que a suspensão cautelar das visitas pode culminar em um total afastamento entre o alvo das acusações e sua prole, e assim, resultar em uma situação irreversível e repleta de seqüelas.

Nesse sentido, diante da acusação de abuso sexual é necessária uma rápida atuação do Judiciário agregada à intervenção de uma equipe técnica especializada, permitindo averiguar a veracidade das alegações, além da manutenção das visitas, sendo estas monitoradas, para que o vínculo entre a criança e o genitor não seja destruído.

2.2         PODER PARENTAL E GUARDA COMPARTILHADA NO CONTEXTO DA DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL

2.2.1      Dissolução da sociedade conjugal e poder parental

O casamento é uma instituição passível de ser dissolvida. Não existe mais uma obrigatoriedade de caráter perpétuo para o casamento assim como também não há para a união estável. Desse modo, chegando ao fim o afeto entre os cônjuges ou companheiros, o caminho é o divórcio ou a dissolução da união estável.

Diante do fim de uma convivência conjugal repleta de sentimentos e emoções, não é de estranhar-se que o processo de dissolução da mesma também envolva muitas questões emocionais.

Logo, essa dissolução pode se dar de forma amistosa, sem turbulências, tornando menos traumático esse processo. Entretanto, essa dissolução pode se dar em um contexto de sentimentos negativos envolvendo as partes. E é nesse último aspecto que podem ocorrer as disputas pela guarda dos filhos.

Por ocasião dessa disputa em alguns genitores é deflagrado um comportamento alienante, dando-se início aos atos que irão culminar no afastamento progressivo do outro progenitor.

Acerca do momento em que pode dar início esse comportamento alienante Evandro Luiz Silva e Mário Resende (2008, p. 27) afirmam que:

Apesar de muitos autores entenderem que o comportamento alienante, descontrolado e sem nenhuma proporção com os fatos da realidade nasce com a separação do casal, entendemos que são comportamentos que remetem a uma estrutura psíquica já constituída, manifestando-se de forma patológica quando algo sai do seu controle. São pais instáveis, controladores, ansiosos, agressivos, com traços paranóicos, ou, em muitos casos, de uma estrutura perversa. Referidos sintomas podem ficar parcialmente controlados, durante parte da vida, ou no caso, do casamento, mas em muitos eclode com toda a sua negatividade e agressividade ante a separação litigiosa. A perversão pode ser dissimulada em pequenas atuações, que também passa meio despercebido durante o casamento. Mas de fato, estavam lá, não é a separação que os instaura, ela apenas os revela.   

       

Apesar da separação entre os pais gerar o fim da conjugalidade, não irá alterar o exercício da autoridade parental. Dessa maneira, o genitor que não detiver a guarda também deverá assumi-lo.

Historicamente, na antiguidade, a autoridade parental ou poder familiar estava atrelado à autoridade do chefe de família – pater­ ­– que possuía um aspecto marcadamente patrimonial, mas que ia, além disso, atribuindo legitimidade sobre a vida e sobre a morte do filho.

No Brasil, o código de 1916 atribuía o pátrio poder ao pai, exercendo a mãe apenas na falta deste. Com o advento da Constituição Federal de 1988 foi consagrada a igualdade entre homens e mulheres, sendo imperioso que houvesse mudanças no instituto. Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, houve oficialmente uma mudança de interpretação e nomenclatura. Desse modo, o agora chamado poder familiar passou a ser exercido igualmente pelo pai e pela mãe.

Leciona Cáio Mário da Silva Pereira (2004, p. 421):

Ademais, cumpre observar que tais textos legislativos refletem o dinamismo da atual sociedade, a qual impõe que ambos os genitores tenham condições de gerir a vida de seus filhos, em igualdade de condições, em face da inserção das mulheres no mercado de trabalho, bem como à intervenção masculina na administração dos lares, ambiente outrora restrito ao domínio feminino, o que torna o exercício do poder familiar comum aos genitores.

Diante da nova perspectiva de família consagrada pela Constituição Federal de 1988, o pai e a mãe ao exercerem o poder familiar sobre os filhos devem priorizar os direitos fundamentais destes, enquanto seres em desenvolvimento, garantindo a Proteção Integral e o Melhor Interesse do menor.

A respeito desse dever imposto pelo Estado, Maria Helena Diniz (2003, v.5, p. 447) afirma que:

O poder familiar consiste num conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido em igualdade de condições por ambos os pais para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção dos filhos.

Esse novo modelo familiar permitiu que a criança e o adolescente sejam assegurados pela ordem constitucional de modo que a autoridade parental necessitou ser readequada à despatrimonialização do Direito de Família.

Assim, a autoridade parental concebida atualmente não mantém qualquer relação com a idéia de poder nem obediência. É um múnus atribuído pelo Estado para benefício do menor. É um “conjunto de atribuições aos pais cometidas tendo em vista a realização dos filhos menores como criaturas humanas e seres sociais”. (CARVALHO; 1995; p. 175).

Importante ressaltar que, a autoridade parental deve ser exercida conjuntamente, em igualdade de condições, pelos pais, não guardando relação com a conjugalidade desfeita. Além disso, o poder parental é irrenunciável, não havendo possibilidade dos pais desobrigar-se de tal atribuição; é imprescritível, visto que o não exercício não os faz perdê-la; por fim, é inalienável e indisponível, não podendo ser transferida para outrem a qualquer título.

A esse respeito, Ana Carolina Brochado Teixeira (2009, p. 111) afirma:

A autoridade parental atribui a ambos os pais a titularidade, o exercício, o poder e o dever de gerenciar a educação dos filhos, de modo a moldar-lhes a personalidade, a proporcionar-lhes um crescimento com liberdade e responsabilidade, sem falar no dever de zelo do seu patrimônio.

Essa necessária participação de ambos na vida dos filhos dá margem à possibilidade da aplicação da Guarda Compartilhada, instituto que permite a continuidade do pleno exercício da autoridade parental.

2.2.2      Da Guarda Compartilhada

Ainda que tenha havido uma ruptura dos laços familiares, aos pais cabe garantir que seja mantido o vínculo afetivo. Não é isso, porém, que se vê na prática quando um dos pais movido por suas frustrações e decepções, impulsiona-se a retaliar o outro genitor, utilizando-se da disputa pela guarda do filho como instrumento de vingança, gerando o conseqüente afastamento e quebra do vínculo afetivo entre o menor e seu progenitor.

Nesse sentido, Maria Antonieta Pisano Motta (2008, p. 37) afirma que:

A criança tem necessidade de continuidade de seus vínculos psicológicos fundamentais e necessita que haja estabilidade nos mesmos. Estas características devem, igualmente, estender-se a todas as relações emocionalmente significativas para as crianças, sejam familiares, amigos, vizinhos, professores ou colegas de escola. As crianças vivem o afastamento de um dos genitores como uma perda de grande vulto (ainda que não saibam disto) e permanente. Sentem-se abandonadas e vivenciando profunda tristeza.

