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Parcerias público-privadas no Brasil

Parcerias público-privadas no Brasil

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Análise legal e jurisprudencial do instituto parceria público-privada (PPP) instituída pela Lei nº 11.079 de 30 de dezembro de 2004, principalmente com relação aos estados e municípios.

As parcerias público-privadas, doravante PPP, têm por objetivo promover uma cooperação entre os setores públicos e privados, a fim de gerar bens e serviços para a sociedade, atingindo as expectativas de ambos. O motivo que levou a criação das parcerias público-privadas são, basicamente: (i) a escassez de recursos públicos para arcar com todas as políticas públicas necessárias ao atendimento da população, principalmente, os mais necessitados, (ii) a prioridade de serviços públicos mais eficientes, tendo em vista que a iniciativa privada possui processos mais rápidos e desburocratizados de realização de obras e prestação de serviços e (iii) a insustentabilidade econômica de certas atividades.

O objeto da PPP é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas conforme dispõe o artigo 2º, parágrafo 1º e Lei Geral das Concessões. O destino dos projetos de PPP é atingir o bem estar social através da melhoria na prestação de serviços públicos.

No contexto das parcerias, o ente público assume um papel de gerente geral, regulador e fiscal na prestação dos serviços e infraestrutura necessária a fim de atender as expectativas da sociedade. O governo delega as funções que tradicionalmente eram públicas, como a construção e operação de presídios, estradas e hospitais.

Na oportunidade, ressaltamos que as responsabilidades pela PPP são dividas, sendo que o setor público decidirá quais os serviços serão delegados e a forma de entrega e, o setor privado disponibilizará ativos de capital e serviços.

Ademais, diferente das concessões previstas na Lei 8.987/97 em que o risco integral do negócio é do concessionário, na PPP o risco é compartilhado entre os parceiros, ou seja, entre o estado e o ente privado. A título de exemplo, geralmente, os riscos suportados pelo Estado são políticos, cambiais, de interpretação judicial, de disponibilidade financeira. Por outro lado, o setor privado suporta os riscos ligados à construção, operação e rendimento.

Além disso, esclarecemos que este modelo tem sido adotado com sucesso em diversos países, como Portugal, Espanha, Inglaterra e Irlanda e apresentam como justificativa, além da escassez de recursos públicos, conforme já dito acima, a eficiência da gestão do setor privado.

Por último, a PPP só deve ser utilizada no lugar da concessão comum quando se provar que esta não é rentável, justificado no estudo do modelo econômico apresentado pelo poder público. Aliás, esses estudos são complexos e exigem um aperfeiçoamento técnico dos gestores públicos.


1. As Parcerias Público-Privadas no Direito brasileiro

O Programa de parcerias público privadas foi introduzido em âmbito nacional através da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 que instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública, sendo certo que nos estados de Minas Gerais e São Paulo já havia legislação sobre o tema, Lei Estadual nº 14.868 de 16.12.2003 e Lei Estadual nº 11.688 de 19.05.2004, respectivamente.

Outrossim, o cenário de desenvolvimento econômico no Brasil vem enfrentando desafios relacionados à sua capacidade de investimento, principalmente na área de mobilidade urbana. Logo, considerando a escassez de recursos públicos para acompanhar o desenvolvimento do país, foi necessário atrair o capital privado para realizar em menor tempo os investimentos necessários na prestação de serviços à sociedade.

A Lei nº 11.079/04 é um instrumento regulatório que objetiva fornecer segurança jurídica aos investidores. Esta Lei modifica a política de investimentos públicos no país, transferindo os recursos privados para investimento em áreas consideradas estratégicas pelo governo. Esses objetivos são descritos de forma sintética no artigo 4º da Lei 11.079/04, quais sejam: I – eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade; II – respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução; III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado; IV – responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias; V – transparência dos procedimentos e das decisões; VI – repartição objetiva de riscos entre as partes; VII – sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.

