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Empresas públicas à luz das recentes reformas (EC 19/98)

Empresas públicas à luz das recentes reformas (EC 19/98)

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1. Noções preliminares

A expressão "empresas estatais" ou "empresas governamentais", pode ser tomada numa a acepção ampla ou numa acepção restrita. Num sentido amplo, tal locução abrange todas as agências econômicas do Estado (comerciais, industriais, financeiras), incluindo as expressas públicas propriamente ditas, as sociedades de economia mista e outras entidades por ventura instituídas como braços estatais no setor econômico. Num sentido mais restrito, designa apenas uma modalidade de agência econômica, constituída exclusivamente por capitais públicos.

Trata-se aqui de uma apreensão, pelo Direito Administrativo, de uma técnica jurídica organizacional própria do direito privado, mais flexível e livre de entraves burocráticos, transplantada para o setor público, no sentido de dar pronto atendimento a determinadas demandas de interesse público, notadamente no campo econômico e financeiro.

A complexidade do mundo moderno exige uma atuação do Estado em diversos setores da vida social, econômica e cultural. A Administração Pública, em meio a esta complexidade, não se restringe a mera prestação de serviços públicos. Pelo contrário, impõe-se-lhe o exercício de múltiplas atividades não exclusivamente administrativas, atividades de cunho econômico ou financeiro, por exemplo.

Destaque-se que a atividade econômica ou financeira que o Estado tem em mira realizar através de suas "empresas" deve ter, para justificar tal iniciativa, uma inequívoca dimensão pública. Deve transcender ao plano dos interesses privados, do mercado, voltando-se, assim, para o pronto atendimento de uma demanda pública e coletiva concreta, onde a presença estatal, por uma série de fatores se faz imprescindível ou recomendável. Como diz Hanson (A. H. Ranson, Public enterprise and economic development, Londres, 1960, p. 441), a empresa pública não um negócio comum no qual o Estado mantém capital; é uma agência de desenvolvimento econômico.

Assim, as "empresas públicas" aparecem no Direito Administrativo moderno, como instrumentos de ação do Estado, agindo em conformidade com os princípios constitucionais ordenadores da atividade econômica e financeira (art. 170 a 181).

A Constituição Federal faz diversas referências a tais agências econômicas em vários dispositivos (arts. 22, XXVII, 71, II, 165, § 5º, 173, § 1º), submetendo-as ao um regime jurídico especial, de natureza predominantemente privado derrogado em alguns aspectos por princípios e regras publicistas, tendo em vista seu dimensionamento público.


2. Panorama das empresas públicas no Brasil

Já vem de muito tempo a constituição de "empresas" pelo Estado tendo em vista a realização de fins econômicos. Recorde-se, por exemplo, as companhias holandesas e portuguesas dos séculos XV e XVI, organizadas pela Coroa, e que se apresentavam como investimentos públicos destinados a conquista dos mares e de novas terras, tendo em mira a captação de matérias-primas e o suprimento dos mercados europeus.

A despeito desta referência histórica, o desenvolvimento da atividade econômica do Estado, através da implementação de "serviços" industriais, comerciais e financeiros somente ocorreu de forma mais relevante em período recente, intervindo, assim, o Poder Público em seara tradicionalmente reservada à iniciativa privada. Como diz Caio Tácito ("As empresas estatais no direito brasileiro" in Direito Administrativo na década de 90: estudos jurídicos em homenagem ao prof. José Cretella Júnior. Coordenação de Antônio A. Queiroz Telles e Edimir Netto de Araújo, S. Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, 1997, p. 15), o Estado, a par de sua típica atividade pública, ingressa nas categorias de produção e comércio com um prestador de bens e serviços na execução de uma política de atendimento a interesses relevantes da coletividade. Ao mesmo tempo em que ingressa em tais atividades, o Estado adota uma personalidade de direito privado para seus entes econômicos, em conformidade com a técnica empresarial tomada de empréstimo do direito privado.

Destaca ainda o grande mestre (ibidem, p. 16) que a opção legal pela personalidade de direito privado de entes econômicos do Estado é um recurso técnico que intenta afastar os sistemas tradicionais da Administração Pública, de forma a propiciar-lhes agilidade funcional, flexibilidade e informalidade.

No Brasil, o aparecimento das empresas públicas acompanha esta linha evolutiva. Desde o surgimento do Banco do Brasil em 1808, presenciamos, principalmente no século 20, o aparecimento de diversas empresas públicas. Citem-se algumas: Instituto de Resseguros do Brasil (1939); Companhia Siderúrgica Nacional (1941); Companhia do Vale do Rio Doce (1942); Companhia Hidrelétrica do S. Francisco (1945); Petróleo Brasileiro – Petrobrás ( 1953); Eletrobrás – Centrais Elétricas Brasileiras (1961), empresa holding do sistema federal de eletricidade. O processo de criação de empresas estatais foi acentuado nas décadas de 60 e 70, principalmente com o regime político instaurado pelo golpe militar de 1964.