Há algum tempo, quando a relação conjugal se rompia, era costume atribuir a guarda à genitora. No entanto, após a evolução do instituto familiar, a criação, guarda e cuidado dos filhos não é mais exclusivo da mulher. Com a saída da mulher para o mercado de trabalho, o homem passou a exercer influências na rotina dos menores, assumindo papéis iguais ou, até mesmo, mais importantes que aquela.

A esse respeito, Douglas Phillips Freitas (2012, p. 89) afirma:

O fato é que, ao pugnar pelo melhor interesse para a criança, deve o julgador levar em conta os critérios estabelecidos em lei, a orientação dada pelos profissionais que auxiliam o juízo (equipe multidisciplinar) e, de forma alguma, preconceitos sexistas.

Atualmente, na atribuição da guarda deve-se atentar para a igualdade entre os genitores, a relação afetiva entre estes e o menor, além de fiel observância ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

O atual Código Civil prevê que a guarda será unilateral ou compartilhada. Aplicada a guarda unilateral, um dos pais permanece com o filho em sua residência, enquanto o outro detém apenas o direito de visita, além dos encargos financeiros. Esse modelo de guarda não retira a autoridade parental do genitor que apenas visita, mas é fato que altera muito o seu exercício. Segundo Fabíola Santos Albuquerque (2006, p. 31):

Se ambos os cônjuges são iguais e durante a convivência exerciam o poder familiar conjuntamente, por que, na hipótese de dissolução do vínculo conjugal, aquele exercício precisa ser praticado de modo separado e exclusivo? Por essas razões é que o modelo de guarda exclusiva revela-se incompatível com as vicissitudes por que passa a família. Se o princípio norteador é o melhor interesse da criança, como justificar, para o principal interessado, que em razão da dissolução do vínculo jurídico dos pais ele será obrigado a aceitar, que, a partir daquele momento, passará a viver apenas com um e ser visitado pelo outro?

Urge lembrar que, esse modelo de guarda torna viável a prática de alienação parental, resultado de disputas traumatizantes por meio das quais os genitores procuram ganhar a todo custo a guarda, como se troféu fosse.

Considera-se que uma das maneiras para que sejam minimizados, ou até mesmo neutralizados, os efeitos da alienação parental é a fixação da Guarda Compartilhada. Esse instituto baseia-se no sistema em que ambos os genitores detém a autoridade sobre os filhos, de modo que as decisões importantes relativas a estes devem ser tomadas conjuntamente.

Nesse modelo de guarda existe um exercício conjunto da autoridade parental, um compartilhamento das responsabilidades, das decisões que afetam a vida do menor.

Em tese, a guarda compartilhada iria favorecer o menor no sentido de que não seria mais arma de vingança dos pais, visto que ao compartilharem os cuidados e responsabilidades entre si estariam priorizando do desenvolvimento saudável do filho, tanto psicológico como social, amenizando os traumas.

Entende Douglas Phillips Freitas (2012, p. 95) que:

A aplicação desse instituto também significa que os genitores passam a tomar as decisões sobre os filhos de forma conjunta e consensual, pois ambos fazem parte do dia a dia da criança ou do adolescente, não mais existindo a figura do cônjuge visitante. O filho, consequentemente, sente menos os efeitos da separação dos pais. 

        

Por meio da guarda compartilhada dá-se a preservação dos vínculos afetivos com ambos os pais na medida em que existe uma convivência ativa havendo uma aproximação dos filhos. Aqui não haverá lugar para o sentimento de posse que toma o genitor alienador. Segundo Denise Maria Perissini da Silva (2011, p. 25):

Na guarda compartilhada, não existe um “detentor” único da guarda, que decide de forma unilateral, arbitrária, tirânica até, acerca dos eventos dos filhos, sem comunicar ao outro pai/mãe, situação grave e extremamente comum na guarda monoparental.

        

A importância desse modelo de guarda reside na possibilidade de redução dos conflitos que surgem com o fim da conjugalidade. Conflitos esses que deflagram real afronta aos princípios constitucionais que norteiam o direito de família. Além disso, é o que melhor se coaduna com a família moderna e o exercício da autoridade parental.

No entendimento de Douglas Phillips Freitas (2012, p. 96):

Com a convivência em vez de visita, certamente será evitada a mazela da síndrome da alienação parental, principalmente na guarda unilateral, pois o genitor não guardião, em vez de ser limitado a certos dias, horários ou situações, possuirá livre acesso ou, no mínimo, maior contato com a prole. A própria mudança de nomenclatura produz um substrato moral de maior legitimação que era aquele de visitante. O não guardião passa a ser convivente com o filho.

A guarda compartilhada permite a convergência da responsabilidade dos progenitores para um mesmo fim. Não significa que problemas não podem advir, nem que ela seja plenamente eficaz. É necessário na ocasião da aplicação da guarda que atente-se ao melhor interesse da criança ou adolescente.

2.3         A PROTEÇÃO AO MENOR ESTABELECIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A LEI Nº 12.318/2010

A carta constitucional de 1988 consagrou em seu bojo a dignidade da pessoa humana, elevando à condição de direito fundamental. Sendo assim, ao sistema jurídico brasileiro cabe assegurar condições que importem a defesa ao gozo dos direitos inerentes à pessoa.

Nessa perspectiva, Paulo Gustavo Gonet Branco (2013, p. 167) afirma que:

Os direitos fundamentais participam da essência do Estado de Direito democrático, operando como limite ao poder e como diretriz para a sua ação. As constituições democráticas assumem um sistema de valores que os direitos fundamentais revelam e positivam. Esse fenômeno faz com que os direitos fundamentais influam sobre todo o ordenamento jurídico, servindo de norte para a ação de todos os poderes constituídos.

        

Não obstante, tenha sido consagrado o princípio da dignidade da pessoa humana como a base de todo o ordenamento jurídico, esse mesmo princípio foi direcionado especificamente para a criança e o adolescente, sendo disposto no caput do art. 227 da Carta Magna, in verbis:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

Sob essa ótica, o direito fundamental dirigido ao menor consiste em um valor que deve receber a necessária tutela do Estado. Nesse âmbito, é tarefa da incumbência do Judiciário a defesa de tal direito, buscando conferir a eficácia possível ao caso concreto, prioritariamente.

Na busca para dar maior efetividade à proteção ao menor estabelecida na Constituição Federal, editou-se a Lei n.º 12.318/2010 que trata da Alienação Parental, apresentando instrumentos para coibir tal prática, e preservar os menores das consequências advindas da mesma.

É certo que desde a década de 80 fala-se em alienação parental, e da sua influência negativa sobre o núcleo parental. Ainda que fosse uma prática freqüente nas lides de direito de família, muitos juristas negavam sua existência, outros não sabiam lidar com a mesma, tornando-se dificultoso o combate e prevenção a tal ação.

