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A Suspensão no fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento

A Suspensão no fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento

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Com a chegada do ano novo foram renovadas as esperanças no que diz respeito as questões ligadas a justiça. Esperamos maior celeridade na prestação jurisdicional, acesso facilitado aos menos favorecidos e principalmente o respeito aos direitos constitucionais assegurados em nossa Carta Política por parte daqueles que detêm o poder econômico e estatal.

Almejamos uma correta e justa aplicação do direito em benefício de todos. Porém ainda deveremos enfrentar muitos desafios para alcançar a efetivação dos direitos estatuídos em nossos organismos legais.

Um desses desafios é a questão ligada a suspensão do fornecimento de serviços essenciais para a sobrevivência do ser humano como a energia elétrica e a água pois recebemos junto a fatura de energia elétrica um contrato de adesão intitulado de "contrato de prestação de serviço público de energia elétrica para unidades consumidoras atendidas em baixa tensão".

A cláusula quinta do referido contrato aborda a questão da suspensão do fornecimento dispondo que: "Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência, conforme os itens 1 e 3 abaixo, ou após prévio aviso, conforme os itens 4 e 5:

Item 5- falta de pagamento da fatura de energia elétrica"

Além disso, o contrato ainda possui em seu rodapé as logomarcas da ARCON (Agência Estadual de Regulação e Controle de Serviços Públicos) e da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).

No entanto o referido contrato não leva em consideração que o fornecimento de energia elétrica e água é público, essencial e regido pelo princípio da continuidade, característica estas asseguradas pela Constituição Federal, pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei de Greve.

Já existem decisões de Cortes Superiores nesse sentido como é a do festejado Ministro José Augusto Delgado que, em julgamento de recurso (nº 8.915/MA-(97/0062447-1) interposto pela Companhia Energética do Maranhão CEMAR pronunciou-se da seguinte forma:

"3. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção; 4. Os arts. 22 e 42, do Código de Defesa do Consumidor, aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público; 5. O corte de energia, como forma de compelir o usuário ao pagamento de tarifa ou multa, extrapola os limites da legalidade; 6. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa; 7. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza."

No Tribunal de Justiça do Estado do Pará podemos encontrar três decisões liminares conquistadas por intermédio de mandados de segurança impetrados por nós que impediram o corte no fornecimento de serviços essenciais. A primeira proferida pela excelentíssia Juíza de Direito Vera Araújo de Souza da 13º. Vara Cível de Belém onde considera o serviço de telefonia como essencial e subordinado ao princípio da continuidade determinando o desbloqueio e reinstalação dos terminais telefônicos do impetrante (Publicada no Diário da Justiça do Estado em 29 de janeiro de 2001). A segunda decisão proferida pela excelentíssima juíza de Direito Maria do Céu Maciel Coutinho da 13º. Vara Cível de Belém determinou que fosse imediatamente religada a luz do imóvel da impetrante (Proferida em 12 de fevereiro de 2001). A terceira e última decisão esta de mérito, proferida pela juíza Ruth do Couto gurjão da 22º. Vara Cível de Belém declarou a ilegalidade do ato de ruptura do fornecimento de água no imóvel da impetrante fundamentando a decisão no Código de Defesa do Consumidor e na Constituição Federal. (Proferida em 29 de maio de 2001)

Assim denotamos que tanto na jurisprudência local e das Cortes Superiores baseadas na legislação vigente, não há justificativas para a prática abusiva do corte no fornecimento energia elétrica por falta de pagamento para cobrança de dívidas, expondo o consumidor a constrangimento, sendo certo que existem mecanismos legais de cobrança.

Devemos ter em mente que apenas ao Poder Judiciário cabe a decisão da suspensão do fornecimento de serviços essenciais. Pois com base no princípio da isonomia todos devem ser submetidos a jurisdição. Assim no caso de inadimplência a fornecedora deverá acionar o Judiciário para cobrar os valores devidos e, se verificada a má-fé aplicar a pena máxima determinando o corte.

Argumentos favoráveis ao regime vigente de suspensão direta do fornecimento pela própria empresa são insubsistentes e contrários a vários princípios do Estado Democrático de Direito. Um desses argumentos é de que a submissão da cobrança pelas vias judiciais seria uma sentença de morte para a empresa pois acarretaria prejuízos que não poderiam suportar em virtude da demora na prestação jurisdicional e das elevadas custas e emolumentos judiciais.

Referido argumento é inaceitável pois se adotado em outros casos, muitas lides, ou a grande maioria, seria resolvida pelas próprias partes com a utilização da força bruta. A título de exemplo poderíamos mencionar o proprietário de um imóvel que não recebe os aluguéis a vários meses e que se sentindo prejudicado expulsa o inquilino como suas próprias mãos pois a ação de despejo iria demorar e ele não poderia suportar os prejuízos inerentes a permanência do locatário no imóvel. Ora se um simples proprietário de um imóvel locado pode suportar tamanho prejuízo pergunta-se: Por que um empresa de fornecimento de energia elétrica não poderia? Por que a diferença de tratamento? Onde se encontra a aplicação do princípio da isonomia?

Com certeza não encontraremos resposta para essas perguntas que não sejam pautadas em critérios políticos e econômicos opressores. Mesmo assim denunciamos que a permanência dessa situação desrespeita a ordem legal e traz consigo um retrocesso milenar remontando a justiça privada o chamado "olho por olho de dente por dente" onde o poder do mais forte é o que prevalece.

Queremos esclarecer que não somos favoráveis a inadimplência e nem contrário a cobrança pelo serviço prestado pela fornecedora da energia elétrica. O que postulamos é apenas o respeito ao devido processo legal e as normas constitucionais e legais não deixando ao talante do fornecedor a decisão que cabe ao Poder Judiciário.

Assim esperamos que os órgãos responsáveis pela fiscalização dessas empresas denunciem este contrato de adesão imposto aos consumidores no sentido de retirar a cláusula que permite a suspensão do fornecimento energia elétrica pela falta de pagamento sem que seja submetido a apreciação do Judiciário a legalidade do ato que pode gerar danos materiais e morais espelhando grave repercussão negativa na vida e dignidade do cidadão comum.


Autor

  • Mario Antonio Lobato de Paiva

    Sou advogado há mais de 20 anos e trabalho com uma equipe de 10 advogados aptos a prestar serviços jurídicos em todas as áreas do Direito em Belém, Brasília e Portugal. Advogado militante em Belém, foi Conselheiro e Presidente da Comissão em Direito da Informática da OAB/PA, Ex-Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, especialista em Direito da Informática; Assessor da OMDI- Organização Mundial de Direito e Informática; Membro do IBDI- Instituto Brasileiro de Direito da Informática; Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico -IBDE ; Colaborador de várias revistas e jornais da área jurídica nacionais e estrangeiros tendo mais de 400 (quatrocentos) artigos publicados; autor e co-autor de livros jurídicos; palestrante a nível nacional e internacional. Site: www.mariopaiva.adv.br email: [email protected]

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PAIVA, Mario Antonio Lobato de. A Suspensão no fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 63, 1 mar. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3873. Acesso em: 19 abr. 2024.