O Decreto-lei 200/67, ao tratar da organização administrativa federal, trouxe em seu bojo um conceito legal de empresas pública e sociedade de economia mista, assim definidos:

empresa pública – entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União ou de suas entidades da Administração Indireta, criada por lei para desempenhar atividades de natureza empresarial que o governo seja levado a exercer por motivo de conveniência ou contingência administrativa, podendo tal entidade revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito;

sociedade de economia mista – entidade dotada de personalidade de direito privado, criada por lei para o exercício de atividade de natureza mercantil, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam, em sua maioria, à União ou à entidade de Administração indireta.

Com o tempo, as empresas públicas, principalmente na forma de sociedades de economia mista, inicialmente vinculadas a atividades econômicas e financeiras, passaram a ser largamente utilizadas como prestadoras de serviços públicos. Passamos, assim, a ter em nosso ordenamento jurídico empresas públicas voltada para atividades econômicas (produção, circulação e consumo de bens e serviços) e outras voltadas à prestação de serviços públicos. Num quadro geral, temos que estes entes econômicos atuam nos seguintes setores da economia e serviços públicos: petróleo, telecomunicações, mineração, bancos e caixas econômicas, energia elétrica, ferrovias, habitação popular, água, transportes, gás, processamento de dados, etc. Destaque-se, contudo, a ocorrência nos últimos tempos de intenso processo de "privatização" das empresas públicas estatais atuantes nestes setores.

A criação de tais entidades econômicas encontra-se respaldada na Constituição Federal, no título destinado à ordem econômica e financeira. O Texto Constitucional, seguindo uma vertente moderna, impõe limites ao desempenho deste tipo de atividade pelo Estado, expressis verbis: "Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei" (art. 173). Estabelece ainda a Constituição que a exploração de atividade econômica pelo Estado sujeita-se ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias (art. 173, § 1º).


3. Intervenção do Estado na economia

A intervenção do Estado no domínio econômico por assumir diversas formas. Diogo de Figueiredo Moreira Neto (Curso de Direito Administrativo, Forense, 1996, p. 365) refere-se a intervenção a) regulatória, b) concorrencial, c) monopolista e d) sancionatória. Poderíamos afirmar que tal intervenção pode assumir três formas básicas:

Normatização, regulamentação ou disciplina. Aqui o Poder Público é agente regulador do mercado. Edita leis, regulamentos, portarias, resoluções, deliberações e desencadeia seu poder de polícia, típica atividade administrativa. Algumas dessas competências normativas obedece a comandos constitucionais, como, por exemplo, o Código do Consumidor (art. 5º, XXXII), a lei de remessa de lucros (art. 172), a lei de repressão ao abuso do poder econômico (art. 173, § 4º), dentre outras. Tal competência reguladora atinge setores estratégicos, tais como política de crédito, política monetária e política de câmbio.

Fomento. Aqui o Estado interfere na ordem econômica apoiando e dando suporte à iniciativa privada, estimulando ou desestimulando determinados comportamentos. Através de incentivos fiscais, por exemplo, o Poder Público promove a instalação de indústrias em determinada região. Ajunte-se a isso o financiamento públicos de determinadas empresas, através, por exemplo, de linhas de crédito junto ao Banco do Nordeste ou BNDES. A elevação de impostos, por outro lado, poder influenciar na retração certas atividades.

Atuação direta. Aqui o Estado atua diretamente no domínio econômico, através de empresas públicas ou sociedades de economia mista, explorando atividade industrial ou comercial, ou prestando algum serviço público. No caso de serviço público, o mesmo é outorgado por lei a uma entidade descentralizada, ou a particular, mediante concessão ou permissão.

O tema das empresas públicas situa-se na complexa questão da intervenção do Estado na economia, matéria esta que, pela sua importância, é objeto de normatização na Constituição de 1988. O Texto Constitucional prevê as três modalidades interventivas acima expostas, ou seja, como agente econômico, como agente fomentador e como agente normativo-regulador. "Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado" (art. 174).

Observe-se que o Texto Constitucional, em sua sistemática, propõe uma incisiva redução da presença do Estado, como agente, no campo da atividade econômica. Tal campo, na moderna distribuição de encargos entre Estado, Sociedade e Mercado, deve ser deixado prioritariamente à iniciativa privada, num regime de livre concorrência (art. 170, IV). Ao Poder Público incumbe precipuamente a prestação de serviços públicos, defendo fazê-lo diretamente ou indiretamente, sob regime de concessão ou permissão (art. 175).

Como ensina Luís Roberto Barroso (RDA 212/323), a exploração de atividade econômica não se confunde com a prestação de serviços públicos, que por seu caráter de subsidiariedade, que pela existência de regras próprias e diferenciadas. De fato, sendo o princípio maior o da livre iniciativa, somente em hipóteses restritas e constitucionalmente previstas poderá o Estado atuar diretamente, como empresário, no domínio econômico.