Logo, o advento da Lei nº 12.318/2010 trouxe uma importante mudança e impactou o universo jurídico brasileiro, que é bastante vinculado à produção legislativa. Não se pode mais negar a existência da Alienação Parental, muito menos as conseqüências psicossociais que desencadeiam no menor. Desse modo, a Lei da Alienação Parental, aliada aos diplomas já existentes, procurou trazer efetividade à garantia constitucional, buscando manter a estrutura familiar mesmo após o fim da conjugalidade.

A supracitada lei, em seu artigo 2º, elenca um rol exemplificativo daqueles sujeitos que podem praticar Alienação Parental, de modo que esse rol não se restringe aos genitores, como também não serão apenas os genitores que poderão sofres as consequências dos atos da mesma.

Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. (BRASIL, 2010).

O parágrafo único do artigo 2º da Lei de Alienação Parental traz condutas exemplificativas do que poderá ser considerado ato de alienação parental, sem prejuízo de outros atos detectados por perícia e declarados pelo Juiz.

Da leitura do artigo 3º, nota-se que a prática de Alienação Parental, inclusive, autoriza a persecução de indenização por danos morais. Essa indenização refere-se à configuração do dano moral decorrente do abandono afetivo. Aqui procura-se punir o genitor que descumpre seu dever de afeto e cuidado inerente ao novo modelo de família e de indiscutível importância na formação da personalidade da criança ou adolescente. “Os danos irreparáveis decorrentes da conduta alienatória só podem ser minorados com a sua identificação e tratamento, muitas vezes psicológico, não só do menor, como do alienante e do genitor alienado” (FREITAS; 2012, p. 37).

O abandono afetivo fere o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, norteador do ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, o citado artigo 3º é claro e objetivo ao afirmar que “a prática de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente” (BRASIL, 2010).

Mais adiante, em seu artigo 6º, a Lei da Alienação parental não exclui a possibilidade de responsabilização civil decorrente da conduta imprópria do genitor alienador. Segundo Douglas Phillips Freitas (2012, p. 106):

Com o advento da Lei de Alienação Parental, a fixação de danos morais decorrentes do ‘Abuso Moral’ ou do ‘Abuso Afetivo’, advindos da prática alienatória, se tornará, certamente, consenso na doutrina e nos tribunais, permitindo, tanto ao menor como ao genitor alienado, o direito de tal pleito, pois não se trata de indenizar o desamor, mas de buscar a compensação pela prática ilícita (senão abusiva) de atos de alienação parental.

O Superior Tribunal de Justiça julgou possível a compensação por danos morais decorrente de situação de abandono afetivo. A Ministra Nancy Andrighi, relatora do Recurso Especial n.º 1.159.242 - SP (2009/0193701-9), entendeu que:

Sob esse aspecto, indiscutível o vínculo não apenas afetivo, mas também legal que une pais e filhos, sendo monótono o entendimento doutrinário de que, entre os deveres inerentes ao poder familiar, destacam-se o dever de convívio, de cuidado, de criação e educação dos filhos, vetores que, por óbvio, envolvem a necessária transmissão de atenção e o acompanhamento do desenvolvimento sócio-psicológico da criança. (BRASÍLIA-DF, RE nº 1.159.242-SP. Data do julgamento 10/04/2012).

Logo, o dever de cuidado, de afeto, de zelo, viabiliza um bom desenvolvimento psicológico do menor, restando claro que a desídia quanto a esse dever por parte do progenitor resultando em abuso moral e imensurável sofrimento para os filhos irá autorizar a sua condenação civil.

Em seu artigo 4º, a Lei nº 12.318/10 determina a tramitação prioritária para os processos em que se identificam a Alienação Parental, além da possibilidade de visitas assistidas. Tal se deve em razão da necessidade de manutenção da relação parental, sem que a mesma se rompa no decorrer do tempo em que se averigua a veracidade das acusações.

Na esteira do artigo 5º, é possível a propositura de ação autônoma ou incidental. Aqui, tem destaque a equipe multidisciplinar que irá realizar perícia para identificar o problema. Com efeito, a atuação desses profissionais a longo prazo poderá impedir a instauração do caos na relação entre genitor e sua prole, ou atenuar seus efeitos danosos.

 O rol exemplificativo das medidas aplicáveis pelo Juiz aos casos de comprovada Alienação Parental estão elencados nos incisos do artigo 6º, da referida Lei. Tais medidas procuram assegurar os direitos da criança ou adolescente, no que tange à sua Proteção Integral e Melhor Interesse, bem como defender o progenitor que é vítima da Alienação Parental e serão tratadas em capítulo oportuno.

Conforme tratado anteriormente, a preferência na atribuição da guarda é que ela seja compartilhada, pois assim os pais poderão exercer em igualdade de condições seu poder parental. Além de que a escolha por esse tipo de guarda afasta a possibilidade de que os genitores usem o filho como coisa, alvo de disputas acirradas, com pretensões aquém do Melhor Interesse do Menor.

O artigo 7º faz referência à aplicação da guarda, devendo ser a regra a aplicação da guarda compartilhada. Para os casos em que é completamente inviável esse modelo, excepcionalmente será aplicada a guarda unilateral. Residindo aqui ponto importante, visto que o referido artigo é claro ao afirmar que “dar-se-á preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor” (BRASIL, 2010).

Logo, na impossibilidade de compartilhamento da guarda, o Magistrado deverá atribuir a guarda ao genitor que não pratica alienação parental, que tem consciência da importância dos direitos da sua prole, de modo a garantir a convivência sadia desta com ambos os pais.

Assim, não há dúvidas de que a Lei nº 12.318/210 opera um grande avanço, elencando instrumentos que permitem uma tutela mais ágil e eficaz por parte do Estado, para então coibir tais atos reprováveis e assegurar a manutenção equilibrada e igualitária da relação familiar enquanto alicerce da nossa sociedade.

3            O PODER JUDICIÁRIO E SUA INTERVENÇÃO NA ALIENAÇÃO PARENTAL

3.1         A FUNÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO E AS MEDIDAS APLICÁVEIS AO CASO CONCRETO

Não são raras as vezes que ex-casais digladiam-se em manipulações com o escopo de atingir um ao outro durante processos judiciais. Para Denise Maria Perissini da Silva (2011, p. 96):

A problemática da SAP está, talvez, mais intimamente ligada a birras pessoais e ausência de princípios morais e secundariamente a distúrbios psicológicos, uma vez que envolve diretamente sobrevivência financeira, autocapacitação de criação unilateral e desprezo total ou desconhecimento total da necessidade do filho de ter convívio normal com ambos os genitores.

Constatada a presença de manobras alienatórias por parte do genitor, é mister que o mesmo seja responsabilizado, haja vista a finalidade desprezível que o leva a tais atitudes, as quais ferem direito da criança e do adolescente como também do genitor que é vítima.

A Lei da Alienação Parental prevê em seu artigo 6º, caput, que diante da caracterização de atos de tal natureza que deve o Magistrado utilizar-se de instrumentos para minorar-lhe os efeitos.

Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso. (BRASIL, 2010).

