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Construção da estrutura da norma jurídica à luz do neoconstitucionalismo

Construção da estrutura da norma jurídica à luz do neoconstitucionalismo

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O Artigo busca indicar a estrutura e critérios de justificação da norma jurídica, para, no enfrentamento de sua exegese, trilhar o caminho da fonte à norma, indicando, concomitantemente, o lugar do paradigma da Constituição na hermenêutica jurídica.

1 - A NORMA JURÍDICA: ESTRUTURA E SEUS CRITÉRIOS DE JUSTIFICAÇÃO.

O direito, como conjunto de regras de conduta, recortado na sua multiplicidade, tem na teoria normativa[1] seu elemento de identificação, a qual, segundo Norberto Bobbio (2005, p. 23-45), leva em consideração o monopólio estatal na produção da norma jurídica.

Especificadamente, na Teoria da Norma Jurídica de Bobbio (2005, p. 69-102), o estudo da norma é formal, relacionado à sua estrutura lógico-linguística, e independentemente do estudo de seu conteúdo. Isto é, não cumpre ao direito, nessa visão, a regulamentação do conteúdo da relação intersubjetiva, mas a forma que ela deve assumir para alcançar consequências.

Então, do ponto de vista formal, a norma jurídica é uma proposição[2] prescritiva[3] que traz um imperativo hipotético em seu conteúdo[4], distinguindo-se esse entre positivo e negativo, incutindo, no primeiro caso, um fazer no seu destinatário, sob pena de ter como açoitado de inválido o meio realizado para seu fim colimado. No segundo caso, é imposto um não fazer, que, realizado, enseja a incidência de um consequente normativo, geralmente traduzido por uma sanção[5].

Quanto ao destinatário da norma jurídica, este é o Estado (representado no Juiz), responsável pela coatividade do direito[6], de modo que é criada uma diferenciação entre norma jurídica primária, voltada à regulamentação do imperativo hipotético, e a norma secundária, surgida a partir da transgressão ao comando embutido na norma jurídica, ficando a cargo da tutela do Estado aplicar o consequente jurídico.

Nesse mesmo pensamento é o magistério de Paulo de Barros Carvalho:

Na completude, as regras do direito têm feição dúplice: (i) norma primária (ou endonorma, na terminologia de Cossio) a que prescreve um dever, se e quando acontecer o fato previsto no pressuposto); (ii) norma secundária (ou perinorma, segundo Cossio), a que prescreve uma providência sancionatória, aplicada pelo Estado-Juiz, no caso de descumprimento da conduta estatuída na norma primária (CARVALHO, 2009, p. 138).

Entretanto, para exercício da heterotutela do direito, interessa ao destinatário/executor da norma o alcance do significado da prescrição, pelo processo de sua interpretação, podendo a norma jurídica ter um significado inválido e injusto.

Os critérios pelos quais se valora aceitação ou rejeição da norma jurídica são: a) critério de justificação formal (critério da validade); b) critério de justificação material (critério da justiça).

Sobre o critério da validade, registra Bobbio:

Validade jurídica de uma norma equivale à existência desta norma como regra jurídica. (...) Em particular, para decidir se uma norma é válida (isto é, como regra jurídica pertencente a um determinado sistema) é necessário com frequência realizar três operações: 1) averiguar se a autoridade de quem ela emanou tinha o poder legítimo para emanar normas jurídicas, isto é, normas vinculantes naquele determinado ordenamento jurídico (esta investigação conduz inevitavelmente a remontar até a norma fundamental, que é o fundamento de validade de todas as normas de um determinado sistema); 2) averiguar se foi ab-rogada, já que uma norma pode ter sido válida, no sentido de que foi emanada de um poder autorizado para isto, mas não quer dizer ainda o seja, o que acontece quando uma outra norma sucessiva no tempo a tenha expressamente ab-rogado ou tenha regulado esse matéria; 3) averiguar se não é incompatível com outras normas do sistema (o que também se chama de ab-rogação implícita), particularmente com uma norma hierarquicamente superior (uma lei constitucional é superior a uma lei ordinária em uma Constituição rígida) ou com uma norma posterior, visto que em todo o ordenamento jurídico vigora o princípio de que duas normas incompatíveis não podem ser ambas válidas (assim como em um sistema cientifico, duas proposições contraditórias não podem ser ambas verdadeiras) (BOBBIO, 2005, p. 46-47).