Dentro desta ótica, o art. 173, supra citado, indica as hipóteses nas quais se justifica a exploração direta de atividade econômica pelo Estado. O dispositivo em apreço refere-se a "imperativos de segurança nacional" e "relevante interesse coletivo", "conforme definidos em lei".

Segurança nacional. Observa Eros Roberto Grau (A ordem econômica na Constituição de 1988. RT, S. Paulo, p. 274) que "segurança nacional" é, no contexto da Constituição de 1988, conceito inteiramente distinto daquele consignado na Emenda Constitucional nº 1/69, sob a égide do regime de exceção (ditadura militar) pós 1964, e que tanta insegurança trouxe à sociedade brasileira. Cuida-se, agora, de segurança atinente à defesa nacional. A lei referida in fine no art. 173, definidora de "segurança nacional" deverá ser, sem sombra de dúvida, lei federal. De fato, nos termos do art. 22, XXVIII da Lei Fundamental, à União compete, privativamente, legislar sobre defesa nacional

Relevante interesse público. Trata-se da segunda hipótese legitimadora da atuação estatal na economia, como agente econômica. Diversas situações podem ensejar "relevante interesse público", tais como: incapacidade ou falta de interesse momentâneo da iniciativa privada em determinado setor da economia; insuficiente oferta de certos bens e serviços à população; combate de monopólios de fato, contrários ao princípio da livre concorrência. Em todo caso, a lei definidora de "relevante interesse coletivo" poderá ser federal ou estadual, dependendo da predominância do interesse em questão (interesse federal ou estadual).

Em síntese, a intervenção estatal na economia, nos termos da Constituição, constitui-se em procedimento excepcional, inspirado em fins de interesse público (segurança nacional e relevante interesse público). Como diz Caio Tácito (ibidem, p. 17), no sistema de sociedade aberta e de economia de mercado – que é nosso modelo constitucional – a atividade econômica pública é complementar da iniciativa privada,, dominada pelo princípio da subsidiariedade e ocupando espaços vazios dos quais se ausenta a iniciativa privada ou quando esta fracassa. Pelo princípio da subsidiariedade o Estado deve se abster de criar entidades para concorrer com o setor privado fora das hipóteses de relevante interesse público ou segurança nacional.


4. Reformas recentes

No atual quadro da história, a atuação do Estado como protagonista no processo econômico tem sido objeto de severas críticas em diversos países. Suscitou-se, em amplo debate jurídico e político, críticas às dimensões do Estado, e, em particular, à ineficiência, desperdício, burocracia e corporativismo das empresas estatais. Nesse contexto, vicejou o discurso da desregulamentação e da privatização das empresas públicas. No contexto da "nova" ordem econômica mundial, algumas transformações substantivas foram procedidas no plano constitucional. Tais transformações ocorreram em três planos (RDA 212/307-308):

1º plano – extinção de restrições ao capital estrangeiro. Emenda Constitucional nº 6/95: suprimiu o art. 171 da Constituição, que trazia a conceituação de empresa brasileira de capital nacional, perimindo-lhe a outorga de proteção e benefícios especiais; modificou a redação do art. 176, caput, permitindo que a pesquisa e lavra de recursos minerais e o aproveitamento dos potenciais de energia elétrica sejam concedidos ou autorizados a empresas constituídas sob as leis brasileiras, dispensada a exigência do controle do capital nacional.

2º plano – flexibilização dos monopólios estatais. Emenda Constitucional nº 5/95: alterou a redação do § 2º do art. 25, abrindo a possibilidade dos Estados-membros concederem à empresas privadas a exploração dos serviços locais de distribuição de gás canalizado, que, anteriormente, somente podiam ser concedidos e empresa sob controle acionário estatal. Emenda nº 9/95: rompeu com o monopólio estatal na área do petróleo, facultando à União a contratação com empresas privadas de atividades relativas à pesquisa e lavra de jazidas de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro, a importação, exportação e transporte dos produtos e derivados básicos do petróleo, anteriormente vedados (CF, art. 177).

3º plano – flexibilização do regime licitatório. Tal modificação, introduzida no art. 173 da Carta Constitucional, será objeto de comentário a seguir.

No plano legal, e sem alteração da Constituição, foi promulgado o Programa Nacional de Privatização (Lei nº 8.031, de 12.04.90), disciplinando a terceira transformação na ordem econômica de vulto: as chamadas "privatizações".

Dentre os objetivos fundamentais deste programa incluem-se (art. 1º, incisos I e IV): a) reordenar a posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público; b) contribuir para a modernização do parque industrial do país, ampliando sua competitividade e reforçando a capacidade empresarial nos diversos setores da economia.

Tal programa tem sido posto em prática através das seguintes formas: a) alienação dos controle acionário das entidades estatais em leilão nas bolsas de valores; b) concessão de serviços públicos a empresas privadas. Na esfera federal já forma "privatizadas" empresas dos setores petroquímico, siderúrgico, metalúrgico e de fertilizantes. Estão em curso, ou foram anunciadas, privatizações no setor de infra-estrutura, com venda de empresas públicas e concomitante outorga de serviços públicos. Tal é o caso dos setores de energia, telecomunicações, rodovias e ferrovias.

