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Contribuições previdenciárias não são tributos.

O CTN foi derrogado

Contribuições previdenciárias não são tributos. O CTN foi derrogado

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O que pretendemos é demonstrar que a Lei n.º 5.107/66 (Código Tributário Nacional) foi derrogada por outra norma de igual hierarquia, posterior e de maior especificidade, além de não ter sido recepcionado por diversas Constituições posteriores.

O termo contribuição previdenciária foi utilizado no texto com o sentido de indicar as contribuições previstas no art.69 da Lei n.º 3.807/60 – LOPS, até o advento da CF de 1988. Já o termo contribuição para a seguridade social foi utilizado para indicar as contribuições previstas no art.195 da CF de 1988, que são, em sua maioria, coincidentes com as da LOPS. Ainda que ambos os termos indiquem um número maior de exações, preferimos usá-los.

Não se enganem, todavia, que a limitação do termo por mim operada, não possa resultar errada generalização (v.g. contribuição para a seguridade social incidente sobre o lucro e contribuição dos facultativos). Melhor seria se cada uma das contribuições, inclusive aquelas aqui chamadas de previdenciárias e para a seguridade social, fossem individualmente analisadas.

Corro o risco da generalização para lhes apresentar um panorama geral do que considero uma injustiça com o direito previdenciário.

A palavra derrogar foi utilizada no sentido de retirar a aplicação de parte de uma norma a uma determinada matéria. Não se trata, pois, da perda da validade do próprio dispositivo para outras questões.

Excetua-se quando se menciona a doutrina que considera o CTN revogador da LOPS, onde haja conflito. Ela considera que o CTN passou a ser aplicado às contribuições e como ilação a LOPS, que só regia as contribuições previdenciárias, deixou de ter qualquer aplicação, a isto equivalendo a sua revogação tácita. Conseqüentemente, norma nova que expressamente declarasse que a LOPS ainda vigorava, restauraria a sua validade, repristinando-a.

A diferença entre a perda da validade e retirada da aplicação é sentida nos efeitos de cada uma. Um destes efeitos é que a norma sem aplicação em virtude de norma posterior poderá novamente disciplinar a matéria quando a posterior for revogada, sem necessidade de se falar em repristinação. Ao revés, a norma que perdeu a validade só voltará ao mundo jurídico se outra norma expressamente assim declarar.

Entendemos que o termo assim utilizado torna o texto mais compreensível, vez que ele é comumente usado e a diferenciação entre perda da validade e retirada da aplicação é tão filosófico quanto complicado.

O único prejuízo que poderia acarretar seria a eliminação do embate entre a recepção de normas que perderam a validade e normas que tiveram sua aplicação retirada. No entanto, este autor acredita que uma nova constituição deve recepcionar ou não as normas no estado em que se encontrem, independente da qualquer diferenciação.


1.INTRODUÇÃO

Com bastante humildade, e não menos coragem e talante, atrevo-me a afirmar que a pacífica teoria firmada tanto na esmagadora maioria da doutrina (tributária) como na jurisprudência pátria de que contribuição previdenciária é tributo está equivocada, ou então, se preferirem, possui interpretação desarmônica e incongruente.

Antes de qualquer coisa, cabe uma reflexão sobre a possibilidade infinita da interpretação humana. Seu limite está na imaginação de cada um. Vamos a um exemplo: podemos afirmar que uma folha de papel é da cor branca porque assim nossos sentidos da visão determinam. Todavia, não se pode considerar errado, ou equivocado, se alguém disser que a folha não é da cor branca, mas sim resultante do reflexo de todas as outras cores. Sua interpretação não é errada, mas não é congruente, nem harmônica com o fato de que todos vemos uma folha branca. É uma interpretação certa, mas desarmônica, que só poderá sobrepujar a outra, se absolutamente justificada.

Para que uma interpretação seja harmônica e congruente, é obrigatório o abandono de qualquer tipo de ponto de vista impropriamente tendencioso. Deve-se tentar abstrair toda a propensão, que naturalmente temos, em solucionar as coisas pelo modo que mais nos agrada, ou pelo caminho mais conhecido e preferido. Não se podem colocar as simpatias pessoais acima da lógica e da congruência. Assim como não se pode determinar com precisão a cor de uma folha de papel, colocando-se sobre ela um facho de luz verde, não se podem analisar as normas de um ramo autônomo do Direito à luz de outro. Mesmo que sobre um saibamos tudo, e que o outro seja tão difícil quanto ignorado.