O critério de justificação formal da norma jurídica, então, cinge-se à verificação de existência da norma, a partir de um juízo de fato, pelo método empírico-racional, avaliando-se, por um lado, a competência para produção/execução da norma jurídica, e por outro, a inexistência de conflito explicito (ab-rogação) ou implícito (antinomia) da norma com outra norma do sistema.

Já em relação ao critério da justiça, destaca o mesmo jusfilósofo italiano:

O problema da justiça é o problema da correspondência ou não da norma aos valores últimos ou finais que inspiram um determinado ordenamento jurídico. Não tocamos aqui na questão se existe um ideal de bem comum idêntico para todos os tempos e lugares. Para nós, basta constatar que todo ordenamento jurídico persegue certos fins, e convir sobre o fato de que estes fins representam os valores a cuja realização o legislador, mais ou menos conscientemente, mais ou menos adequadamente, dirige sua obra. No caso de se considerar que existam valores supremos, objetivamente evidentes, a pergunta se uma norma é justa ou injusta equivale a perguntar se é apta ou não a realizar esses valores (BOBBIO, 2005, p. 46).

Pela leitura do registro doutrinário supramencionado, o critério de justificação material da norma jurídica é voltado à investigação da justiça da norma enquanto tal, verificável por juízo de valor, a partir de sua comparação ao estado ideal de coisas (valor finalístico do ordenamento).

Nessa senda, passa a ser critério de valoração da norma jurídica não somente sua regularidade formal, analisada à luz das fontes primárias de produção e execução normativa, mas também a correspondência com os valores últimos perseguidos pelo ordenamento, critérios esses complementares e concomitantemente incidentes sobre a norma jurídica.

2. DAS FONTES ÀS NORMAS: INEVITÁVEL TRAJETÓRIA

Foi desvelado alhures que a norma jurídica, no seu aspecto formal, é uma proposição prescritiva que tem em seu núcleo um hiperativo hipotético, composta de um sujeito e um predicado[7], que reúne um conjunto de palavras que lhe dão sentido a partir de sua unidade, se diferenciando, em substancia, de seu enunciado veiculador, que é sua forma gramatical e linguística. Em outras palavras, “prescritivo não é o enunciado (se não, talvez, por metonímia), mas antes o modo de o usar, ou o ato da linguagem executado mediante o seu proferimento” (GUASTINI, p. 2005, p. 56).

Nesse diapasão, não há correspondência biunívoca entre enunciado e norma, pois a lei afigura-se como fonte primária do direito, e a norma, como extração do significado do enunciado linguístico, a partir da reformulação feita pelo intérprete.

Nesse caminhar é o pensamento de Humberto Ávilla:

Normas não são textos nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí afirmar-se que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado (ÁVILA, 2007, p. 30).

Destarte, interpretar é decidir o significado de um texto legislativo, produzindo a norma. Ou seja, a norma jurídica é produto da atividade interpretativa do intérprete.

A orientação também é colhida em Ricardo Guastini:

Em sentido lato, ‘interpretação’ é empregado para referir-se a qualquer atribuição de significado a uma reformulação normativa, independente de dúvida e controvérsias. Segundo esta forma de utilizar o termo em exame, qualquer texto, em qualquer situação, requer interpretação. Qualquer decisão em torno do significado de um texto, não importa se “claro” ou “obscuro”, constitui interpretação (GUASTINI, p. 2005, p. 133).

Ocorre que a interpretação não toma como ponto de partida um significado previamente dado pelo enunciado normativo, exigindo do exegeta a reconstrução dos sentidos do texto normativo[8].

E, para ser realizada tal reconstrução de significado, deve ser levada em consideração a interligação umbilical entre interpretação e aplicação, pois “não se busca um sentido para uma norma senão com o objetivo de conformar a vida social” (MENDES e BRANCO, 2012, p. 90).