Nos últimos tempos, no contexto nas transformações acima referidas, tem-se observado o surgimento de profundas modificações legislativas em temas econômicos relacionados à atuação do Estado. Leis de altíssima importância social, econômica, política e jurídica foram promulgadas nos setores de energia (Lei 9.247, de 26.12.96), telecomunicações (Lei 9.472, de 16.07.97) e petróleo (Lei 9.478, de 06.08.97), com a criação das respectivas agências reguladoras. Importantes diplomas legais também foram editados nas áreas de concessões e permissões (Leis 8.987, de 13.02.95 e 9.074, de 07.07.95) e defesa da concorrência (Lei 8.884, de 11.06.94).


5. Regime jurídico

As empresas estatais, tomadas aqui em sentido amplo (empresas públicas e sociedades de economia mista), nos termos do Constituição Federal, submetem-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (art. 173, § 1º, inciso II).

Como acuradamente observa Celso Antônio Bandeira de Melo (Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 7ª ed., p. 101), o traço nuclear das empresas estatais reside no fato de serem coadjuvantes de misteres estatais. São instrumentos de ação do Estado, verdadeiros auxiliares do Poder Público. Tal realidade jurídica representa o mais certeiro norte para a intelecção destas entidades. Aí está o critério seguro para interpretação dos princípios jurídicos que lhe são aplicáveis, sob pena de converter-se o acidentalsuas personalidades de direito privado – em essencial, e o essencial seu caráter de sujeitos auxiliares do Estado – em acidental.

Em razão desta natureza peculiar das empresas públicas, e da necessidade de se conciliar a dupla vertente que lhe compõe a índole tais entidades (personalidade privada e entidade auxiliar do Administração), o regime de direito privado ao qual se submetem tais entes públicos, embora seja predominantemente de direito privado, é parcialmente derrogado por princípios e regras de direito público.

Esta derrogação é procedida em grande parte pelo próprio Texto Constitucional, e em parte também pela legislação infraconstitucional (leis ordinárias e complementares), seja esta de caráter genérico, abrangente de todas as entidades públicas (Ex: Lei de Licitações e Contratos), seja de caráter específico, como, por exemplo, a própria lei que cria ou modifica uma determinada empresa estatal. Trata-se, portanto, de uma regime jurídico misto, uma vez que tais empresas são regidas em determinadas matérias pelo direito privado (civil, comercial, trabalhista) e noutras pelo direito público (licitações, contratos, recrutamento de empregados, etc.). Predomina, contudo, nelas a aplicação do direito privado. A incidência do direito público depende, via de regra, a existência de norma expressa de direito público derrogadora do direito privado, ou da natureza dos atos praticados.

Regime jurídico privado. Em geral se pode afirmar que as empresas públicas submetem ao regime jurídico próprio das empresas privadas quando no exercício de suas atividades-fins específicas, ou seja, das atividades comerciais, industriais ou financeiras em virtude das quais foram criadas. Atuam, aqui, portanto, sob o mesmo patamar de exigências impostas ao setor privado.

Regime jurídico público. Por expressa disposição constitucional incidem sobre estas empresas disposições de direito público nas seguintes matérias, expressamente previstas no art. 37 a 41 da Lei Fundamental: provimento de empregos públicos, concurso público, sindicalização e direito de greve, remuneração, vedação de acumulação remunerada de cargos ou empregos, criação por lei, obrigação de licitar, responsabilidade civil, estabilidade. Trata-se, aqui, em geral da disciplina de atos ligados a atividades-meio, ou seja, que não têm relação direta com as finalidades específicas da empresa instituída, quando esta exerce atividade tipicamente econômica. No caso, por exemplo, de sociedade de economia mista prestadora de serviço público, o adequado cumprimento deste mister também é objeto de controle mediante instrumentos de direito público.

Em geral, os princípios e regras de direito público incidentes sobre as empresas estatais compreendem os seguintes aspectos de sua organização e funcioamento: criação (e extinção), relações com a Administração direta, atividades-meio, e prestação de serviço público. Aqui, os princípios e regras de direito privado revelam-se absolutamente inapropriados.


6. Criação, modificação, extinção

A Emenda Constitucional nº 19/98 também inovou nesta matéria, flexibilizando a criação destas entidades. Pela Constituição Federal, segundo modificação introduzida, somente por lei específica poderá ser autorizada a instituição de empresa pública e sociedade de economia mista (art. 37, XIX). A lei, ao contrário do que ocorre em relação às autarquias, não cria as empresas públicas (e sociedades de economia mista). Apenas autoriza sua criação. Tal criação e instituição deve se dar através de instrumentos administrativos infralegais, como o decreto, expedidos pelo chefe da pessoa política competente. Também depende da mesma autorização a criação de subsidiária das referidas entidades, assim como a participação delas em empresa privada (inc. XX). Em nosso ordenamento jurídico, a exigência de lei para instituição de empresa pública e sociedade de economia mista já se fazia presente no Decreto-lei 200/67, art. 5º, II e III, tendo sido reforçada, no tocante às sociedades de economia mista, pelo art. 26 da Lei das S.A. (Lei nº 6.404/76).