A incompreensão de uma matéria não pode ser tal que resulte no abandono completo de sua disciplina. A agnição do que seja a cor roxa é o germe para a percepção de que uma folha de papel é, por exemplo, roxa. Roxo não é azul, nem vermelho.

Assim as contribuições previdenciárias não devem ser estudadas à luz do Direito Tributário, elas são institutos próprios de um ramo autônomo do Direito, e, assim, devem ser analisadas.

Aceitar que contribuição previdenciária é tributo, e conseqüentemente aplicar o CTN, tão somente porque alguém gabaritado assim considerou, não é justificativa para uma conclusão desarmônica. Tão pouco é estudar o Direito como ele merece. Pois, acreditem! Foi desta forma que se construiu a idéia de que contribuição previdenciária é tributo. Há mais de trinta anos!

Mas isto é uma outra história. O que pretendemos nesse texto é objetivamente demonstrar, através unicamente de nosso direito positivo, que a Lei Ordinária n.º 5.107/66, denominada de Código Tributário Nacional – CTN, foi derrogado por outra norma de igual hierarquia, posterior e de maior especificidade, além de não ter sido recepcionado por diversas constituições posteriores.

As fundamentações a seguir podem não conseguir modificar a enrijecida definição tributária das contribuições, mas certamente servirão para alertar os leitores de que forma o desconhecimento de leis e o desinteresse por um ramo do Direito alteram e desvirtuam conceitos.


2.NATUREZA OU REGIME JURÍDICO APLICÁVEL?

Qual a importância de defender a natureza tributária das contribuições? Quais os principais efeitos da caracterização das contribuições como um tributo? De certo não é apenas um exercício intelectual. Ou um capricho dos estudiosos. A definição de uma exação como tributo serve, principalmente, para se determinar seu regime jurídico, ou seja, quais princípios e normas a serem aplicados.

O objetivo principal em classificar como tributo parece ser a sujeição ao CTN. No entanto, o simples fato de uma exação ser tributo pode não conduzir ao conseqüente lógico da aplicação do CTN, bem como uma natureza não tributária pode não ser capaz de afastar as regras do mesmo. Hipoteticamente: no primeiro caso, poderíamos imaginar uma nova lei complementar específica do Imposto de Renda (tributo por excelência) afastando a aplicação do CTN; no segundo caso, imagine as contribuições previdenciárias com natureza não tributária, porque assim literalmente posto na Constituição Federal, mas com obediência subsidiária às normas do CTN. Aqui relembramos o leitor da teoria sobre a folha branca: a uma exação tributária será aplicado o CTN (a folha é branca...), exceto se fortes motivos o afastarem (...mas pode ser tomada como a reunião de todas as outras cores); da mesma forma que a uma exação não tributária, pode ser aplicado ou não o CTN.

Então, definir a natureza só leva o estudioso ao meio do caminho. Para completar seu entendimento, ele deve perquirir o sistema no qual as contribuições estão envoltas. Sendo tributo e inexistindo leis, normas, conceitos, definições e princípios próprios, é lícito impor integralmente a doutrina tributária. Do contrário, é necessário que, pelas regras de hermenêutica, incluindo as formas de interpretação e critérios para a solução do conflito no tempo e no espaço, haja uma ponderação entre seu caráter tributário e a doutrina própria da exação, com prevalência desta.

Nesta senda, a resposta do presente tópico há de ser, sempre, ambivalente: deve-se definir tanto a natureza jurídica como o regime jurídico aplicado às contribuições. Por enquanto, nesse texto, uma vez que estamos pondo em dúvida a natureza tributária, falaremos apenas acerca das normas jurídicas aplicáveis às contribuições para a seguridade social, à luz do Direito Positivo.


3.CRITÉRIOS PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS

Os conflitos de leis no tempo podem ser resolvidos pelos critérios hierárquico, cronológico e da especialidade.

O critério hierárquico define que entre normas contraditórias de diferente hierarquia, a norma de escalão mais alto prevalece sobre a inferior.

Para a moderna Teoria do Direito, podemos determinar três grandes escalões diferentes, em ordem de superioridade: Constituição, leis e normas infralegais.

