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Recurso especial da Fazenda Pública no caso de reexame necessário

Recurso especial da Fazenda Pública no caso de reexame necessário

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Trata-se da possibilidade de a Fazenda Pública interpor REsp em face de decisão em reexame necessário, levando em consideração a proteção do interesse público, a necessidade de corrigir erros in judicando e a ausência de preclusão lógica da matéria.

1. INTRODUÇÃO

Diante da independência da interposição de apelação para reexame da matéria de sentença que seja contrária à Fazenda Pública, dado o instituto do reexame necessário, questiona-se a possibilidade de interposição de Recurso Especial da decisão tomada pelo Tribunal ad quem que o aprecia, devido à possível preclusão lógica, quando não se apela. Conclui-se pela possibilidade de recurso.

2. DESENVOLVIMENTO

O reexame necessário é condição de eficácia das sentenças proferidas contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e fundações de direito público, assim como aquelas que julgarem procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa da Fazenda Pública. Ele implica na remessa dos autos ao tribunal ao qual esteja vinculado o juízo julgador, para revisão, independentemente de haver apelação por parte do ente público. Tudo isso se retira da expressa disposição do artigo 475 do Código de Processo Civil (CPC), segundo a redação dada pela Lei nº 10.352, de 26.12.2001[1].

Evidente, pois, que, apesar de produzir efeitos similares ao da apelação no que concerne à garantia do duplo grau de jurisdição, o reexame necessário não se confunde com recurso. Não por outro motivo, não é citado na lista de recursos constante no artigo 496 do CPC. A remessa de ofício, inclusive, independe da interposição de apelação pela Fazenda Pública para ter efeito.

Dessa constatação surge o questionamento: não havendo interposição de apelação, reapreciada a sentença apenas em grau de reexame necessário, seria possível a apresentação de Recurso Especial, ou haveria a preclusão lógica sobre a matéria (já que não houve recurso da decisão do juiz de primeiro grau)?

Por muito tempo, considerou-se impossível a apreciação do Recurso Especial interposto nas condições acima descritas, devido à preclusão lógica, tendo em vista que a falta de apelação significaria a aceitação tácita da decisão desfavorável, cabendo apenas a sua revisão por força de lei, mas não necessariamente por inconformismo da parte. Tal entendimento foi corroborado pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se retira do REsp 904.885/SP, relatado pela Ministra Eliana Calmon, que segue em excerto:

Diante da impossibilidade de agravamento da condenação imposta à Fazenda Pública (súmula 45 do STJ), chega a ser incoerente e de duvidosa constitucionalidade a permissão de que entes públicos rediscutam os fundamentos da sentença, não no momento oportuno, mas mediante a interposição de recurso especial contra o acórdão que manteve a sentença em sede de reexame necessário[2].

Foi aceito pelo tribunal superior que o Recurso Especial seria cabível, observados seus requisitos, quando a Fazenda Pública tivesse recorrido da decisão a quo no momento oportuno. Essa posição, entretanto, no próprio órgão, não era pacífica, haja vista julgados em sentido contrário nas suas seções (AgRg no REsp 944.427/SP, AgRg no REsp 1063425/RS entre outros), sendo assim submetida ao julgamento da Corte Especial, por meio do REsp 905.771 originário da 1ª Turma.

Na pacificação do tema, concluiu-se pelo cabimento do Recurso em reexame necessário, considerando ser inadmissível a exigência de apelação própria para acesso às instâncias superiores. Esse é também o entendimento da doutrina majoritária:

Não há nenhuma conduta contraditória ou desleal da Fazenda Pública em não recorrer. Como existe o reexame necessário, é legítimo que deixe de haver recurso, pois o caso já será revisto pelo tribunal. Ao deixar de recorrer, a Fazenda está valendo-se de uma regra (antiga, diga-se de passagem) que lhe garante o reexame da sentença pelo tribunal. Não houve ato em sentido contrário, nem há qualquer contradição[3].

É saber que a decisão de apelar, ou não, de determinada sentença, sabendo que haverá o duplo grau de análise, necessariamente, por força de lei, é decisão de estratégia processual da defesa da Fazenda Pública, não podendo ser prejudicada por decisão do ente colegiado que desrespeite lei federal ou que preencha os requisitos para recurso ao STJ. Afasta-se, assim, a ocorrência de preclusão lógica quando se verifica que a ausência de apelação não implica a aceitação tácita dos termos da sentença[4].

Isso porque, a preclusão, prevista nos artigos 502 e 503 do CPC, exige a renúncia ao recurso ou a aceitação da desistência, mas não a simples “falta de recurso”, especialmente quando o instituto do reexame necessário devolve à apreciação do tribunal todas as parcelas da condenação – conforme enunciado da Súmula 325 do STJ, de modo que a apelação serviria apenas como reforço argumentativo, não como veículo de levada à apreciação da matéria ao tribunal – e o acórdão do tribunal tem efetivo efeito substitutivo da sentença (artigo 512 do CPC). Reforça-se a tese em vista da vedação aos representantes judiciais da Fazenda Pública de renunciar ao direito de recorrer.

3. CONCLUSÃO

Em conclusão, existe a possibilidade de interpor Recurso Especial em face de decisão que julga contrariamente à Fazenda Pública em sede de reexame necessário, o que é alicerçado por entendimento do STJ, levando em consideração a proteção do interesse público, a necessidade de possibilitar a correção de erros in judicando e a ausência de preclusão lógica pela não apresentação de apelação já que não implica na concordância tácita com a sentença.

4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda pública em juízo. Editora Dialética. 12a. Edição: 2012.

DIDIER JR, Fredie e CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José. Admissibilidade de recurso especial em reexame necessário. Novo entendimento do STJ. Editorial 109 – 21/09/2010. Disponível em: <http://www.fiscolex.com.br/doc_11695124_ADMISSIBILIDADE_RECURSO_ESPECIAL_REEXAME_NECESSARIO_NOVO_ENTENDIMENTO_STJ.aspx.> Acesso em: 13 mar. 2015.

PIANCÓ, Suiane Marques. Possibilidade de interposição de Recurso Especial pela Fazenda Pública com base apenas em acórdão proferido pelo Tribunal em reexame necessário. 2014. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=3349> Acesso em 13 mar. 2015.


[1] CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda pública em juízo. Editora Dialética. 12a. Edição: 2012. p. 353.

[2] REsp 904885/SP, julgado em 12/11/2008, DJU 09/12/2008.

[3] DIDIER JR, Fredie e CARNEIRO DA CUNHA, Leonardo José. Admissibilidade de recurso especial em reexame necessário. Novo entendimento do STJ. Editorial 109 – 21/09/2010. Online.

[4] PIANCÓ, Suiane Marques. Possibilidade de interposição de Recurso Especial pela Fazenda Pública com base apenas em acórdão proferido pelo Tribunal em reexame necessário. 2014. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=3349> Acesso em 13 mar. 2015.


Autor

  • Joana de Souza Sierra

    Advogada atuante em Direito Civil. Pós-Graduada em Direito Público pela Universidade Anhanguera-Uniderp (rede LFG). Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catariana (UFSC). Graduada em Administração Empresarial pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).

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