Destaque-se que a nova redação do comando constitucional constante do art. 37, inciso XIX, corrige impropriedade constante da formulação anterior. A nova dicção refere-se explicitamente em autorização legislativa, e não mais em criação por lei. Criadas por lei são, exclusivamente, as entidades públicas de capacidade exclusivamente administrativa (autarquias). No caso das empresas públicas e sociedades de economia mista, enquanto entes dotados de personalidade jurídica privada, a lei simplesmente autoriza sua instituição. Tal instituição somente se efetivará, de direito, com o registro de seus atos constitutivos no órgão competente, como ocorre com todas as pessoas de direito privado.

No caso, a lei deverá ser editada pelo órgão legislativo competente (federal, estadual, distrital ou municipal). A iniciativa do processo legislativo, requerendo a autorização devida, cabe, privativamente, ao Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II). A lei deverá ser específica, ou seja, não poderá ser de caráter geral, abordando outras matérias alheias à estruturação da entidade a ser constituída. Tal lei, ao autorizar a instituição de determinada empresa pública ou sociedade de economia mista, deverá fixar-lhe as finalidades, seja ela exploração de atividade econômica ou a prestação de serviço público. Tratando-se entidade prestadora de serviço público, a própria autorização legislativa já traz em seu bojo, expressa ou implicitamente, a concessão do serviço em apreço ao ente a ser instituído.

A Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76) reafirma a necessidade de "prévia autorização legislativa" para constituição de sociedades de economia mista (art. 236), exigindo o mesmo requisito para as subsidiárias (art. 237, § 1º), as quais, no entanto, não ficam sujeitas às mesmas formalidades requeridas na constituição da empresa-matriz (art. 235, § 2º). A sociedade de economia mista somente poderá explorar os empreendimentos ou exercer as atividades previstas na lei que autorizou a sua constituição (art. 237, caput).

A expressa "instituição", utilizada pelo Texto Constitucional, deve ser interpretada em sentido amplo. Abrange não somente a instituição "ex nihilo", originária, ou seja, a criação de entidade inteiramente nova, como também a transformação de entidade governamental anteriormente existente. Assim, por exemplo, aproveitando-se recursos humanos e materiais já disponíveis, uma autarquia ou fundação pública pode ser transformada em empresa pública ou sociedade de economia mista.

Tendo sua instituição autorizada em lei, também somente através de lei poderá se dar a extinção das empresas públicas. É o princípio do paralelismo da forma. O ato de extinção deve apresentar o mesmo nível hierárquico do ato de criação ou instituição.

Em contraposição a este entendimento, o art. 178 do Decreto-lei 200/67 previa a possibilidade de liquidação ou incorporação das empresas públicas e sociedades de economia mista a outras entidades, "por ato do Poder Executivo". Respeitados os direitos assegurados aos acionistas minoritários, quando houverem, nas leis e atos constitutivos de cada entidade. Tal disposição tem merecido veemente crítica dos administrativistas pátrios, por permitir ao Poder Executivo desfazer ato do Legislativo.


7. Controle estatal

Sendo resultado de um processo de descentralização administrativa, integrando a Administração indireta, e exercendo atividades reclamadas por imperativos de "segurança nacional" ou "relevante interesse coletivo", as empresas governamentais submetem-se a controle por parte da pessoa política que as instituiu. A matéria encontra-se regulada nos arts. 19 e 26 do Decreto-lei 200. Nos termos do art. 19, tais empresas estão sujeitas à "supervisão ministerial" por parte do Ministério a que se vinculem. Na órbita estadual e municipal tal supervisão estará a cargo de secretários de governo ou do próprio Chefe do Executivo. Não se trata aqui de controle hierárquico, conforme já visto, porém de controle finalístico, que pode mesclar aspectos políticos e administrativos, e que pode se manifestar de diversas formas.

Primeiramente, o poder de controle sobre as empresas públicas e sociedades de economia mista encontra-se concentrado da União, Estados e Municípios, em relação à suas respectivas entidades. Detendo a totalidade ou a maioria do capital social, tais pessoas políticas podem escolher seus dirigentes e imprimir-lhes orientação, no sentido de integrá-la harmonicamente na ação conjunta a ser desempenhada pela Administração Pública, direta e indireta. Tal é um dos objetivos do controle, na forma do art. 26 do Decreto-lei 200. Algumas Constituições Estaduais e Lei Orgânicas Municipais prevêem a necessidade de confirmação, por parte do Poder Legislativo, do nome da pessoa designada para direção de empresas públicas e sociedades de economia mista. Nestes casos, a designação e posse em cargo de direção somente será válida quando observada a manifestação positiva da Casa Legislativa.