Sobre a titularidade do Estado-Juiz encontrar os sentidos da norma, escreve José Rodrigo Rodriguez:

A interpretação jurídico-científica não pode fazer outra coisa senão estabelecer as possíveis significações de uma norma jurídica. Como conhecimento do seu objecto, ela não pode tomar qualquer decisão entre as possibilidades por si mesma reveladas, mas tem de deixar tal decisão ao órgão que, segundo a ordem jurídica, é competente para aplicar o direito (RODRIGUEZ, 2002, p. 285).

Logo, sendo o Estado o destinatário da norma jurídica[9], no exercício da jurisdição[10], a interpretação judicial da fonte primária[11] é orientada para os fatos, “já que o raciocínio judicial é sempre impulsionado por um preciso caso particular concreto” (GUASTINI, 2005, p. 73).

Nessa trilha, na atividade interpretativa judicial, são colocados em paralelo o fato condicionante (hipótese normativa) e a consequência oriunda de sua verificação, sendo que no processo silogístico de subsunção[12] do fato à norma, a premissa maior é o enunciado prescritivo geral, a premissa menor é o enunciado descritivo (sobre o qual incidirá o juízo de verificação empírica), para se fazer, em arremate, a conclusão final pela formação de um enunciado prescritivo individual, apto a instituir as consequências normativas previstas no caso concreto.

Entrementes, nessa atividade interpretativa o intérprete deve fazer controle da profusão de sentidos que emergem do seu subjetivismo.

Tal preocupação é muito bem exposta por José Rodrigo Rodriguez:

O juiz ocupa um lugar sui generis nesta paisagem do pensamento. Sua atividade de criador dos sentidos (ou de atualizador do sentidos dos textos, pouco importa) não pode ser livre. Sua função é conter a profusão de significados para conformar o sentido dos textos jurídicos aos esquadros do Estado de Direito. E, na concepção corrente das teoria sobre a interpretação jurídica, deve fazê-lo por meio de uma atividade interpretativa que reprima sua subjetividade. É preciso excluir, se possível, todo e qualquer subjetivismo na apreciação dos casos concretos que se lhe apresentam. A função jurisdicional é vista como espaço recortado pelas normas jurídicas, delimitado de modo estrito, que será ocupado por um sujeito que precisa livrar-se de sua singularidade para desenvolver sua atividade conforme uma rígida metodologia (RODRIGUEZ, 2002, p. 279-280).

Dado o monopólio estatal do exercício da jurisdição, o direito de ação é exercido sob o enfoque de previsibilidade da execução das normas jurídicas (ideário de segurança jurídica, axiologicamente embutido na cabeça do artigo 5º da Constituição Federal). Desse modo, a fim de se garantir esses valores, necessário é que o julgador respeite os limites traçados pelo ordenamento jurídico para o exercício de sua atividade.

Obviamente, então, a Legislação serve como primeira barreira de contenção ao arbítrio da atividade interpretativa. “Daí se dizer que interpretar é construir a partir de algo, por isso significa reconstruir: a uma, porque utiliza como ponto de partida os textos normativos, que oferecem limites à construção de sentidos” (ÁVILA, 2007, p. 30).

Ao seu lado, serve de balança interpretativa do enunciado linguístico a realização do seu núcleo de sentido, de modo que o intérprete deve interpretar o dispositivo legal realizando suas versões de significado correspondentes com os fins e os valores que consagram a fonte da onde emanou.

Similar é o pensamento desenvolvido por Humberto Ávilla:

O ordenamento jurídico estabelece a realização de fins, a preservação de valores e a manutenção ou busca de determinados bens jurídicos essenciais à realização daqueles fins e à preservação desses valores. O intérprete não pode desprezar esses pontos de partida (ÁVILA, 2007, p. 35).

Tal busca de realização do estado de coisas preconizado pela norma jurídica, quando da atividade de sua interpretação, está positivada no artigo 5º do Decreto Lei nº. 4.657/1942 que diz: “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.