Em síntese, relembrando o histórico de deficiência da administração pública brasileira, percebe-se que as parcerias procuram concretizar o princípio da eficiência (art. 37. da CF/88), ou seja, a entrega de um serviço satisfatório a sociedade.


2. Conceitos, modalidades e características

Existem várias modalidades de parceria entre os setores público e privados, a Lei nº 11.079/2004 no artigo 2º conceitua que parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, no livro Parcerias na Administração Pública, 9ª edição, editora Atlas S.A, São Paulo, 2012, “Para englobar as duas modalidades em um conceito único, pode-se dizer que a parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão que tem por objeto (a) a execução de serviço público, precedida ou não de obra pública, remunerada de tarifa paga pelo usuário e contraprestação pecuniária do parceiro público, ou (b) a prestação de serviço de que a Administração Pública seja usuária direta ou indireta, com ou sem execução de obra e fornecimento e instalação de bens, mediante contraprestação do parceiro público”. Para entender melhor o instituto estudaremos individualmente as duas modalidades.

Por outro lado, José dos Santos Carvalho Filho, no seu livro Manual de Direito Administrativo, 26ª edição, editora Atlas S.A, São Paulo, 2013, a fim de diferenciar a PPP das concessões comuns previstas na Lei 8.987/97, entende melhor caracterizá-las como “concessões especiais”. Afirma também que, “nos termos da lei, a contratação de parceria público-privada nada mais é do que modalidade especial dos contratos de concessão”. Acrescenta ainda que a correta denominação deveria ser a de “contrato de concessão especial de serviços públicos”, a fim de distinguir da concessão comum.

O âmbito de incidência das normas gerais de PPP está definido no artigo 1º e parágrafo único, quais sejam, sobre todas as pessoas federativas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e as entidades da administração indireta (autarquias, às fundações públicas, às empresas públicas, às sociedades de economia mista), sendo estendidas aos fundos especiais e outras entidades controladas direta ou indiretamente pelos entes federativos.

A natureza jurídica desse tipo de ajuste, conforme Carvalho Filho, é a de contrato administrativo de concessão de serviços públicos, emanado da própria lei (art. 2º). Sobre os contratos de PPP incidirão o princípio da desigualdade das partes e as cláusulas exorbitantes peculiares aos contratos administrativos previstos nas Leis n.ºs 8.666/93 e 8.987/1995.

Além do mais, quanto a aplicação suplementar ou adicional das Leis n.ºs 8.987/1995 e 9.074/1995 registre-se: Quanto à primeira lei, incidem os arts. 21. (disponibilização aos participantes da licitação de estudos, projetos, obras e despesas ou investimentos efetuados pelo concedente, obrigando o vencedor ao ressarcimento conforme o previsto no edital; 23 (cláusulas essenciais do contrato); 25 (responsabilidade do concessionário por prejuízos causados ao concedente, usuários ou terceiros); 27 a 39 (anuência do concedente para a transferência da concessão ou do controle societário do concessionário; intervenção no serviço; extinção da concessão) e artigo 31 da segunda lei.

2.1. Concessão patrocinada

A modalidade de concessão patrocinada possui regime diverso da concessão comum disciplinada na Lei 8.987/95. O artigo 2º, parágrafo 1º da Lei de PPP diz que “Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado”. Ou seja, será parceria público-privada quando houver essa contraprestação.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, no Livro Parcerias na Administração Pública, 9ª edição, editora Atlas S.A, São Paulo, 2012, conceitua como “contrato administrativo pelo qual a Administração Pública (ou o parceiro público) delega a outrem (o concessionário ou o parceiro privado) a execução de um serviço público, precedida ou não de obra pública, para que o execute, em seu próprio nome, mediante pagamento de tarifa paga pelo usuário, acrescida de contraprestação pecuniária paga pelo parceiro público ao parceiro privado.

2.2. Concessão administrativa

A modalidade de concessão administrativa, conforme artigo 2º, parágrafo 2º da Lei de PPP diz que “Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens”. Logo, percebe-se que o objeto principal desta modalidade é a prestação do serviço.