Diversas outras formas de controle podem ser exercitadas. Citem-se algumas: designação de representantes do governo nas assembléias gerais e órgãos de administração ou controle da entidade; recebimento de relatórios, boletins e balanços que permitam acompanhar as atividades na entidade criada nos mais diversos aspectos: administrativo, financeiro, operacional, conformidade com metas de governo estabelecidas, etc.; fixação de despesas com pessoal, com material, com publicidade, segundo programas de contenção de gastos previamente estabelecidos; realização de auditorias, vistorias ou inspeções periódicas; avaliação de rendimento, eficiência e produtividade, segundo critérios previamente fixados; intervenção direta na entidade, por razões de interesse público. Em todo caso, o acompanhamento deve ser permanente e ordenado, respeitada sempre a autonomia administrativa e financeira da entidades criada, autonomia esta que já pode estar devidamente delineada na autorização legislativa.

A pessoa política matriz, como entidade controladora, poderá editar atos normativos disciplinando suas relações com as empresas governamentais instituídas e em funcionamento. O instrumento jurídico para tanto será o regulamento, veiculado mediante decreto.


8. Exploração de atividade econômica e prestação de serviço público

Nos termos da Constituição Federal (art. 173, § 1º e 175), as empresas públicas e sociedades de economia mistas podem ser de dois tipos fundamentais: exploradoras de atividade econômica ou financeira e prestadoras de serviços públicos.

Exploradoras de atividade econômica. Quantos às primeiras, é natural que observem o regime jurídico próprio das empresas privadas, principalmente no que concerne às legislação civil, comercial, trabalhista e tributária, sem gozar de quaisquer benefícios não extensíveis ao setor privado (CF, art. 173, § 1º, II e § 2º). Aplicam-se-lhes as disposições de direito público nos termos fixados pelo ordenamento jurídico, a partir da própria Carta Constitucional.

Segundo Maria Sylvia di Pietro (Direito Administrativo, Atlas, 1996, p. 305), no caso das empresas que exploram atividade econômica, como é própria Constituição que estabelece a regra geral da submissão ao direito privado, qualquer derrogação desta regra tem que ter fundamento na própria Constituição; não se aplicam a essas empresas as leis ordinárias que derrogam o direito comum.

Desempenhando típicas atividades econômicas, de caráter comercial ou industrial, tais entidades não podem desfrutar de regalias e privilégios não partilhados pela iniciativa privada, sob pena de violação do princípio constitucional da livre concorrência (art. 170, IV). Caso houvesse tais benesses, estaria institucionalizado um regime de concorrência desleal.

Prestadoras de serviço público. Situação mais complexa é a das empresas e sociedades de economia mistas prestadoras de serviço público. Neste caso, como acentua Celso Antônio Bandeira de Melo (Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 7ª ed., p. 105), embora se submetam a um regime de direito privado, é natural que, em virtude da dimensão pública de suas atuações, sofram o influxo mais acentuado de princípios e regras de direito público, ajustados ao resguardo dos interesses públicos. Diferentemente do que ocorre com a estatais que exploram atividade econômica, a derrogação ao regime de direito privado pode constar não só de regras da Constituição, mas também de leis ordinárias, podendo, pois, tais derrogações serem maiores.

Neste caso, as empresas estatais são consideradas concessionárias de serviço público, principalmente quanto revestem a forma de sociedade de economia mista, posto ser difícil enquadrar no conceito de "concessionário" entidade formada integralmente por capital público, bem como ver aí uma relação de concessão.

De fato, para que entidade pública pudesse, mesmo que forçosamente, ser integrada numa conceituação ampla de concessionária, a mesma deveria: a) conter recursos particulares significativos na composição de seu capital; ou b) conter capitais provenientes de pessoas políticas e/ou administrativas situadas em esferas de governo diversas. A última hipótese fez-se bastante presente no caso das companhias de água, esgoto e energia elétrica existentes nos Estados-membros, pelo menos antes de vendaval das privatizações. A Administração Federal, titular da competência constitucional de prestá-los, transmite a uma "concessionária" estadual a exploração de tais serviços.

Como "concessionárias" de serviço público, as empresas estatais submetem-se aos ditames do art. 175 da Constituição Federal.


9. Os dirigentes e seus atos

A direção das empresas públicas e sociedades de economia mista é composta, em geral, por cargos em comissão e funções de confiança. Deve aqui ser respeitada o preceito constitucional segundo o qual as funções de confiança deverão ser exercidas exclusivamente por servidores (empregados) de carreira, enquanto os cargos em comissão deve ser providos por servidores (empregados) de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei (art. 37, V).

Nos termos da Súmula 8 do STF, os dirigentes das empresas públicas são investidos em seus cargos ou funções na forma que a lei ou seu estatuto estabelecer, mas podem ser destituídos a qualquer tempo, à semelhança do que ocorre com os dirigentes de sociedade de economia mista. Tal é uma das maneiras pela qual se exerce o controle da pessoa política matriz sobre a entidade vinculada.

