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O trabalho do assistente social no sistema penitenciário brasileiro: uma reflexão sobre as condições de trabalho

O trabalho do assistente social no sistema penitenciário brasileiro: uma reflexão sobre as condições de trabalho

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O presente artigo versa sobre o trabalho do assistente social no sistema prisional. Assim, faz-se necessário uma reflexão sobre atuação do assistente social, considerando que este trabalha na garantia dos direitos humanos e sociais.

É importante ressaltar que o presente estudo não pretende debruçar-se sobre a génese do Serviço Social, mas apresentar este como uma profissão atuante na garantia dos direitos humanos dos reclusos em privação de liberdade, haja vista que os assistentes sociais se inserem nas instituições socioassistências, inclusive no campo sociojuridico, a saber:   no  sistema penitenciário. É importante sublinhar que  o sistema penitenciário está legitimado pela  Lei de Execução Penal nº 7. 210/84 que prevê em seu artigo 22 “a assistência social que tem por finalidade amparar o preso e o internado e prepará-los para o retorno à liberdade” uma vez que o artigo 23 acrescenta  incumbe ao assistente social:

I - conhecer os resultados dos diagnósticos e exames;

II - relatar, por escrito, ao diretor do estabelecimento, os problemas e as dificuldades enfrentados pelo assistido;

III - acompanhar o resultado das permissões de saídas e das saídas temporárias;

IV - promover, no estabelecimento, pelos meios disponíveis, a recreação;

V - promover a orientação do assistido, na fase final do cumprimento da pena, e do liberando, de modo a facilitar o seu retorno à liberdade;

VI - providenciar a obtenção de documentos, dos benefícios da previdência social e do seguro por acidente no trabalho;

VII - orientar e amparar, quando necessário, a família do preso, do internado e da vítima.

Para tanto, a participação dos assistentes sociais nas equipes de trabalho que legitimam e executam essa Lei é imprescindível de modo a concretizar os direitos dos apenados. Porém, não é o que se pode observar, uma vez que a realidade por vezes está em desacordo com o previsto nos artigos 22 e 23 da LEP. Isso acarreta dificuldades para os profissionais comprometidos com a defesa dos direitos humanos no sistema penitenciário, inclusive para o profissional de Serviço Social que comumente está inserido dentro de um contexto meramente burocrático no âmbito do sistema penitenciário, presencia simultaneamente a restrição da sua intervenção e diversas situações de violações dos direitos dos apenados.

 Deve-se observar que o compromisso do  assistentes sociais no campo da Execução Penal  é garantir  os direitos humanos dos internos por meio de uma pratica voltada para emancipação humana e que superem este sistema como controle social e punitivo. Neste contexto, a atuação dos assistentes sociais na área sociojurídico é permeada por muitos conflitos e limitações. Assim, Torres acrescenta que

        

O Serviço Social, como profissão que intervém no conjunto das relações sociais e nas expressões da questão social, enfrenta hoje no campo do sistema penitenciário, determinações tradicionais às suas atribuições, que não consideram os avanços da profissão no Brasil e o compromisso ético e político dos profissionais frente à população e as violações dos direitos humanos que são cometidas (TORRES 2001, p.91).

O que se pode notar a partir da bibliografia estudada foi que a ação profissional é limitada, devido ao próprio sistema ao qual está inserido  o  que deixa refém da burocracia institucional na qual está imerso. Assim, Torres ( 2014, p.128) acrescenta que “ no sistema prisional o “ Serviço Social vem exercendo praticas que causem, muitas vezes conflitos éticos políticos”.  Aliado a isso, estão a falta de recursos físico, materiais e humanos que deem suporte a integralidade de ações em prol dos direitos humanos, o que entra em desacordo com o previsto no Código de Ética em seu artigo 7º é direito do assistente social “dispor de condições de trabalho condignas seja em entidade pública ou privada, de forma a garantir a qualidade do profissional”.

Diante desta realidade, as atividades  dos assistentes sociais nos sistemas prisionais  tem sido resumida a elaboração de laudos e ao atendimento das demandas da instituição. Assim, Souza ( 2014, p.46) chama atenção  quando coloca os dilemas destes profissionais, considerando que “o cotidiano destas instituições está impregnado da necessidade social de produção de práticas punitivas, em que medida os profissionais de Serviço Social estão corroborando essas práticas, a partir do seu saber e do conjunto de ações que desenvolvem no campo jurídico”

Neste contexto, observa-se que à prática profissional, apesar dos limites institucionais impostos e a burocracia ao qual estão submetidos, aos assistentes sociais buscam compreender esta demanda e a realidade ao qual estão inseridos, visando à garantia dos direitos dos apenados que se encontram em detenção, mesmo com essas limitações.

          Diante desta realidade, percebe-se que o estado brasileiro teve grandes avanços para efetivação da garantia dos direitos dos cidadãos, inclusive dos que se encontram no sistema prisional, haja vista que os profissionais que atuam nesta área, a exemplo do profissional do Serviço Social, têm a Lei de Regulamentação Profissional que assegura sua prática profissional diante desta realidade, bem como o mesmo dentro do sistema prisional, possuem suas atribuições definidas na LEP.