Assim, a atividade do juiz-intérprete é concebida como modalidade de razão prática (dever de coerência e justificação pela fundamentação, nos moldes exigidos pelo artigo 93, inciso IX, da Lei Maior), sujeita a método cientifico e passível de controle[13]. Isto é, na interpretação “a ideia de racionalidade jurídica aproxima-se da ideia do razoável e deixa de se identificar à lógica formal das ciências exatas” (SARMENTO, 2009, p. 16-17).

3 - CONSTITUIÇÃO E SEU EIXO GRAVITACIONAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO.

No constitucionalismo brasileiro hodierno, pode-se afirmar, vivencia-se a fase do neoconstitucionalismo, cuja origem histórica no cenário jurídico mundial remonta ao período pós Segunda Guerra Mundial, quando pairava a cultura jurídica essencialmente legicêntrica, “que tratava a lei editada pelo Parlamento como a fonte principal – quase a fonte exclusiva – do direito, e não atribuía força normativa às constituições” (SARMENTO, 2009, p. 13).

Até o momento histórico supra indicado as constituições “eram vistas sobretudo como programas políticos que deveriam inspirar a atuação do legislador”, sendo que “os direitos fundamentais valiam apenas na medida em que fossem protegidos pela leis” (SARMENTO, 2009, p. 13). Não havia, desse modo, até então, reconhecimento da força normativa da Constituição.

Entretanto, a prática de transgressões aos direitos humanos amparadas no positivismo jurídico[14] levou “as novas constituições a criarem ou fortalecerem a jurisdição constitucional, instituindo mecanismos potentes de proteção dos direitos fundamentais mesmo em face do legislador” (SARMENTO, 2009, p. 15).

Nesse diapasão, no pós-guerra, como fenômeno do mundo ocidental, as constituições passaram a ir além do estabelecimento de estruturas orgânicas de funcionamento do Estado, para passar a estabelecerem estruturas dogmáticas de direitos fundamentais, realizando uma gama sem fim de estado de coisas, como elementos estruturantes de uma sociedade fundada nos valores da liberdade, justiça e solidariedade[15].

Essa evolução do constitucionalismo é assim historiada por Jorge Miranda:

Há uma evolução que se opera em três fases: 1ª) até à primeira guerra mundial e a constituição de Weimar de 1912; 2ª) entre esta e as novas Constituições surgidas após a segunda guerra mundial, mormente a de Bona, de 1949; 3ª) e a seguir a esta Constituição, como sucede em Portugal e no Brasil, embora tardiamente, com as Constituições de 1976 e de 1988.

Em síntese, a mudança de paradigma consiste na passagem da centralidade jurídico-positiva da lei na primeira fase para a centralidade jurídico-positiva da Constituição na terceira, com um período intermediário de recondução das normas constitucionais a preceitos programáticos sem aplicação imediata. E ela torna-se patente e decisiva no quadro dos direitos fundamentais. (MIRANDA, 2011, p. 418)

No direito brasileiro, o neoconstitucionalismo ganhou forma e corpo a partir do advento da Constituição Federal de 1988, sendo que a Constituição Cidadã preconizou uma gama invejável[16] de direitos fundamentais.

A partir do paradigma do neoconstitucionalismo, a Constituição Federal passa a ser o eixo gravitacional de todo o ordenamento jurídico, pelo que as demais normas do sistema retiram seu fundamento de validade diretamente da Lei Fundamental, devendo-lhe compatibilidade formal e material.

Emerge da função periférica da Constituição o conceito de lei em sentido material, conforme explicita o português Jorge Miranda:

Lei em sentido material não é apenas a lei enquanto dotada de generalidade. É a lei, repetimos, como ato da função política e sujeita imediatamente à Constituição. Sem essa localização, sem a ponderação prospectiva do interesse geral, sem a visão ampla da comunidade política, sem a discricionariedade que lhe é inerente, não existe lei.

Em suma, a lei é o meio de ação essencial do poder sobre a vida social. Com a Lei trata-se de legitimar e normalizar, juridicamente, uma política global do Estado. Conteúdo adequado ou apropriado à forma de lei há-de-ter, em princípio, especial relevância para os particulares e/ou  para a comunidade (MIRANDA, 2011, p. 422-423).

Em arremate, pode ser dito que o neoconstitucionalismo no país impôs a releitura de toda a ordem jurídica a partir dos ditames da Constituição (filtragem constitucional do direito).