Desse modo, verificada a Alienação Parental, caberá ao Judiciário, segundo inciso I do referido artigo, “declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador” (BRASIL, 2010).

Com efeito, em geral, o genitor tem consciência da sua atitude e total intenção de prejudicar o ex-cônjuge. Para a Psicoterapeuta de Família, Terezinha Féres-Carneiro (2008, p. 68):

Ninguém ocupa o lugar da família, ninguém consegue substituir a função dos pais em relação aos filhos, estejam eles casados ou separados, e é sobretudo isto que devemos deixar claro para os pais. Sensibilizar ambos os pais para a importância do seu papel no desenvolvimento dos filhos talvez seja a melhor ajuda que possamos como profissionais prestar à família quando os pais se separam.

Entretanto, pode acontecer que o genitor não esteja agindo intencionalmente. Daí a importância de que ele seja advertido para que não dê continuidade a tal prática, antes que empregue-se outras medidas punitivas.

O inciso II, por sua vez, determina que também pode-se “ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado”. (BRASIL, 2010).

Não obstante o fim da conjugalidade, os pais têm o direito de que os laços com seus filhos continuem plenamente. Ainda que, muitas vezes, limitados pelo instituto da visita é importante que haja uma continuidade da relação parental. Nessa linha, “o direito de ter o filho em sua companhia é expressão de direito de convivência familiar, que não pode ser restringido em regulamentação de visita. Uma coisa é a visita, outra a companhia ou convivência” (LÔBO, 2011, p. 197).

Urge destacar acórdão da 7ª Câmara do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, verbis:

DIREITO DE VISITAS. PAI. ACUSAÇÃO DE ABUSO SEXUAL. PEDIDO DE SUSPENSÃO. SUSPEITA DE ALIENAÇÃO PARENTAL. 1. Como decorrência do poder familiar, o pai não-guardião tem o direito de avistar-se com a filha, acompanhando-lhe a educação, de forma a estabelecer com ela um vínculo afetivo saudável. 2. A mera suspeita da ocorrência de abuso sexual não pode impedir o contato entre pai e filha, mormente quando o laudo de avaliação psicológica pericial conclui ser recomendado o convívio amplo entre pai e filha, por haver fortes indícios de um possível processo de alienação parental. 3. As visitas ficam mantidas conforme estabelecido e devem assim permanecer até que seja concluída a avaliação psicológica da criança, já determinada. Recurso desprovido. Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. (RIO GRANDE DO SUL. AI: 70049836133. Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 03/09/2012).

Sendo assim, através dessa medida aplica-se o artifício contrário ao objetivo do alienante. Busca-se minimizar os efeitos da Alienação Parental preservando o convívio entre o pai/mãe e o filho.

O texto legal em seu inciso III preceitua que o Magistrado poderá “estipular multa ao alienado” (BRASIL, 2010). Esse mecanismo de fixação de multa tem a função de desestimular e punir o genitor que utiliza-se de meios ardilosos para obstar o convívio entre seu ex-cônjuge e sua prole.

O inciso IV possibilita ao Juiz “determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial” (BRASIL, 2010). Essa perícia, quando procedida de maneira correta, aumenta o ângulo de visão do Magistrado a respeito dos fatos que são reais e dos falsamente alegados. É então elaborado um laudo detalhado acerca da existência de indícios de alienação parental, ou não. Para Douglas Phillips Freitas (2012, p. 44):

É importante esclarecer que a realização de acompanhamento não se restringe ao menor alienado, pois, em leitura sistemática com o caput, o alienador geralmente é quem precisa de auxílio psicoterapêutico, devendo ser ampliados os efeitos desta previsão a este e não restringidos àquele, afinal, no poderes conferidos por esta lei e pela regra do art. 461, em seu § 5º, Código de Processo Civil, o magistrado pode determinar de forma compulsória (sob pena de perda da guarda ou astreintes, por exemplo) que o cônjuge alienador realize também o tratamento.

Dessa maneira, por meio de acompanhamento profissional adequado procura-se entender o que ocorre no universo particular da criança ou adolescente, como também do progenitor alienador, e assim ajudar a promover o melhor desenvolvimento dessa relação parental.

A hipótese prevista no inciso V é a de que se poderá “determinar a alteração da guarda para a guarda compartilhada ou sua inversão” (BRASIL, 2010). Essa medida aplicável possui como escopo a proteção ao menor no que concerne ao seu melhor interesse, não reflete uma penalização ao alienador. Decorre tão-somente da Autoridade Parental, e busca atender a necessidade de desenvolvimento sadio.

Importante ressaltar que, não obstante todo o incentivo à Guarda Compartilhada, a referida medida permite também que a mesma poderá ser revertida em Guarda Unilateral, caso seja o meio adequado para amenizar a prática alienatória, sempre procurando nortear-se pelo Princípio do Melhor Interesse do Menor.

De acordo com o inciso VI, da Lei da Alienação Parental, poderá o Magistrado “determinar a fixação cautelar do domicílio da criança e do adolescente” (BRASIL, 2010).

Tal medida cautelar busca resguardar a aplicabilidade da Lei de Alienação Parental diante da constante mudança de endereços experimentada pelas crianças ou adolescente quando um de seus genitores está tomado do intuito de apartá-los do genitor alienado. Procura-se aqui a proteção ao interesse do menor e a efetividade do direito que tem o genitor à uma relação parental com sua prole.

Por sua vez, o inciso VII, como punição aos atos abusivos decorrentes da Alienação Parental determina que se poderá “declarar a suspensão da autoridade parental” (BRASIL, 2010). O referido inciso necessita ser interpretado em consonância com o art. 1.637 e 1.638 do Código Civil que trata da suspensão e extinção do poder familiar. Dispõe os mesmos, respectivamente, que poderá ser suspenso a Autoridade Parental em caso de abuso e, em caso de reiteração, esta poderá ser extinta por ato judicial.

Quando um dos genitores passa a empreender uma campanha egoísta e cruel com a finalidade de separar seu filho do outro progenitor implicando em um sofrimento incalculável a estes, representa um abuso da sua autoridade parental, permitindo então a suspensão desse poder.

Segundo Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues (2013, p. 9):

Ou seja, o abuso da autoridade parental por parte de um dos genitores demonstra que o alienador age excedendo os limites impostos pela ordem jurídica, uma vez que compromete o exercício da autoridade parental pelo genitor alienado, invadindo um espaço de liberdade que não lhe é conferido, causando inevitáveis danos aos filhos, que crescem sem a referência biparental, mesmo tendo ambos os pais vivos e dispostos a cumprir os deveres oriundos do poder familiar.

Os instrumentos elencados no artigo 6º da Lei n. 12.318/2010, interpretados em consonância com os demais dispositivos legais buscam a efetiva tutela do menor, como também visa uma relação familiar saudável e plena com ambos os genitores. Não obstante a complexidade das relações familiares cabe ao Judiciário e a todos os envolvidos conscientizarem-se e adotarem uma postura protetiva em prol da entidade familiar, bem como da criança e do adolescente.

