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Os desacertos da "nova" Contribuição de Iluminação Pública

Os desacertos da "nova" Contribuição de Iluminação Pública

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As contribuições ao lado dos impostos, taxas, contribuições de melhoria e empréstimos compulsórios, compõem as espécies tributárias, sendo que cada uma das mencionadas espécies possuem características próprias que as diferenciam.

É certo que as contribuições ainda não foram perfeitamente delineadas no ordenamento jurídico pátrio, relevando que nossos doutrinadores ainda tentam construir a sua identidade, identificando a sua natureza jurídica.

A regra matriz de qualquer contribuição é o art. 149 da Constituição Federal e podem ser instituídas como instrumento de atuação da União no interesse das categorias profissionais ou econômicas, de intervenção no domínio econômico, na área social e para o financiamento da seguridade social.

Sendo que as contribuições sociais incluídas nesse dispositivo magno têm exatamente a ampla acepção de serem destinadas ao custeio das metas fixadas na Ordem Social, Título VIII e dos direitos sociais.

Outro ponto que merece destaque é o fato de que o aspecto material (que faz surgir a obrigação tributária) das contribuições é duplo, necessitando de uma ação do estado e um fato da esfera do contribuinte. Logo a hipótese de incidência de uma contribuição está condicionado a uma determinada atividade estatal intimamente ligada com determinado fato do contribuinte, pelo que inexistindo tal requisito, restará impossível a criação de uma contribuição.

Finalmente, tal qual ocorre com a contribuição de melhoria, é preciso ter em mente que o valor arrecadado com uma contribuição não pode ser superior à ao financiamento à que se destina, pois no caso estaríamos desvirtuando a figura da contribuição e transformando-a num autêntico imposto.

Feita essa breve explanação sobre as contribuições é possível tecer algumas considerações com relação às disposições constantes do artigo 149-A da Constituição Federal, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 39 de 19 de dezembro de 2002.

Consta de aludido artigo que "Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica."

De plano, salta aos olhos a figura esdrúxula que foi criada – contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública. Primeiro porque, conforme citado acima, a figura das contribuições não se presta para o financiamento de todas as atividades estatais, mas somente às destinadas ao custeio das metas fixadas na Ordem Social, Título VIII da Constituição Federal e dos direitos sociais. No caso, estamos diante de típica receita de impostos e não de contribuição.

Segundo porque levando-se em consideração que o ente arrecadador não pode ter superávit na arrecadação da contribuição, fica difícil evidenciar qual será a base de cálculo adotada, a alíquota e a sujeição passiva, ressaltando-se a necessidade de lançamento para a cobrança do tributo, tal qual dispõe o art. 142 do Código Tributário Nacional.

Ademais, o parágrafo único de malsinado art. 149–A da Constituição Federal, revela mais uma aberração cometida pelo legislador. A Carta Constitucional é informadora de princípios que norteiam o ordenamento jurídico e lamentavelmente contém dizeres próprios de legislação ordinária, facultando ao legislador eleger responsáveis pela arrecadação.

Dada a impropriedade da norma constitucional, algumas leis absurdas começam a perambular pela seara jurídica e assustar os juristas e cidadãos. Em Ribeirão Preto – SP, por exemplo foi criada a Lei Complementar nº 1430/2002 instituindo a contribuição de iluminação pública.

Consta de aludida lei que a base de cálculo é o valor do serviço de iluminação pública e elege como contribuintes os proprietários titulares de domínio útil ou possuidores a qualquer título de imóveis edificados, localizados nas zonas urbanas ou de expansão urbana. Ocorre que em artigo seguinte da mesma lei foi previsto um valor fixo para cada unidade urbana, cobrada de acordo com o consumo de KWH.

Ora, se a base de cálculo é o valor da iluminação pública, como se explica o valor fixo cobrado dos contribuintes e a vinculação com o gasto de KWH dos mesmos. É o que basta para se denotar que estamos diante de outra figura tributária, muito semelhante à famigerada TIP – Taxa de Iluminação Publicada, que era cobrada dos munícipes, não só de Ribeirão Preto, mas em uma infinidade de municípios do país, julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal e devidamente rechaçada de nosso ordenamento jurídico pátrio.

Para ciência, o valor da contribuição de iluminação pública em Ribeirão Preto é fixo, no valor de R$ 2,00 para residências com consumo de 71KWH até 200 KWH e de R$ 4,00 para consumo acima de 201 KWH. Para a indústria e o comércio o valor é, respectivamente, R$ 5,00 e R$ 4,00 por imóvel.

Também o fato gerador da obrigação tributária, que é possuir imóveis edificados, não guarda nenhuma relação com a base de cálculo adotada, tampouco com o consumo de energia elétrica, permitindo-nos concluir que a exação criada pela Lei Complementar Municipal não é uma contribuição, mas uma outra espécie tributária qualquer. Nos dizeres de Paulo de Barros Carvalho, eminente tributarista : "Já estamos precatados contra as palavras utilizadas pelo legislador, que nem sempre acerta na compostura da fórmula disciplinadora da incidência. Que de vezes, empregando meios desazados, põe em curso signos impróprios e cria figuras canhestras, as quais, compreendidas na sua estreiteza, induzem o intérprete a erros grosseiros e imperdoáveis."

Como a base de cálculo confirma o critério material (fato gerador da obrigação tributária), outro entendimento não resta senão a completa ausência de sintonia entre o aspecto material e a base de cálculo adotada pela Lei Municipal.

A conclusão a que se chega é a de que nossos legisladores seguiram orientações políticas e não jurídicas para a criação da Emenda Constitucional nº 39/2002, sendo que as máculas irão seguir pelas legislações municipais que venham criar a contribuição para a iluminação pública.

Não se pode esquecer a inconstitucionalidade das leis anteriores que cobravam a taxa de iluminação pública e que não foram validadas com a Emenda Constitucional nº 39/2002, bem como do fato de que a nova contribuição criada deve seguir o princípio da anterioridade, prevista no art. 150, III, b de nossa Constituição Federal.

Finalmente muitas discussões serão travadas acerca dessa nova contribuição, sendo este um estudo inicial e sem grande profundidade. Para o leitor/contribuinte, resta a possibilidade de questionamento judicial para livrar-se de mais um tributo eivado de ilegalidades.

Termino - para reflexão, com a expressão que melhor representa a situação vivida pelos contribuintes, de autoria do Professor Alfredo Augusto Becker: "O mundo jurídico é criação abstrata do cérebro humano. As leis são regras de conduta para impor um determinismo artificial nas relações entre os homens. A lei é mecanismo ortopédico. Entretanto, as leis que são fabricadas (por má-fé ou ignorância) em lugar de restituírem o sorriso ao rosto ou devolverem o caminhar às pernas, provocam o esgar da dor e fixam grilhões. As leis, a hermenêutica jurídica, os acórdãos, tudo no mundo jurídico é abstrato e artificial, salvo os efeitos: a dor e a perda da liberdade".


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DOMINGOS, João Henrique Gonçalves. Os desacertos da "nova" Contribuição de Iluminação Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4167. Acesso em: 26 abr. 2024.