Nesta modalidade o serviço público é delegado ao parceiro privado assumindo a sua gestão e execução. Verifica-se que nesta modalidade haverá a construção da obra, por exemplo, e após deverá haver a prestação do serviço em que a administração pública seja usuária direta ou indireta. A ideia é que o parceiro privado seja o gestor do serviço.

Com efeito, deve ser destacado que não constitui parceria público-privada projeto em que “tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública”, conforme artigo 2º, parágrafo 4º, inciso III da Lei de PPP. Por exemplo, a PPP não pode ter por objeto único a construção de um hospital, porque neste caso seria contrato de empreitada regido pela Lei 8.666/93. Para ser uma PPP, deve estar adicionada a prestação de serviço também.

De uma forma mais simplificada, concluímos que a concessão administrativa é formada por duas atividades, quais sejam: (a) a empreitada, visto que o serviço, mesmo que prestado por terceiros é remunerado pela própria administração, conforme artigo 2º, parágrafo 3º e de (b) concessão de serviço público, por que o serviço prestado ou não a terceiros, os usuários, está sujeito a algumas normas da Lei nº 8.987, sejam relativas aos encargos e prerrogativas do poder concedente dos serviços, sejam as relativas aos encargos do concessionário. Trata-se da terceirização da gestão do serviço público precedido ou não de obra pública.

Por outro lado, o doutrinador Carvalho Santos destaca que a lei ficou confusa quanto ao objeto desta modalidade, tendo em vista que se fala em prestação sem qualquer especificação quanto a sua natureza. Ele advoga a tese de que a lei pretendeu dar em concessão uma série de atividades tipicamente administrativas, para as quais precisará de investimento privado. Percebe-se que o legislativo pretendeu admitir a contratação de vários serviços públicos de natureza administrativa, inclusive com a afirmação na lei de a administração ser usuária direta ou indireta desses serviços.

Ademais, como se trata de delegação do gerenciamento de determinada atividade administrativa, deve ser conferido certo grau de autonomia empresarial para que a atividade possa ser desenvolvida com maior eficiência. Ao poder público cabe a fiscalização a fim de aferir a satisfação dos indicadores de qualidade do serviço.

Esclarecemos ainda, que o sucesso deste projeto de PPP depende do financiador e das garantias oferecidas pelo parceiro público, visto que a contribuição do parceiro público inicia somente após a prestação do serviço.

Por último, ressaltamos que a diferença principal entre a concessão patrocinada e a administrativa é que nesta não há tarifa cobrada pelo usuário.

2.3. Características e diretrizes

O regime de parceria público-privada possui, basicamente, 3 (três) destaques segundo Carvalho Filho, quais sejam: (i) financiamento do setor privado, (ii) compartilhamento de riscos e (iii) responsabilidade fiscal.

O primeiro aspecto foi citado na introdução deste trabalho, justamente, como justificativa deste sistema de parceria. O compartilhamento de riscos no contrato da mesma forma.

Inclusive, ressaltamos que há necessidade de eficiente controle do objeto da contratação, tendo em vista que se houver má gestão pelo setor privado no contrato, o parceiro público arcará solidariamente com eventuais prejuízos.

A responsabilidade fiscal deve ser observada tanto na etapa de celebração como na execução do serviço ou da obra (art. 4º, IV). Devem ser objeto de controle as receitas e despesas públicas e desempenho e metas a serem alcançadas.

Por conseguinte, destaca-se a sustentabilidade financeira da PPP (art. 4º, VII). Cabe à administração pública fazer um estudo minucioso da modelagem financeira do projeto, provendo-se das reserva dos custos que ficarão a seu cargo e das vantagens socioeconômicas decorrentes do objeto contratual, indicando-se quais os benefícios que poderão advir da implantação ou da gestão do empreendimento, ou seja, a relação custo benefício do projeto.