3.2         A ATUAÇÃO DO JUIZ DA VARA DE FAMÍLIA

A garantia constitucional de proteção à criança e ao adolescente atribui ao Estado o dever de coibir a prática de Alienação Parental. Dessa maneira, cumpre ao Juiz, enquanto representante estatal, dirimir os conflitos advindos da relação parental, tendo como prioridade a criança e o adolescente, enquanto pessoas em desenvolvimento.

A identificação da existência de Alienação Parental não é tarefa fácil. Principalmente quando alega-se abuso sexual, visto que exige-se toda a cautela e presteza do Judiciário para determinar a veracidade do que alega-se.

A Lei nº 12.318/2010, em seu art. 6º, caput, prevê que para os casos de Alienação Parental poderá o interessado ingressar com ação autônoma ou incidental, cujo trâmite será prioritário e o foro competente será o da Vara de Família onde encontra-se domiciliado o menor.

Nesse sentido, Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues (2013, p. 12) entendem que:

Não sem razão, o Estatuto da Criança e do Adolescente, ao positivar medidas protetivas dos direitos das crianças e dos adolescentes, pontua que um dos princípios que orientam a atuação do Estado na aplicação dessas medidas é o princípio da intervenção precoce, previsto no art. 100, § único, inc. IV. Que estabelece que a intervenção das autoridades competentes deve ser efetuada logo que  situação de perigo seja conhecida – o que justifica a tramitação prioritária determinada pela Lei 12.318.

A afirmação de abuso sexual é a conduta mais extrema e mais grave na manifestação dos atos alienatórios. Diante de tal acusação, cumpre a difícil tarefa do Juiz, em nome do poder geral de cautela e do princípio da intervenção precoce, suspender as visitas, ou não, e dar início a um processo que afetará profundamente os envolvidos nessa situação.

Segundo Ana Surany Martins Costa (2010) em artigo publicado no sítio do Instituto Brasileiro de Direito de Família:

Tal denúncia possui aspecto dúplice, pois, de um lado, há o dever de tomar imediatamente uma atitude e, de outro, o receio de que, se a denúncia não for verdadeira, traumática será a situação em que a criança estará envolvida, pois ficará privada do convívio com o genitor que eventualmente não lhe causou qualquer mal e com quem mantinha excelente convívio.

Ocorre que os procedimentos realizados são demorados e interferem gravemente na convivência do genitor e o menor. Enquanto verificam-se os fatos narrados, corre-se o risco de que o vínculo afetivo entre o progenitor vítima e seu filho perca sentido e razão de ser, resultando em um afastamento progressivo entre os mesmos.

Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues (2013, p. 12) afirmam:

Diante desta necessidade de rapidez nos julgamentos e soluções destes litígios, com o escopo de evitar o perpetramento de danos à integridade psicológica dos menores, é que surge uma das maiores dificuldades em torno do trato jurídico da alienação parental. Pois, se de um lado, exige-se celeridade, de outro, é necessária máxima e extrema cautela tanto na identificação, quanto na punição das condutas lesivas. Isto porque, por mais que se tratem de hipóteses de “guerra da conjugalidade” os efeitos danosos são, em maior medida, experimentados pelos menores.

Todavia, constatada a existência da Alienação Parental, sem prejuízo das medidas inibitórias aplicáveis e tratadas anteriormente, é necessário que seja mantido também o vínculo entre o Alienador e sua prole, visto que é direito da criança ter a relação com ambos os genitores.

Nesse sentir, a necessidade de manutenção desse vínculo parental pode ser visto no acórdão proferido pela 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE GUARDA. INDÍCIOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL. Merece ser mantida a decisão que deferiu a guarda provisória do menor ao pai, ante a conclusão do laudo pericial de que a família materna apresenta comportamento inadequado com o filho, tentando impor falsas verdades. VISITAÇÃO MATERNA. Necessidade de assegurar a visitação materna com acompanhamento, a fim de preservar os laços afetivos entre mãe e filho. Agravo de instrumento parcialmente provido. (Agravo de Instrumento Nº 70057883597, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 26/03/2014).

Não obstante a Lei 12.318/2010 representar expressiva conquista na seara do Direito de Família, buscando efetivar a garantia constitucional de proteção aos menores, os Tribunais não formaram uma expressiva jurisprudência sobre o tema.

Nesse sentido, Maria de Fátima Lucia Ramalho (2014, Apêndice A) afirma que, na prática, os processos são resolvidos em primeira ou segunda instância, não havendo, portando, uma jurisprudência palpável a respeito.

Com propriedade, pode-se afirmar que essa postura recorrente entre pais em meio a disputas compromete o emocional da criança, dando origem a danos que não é possível mensurar. Para coibir essa prática, está à disposição dos operadores do direito um arsenal razoavelmente estruturado para efetiva tutela dos direitos ofendidos.

O grande desafio para o Magistrado será o de identificar, da melhor maneira possível, dentro da complexa relação familiar, o contexto em que encontra-se inserido cada membro e qual a efetiva medida a ser tomada no caso concreto tendo como absoluta prioridade o direito da criança e do adolescente de desenvolver-se em um sadio ambiente familiar.

3.3         A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

O advento da Constituição Federal de 1988 consagrou a dignidade de todos os membros da entidade familiar, além da proteção integral à criança e adolescente. Nesse sentido, é imperioso que, diante de atos de Alienação Parental ou suspeita destes, o Estado utilize todo seu aparato profissional com o fim de coibir tal disposição egoísta.

A legislação processualista brasileira atribui ao Ministério Público a legitimidade para atuar como parte ou como fiscal da lei. Nos termos do artigo 127, caput, da Constituição Federal “o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (BRASIL, 1988).

A Lei de Alienação Parental no caput do seu artigo 4º dispõe:

Declarado indicio de ato de alienação parental,a requerimento ou de oficio, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinara, com urgência, ouvido o Ministério Publico, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso. (BRASIL, 2010).

Com efeito, nas lides envolvendo menores a atuação do Ministério Público se faz necessária diante da presença do interesse público. A esse respeito, Rosana Barbosa Cipriano Simão (2008, p. 25):

A questão do combate à Alienação Parental envolve questão de interesse público ante a necessidade de exigir uma paternidade/maternidade responsável, compromissada com as imposições constitucionais bem como salvaguardar a higidez mental de nossas crianças.

Nos aludidos processos, o órgão ministerial funcionará como custos legis, nos termos do art. 82, inciso II, do Código de Processo Civil. Nesse ínterim, Antônio Cláudio da Costa Machado (1988, p. 283) entende que:

Nenhuma função que exerça o Ministério Público no processo civil o dignifica mais como instituição vocacionada para a defesa dos direitos indisponíveis do que a que realize quando atua como custos legis. Em nenhum outro momento o Ministério Público é tão Ministério Público como quando intervém na condição de fiscal da lei. Realmente, é longe da incômoda posição de parte parcial que melhor pode o Ministério Público cumprir o desiderato de responsável, perante o Judiciário, pela ‘defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis’, assim como previsto pelo caput do art. 127 da Constituição Federal de 1988.

