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A acepção de ideologia, no Direito, para Karl Marx

A acepção de ideologia, no Direito, para Karl Marx

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O presente artigo visa explanar, em poucas linhas, a acepção de ideologia, no direito, para Karl Marx.

Marx, quase sempre, tem seu pensamento deturpado, muitas vezes, pela falta de conhecimento -- leitura -- de seus maisferrenhos críticos outras pelo já criado folclore acerca de sua pessoa. Todavia, o Marx filósofo fez e faz indispensáveis contribuições para os mais diversos campos do saber aplicado, o Direito, por exemplo. 

Uma dessas várias contribuições foi à noção de ideologia; as consequências desta dentro de uma sociedade classista, como a capitalista, e as formas de libertação dela.

Acerca da palavra ideologia, o professor Jacob Gorender, explana o seguinte:

“A palavra ideologia remonta à corrente sensualista do pensamento francês. De Destutt de Tracy, uma das figuras destacadas desta corrente, é o livro Elementos de Ideologia, publicado em 1804. A ideologia seria o estudo da origem e da formação das ideias, constituindo-se numa ciência propedêutica das demais[1] .”

Marx tem uma visão negativa sobre as ideologias, esse posicionamento que foi bastante influenciado pela sua visão crítica aos ideólogos alemães — Bruno Bauer, Arnold Ruge, Feuerbach, etc — o fez dedicar uma obra, especialmente para tratar do assunto, A Ideologia Alemã. Neste livro, Marx crítica o idealismo, em especial o alemão, e as formas, até então, de tentar se refutar a Filosofia Hegeliana partindo de pressupostos dela mesma e tentando encontra erros, falácias ou sofismo que desqualificassem o pensamento de Hegel.

O posicionamento crítico de Marx, quanto ás ideologias, fica evidente com a explanação a seguir:

“A ideologia é, assim, uma consciência equivocada, falsa, da realidade. Desde logo, porque os ideólogos acreditam que as ideias modelam a vida material, concreta, dos homens, quando se dá o contrário: de maneira mistificada, fantasmagórica, enviesada, as ideologias expressam situações e interesses radicados nas relações materiais, de caráter econômico, que os homens, agrupados em classes sociais, estabelecem entre si. Não são, portanto, a ideia Absoluta, o Espírito, a Consciência Crítica, os conceitos de Liberdade e Justiça, que movem e transformam as sociedades. Os fatores dinâmicos das transformações sociais devem ser buscados no desenvolvimento das forças produtivas e nas relações que os homens são compelidos a estabelecer entre si ao empregar as forças produtivas por eles acumuladas a fim de satisfazer suas necessidades materiais[2] .”

A ideologia para Marx é parte, do que ele chamou de superestrutura[3] , ou seja, o conjunto de fatores imateriais de uma sociedade, tais como cultura, arte, estética, educação, filosofia, estado, religião, direito, etc.

A ideologia seria, para Marx, uma forma de alienação do pensamento. A professora Marilena Chauí explana bem o sobre o assunto:

“Para que todos os membros da sociedade se identifiquem com essas características supostamente comuns a todos, é preciso que elas sejam convertidas em ideias comuns a todos. Para que isto ocorra é preciso que a classe dominante, além de produzir suas próprias ideias, também possa distribuí-las, o que é feito, por exemplo, através da educação, da religião, dos costumes, dos meios de comunicação disponíveis[4] .”

A Ideologia seria por essência uma forma de dominação, a domesticação do pensamento, das classes subalternas (dominados) pelas dominantes. Com efeito, pode-se afirmar, com ressalvas, que o próprio Direito é, em si, uma ideia falsa criada pela elite dominante a fim de manter a ordem e a coerência social. Para isso, criaria conceitos, sofístico de Estado, justiça, igualdade, sanção e coação com o intuito de respaldar seu caráter superior em relação ao individuo, mantendo assim o status quo. Sendo o Estado uma ideologia, serviria não ao proletariado, mas a elite dominante. A mitificação da figura do legislador corrobora com essa tese, sendo este último um aparelho do estado[5] . As leis são feitas pelo burguês não pelo povo.

As seguintes palavras do professor Antonio Carlos Wolkmer esclarecem melhor o assunto:

“Com os imperativos da sociedade burguesa e do liberalismo econômico consolida-se o Direito moderno calcado na ideologia da segurança, previsibilidade e neutralidade, vindos a priorizar a propriedade privada, a livre contratação, a vontade do sujeito [...] Portanto, é no âmbito desses institutos, categorias e princípios que ideologicamente se revela o Direito Privado [...] que como assinala Luiz Fernando Coelho, “facilmente se presta à manipulação ideológica [...][6] .”

NOTAS 

[1] Introdução do livro A Ideologia Alemã      . MARX, Karl. trad. Luis Claudio de Castro e Costa. A Ideologia Alemã. 2ªed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. XXI.

[2] MARX, Karl. trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, O Capital. Crítica da Economia Política. vol. 1. col. Os Economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1996. pp. 11-12.

[3] Idem, ibidem. p. 206.

[4] CHAUÍ, Marilena. O Que é Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2008. p. 36.

[5] ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. Lisboa: Presença/Martins Fontes, 1980. p 41

[6] WOLKMER, Antonio Carlos. Ideolgia, Estado e Direito. 4 ed. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. pp. 174-5.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS

ALTHUSSER, Louis. Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado. Lisboa: Presença/Martins Fontes, 1980.

CHAUÍ, Marilena. O Que é Ideologia. São Paulo: Brasiliense, 2008.

MARX, Karl. trad. Luis Claudio de Castro e Costa. A Ideologia Alemã. 2ªed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

______. trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, O Capital. Crítica da Economia Política. vol. 1. col. Os Economistas. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 4 ed. atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.



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