Os dirigentes das empresas públicas e sociedades de economia mista são considerados "agentes públicos". Seus atos são administrativos quando regidos pelo direito público (Direito Administrativo, exemplo: promoções, abertura de licitação ou concurso público). Seus atos são considerados "atos de autoridade" para fins de ajuizamento de mandado de segurança (CF, art. 5º, LXIX e Lei 1.533/51, art. 1º, § 1º), em caso de ameaça ou violação a direito líquido e certo. São passíveis, também, de ajuizamento de ação popular, quando estiver em jogo a lesão ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (CF, art. 5º, LXXIII). Neste caso, constarão no polo passivo da ação a entidade pública, o autor da lesão e os beneficiários do ato impugnado (Lei 4.717/65, art. 6º).


10. Licitações e contratos

A atual dicção do art. 173 (§ 1º, inc. III), pretendeu simplificar a regime licitatório das empresas públicas, fixando que a licitação e contratação de obras, serviços, compras devem observar os princípios da administração pública. Tal já era o entendimento sob a égide dos dispositivo modificado. O que se pretende agora é que as empresas públicas estejam obrigadas a observar, tão somente, os princípios básicos, regulamentando, segundo sua especificidade, a forma de licitar. A questão ainda não se encontra pacificada.

Observe-se, antes de tudo, que a sujeição ou não das empresas governamentais ao procedimento licitatório tem sido alvo de grandes discussões e controvérsias, no plano doutrinário e jurisprudencial. No plano legal, durante muito tempo vigorou posição segundo a qual as empresas públicas (em sentito amplo) estariam excluídas da obrigação de licitar. Tal ocorreu sob a égide da Lei 4.320, de 17.3.64, da Lei 4.401, de 10.9.64 e do Decreto-lei 200/67, diplomas legais estes que tocavam no tema das licitações. O art. 125 do Decreto-lei 200 somente exigia licitação "na administração direta e nas autarquias". O saudoso Hely Lopes Meirelles abonava tal diretriz na 1ª edição de seu clássico "Licitação e Contrato Administrativo": "o que convém saber é que as pessoas jurídicas de direito privado, como são as entidades paraestatais – empresas públicas e sociedades de economia mista, fundações instituídas pelo Poder Público e serviços sociais autônomos – não estão originariamente sujeitas à licitação, que a lei geral só impõe às entidades estatais e autárquicas (...).

Com o advento do Decreto-lei 2.300/86, estendeu-se às empresas públicas e sociedades de economia mista os princípios básicos da licitação (art. 86). O atual Estatuto Licitatório (Lei 8.666/93) pretende fixar "normas gerais" de licitação que subordinam, além dos órgãos da administração direta, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas e as sociedades de economia mista (art. 1º, parágrafo único). O mesmo diploma legal, flexibilizando o preceito acima, permite, para os entes descentralizados (entre os quais se situam a empresas paraestatais) a edição de regulamentos próprios sobre licitações e contratos. Tais regulamentos devem ser objeto de aprovação por parte do órgão superior de supervisão administrativa, que, em cada caso, aferirá, observados os princípios básicos, a necessidade de normas especiais que atendam às peculiaridades da instituição. Tais foram os percalços da questão no plano legal.

A Constituição Federal de 1988, tendo presente tais controvérsias, procurou disciplinar a matéria. Em sua sistemática, de um modo geral, as empresas públicas e sociedades de economia mista submetem-se à regra da licitação quando da aquisição bens e serviços ou da alienar de seus bens. De fato, a Constituição Federal estabelece para toda Administração direta e indireta que "ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, (...)" (art. 37, XXI). As empresas estatais, como entes descentralizados, integram a administração indireta. Pelo art. 22, inciso XXVII da Lei Maior, compete à União legislar privativamente sobre "normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípioss, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1º, III". O artigo 173, § 1º, inciso III da Lei Fundamental, prevê a obrigatoriedade da licitação para as duas espécies de empresas estatais: as que exploram atividade econômica e as que prestam serviços públicos. Enfatiza, porém, que a licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações nestas empresas deverá observar os princípios da administração pública. Flexibiliza-se, assim, sem suprimir-lhe, o regime licitatório nestas agências econômicas do Estado. A licitação continua prevalecente nas empresas públicas, porém, de forma mais simplificada. Em todo caso, cumpre sejam sempre observados certos prncípios básicos, tanto os genéricos, pertinentes a toda a atividade administrativa (legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade, eficiência), como os específicos, concernentes ao procedimento licitatório (igualdade, vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo).

Nesta ótica, Caio Tácito ("As empresas estatais no Direito brasileiro", in Direito Administrativo na década de 90, Ed. Revista dos Tribunais, p. 26) ensina com propriedade que a disposição unificadora entre a administração direta e os entes paraestatais, constante do art. 37 da Constituição, deve ser entendida em harmonia com o preceito de igual hierarquia que sujeita tais entidades ao regime próprio das empresas privadas, principalmente quando exploram atividade econômica (art. 173, § 1º).