Consoante se depreende, particularmente da analise do dispositivo retro transcrito, ajuizada ação em desfavor do genitor, pleiteando-se provimento em função de pratica de alienação parental, caberá ao órgão ministerial laborar no sentido de que seja observado o direito fundamental à convivência familiar em nome do melhor interesse do menor.

Discorrendo sobre a atuação do Ministério Publico, o Promotor de Justiça Vicente Elísio de Oliveira Neto (2013) afirma:

No exercício das funções de custos legis, nas causas relacionadas à alienação parental, pode e deve o Ministério Publico cumprir destacado papel na elucidação dos fatos, na manutenção ou restauração da ordem jurídica violada, assim como na responsabilização do alienador e conseqüente preservação ou restabelecimento dos direitos e interesses de criança ou adolescente.

Toda criança e adolescente possuem direito fundamental ao convívio familiar. Portanto, é necessário que os operadores do direito tenham uma postura no sentido de que os fatos sejam elucidados.

Assim, cabe ao membro do Ministério Público agir na defesa do melhor interesse do menor. Para tanto, durante os feitos em que existe suspeita de práticas alienatórias, ao Parquet cumprirá diligenciar para que as medidas legais sejam determinadas pelo juízo.

A esse respeito, a Promotora de Justiça Ana Carolina Lucena Freitas (2010):

A maioria dos casos em que se suspeita da ocorrência da alienação parental ocorre durante a tramitação de ações judiciais, daí  a  atuação do Ministério Público,  em regra,  deverá ocorrer no exercício de sua função custus legis, vez que, na forma do art. 82, I e II do Código de Processo Civil  e do art. 201, VIII da Lei 8.069/90,   tem como atribuição zelar pela preservação dos direitos  de crianças e adolescentes, bem como pelo melhor interesse dos mesmos.  Porém,  se  em atendimento ao público,  vier a receber “queixa” de prática de alienação parental, após análise do caso, deverá  orientar a vítima quando à possibilidade de ajuizamento de ação para apurar o fato e coibir a continuidade das condutas alienadoras, ou, conforme  a gravidade do caso, e a situação social da vítima ajuizar ele próprio a ação.

Seguramente, não obstante a atuação do Promotor nos processos em que discute-se Alienação Parental seja como fiscal da lei, em situações excepcionais e visando resguardar o interesse e direito indisponível do menor é possível que o mesmo assuma a atribuição de parte e demande contra o genitor que claramente está agindo contra o regular desenvolvimento das relações afetivas entre a criança e o progenitor alienado.

Desse modo, nos casos de Alienação Parental caberá ao MP a salutar missão de fiscalizar a aplicação da espécie normativa, seja de maneira preventiva ou punitiva, para que essa nefasta e desumana prática seja afastada e a garantia à integridade e dignidade da criança e do adolescente seja efetivada.

3.4         O TRABALHO DE ESPECIALISTAS NOS CASOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL

Os auxiliares da justiça desempenham importante função na orientação do juízo no que tange à melhor solução para o caso concreto. Nos termos do artigo 139 do Código de Processo Civil:

São auxiliares do juízo, além de outros, cujas atribuições são determinadas pelas normas de organização judiciária, o escrivão, o oficial de justiça, o perito, o depositário, o administrador e o intérprete. (BRASIL, 1973).

No contexto das relações familiares a complexidade das emoções envolvidas demanda um assessoramento psicossocial para esclarecer com certeza técnica o objeto do conflito de interesses. A Lei de Alienação Parental, em seu artigo 5º, prevê que “havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial”.

Nesse sentido, nos processos que envolvem alegação de Alienação Parental o magistrado, de ofício ou a requerimento, poderá valer-se de perícia realizada por psicólogos ou assistentes sociais que verificará sua existência ou não. Rebecca Ribeiro (2006, p. 55) afirma que:

Em geral, a demanda de realização do estudo psicossocial está relacionada aos casos de disputa judicial explícita ou encoberta, onde as crianças estão bastante envolvidas, e onde a temática da violência, física ou emocional (incluída a sexual), é um importante eixo do relacionamento e da comunicação familiar, tornando-se, inclusive, um dos elos que conecta a família à Justiça.

 Urge destacar que o juiz não está vinculado à produção pericial, de maneira que nada impede que se valha de outros elementos ou fatos que dos autos constam para forma sua convicção. Embora, por não ser expert em desvendar as emoções que afloram nos indivíduos envolvidos no fenômeno, é comum tomar como base para a decisão o estudo realizado pela equipe multidisciplinar.

Nesse sentido, Ana Surany Martins Costa (2010) aponta que:

Os estudiosos mais modernos do Direito de Família foram em busca de ciências afins ao Direito para melhor compreender o fenômeno jurídico da família pós-moderna, com o propósito de analisar, de modo mais abrangente (e com a complexidade devida), os intrincados modelos familiares atuais.

Com efeito, existem demandas menos complexas (easy cases) em que é possível o Juiz tomar uma decisão acertada sem a necessidade de uma perícia. Segundo Maria de Fátima Lucia Ramalho, “notadamente, quando a criança já é um pouco maior e se conversa com ela, já se percebe o que é verdadeiro e o que é que ela está recebendo de carga negativa de um dos pais” (2014, Apêndice A).

 Entretanto, as manipulações do alienador podem se dar de maneira que não seja possível, a partir de uma simples observação, identificá-las facilmente. Daí a necessidade de orientar-se pela ótica dos especialistas.

Pertinente lembrar que, embora não seja possível uma total ausência de subjetividade, o perito não pode se valer de impressões preconcebidas ao realizar o laudo. Como afirma Rebecca Ribeiro (2006, p. 57):

Precisa-se levar em conta os valores e crença de cada um, sem impor os valores do profissional ou do judiciário, que cria um processo de desqualificação das potencialidades de saúde dos membros das famílias, como se fossem inadequados ou incapazes, tornando-os passivos no processo.

Dá análise atenta à demanda do Judiciário, percebe-se serem crescentes os casos de dissolução de sociedade conjugal ou união estável cumulados com disputa pela guarda dos menores. Dentre esses, muitos envolvem práticas implícitas e sutis de Alienação Parental.

Entretanto, o Estado não tem acompanhado esse crescimento, restando que o mesmo não consegue ofertar um serviço de acompanhamento psicológico adequado à família. Nas palavras da Promotora de Justiça Cristiana Ferreira Vasconcelos, “está muito longe de ser o ideal” (2014, Apêndice B).

O rompimento do laço conjugal afeta sobremaneira o íntimo dos familiares envolvidos, de modo que muitos não se imaginavam vivenciando aquilo e, assim, não sabem lidar com essa realidade, como consertar algo que parece quebrado. Nesse contexto de incertezas, sonhos jogados fora, mágoas e raiva, o ex-cônjuge acaba utilizando o filho como uma arma, um objeto que terá a finalidade de atingir e destruir o outro.