    Vale ressaltar que com relação aos direitos dos apenados a LEP tem avanços significativos, mas na realidade prisional as violações dos direitos dos presos são frequentes. Pimentel ao referir sobre a atuação do profissional do Serviço Social nas unidades prisionais, afirma que,

Diariamente os apenados relatam para a equipe do Serviço Social situações explícitas de violação aos seus direitos de cidadania: a) descrevem as más condições das celas – escuras, pequenas, sem colchão, sem cama; b) questionam-se do desrespeito a seus familiares – tratamento desumano, criminalização da família, visitantes impedidos de visitar os apenados sem nenhum critério legal; c) denunciam a precariedade dos atendimentos médicos– poucos profissionais, escassez de instrumentos de trabalho; d) reivindicam o atendimento jurídico que muitas vezes só ocorre uma vez por semana (PIMENTEL, 2008, p.40).

Ademais, no que se refere ao trabalho do Serviço Social no sistema prisional, observa-se que as questões relativas ao direito dos apenados surgem como demanda de trabalho do Serviço Social, essa prática é institucionalizada por lei (art. 23, da Lei de Execução Penal).

Assim, Torres (2001, p.89) acrescenta que “a defesa dos direitos humanos no campo profissional remete à questão ética, pois esta é parte integrante do sujeito social, sendo também componente de sua atividade profissional”. Vale sublinhar, tomando como parâmetro o Código de Ética Profissional que em seu artigo 13º (b) prevê como dever do assistente social

Denunciar, no exercício da Profissão, às entidades de organização da categoria, às autoridades e aos órgãos competentes, casos de violação da Lei e dos Direitos Humanos, quanto a: corrupção, maus tratos, torturas, ausência de condições mínimas de sobrevivência, discriminação, preconceito, abuso de autoridade individual e institucional, qualquer forma de agressão ou falta de respeito à integridade física, social e mental do cidadão (CRESS, 2005-2008, p.23).

                 Em outras palavras, as denúncias devem realizar-se com compromisso ético para que a imagem dos apenados e desses profissionais seja preservada. Ademais, o Código de Ética Profissional em seu artigo 15 aponta como direito do assistente social manter o sigilo profissional, uma vez que o artigo 16 acrescenta que o sigilo protegerá o usuário em tudo aquilo de que o assistente social tome conhecimento, como decorrência do exercício da atividade profissional

Vale salientar que o profissional do Serviço Social no âmbito prisional é importante para que possa contribuir no encaminhamento de mudanças nas prisões e para atender as necessidades e os direitos de cidadania dos apenados. No sistema prisional o Serviço Social deve atuar no sentido da efetivação dos direitos de cidadania da população carcerária, já que o trabalho do assistente social tem como objetivo central a defesa, garantia e ampliação dos direitos de seus usuários (PIMENTEL, 2008).

             É neste cenário, que o assistente social, busca responder às demandas dos usuários, assim como garantir os direitos humanos e sociais, mesmo aqueles que transgrediram a lei. Para isto, este profissional utiliza vários instrumentos, tais como: entrevistas, levantamentos de recursos, visitas domiciliares, encaminhamentos entre outros, considerando que esses instrumentos são úteis para o conhecimento da realidade social, da demanda social, e para um atendimento e intervenção eficaz, tendo em vista que o trabalho do assistente social está voltada para a intervenção nas diferentes manifestações da questão social com vistas a contribuir com a redução das desigualdades e injustiça sociais.

            Assim, para que o profissional do Serviço Social possa efetivar seu trabalho dentro do sistema penal, faz-se necessário que suas atividades estejam em consonância com o Código de Ética Profissional. Porém  

O Código possui uma dimensão ampla que ultrapassa o caráter normalizador; é um instrumento de defesa dos direitos e deveres do profissional, orientando-o quanto aos princípios fundamentais éticos e políticos em que devem basear-se suas ações de acordo com as demandas sociais colocadas a profissão (TORRES, 2001, p.89).

Em outras palavras, o Código de Ética Profissional objetiva valores norteadores da profissão, tais como: o reconhecimento da liberdade como valor ético central, bem como preza pelo compromisso com a autonomia, a emancipação e a plena expansão dos indivíduos, a defesa intransigente dos direitos humanos.

            Desta forma, faz-se necessário que o assistente social, além de conhecer o Código de Ética Profissional, a Lei de Regulamentação da Profissão e a LEP que são referências ao exercício profissional, também possa conhecer os principais tratados de proteção aos direitos humanos acordado pela ONU, buscando aprofundar a respeito da defesa dos direitos humanos, a exemplo dos presos que se encontram sobre pena privativa de liberdade, haja vista que o compromisso do Serviço Social no Campo da Execução Penal deve ser o de garantir os direitos humanos dos internos, fortemente violados no espaço prisional.