2.4. Sobre as cláusulas dos contratos de PPP

A fim de demonstrar algumas peculiaridades sobre o contrato de PPP, apresentaremos alguns parágrafos sobre cláusulas essenciais, não essenciais e vedações.

De plano, esclarecemos que são aplicadas ao regime de contratação de PPP as cláusulas que constam no art. 23. da Lei n.º 8.987/1995 que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no art. 175. da Constituição Federal (art. 5º caput da Lei nº 11.079/2004). Percebe-se a grande influência da Lei de concessões comuns no regime das parcerias público-privadas.

O artigo 5º da Lei de PPP prevê as cláusulas essenciais adicionais ao contrato, que são: (i) o prazo de vigência do contrato, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação (inc. I); (ii) aplicação de penalidade proporcional a falta (inc. II), (iii) repartição de riscos do contrato entre as partes (inc. III), (iv) remuneração e de atualização dos valores contratuais, bem como indicação dos meios de preservação da atualidade da prestação dos serviços (inc. IV e V), (v) fatores que indiquem a inadimplência pecuniária do concedente (inc. VI); (vi) indicadores de qualidade do desempenho do parceiro privado (inc. VII); (vii) garantia prestada pelo parceiro privado proporcional a complexidade do objeto contratual e o compartilhamento com o parceiro público de ganhos econômicos efetivos decorrentes da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados (inc. VIII e IX) e (viii) fiscalização do patrimônio e cronograma físico financeiro obedecido (inc. X e XI).

O inciso terceiro, por exemplo, determina que haja previsão contratual da repartição de riscos entre as partes do contrato. Além disso, como já dito neste trabalho, uma característica típica do regime de PPP. Destacamos também as cláusulas que fazem previsão da remuneração e atualização dos valores contratuais.

Por outro lado, citamos as cláusulas não essenciais, ou seja, aquelas cuja ausência não implica a nulidade do contrato. Esta previsão contratual depende da avaliação de conveniência do gestor público.

O edital e contrato poderão conter a previsão dos requisitos que conduzem o concedente a autorizar a transferência da sociedade de propósito específico, para seus financiadores, a fim de promover a reengenharia financeira e continuidade da prestação do serviço, caso necessário (art. 5º parágrafo 2º, I).

Outra inovação é também a possibilidade de emissão de empenho em favor dos agentes financeiros do projeto, quando se tratar de obrigação pecuniária da administração pública (art. 5º, parágrafo 2º, II). Essa previsão pretende desburocratizar os procedimentos administrativos e garantir ao investidor o recebimento do investimento.

Por último, após a exposição teórica acima, passamos a trabalhar as limitações, especificidades e dificuldades de implantação das PPP, principalmente nos Municípios.


3. Limitações, especificidades e dificuldades

A capacidade econômica e a capacidade técnica e econômica são as principais dificuldades, especialmente nos municípios. Atualmente, o Brasil possui 5.564 municípios segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na maior parte das situações, a criação desses municípios teve como critério exclusivo a vontade política sem levar em conta o aspecto econômico e planejamento da cidade.

A maioria desses municípios é sustentada por repasses de receitas do Estado e da União. A situação ainda é agravada pela falta de capacitação dos servidores municipais. Cada vez mais se exige conhecimento técnico dos gestores e servidores públicos. A falta de capacitação dos servidores prejudica a gestão pública.

Primeiramente, prejudica a arrecadação do município, tendo em vista que a maioria dos municípios não possui sistemas informatizados ou fiscais preparados para o exercício da função. Os servidores que orientam o público também não possuem capacitação para o exercício da função. Assim, há morosidade na formalização dos atos administrativos, dificuldade na arrecadação, aumentando a sonegação de tributos, bem como distorções na arrecadação e autuação de infrações, facilitando a impugnação das cobranças pelos contribuintes.

Em segundo lugar, verifica-se a falta de planejamento, em que a administração pública gasta de forma ineficiente as receitas públicas. Não são aplicados os parcos recursos públicos nas áreas prioritárias ao desenvolvimento social e econômico do município.