Desse modo, a par do critério de justificação formal da norma jurídica, a justificação material, no sentido de análise da justiça da norma, toma como ponto de partida a realização dos direitos fundamentais preconizados pela Norma Fundamental.

Nessa senda é a posição Pérez Luño, apud Margarida Maria Lacombe Camargo:

Para A. Pérez Luño, os direitos fundamentais humanos devem ser entendidos como “um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos ordenamentos jurídicos a nível nacional e internacional”. Segundo o autor, com a noção de direitos fundamentais temos aqueles direitos humanos garantidos pelo ordenamento jurídico positivo, na maior parte dos casos em sua normatividade constitucional, e que devem dispor de tutela reforçada. É quando encontramos a íntima relação entre Estado de Direito e direitos fundamentais, uma vez que o Estado de Direito exige e implica, para sê-lo, garantir os direitos fundamentais, enquanto estes implicam e exigem, para sua realização, o Estado de Direito. Perez Luno identifica ainda uma dimensão clássica, subjetiva, dos direitos fundamentais, de uma outra dimensão, objetiva, teoricamente mais atual, como pauta valorativa a conformar toda a legislação infraconstitucional. Portanto, é a supremacia dos direitos fundamentais que deve ser garantida (CAMARGO, 2002, p. 373).

Entretanto, “para o constitucionalismo da efetividade, a incidência direta da Constituição sobre a realidade social, independe de qualquer mediação legislativa” (SARMENTO, 2009, p. 24). Isto é, pelo constitucionalismo moderno é difundida a ideia que a Constituição é norma, com eficácia congente, independentemente de seu permeio de realização através da legislação ordinária.

A partir de tal constatação desenvolveu-se a corrente de interpretação substancialista do direito, reconhecendo a “a legitimidade da atuação jurisdicional em favor da garantia e promoção de valores substantivos presentes na Constituição” (SARMENTO, 2009, p. 28).

Isto é, a atividade judicial, imbuída pela realização do estado ideal de coisas preconizado pela Constituição, passa a substituir o papel do Legislador na produção da fonte primária do direito.

Entretanto, pela reconhecida força normativa da Constituição[17], necessário é se perscrutar sobre a diferenciação entre os valores perseguidos pela ordem política constitucional e sua realização nos princípios e regras constitucionais, para se definir a extensão da eficácia cogente das normas constitucionais.

Isso mormente porque o movimento do neoconstitucionalismo, na realização dos princípios constitucionais, suscita problematizações tais como:

(...) os riscos para a democracia de uma judicialização excessiva da vida social, os perigos de uma jurisprudência calcada numa metodologia muito aberta, sobretudo no contexto de uma civilização que tem no ‘jeitinho’ uma das suas marcas distintivas, e os problemas que podem advir de um possível excesso na constitucionalização do direito para a autonomia pública do cidadão e para a autonomia privada do indivíduo” (SARMENTO, 2009, p. 11).

Logo, na delimitação do papel do interprete na construção dos sentidos normativos, não se pode renegar o papel da Lei, sob pena do excesso de discricionariedade judicial na interpretação do direito resultar num decionismo.

[1] Ao lado da teoria normativa, coexistem a teoria do direito como instituição e a teoria do direito como relação, de modo que todas essas teorias não se excluem, pois individualmente revelam o aspecto multiforme da experiência jurídica, identificando a última os aspecto da intersubjetividade (em que é necessário haver o arbítrio entre dois indivíduos, para o estabelecimento de direitos e obrigações, de acordo com a bilateralidade da norma jurídica) e a segunda o aspecto da organização social (em que a sociedade pressupõe o direito, sendo seu pressuposto de fato, eis que havendo organização social, fica instituído seu ordenamento jurídico).

[2] Conjunto de palavras que possuem um significado em sua unidade. Já o enunciado é a forma gramatical e linguística pela qual um determinado significado é expresso. Desse modo, uma mesma proposição pode ter enunciados diversos, e o mesmo enunciado pode exprimir proposições diversas.

[3] Prescreve comandos/conselhos/advertências para influir no comportamento de outrem. A influência no comportamento alheio é direta. Seu destinatário consente quando executa o comando da prescrição.