A esse respeito, Joana d’Arc Cardoso dos Santos e Maria Aparecida Medeiros da Fonseca (2006, p. 63) afirmam:

Como há um despreparo da família para essa reorganização, via de regra as crianças são as mais afetadas, pois a grande maioria dos casais nada esclarece aos filhos, ou simplesmente lhes dizem que não se entendem mais e que não viverão mais sob o mesmo teto. Desta forma, uma série de dúvidas paira sobre a cabeça dos filhos, gerando fantasias que perdurarão, muitas vezes, por vários anos, ocasionando, em alguns casos, o aparecimento de sintomas. As dificuldades desses pais em lidar com as questões que o levaram à separação e até mesmo com a dor da separação legal mistura-se às questões financeiras e às questões específicas de parentalização-guarda e regulamentação de visitas aos filhos.

Além disso, algumas das celeumas levadas à discussão perante o Judiciário não se resumem a uma simples disputa de guarda que será resolvida com uma decisão do Juiz. Podem ocorrer casos em que a estrutura psíquica de um dos cônjuges, ou dos dois, seja previamente patológica e a dissolução da união apenas a revelou. “A maioria das famílias que recorre à Justiça, para solucionar algum conflito, apresenta outras problemáticas que não são de ordem legal e que, portanto, não podem ser resolvidas no âmbito judicial” (CORRÊA, 2006, P. 95).

Por tais razões, além das medidas de tutela cabíveis, é possível que, em nome do melhor interesse dos menores e proteção ao instituto da família, o Juiz determine o acompanhamento psicológico dos genitores e do menor após o deslinde processual para que sejam trabalhadas as questões íntimas do ser humano neste momento de mudança e transformação das relações que se encontram desestruturadas, e que foge à competência da Justiça.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Alienação Parental, cujo tratamento específico está disposto na Lei n. 12.318/2010, consiste numa prática antiga que vem aumentando a incidência em razão do atual contexto do instituto da família e do grande número de dissoluções da conjugalidade.

A evolução da família, hoje apreciada em diversos aspectos, alterou consideravelmente as funções atreladas a cada membro favorecendo a disputa pela guarda dos filhos.

Em que pese o desejo de manutenção dos vínculos afetivos, não são todos os genitores que nutrem essa pureza em seu objetivo. Com acentuada freqüência ex-cônjuges têm tido a audácia de enxergar o menor como arma, como uma “carta na manga” que irá desestabilizar o outro.

Com efeito, no ordenamento jurídico brasileiro está expressa a garantia constitucional de proteção à criança e ao adolescente disposta no artigo 227 da Constituição Federal, bem como na esfera infraconstitucional pelas Leis n. 8.069/90 e 12.318/10.

A necessidade de efetividade dos dispositivos legais ora analisados justifica-se pelo impacto que os atos de alienação parental instalam no meio social oriundo de uma relação afetiva familiar destruída.

Sabe-se da dificuldade de ordem prática que o Estado tem na identificação desse comportamento adotado por pais e no conseqüente tratamento adequado para a manutenção dos vínculos afetivos.

Outro aspecto de suma importância é trabalho específico dos assistentes, cujo estudo elaborado no caso concreto orienta o juízo em sua decisão em face da precisa cautela em casos de verificação de alienação.

Por meio das entrevistas realizadas, com segurança, percebe-se que a Lei 12.318/2010 traça medidas com capacidade de inibir tal prática, entretanto o que não existe entre os operadores é um consenso quanto à eficácia e adequação do acompanhamento psicológico dispensando pelo Estado às famílias que encontram-se nesse processo.

De bom alvitre lembrar a necessidade de conscientização da sociedade, magistrados, promotores, psicólogos, assistentes sociais, advogados e, sobretudo, das famílias que atravessam o difícil caminho que é o fim de uma união conjugal.

Neste particular, ressalte-se que os atos de alienação parental não devem ser visto como algo simples, ou como apenas birras de ex-companheiros, mas sim, necessita ser combatido, punindo-se o alienador, sem prejuízo da responsabilidade cabível, tendo em vista o potencial efeito lesivo de cunho psicológico sentido pelo menor, bem como nas relações deste com os demais membros da sociedade.

Aqui cabe particular ênfase à prevenção que possa se dar através de um tratamento à família que está em fase processual de divórcio, para que os pais tenham a sensibilidade necessária de como tratar com os filhos sobre aquele delicado momento.

Igualmente, merece toda a dedicação dos profissionais envolvidos quando os atos já se configuram; notadamente, na especial importância de que os genitores e os filhos continuem sendo acompanhados após o encerramento do processo, haja vista que uma sentença de resolução de mérito não possui o cunho de resolver as questões de ordem psíquica do ser humano.

Portanto, é de tamanha relevância que desempenhe-se o combate à ofensiva prática de alienação parental, permitindo-se, em uma realidade que pode conter muitas outras restrições, que a criança ou adolescente usufrua plenamente de seu direito constitucionalmente garantido que reside no indescritível contentamento que é estar ao lado de um pai, de uma mãe, de estar em família.

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TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. 2 ed. revista e atualizada de acordo com as leis 11.698/08 e 11.924/09 – Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito de família. 11 ed. – São Paulo: Atlas, 2011.

       

APÊNDICE A

Entrevista com a Excelentíssima Senhora Maria de Fátima Lucia Ramalho. Juíza na 4ª Vara de Família da comarca de João Pessoa - PB.

1. Como o senhor (ª) define a Alienação Parental?

Bem, a Alienação Parental é chamada mais de Síndrome de Alienação Parental, existe até uma sigla SAP. É a situação em que a mãe ou pai de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro cônjuge. São sentimentos de ansiedade e temor em relação ao outro. Na linguagem mais popular nós podemos dizer que um pai ou uma mãe fica jogando a criança contra o outro para que ele rompa os laços afetivos.

2. Atualmente esta prática vem sendo vista com frequência nesta vara, ou é exceção?

Ela ocorre, a Alienação Parental, mas não é em grande escala, é ainda em pequena escala. Os casos são poucos em que se vê. A Vara de Família detecta isto e, às vezes, recebe a denúncia de um dos cônjuges; e aí, todo um trabalho psicológico é feito junto dessa criança e medidas são adotadas, como até a perda da guarda por aquele pai ou mãe que estiver praticando a Alienação Parental.

3. É difícil identificar a Alienação Parental?

Não, não é difícil. Notadamente, quando a criança já é um pouco maior e se conversa com ela já se percebe o que verdadeiro e o que é que ela está recebendo de carga negativa de um dos pais; e aí, com um trabalho com uma equipe psicossocial que tem junto à Vara da Família, verifica isso, também, através de um laudo.