Em terceiro lugar, o procedimento de despesa desses municípios é feito de forma lenta e distorcida. O órgão de controle interno desses municípios não possuem servidores capacitados para a função e orientação das secretarias de governo.

A consequência disso é a má prestação de serviços públicos, desvios de verbas e gastos ineficientes do dinheiro público.

Por outro lado, após a exposição geral do cenário na administração pública municipal, abordaremos a invasão de competência promovida pela própria legislação de PPP.

3.1. Limitações impostas aos Estados e Municípios

A Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004 instituiu normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública, sendo reservado artigos da Lei somente a União a partir do artigo 14.

No entanto, verifica-se que no artigo 2º, parágrafo 4º da Lei, a contratação de PPP é limitada a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais). Não há dúvida que a maioria dos municípios ficará impossibilitada de usar essa modalidade de contratação.

Percebe-se que o legislador preocupou-se com a utilização desta modalidade de contratação somente para grandes investimentos e descaracterização das concessões comuns. As concessões comuns tem uma influência muito grande na política brasileira, tanto que o legislador deixou expresso que “Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão”, no artigo 2º.

Esta limitação imposta, claramente, suprime a autonomia de Estados e Municípios sobre sua gestão, tornando inviável a utilização das parcerias público-privadas. Há uma diminuição da capacidade dos municípios de atração da iniciativa privada, tornando-os cada vez mais dependentes dos Estados e da União.

Na oportunidade, esclarece-se que a fixação do limite teve por fundamento a legislação de Portugal (DL nº 86/2003, art. 2º, 5, d), sendo este um estado Unitário. A legislação foi transportada para o Brasil, sem as devidas adaptações a realidade do país.

O cenário demonstra que o governo federal amplia sua política de centralização de poder e enfraquecimento da Federação brasileira e colabora para a desigualdade regional. Dessa forma, impedindo a implantação das Parcerias que objetivam desinflar o Estado e atrair a eficiência e celeridade do setor privado.

Mas não é só.

É estabelecido no artigo 2º, parágrafo 4º, inciso II da Lei, prazo mínimo de 5 (cinco) anos do contrato, o que em tese, fere o princípio democrático.

Constata-se que o legislador se preocupou com a PPP alcançar somente os investimentos de grande porte. A elasticidade do período contratual justifica-se pela necessidade de modicidade das tarifas (concessão patrocinada), com prazo maior de amortização dos investimentos e retorno do parceiro privado, bem como a capacidade de pagamento da administração pública (concessão administrativa). No entanto, a limitação temporal fere a autonomia dos municípios.

Por outro lado, o projeto de PPP possui um efeito limitador para os sucessores, tendo em vista que os governos contratantes usufruem desses instrumentos e as obrigações contratuais comprometem o projeto político dos próximos governantes.

Talvez seja por isso que a Lei de PPP no artigo 28 diz que se deve observar o limite global de comprometimento do orçamento público que é de 5% (cinco por cento) da Receita Corrente Líquida apurada no ano anterior da execução dessa modalidade de financiamento de investimentos.

3.2. A partilha de riscos

Diferente da concessão comum, em que o risco da construção e prestação do serviço é suportado pelo concessionário público de forma integral, na PPP o risco é compartilhado entre os dois setores. Essa partilha tem por objeto trazer mais segurança ao investimento privado.

Além disso, a distribuição eficiente do risco possui um impacto financeiro positivo e direto sobre o projeto, visto que resultará em menor custo global e, assim, propiciará melhor vantagens socioeconômicas em comparação com os métodos dos contratos administrativos convencionais.

Ao poder público, por exemplo, cumpre suportar os riscos políticos, cambiais, de interpretação judicial e de disponibilidade financeira, enquanto ao particular serão atribuídos os riscos de construção, financiamento, operação e rendimento.

Demais disso, o contrato deve identificar quem cria os riscos e quais os tipos de riscos são assumidos pelas partes contratantes, dado o inegável impacto econômico neste mister, conforme Marcos Juruena Villela Souto leciona no livro Direito Administrativo das Parcerias, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2005.