            Vale salientar que o conhecimento das legislações que respaldam o trabalho dos assistentes sociais é muito importante para orientação da profissão neste campo, haja vista que o conhecimento permite ao profissional decifrar a realidade social na qual está inserido, buscando apresentar propostas de trabalho que ultrapassem a demanda institucional e que caminhem no sentido de ampliar seu campo de autonomia (PIMENTEL, 2008).

Diante deste exposto, o Serviço Social, como profissão que intervém no conjunto das relações sociais e nas expressões da questão social, faz-se necessário que os órgãos que pactuam a interdição da violação dos direitos humanos, possam incluir o profissional do Serviço Social nas discussões, haja vista que a sua intervenção está voltada para o enfretamento da questão social, assim como para a garantia dos direitos dos apenados que se encontra  nos sistemas prisionais, o que demonstra a importância deste profissional, tanto no sistema penitenciário.  

            Assim, é importante situar o Serviço Social no campo da Execução Penal, pois o profissional atua na garantia do acesso aos direitos de cidadania, tendo por um de seus princípios fundamentais a defesa intransigente dos direitos humanos, pois o assistente social tem um papel fundamental tanto na efetivação dos direitos, bem como na denúncia do não cumprimento dos direitos dos apenados nas unidades prisionais. Tendo em vista a luta pela consolidação dos direitos humanos no Brasil, haja vista dos reclusos que se encontra sobre pena privativa de liberdade, é fundamental que o assistente social tenha como objetivo levar esta problemática da violação dos direitos humanos, a exemplo da população carcerária para além da academia, bem como para  o Conselho Federal de Serviço Social – CFESS e Conselho Regional de Serviço Social- CRSS que tem como objetivo defender e orientar o exercício profissional, para que possam aprofundar a respeito da defesa dos direitos humanos de maneira crítica e que esteja em consonância com a Lei de Regulamentação da Profissão. Ademais, a reflexão sobre a prática profissional do assistente social no sistema penal não deve ficar individualmente e sim vista enquanto categoria, visto que o Serviço Social necessita demonstrar maior interesse em discutir a temática no meio acadêmico e profissional, pois o mesmo pode ser um instrumento que propõe mudanças no interior do sistema penal, pois, busca atender as necessidades dos sujeitos que cumprem pena privativa de liberdade.

            Assim, é relevante a realização de fóruns para implementação de uma política de Serviço Social na área da execução penal, haja vista que pretendam discutir novas políticas a fim de construir uma política de Serviço Social para o sistema penitenciário. Por sua vez é necessário que o Estado, possa atuar dentro do sistema penitenciário, através de políticas públicas que efetive os direitos dos apenados presente na LEP, como também ofereça recursos para os funcionários trabalharem, realização de concursos públicos, uma vez que a população carcerária está cada vez maior e o número de profissionais existentes não consegue atender efetivamente as demandas que lhe são colocadas, a exemplo do profissional do Serviço Social, tendo em vista que este profissional atua nos sistemas prisionais sem condições de trabalhos o que dificulta para uma intervenção de qualidade como versa os aparatos legais da profissão e dos diretos humanos. Ao mesmo tempo, faz-se necessário  os assistentes social  rompa as barreiras conservadoras e busque trabalhar na perspectiva do compromisso ético politico, considerando que as questões dos direitos humanos são recorrentes.

Diante disso, faz-se necessário o assistente social crie  proposta de trabalho de acordo com o projeto ético político da profissão, buscando sempre a emancipação humana. Neste ângulo é importante que  o assistente social tenha as condições de trabalho, uma vez que  que o sistema prisional é um espaço das diversas manifestações da questão social e a LEP versa  que assistente social no sistema prisional é um direito humano. Diante desta realidade, observa-se que o assistente social é um profissional comprometido com uma direção social especifica de seu Projeto Ético Político que está vinculado a um projeto de transformação da sociedade, buscando responder as demandas da questão social. Para isto é necessário que, o profissional elabore proposta de políticas sociais para atuar nesta garantia de direitos, levando para os órgãos de direitos humanos, pois sua ação está vinculada à execução e à aplicação da lei, visto que no sistema prisional essa necessidade se encontra ainda mais visível, devido às limitações da população usuária em acessar de maneira autônoma seus direitos de cidadania.

REFERENCIAS:

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PIMENTEL, Luana dos Santos. Do Serviço Social no Contexto Prisional: sobre a afirmação da condição de cidadãos dos apenados. Monografia (Conclusão de Curso). Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2008. Disponível em:< http://www.ess.ufrj.br/monografias/104048857.pdf>.Acessso  em: 12 set.2015.

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 SOUZA,Charles Toniolo de. Praticas punitivas e Serviço Social: reflexão sobre o cotidiano profissional no campo sociojuridico. Serviço Social  e Temas Sociojuridicos Debates e Experiências, Coletânea Nova de Serviço Social. Ed Lumen Juris. Rio de Janeiro, 2014.

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