Pelo princípio da lei superior revoga a inferior (lex superior derogat legi inferiori), a norma de nível mais alto tem preferência sobre a norma de nível mais baixo. Portanto, v.g., a constituição prevalece sobre a lei que por sua vez prevalece sobre atos normativos infralegais. Surgindo um conflito de normas de diferentes escalões, deve-se resolvê-lo aplicando a norma de maior hierarquia, em detrimento a norma de escalão mais baixo.

O critério cronológico tem fulcro no princípio de que lei posterior revoga anterior (lex posterior derogat legi priori), preceituando que entre duas normas conflitantes, a mais recente prevalece sobre a anterior.

Tal critério parte do pressuposto de que o legislador, ao tratar o assunto de uma forma diferente, criando norma incompatível com a anterior, quis modificar o sistema jurídico existente.

O critério da especialidade, mais subjetivo de todos, é utilizado quando uma norma traz em seu bojo proposições mais específicas, especiais e detalhadas, a par das disposições gerais (ou também especiais) de outra norma (lex specialis derogat legi generali).

Parte-se do pressuposto que o legislador quis definir, para determinadas situações, conseqüências diferentes, a fim de que sejam atendidas peculiaridades de cada caso.

Podemos citar, como exemplo, no Direito Previdenciário, o processo administrativo que é regido pelas normas constantes nas Leis n.º 8.212/91 e 8.213/91 (leis específicas previdenciárias), sendo o prazo de impugnação de 15 (quinze) dias e obrigatório o depósito em dinheiro de 30% do valor do débito para aceitação do recurso, em detrimento das normas da Lei n.º9.784/99 (trata do processo administrativo em geral) e do Decreto 70.235/72 (trata do processo administrativo fiscal da União), no qual o prazo de impugnação é de 30 dias e poderão ser arrolados bens como garantia.

A separação entre geral e especial é operada pelos processos de hermenêutica. Só através da interpretação se pode definir se várias disposições legais se completam admitindo exceções ou se o legislador objetivou nova normatização.

A situação se complica quando as normas advêm do mesmo ramo do direito, no entanto, facilita-se muito quando as normas antinômicas regulam situações e fatos de diferentes ramos do Direito. Caso o legislador não seja expresso em abranger todas as situações possíveis, deve-se entender sempre que cada norma regula uma matéria. Exemplificando temos: se as normas de Direito Civil ou Comercial conceituam o termo empresa, e as normas de Direito Previdenciário também o conceituam (art.15 da Lei n.º 8.212/91 e art.14 da Lei n.º8.213/91), de forma mais abrangente, deve-se entender que ambas as normas são válidas e aplicáveis no limite de sua atuação. Qualquer alteração no instituto operada no estrito campo do Direito Privado (Livro II do novo Código Civil) não terá o condão de alterar o alcance dado pelo Direito Previdenciário, salvo determinação expressa neste sentido. Da mesma forma, o conceito de salário é dado tanto pelo Direito do Trabalho (art. 457 e 458 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT) como pelo Direito Previdenciário (salário de contribuição previsto no Art.201, §11 da Constituição Federal de 1988, combinado com o art.28, incisos e parágrafos, da Lei n.º8.212/91), e qualquer alteração da abrangência do instituto no Direito do Trabalho (art.2º da Lei n.º10.243/01) não altera automaticamente sua definição previdenciária.

Estes são os critérios aceitos para a solução de antinomias de leis. Quando duas normas, igualmente válidas apresentarem disposições antagônicas, conflitantes, o aplicador do Direito deve verificar a cronologia, a hierarquia e a especificidade de ambas, a fim de que ao final possa revogar ou derrogar uma delas e orientar-se pela outra.


4.A LEI N.º5.172/66 – CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL

Em 25 de outubro de 1966, foi aprovada a Lei Ordinária n.º5.172, com vigência a partir de 01 de janeiro de 1967. O Ato Complementar n.º36 de 13/03/67 denominou-a de "Código Tributário Nacional" - CTN.

Em sua ementa podemos verificar qual seria o campo de aplicação desta lei: "Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, aos Estados e aos Municípios". A própria divisão que a lei nos apresenta revela que a sua atuação se daria apenas nestas duas matérias: Livro Primeiro – SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL e Livro Segundo – NORMAS GERAIS DE DIREITO TRIBUTÁRIO. O mesmo pode ser observado também em seu art.1º.