Destaca-se também, a inovação contida no artigo 5º, III, em que inclui o particular no risco referente ao caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária.

Na Lei de Concessões (Lei nº 8.987/95) não há regulação específica sobre a ocorrência do caso fortuito ou força maior, se limitando a ressalvar esses casos para efeito de declaração da caducidade da concessão. A Lei de PPP estabeleceu regra explícita de repartição desses riscos (art. 4º, VI e art. 5º, III), ou seja, inclui os riscos referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária.

Por último, há previsão de compartilhamento com a administração pública de ganhos econômicos decorrentes da redução do risco do projeto, o que incentiva as duas partes a buscar a colaboração para o melhor desenvolvimento do projeto.

3.3. Dificuldades técnicas para realização das PPPs

O modelo contratual de parcerias público-privadas, instituído pela Lei nº 11.079/2004, depende de um projeto multidisciplinar em que envolve basicamente, pessoas capacitadas na área ambiental, engenharia, economia, contabilidade, administração e jurídica. Além disso, realizar uma PPP não é algo fácil, singelo ou automaticamente replicável, cada projeto exige a formatação de um modelo.

Para que uma contratação de parceria público-privada alcance os objetivos descritos no projeto, é necessário que a modelagem seja feita por profissionais qualificados. Aliás, o investimento privado depende, sobretudo, de regras claras, estáveis e duradouras de contratação.

Por outro lado, é notório que a maioria dos municípios não dispõe de profissionais capacitados para desenvolvimento de um projeto de PPP. Deve ser prioridade dos gestores públicos a valorização e capacitação dos servidores para que a prestação dos serviços seja eficiente.

Tendo em vista o alto grau de complexidade da matéria, a solução imediata é contratar serviços de consultoria para elaboração dos projetos de parceria público-privada. Com isso, muitas empresas e escritório de advocacia vêm se especializando em projetos de PPP.

Superada a fase de elaboração do projeto e licitação, passamos para a fase de acompanhamento da execução dos contratos. A parceria efetiva entre os setores privado e público é essencial. Devemos vencer a cultura de oposição e desconfiança que existe entre os setores e partir para a posição de colaboradores no projeto.

Em relação à técnica de acompanhamento do contrato, da mesma forma, essa é uma área que demanda superação de deficiência na administração pública brasileira. A importância deste acompanhamento foi prevista no artigo 14 da Lei de PPP para órgão gestor de parcerias público-privadas federais, com a competência de apreciar os relatórios de execução dos contratos.

Essas premissas apontam a necessidade de vencermos a era da administração burocratizada e avançarmos para a administração pública de resultado. A fiscalização do contrato deve focar na observação das metas e indicadores de qualidade na prestação dos serviços. Esses índices de qualidade são essenciais, principalmente, nas PPPs na área da saúde.

Na saúde é comum o sistema de pagamentos de PPP possuir parte considerável do desembolso atrelado a metas quantitativas atingidas. Na educação esse método também é importante. Dessa forma, é possível avaliar a eficiência dos gastos públicos e valorizar a prestação de serviços de forma eficiente.

3.4. Do licenciamento ambiental

Verifica-se que o artigo 10, inciso VII da Lei de PPP exige como condição para abertura de licitação a, “licença ambiental prévia ou expedição das diretrizes para o licenciamento ambiental do empreendimento, na forma do regulamento, sempre que o objeto do contrato exigir”.

Alguns autores, como Maria Sylvia Z. Di Pietro entende que a exigência seria desnecessária, tendo em vista que a matéria está disciplinada na Lei nº 6.938/81 que dispõe sobre a Política Nacional de Meio Ambiente.

Nas concessões comuns, sob regime da Lei n° 8.987/95, a questão ambiental é regulada pelo art. 18, que remete ao edital de licitação a observância das normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos. A Lei n° 8.666/93, em seu art. 6º, inciso IX, prescreve que os projetos básicos das licitações hão de considerar o adequado tratamento do impacto ambiental dos empreendimentos.