4. Quais as condutas mais comuns praticadas pelo Alienador?

Geralmente, ele desenha ou pinta uma forma negativa do outro, entendeu; que o pai não gosta ou que a mãe não gosta daquela criança; se houver um filho já da nova relação, fica mostrando que ele gosta mais do novo filho do que do mais antigo; sempre é causando ansiedade na criança.

5. O alienador é necessariamente o detentor da guarda?

Geralmente, é o pai ou a mãe que fica com a guarda da criança que tenta afastar o outro do convívio daquela criança. Seria uma espécie mais de que a pessoa que não se conforma coma separação tenta utilizar o filho para essa prática.

6. Quais são os meios utilizados para punir o genitor alienante?

A partir de um acompanhamento psicológico, a aplicação de multa, ou mesmo a perda d aguarda da criança a pais que estiverem alienando os filhos. São as três medidas mais eficazes e mais aplicadas.

7. O Estado consegue ofertar um serviço de acompanhamento psicológico adequado à família?

Consegue. Há uma lei, a Lei 12.318, que ela é de 2010, que ela trata exatamente de coibir a Alienação Parental e há um apoio psicológico, há uma equipe psicossocial junto às Varas de Família exatamente para dar esse atendimento. É um atendimento bastante razoável.

8. Como a Jurisprudência vem tratando o tema?

Ainda não temos muita coisa a respeito, na verdade, porque a lei é de 2010; quer dizer, pouco mais de três anos, quatro anos, é uma legislação que poucos casos chegaram aos Tribunais Superiores. Geralmente, se resolve isso em primeira instância, e, às vezes, em segunda instância. Nós não temos, assim, uma legislação palpável; aliás, uma jurisprudência palpável, porque a jurisprudência ela se faz com o tempo, com a prática. Como a legislação é bastante nova nós ainda temos esta dificuldade.

9. A Lei 12.318/ 2010 trata sobre Alienação Parental. Quais suas impressões acerca desta Lei?

Acho que é uma lei moderna. É interessante a legislação que vem em favor do menor de um modo geral, quer seja o Estatuto da Criança e do Adolescente e essas outras leis correlatas, como essa da Alienação Parental; é extremamente moderna, chegando a se ver que poucos países têm uma legislação igual à do Brasil. A mesma coisa ocorre com o Estatuto da Criança e do Adolescente.

10. É uma Lei eficaz? Poderia sofrer alguma mudança?

Não. Ela é, na verdade, uma lei bastante eficaz. Ela é aplicada pelos juízes de um modo geral; juízes, notadamente, das Varas de Família; e ela surte efeito, porque uma das implicações desta lei é exatamente a perda da guarda pelo pai ou pela mãe que esteja alienando o menor contra o outro.

APÊNDICE B

Entrevista com a Senhora Cristiana Vasconcelos. Promotora de Justiça de Família e Sucessões da comarca de João Pessoa – PB

1. Como o senhor (ª) define a Alienação Parental?

A alienação parental foi um termo até que surgiu através de um psicólogo que pesquisou, é considerada uma síndrome, embora não esteja colocada como se fosse uma doença. Ela consiste em que um dos genitores, um familiar da criança ou do adolescente, que utiliza-se dessa criança para que – denegrindo a imagem do outro genitor – ela passe a não gostar mais daquele genitor, nem queira ter qualquer relacionamento com ele. Então, a criança é manipulada e usurpada nos seus direitos por via de conseqüência. Então, essa manipulação muitas vezes é psicológica apenas, mas, às vezes, à custa de agressividade e maus tratos e de inverdades para que a criança passe a rejeitar o outro genitor.

2. Atualmente esta prática vem sendo vista com frequência nesta vara, ou é exceção?

Não. Com bastante freqüência, por incrível que pareça. E, embora a gente pensa “não, só existe nas classes menos desprovidas”, mas é exatamente o contrário. A gente vê um índice muito grande de alienação parental entre pais que têm uma certa condição financeira, inclusive intelectual, são os que mais praticam.

3. É difícil identificar a Alienação Parental?

Não muito, só quando ela é feita de uma forma bastante sutil. Mas, de qualquer maneira, com a prática, com a vivência, a gente começa a observar. Pela situação, pela dificuldade com que o outro genitor tem de encontrar o filho, a gente começa a desconfiar e a partir do momento que a gente vai investigando verifica que realmente acontece alienação.

4. Quais as condutas mais comuns praticadas pelo Alienador?

As mais comuns são as questões psicológicas. Começa a denegrir a imagem, começa a falar atos falsos com relação ao outro genitor, dizendo que ele não gosta, que não está perto porque não quer mais saber. Normalmente, quando há algum problema com relação aos alimentos – às vezes nem há – mas diz que não paga o suficiente, entendeu. Então, esse é o mais comum.

5. O alienador é necessariamente o detentor da guarda?

Não. Na maioria das vezes sim. Mas não necessariamente. O alienador pode ser um avô, uma avó, um irmão que não seja do mesmo pai, um tio. Então, há várias formas de alienação, praticada por várias pessoas diferentes.

6. Quais são os meios utilizados para punir o genitor alienante?

Além da questão criminal, de você ver a questão do crime, independente desse; com relação às varas de família o que se pode fazer: desde a suspensão da guarda, a modificação da guarda, a suspensão do poder familiar, advertência, aplicação de multa. São as várias formas de punição.

7. O Estado consegue ofertar um serviço de acompanhamento psicológico adequado à família?

Ideal, não. Está muito longe de ser o ideal.

8. Como a Jurisprudência vem tratando o tema?

A partir do momento que foi detectada essa prática, uma constante, foi feito um estudo científico a respeito. Já foi a partir da observação do contexto do próprio Judiciário. Então, já houve, digamos assim, uma porta aberta para se entender a questão e poder tratar da melhor forma possível. Então, o que a gente vê hoje é que realmente a jurisprudência dominante é que havendo a prática da alienação parental é feito alguma coisa com relação à proteção da criança e do adolescente.

9. A Lei 12.318/ 2010 trata sobre Alienação Parental. Quais suas impressões acerca desta Lei?

Primeiro, assim, foi vista com muito bons olhos; porque a gente já via essa prática constante nas varas de família, mas a gente ficava meio que de mãos atadas sem poder ter uma coerção mais efetiva em relação a isso aí. Então, ela veio, digamos assim, a calhar com relação à situação. Ela efetivou propriamente dito a proteção integral da criança e do adolescente nesse aspecto.

10. É uma Lei eficaz? Poderia sofrer alguma mudança?

Não, com relação à lei não. Mas, com relação ao sistema sim. Exatamente como você falou, um sistema de tratamento psicológico mais adequado. Existe até alguns projetos, se eu não me engano, num dos estados do norte que tem sido visto com muito bons olhos, inclusive pelo CNJ, em que o Tribunal começou a tratar pais desde a separação, hoje só o divórcio, a partir daí já encaminhar para um serviço de psicólogo e assistência social para orientar a melhor forma de como tratar a separação com os filhos e evitar a prática de alienação parental. Esse projeto pioneiro é bastante bem vindo. Espero que ele possa multiplicar por aqui.



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