[4] Imperativos hipotéticos são aqueles que prescrevem uma ação boa para atingir um fim, isto é, uma ação que não é boa em sentido absoluto, mas boa somente quando se deseja, ou se deve, atingir um fim determinado e, assim, é cumprida condicionalmente para obtenção do fim.

[5] A tese invocada vai ao encontro da doutrina kelsiana, que formula que a norma jurídica é um juízo hipotético, em que o comando é a expressão imediata de uma vontade voltada à modificação de uma vontade alheia, sem garantia de sua influência, situação essa que somente é garantia com a sanção. Há, então, um nexo entre uma condição (o ilícito) e uma consequência (a sanção).

[6] O caráter da norma jurídica está no fato de sua eficácia reforçada pela heterotutela, salvaguardando a lei da erosão de ações contrárias ao direito.

[7] No âmbito da relação jurídica existe uma interdependência entre comando e sanção, de modo que o comando põe frente a frente dois sujeitos, atribuindo a um uma faculdade/pretensão, e impondo a outro um dever ou uma obrigação correspondente.

[8] Abandona-se a ideia que a aplicação do direito envolve uma atividade de subsunção entre conceitos prontos antes mesmo do processo de aplicação.

[9] O caráter da norma jurídica está no fato de sua eficácia reforçada pela heterotutela.

[10] O surgimento do direito de ação ocorre quando, na relação jurídica, o sujeito ativo quer exigir uma ação positiva/negativa do sujeito passivo, ou mesmo criar/modificar/alterar uma dada relação jurídica, sendo a pretensão resistida por esse último.

[11] Suplantada pelas fontes secundárias de integração da norma jurídica, em que se destaca o papel da doutrina, que extrai o significado do texto normativo em caráter abstrato.

[12] Inclusão de um caso particular concreto no caso particular abstrato previsto por uma norma.

[13] Internamente, pelo princípio do duplo grau de jurisdição, como corolário lógico do artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, pelo manejo de recurso, prolongando a relação jurídica processual, submetendo à análise da interpretação/execução à uma instância ad quem. 

[14] Como no caso do nazismo alemão.

[15] Modelo adotado na Constituição Federal de 1988, em que no preâmbulo do artigo 3º, inciso I, repetiu esses objetivos fundamentais, sobre os quais a Constituição pauta seu projeto político.

[16] Mas empiricamente pouco realizáveis, dada a variedade de problemas sociais, políticos e culturais que assolam o país.

[17] Inerente à sua condição de norma jurídica, pois não se compreendem normas jurídicas que não estejam predispostas para a conformação de fatos e situações ou para a produção de certos efeitos.

Bibliografia:

ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. 7ª. Ed. Malheiros: São Paulo, 2007.

BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. 3ª. Ed. Edipro: São Paulo, 2005.

_______. Teoria Geral do Direito. 1ª. Ed. Martins Fontes: São Paulo, 2007.

CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário, Linguaguem e Método. 3ª. Ed. Noeses: São Paulo, 2009.

GUASTINI, Ricardo. Das Fontes às Normas. 1ª. Ed. Quartier Latin: São Paulo, 2005.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7ª. Ed. Saraiva: São Paulo, 2012..

MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 3ª. Ed. Forense: São Rio de Janeiro, 2011.

RODRIGUEZ, José Rodrigo; BOUCAULT, Carlos E. de Abreu (Orgs.). Controlar a profusão de sentidos: a hermenêutica jurídica como negação do subjetivo. 1ª. Ed. Martins Fontes: São Paulo, 2002.

__________. Hermenêutica constitucional: direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade. 1ª. Ed. Martins Fontes: São Paulo, 2002.

SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. 1ª. Ed. Quartier Latin: São Paulo, 2008.


Autor

  • Helio Maldonado

    Bacharel em Direito.<br>Especialista em Direito Público, Direito Eleitoral e Fazenda Pública em Juízo.<br>Mestrando em Direitos e Garantias Fundamentais. Advogado<br>Membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/ES.<br>Autor de livro, artigos jurídicos e professor palestrante.

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