A Lei de Concessões comuns limita-se a determinar a avaliação do impacto ambiental dos empreendimentos na elaboração do projeto básico da obra, documento que acompanha o edital de convocação dos interessados para a disputa da concessão.

Por outro lado, entendemos que a Lei de Parceria Público-Privada avança na questão ambiental em relação a pouca efetividade do tratamento dos impactos ambientais, substituindo a previsão genérica de avaliação de impactos ambientais exigida nas concessões comuns, exigindo licenciamento prévio.

No entanto, a exigência peremptória pode atrasar as licitações, visto que a lentidão dos órgãos de fiscalização ambiental na análise dos processos de licenciamento ambiental. Aliás, devido os gargalos de infraestrutura e prestação de serviços no país, estes licenciamentos devem ser prioridades, bem como deve este setor possuir regulação mais eficiente na analise desses processos.

3.5. Da Lei de Responsabilidade Fiscal

A Lei de Responsabilidade Fiscal, doravante LRF, deve ser obedecida nos procedimentos de despesa da administração pública. A abertura da licitação está condicionada a que (a) as despesas criadas ou aumentadas não afetarão as metas de resultados fiscais previstas no anexo referido no § 1º do art. 4º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa e (b) a observância dos limites e condições decorrentes da aplicação dos arts. 29, 30 e 32 da Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, pelas obrigações contraídas pela Administração Pública relativas ao objeto do contrato, conforme artigo 10 da Lei de PPP.

Ou seja, os estudos técnicos que antecederem a abertura da licitação deverão demonstrar o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal sob pena de anulação do processo licitatório e responsabilização dos gestores.

A primeira citação a matéria da responsabilidade fiscal na Lei de PPP é veiculada em seu artigo 4º, inciso IV, classificado como diretriz a ser observada no projeto. Extrai-se neste contexto, os fundamentos de uma ação planejada e transparente, finalisticamente orientada à prevenção de riscos e correção de desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, conforme estudo da doutrinadora Vanice Lírio do Valle no livro Parcerias Público-Privadas e Responsabilidade Fiscal: Uma Conciliação Possível, 2005.

A preocupação da responsabilidade fiscal é o equilíbrio orçamentário, ou seja, a “equalização das receitas e de gastos, harmonia entre capacidade contributiva e legalidade, redistribuição de renda e transparência orçamentária, desenvolvimento econômico e universalidade”, nas palavras de Ricardo Lobo Torres.

O equilíbrio das contas possui um caráter instrumental nos procedimentos de realização de despesa na administração pública, sendo indispensável na concretização finalísticas da própria razão de ser do Estado.

Essa situação reflete a mesma necessidade de obediência a diretriz de responsabilidade fiscal também na execução do contrato, mantendo-se íntegro e aplicável todos os parâmetros que orientaram a tomada de decisão e estudos técnicos anteriores a realização do contrato.

No entanto, as dificuldades de conciliação da LRF e o contrato de PPP são grandes, tendo em vista que as restrições fiscais são limitadas no tempo, em função do Plano Plurianual, da Lei de Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária Anual, enquanto que os contratos de PPP possuem duração de 5 (cinco) a 35 (trinta e cinco) anos.

Ademais disso, não há como o ordenador de despesa fazer estimativa que cubra todo o período de vigência do contrato. A exigência da LRF no artigo 16 se limita a estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes.

Diante da situação apontada acima, deve-se coibir qualquer pratica fiscal que ponha em risco o equilíbrio orçamentário, sob pena de causar insegurança no setor privado e, consequentemente, desestímulo a participação nas parcerias com o estado.


Conclusão

O modelo de PPP, aparentemente, produz uma moderação na dicotomia, setor público e setor privado, fazendo com que estes dois setores desenvolvidos historicamente, atuem de forma cooperativa para o bem estar social.