Tendo presente a exigência apontada pelo grande mestre, duas ordens de considerações devem ser feitas nesta matéria, flexibilizando-se a regra da observância irrestrita do procedimento licitatório. Deve-se buscar, à luz dos princípios da finalidade, razoabilidade e eficiência uma solução conciliatória. Este é sentido da exegese constitucional supra. Deve-se conciliar, assim, os princípios da moralidade administrativa, que impõe a regra da licitação, com o da eficiência, que parece admitir temperos no trato da questão).

1. Primeiramente, na linha de raciocínio já exposto, as empresas estatais exploradoras de atividade privada sujeitam-se a um influxo maior do direito privado. As prestadora de serviço público, a um influxo maior do direito público. Por essa razão, o princípio da licitação se impõe com mais veemência no tocante às empresas estatais que prestam serviços públicos, e com menor em relação às que exploram atividade econômica. Nas primeiras, o procedimento licitatório se impõe tanto em relação às atividades-fins como no tocante às atividades-meio. Nas segundas, a licitação somente deve ser exigida em relação às atividades-meio.

2. A segunda ordem de considerações diz respeito à estruturação das empresas públicas. Segundo Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, p. 333), tais empresas ostentam organização e funcionamento similar às empresas privadas, não se compreendendo que se lhes burocratize a tal ponto de emperrar-lhe os movimentos e a flexibilidade mercantil com os métodos estatais. Assim, em inúmeros casos, a licitação será incompatível com o normal cumprimento do escopo em vista do qual foram criadas, como adverte Celso Antônio Bandeira de Melo (Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 7ª ed., p. 318). Tal se dá, sobretudo, no que concerne às atividades-fim das empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica. Tal atividade, sendo natureza tipicamente econômica, consagra uma legítima atuação do Estado no domínio econômico, atuação esta constitucionalmente admitida. Assim, sendo o negócio jurídico aventado de natureza tipicamente comercial não há que sujeitá-lo à exigência de prévia licitação. Tal se dá, por exemplo, quando uma determinada empresa pública necessita adquirir insumos para produção de determinado produto.

3. Por outro lado, em se tratando de atividades-meio, relacionada à instrumentação material e física da empresa estatal, impõe-se a observância do procedimento licitatório. Exemplo: ampliação de sua sede ou construção de anexos; compra de material de computação, etc.

Em qualquer caso, à luz da nova redação do art. 173, § 1º, inciso III da Constituição, deve-se admitir que, respeitado os princípios basilares em matéria de licitação, seu regime jurídico pode ser substancialmente simplificado no caso das empresas públicas.


11. Pessoal

Equiparando-se às empresas privadas no tocante à legislação trabalhista, o pessoal das empresas públicas, no Brasil, submetem-se ao regime contratual previsto na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). São chamados de "empregados públicos". A sua contratação inicial deverá ser precedida de concurso público de provas ou de provas e títulos (CF, art. 37, II). Nos termos do art. 41 da Constituição Federal, os empregados públicos não mais fazem jus à estabilidade, posto que, na dicção do dispositivo retro, tal direito alcança agora somente os titulares de cargo de provimento efetivo.

Inobstante isso, temos que a dispensa ou desligamento de empregado público não pode se dá nos mesmos parâmetros em que se dá no setor privado, nos termos previstos na CLT, onde o empregador privado dispõe de um poder quase ilimitado de despedir, desde que assuma com os ônus da rescisão contratual. Segundo Celso Antônio Bandeira de Melo (Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 7ª ed., p.118), assim como não é livre a admissão de pessoal, também não se pode admitir que os dirigentes tenham o poder de desligar seus empregados com a mesma liberdade com que o faria o dirigente de uma empresa particular. É preciso que haja uma razão prestante para fazê-lo, não se admitindo caprichos pessoais, vinganças ou quaisquer decisões motivadas por mero subjetivismo e, muito menos, por sectarismo político ou partidário.

Desta forma, a dispensa no setor público deverá ser precedida do "devido processo legal", com garantia da ampla defesa, onde reste comprovado o cometimento de infração disciplinar. A apuração de infrações funcionais far-se-á através de sindicância ou processo administrativo disciplinar. Para fins penais, os empregados e dirigentes das empresas públicos são considerados funcionários públicos, conforme estabelece expressamente o Código Penal (art. 327, parágrafo único).

Os litígios trabalhistas entre empregados públicos e empresas estatais deverão ser processado e julgado perante a Justiça do Trabalho (CF, art. 114).


Autor

  • Robertônio Santos Pessoa

    Robertônio Santos Pessoa

    professor de Direito Administrativo da UFPI, membro da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB, mestre em Direito pela USP, doutorando em Direito Administrativo pela UFPE, especialista em Direito Comparado pela Faculté des Affaires Internacionales du Havre (França)

    também escreveu autor o livro "Curso de Direito Administrativo Moderno", Editora Consulex.

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Informações sobre o texto

O artigo acima corresponde a um dos capítulos do livro "Direito Administrativo Moderno", Editora Consulex, do autor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PESSOA, Robertônio Santos. Empresas públicas à luz das recentes reformas (EC 19/98). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/384. Acesso em: 23 abr. 2024.