De qualquer forma, deve se ter em mente o novo paradigma da administração pública brasileira que é o foco no resultado, para isso o legislador precisa criar mecanismos de aferição da qualidade na gestão dos serviços públicos.

Por outro lado, conforme exposto neste trabalho, a formatação de um projeto de parceria público-privada não é algo simples. Envolve profissionais de diversas áreas com qualificação específica. Geralmente, os projetos são elaborados por consultoria contatada pela administração pública.

Além disso, a PPP envolve grande investimento do setor privado e período longo de vigência contratual, o que requer segurança jurídica e detalhamento pormenorizado do projeto. Aliás, em uma sociedade de massa, no qual são atingidos milhões de destinatários dos serviços públicos, as decisões políticas equivocadas causam grave prejuízo ao bem estar social.

Por outro lado, a evolução e avanço da democracia, essencial para o combate a desigualdade social, promove a participação de pessoas com menor grau de formação acadêmica nos altos cargos políticos.

A presença do povo é essencial no processo de participação política nas decisões tomadas no país. No entanto, deve ser considerado que, embora haja avanço na educação nos últimos 10 anos, o déficit educacional ainda é grande.

Infelizmente, boa parte dos gestores públicos ainda não se conscientizou da importância de ser orientado por um corpo técnico qualificado. Estão amarrados a velha política dos anos 70, de um estado improvisado em formação.

O resultado da gestão amadora tem proporcionado mau uso do dinheiro público, decisões políticas equivocadas e prejuízo ao bem estar social.

Ademais, ressaltamos que após a Constituição de 1988 há um fortalecimento das instituições de controle da administração pública. No âmbito Federal, a Controladoria-Geral da União (CGU) é o órgão do Governo Federal responsável por assistir direta e imediatamente o Presidente da República quanto aos assuntos que, no âmbito do Poder Executivo, sejam relativos à defesa do patrimônio público e ao incremento da transparência da gestão, por meio das atividades de controle interno, auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção e ouvidoria. A CGU foi criada por meio Medida Provisória n° 2.143-31, 2 de abril de 2001, ou seja, tem pouco mais de uma década de criação de órgão de controle.

As controladorias municipais só vieram depois da CGU e, por determinação dos Tribunais de Contas Estaduais. Há de se ressaltar também o fortalecimento da Polícia Federal, Tribunais de Conta e Ministério Público com forte atuação no combate a corrupção. Esses órgãos aprimoram a democracia e favorecem a defesa dos administrados.

Nessa ótica, registre-se que a multiplicidade de controle não pode ser um fim em si mesmo, visto que o fim é alcançar o interesse público. Os órgãos de controle devem se solidarizar na tarefa de harmonização de entendimentos, padronização de condutas, prevenção de litígios, de forma a conferir segurança jurídica aos administrados, servidores e autoridades. Conforme citado por Marcos Juruena Villela Souto, “A desarmonia só facilita a corrupção, a ilegalidade e a insegurança”.

Diante de todo o exposto, devemos reconhecer que embora de forma lenta, há avanços na modernização da administração pública brasileira. No entanto, é preciso maior vontade política para atender os gargalos que impedem o crescimento sustentável do País.

O avanço das Parcerias Público-Privadas pode contribuir muito para captar divisas, melhorar a mobilidade urbana e prestação de serviços com qualidade, contribuindo para o avanço do bem estar social e da sustentabilidade econômica.

Em síntese, finaliza-se este trabalho com a afirmação insistente de que se deve aprimorar a administração pública municipal, tendo em vista sua maior proximidade com o cidadão. A União, através do Ministério da Integração Nacional poderia exercer o papel de fomentador de uma política de modernização da administração pública, sem retirar a autonomia dos entes públicos.

Compartilhando o pensamento de Noberto Bobbio no seu livro “O futuro da Democracia”, o cenário atual comporta o pensamento de que “... a luz está avançando com dificuldade para começar a clarear ao menos uma parte da área escura...”.


Referências

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