Como conseqüente lógico, todas as receitas do Estado que fossem tributos deveriam obedecer, a partir de 01 de janeiro de 1967, ao CTN. Incluso todas as contribuições, sociais, de melhoria ou previdenciárias, se fossem consideradas tributos à época da edição da lei.

Então, um dos problemas a ser enfrentado para deslindar o campo de atuação da lei passaria necessariamente pela definição de tributo e/ou de suas espécies. O art.3º tratou da definição e o art.5º delimitou as espécies. As contribuições previdenciárias se encaixam na primeira, mas, de forma alguma, na segunda. Elas são prestações pecuniárias compulsórias, não constituem sanção de ato ilícito, são instituídas em lei e são cobradas mediante atividade administrativa vinculada. No entanto, não se identificam, nem por aproximação, com os impostos, taxas ou contribuições de melhoria. Imposto é o tributo independente de qualquer atividade estatal relativa ao contribuinte (art.16). Não há como existir contribuição previdenciária sem a correspondente contraprestação do Estado em benefícios previdenciários, sob pena de o tributo, de contribuição, só ter o nome. É da essência da previdência a correlação custeio-benefício. E esta contraprestação não é serviço público específico e divisível, e nem, de longe, exercício do poder de polícia (art.77). Pagamento de benefício não é serviço. Os que assim pensam, correm o risco de tributar os empréstimos bancários com o ISS ou com o ICMS (???). Ou ainda, considerar que o empregado presta serviço subordinado e o empregador presta serviço pagando o salário. Acredito não ser a melhor opção. Ainda que receoso, creio ser dispensável a comparação com contribuição de melhoria (art.81).

Restariam ao aplicador duas mais prováveis soluções: considerar as contribuições previdenciárias insertas no genérico conceito de tributo dado pelo art.3º do CTN, fazendo tábua rasa de seu art.5º, bem como da enumeração dada pelo art.1º da Emenda Constitucional - EC n.º18 de 01/12/65, na qual se fundamentou todo o CTN. Registre-se que não há no CTN qualquer definição ou mesmo parte exclusiva destinada às contribuições previdenciárias, tal qual há para os impostos (título III), para as taxas (título IV) e para as contribuições de melhoria (título V). A própria EC n.º18/65 também é divida em impostos (capítulo II), taxas (capítulo III) e contribuição de melhoria (capítulo IV).

A segunda solução leva em consideração uma interpretação sistemática do Sistema Tributário Nacional da época. Partindo-se do art.1º da EC n.º18/65, que foi regulado (art.1º do CTN) pelo art.5º do CTN, chega-se à conclusão que os tributos seriam apenas os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria, com as definições dadas, respectivamente, nos art.16, 77 e 81. Qualquer exação instituída, qualquer receita do Estado, que se ajustasse ao conceito de tributo (art.3º) E não estivesse prevista na Constituição de 1946, haveria de ser tributo e sua natureza (imposto, taxa ou contribuição de melhoria) seria dada pela regra do art.4º do CTN. Todas as outras exações previstas na CF de 1946 não eram tributos e, a princípio, não deveriam obediência às normas do CTN.

Ainda que fosse admitida como plausível a conclusão de que contribuição previdenciária era tributo à época do CTN, outro complexo problema se apresentaria. O CTN, conforme letra do próprio, é norma geral. As contribuições previdenciárias eram regidas, na época, por lei federal própria, especial, a Lei n.º3.807/60 – LOPS. E, conforme doutrina do art.2º, §2º da Lei de Introdução do Código Civil, norma geral não revoga nem modifica a norma especial.

Assim verificamos que o CTN teria como campo de aplicação os tributos, assim definidos em seu art.5º, findo o período de vacatio legis (01 de janeiro de 1967).

A importância de voltamos no tempo tem como objetivo demonstrar aos leitores que, conforme nosso Direito Positivo Legislado pelos órgãos competentes, o CTN nunca deveria ter sido aplicado às contribuições previdenciárias, além de evidenciar uma certa semelhança com os dias atuais.


5.O INCÓGNITO DECRETO-LEI N.º 72/66

Até 25/10/1966, não havia dúvidas de que as contribuições previdenciárias eram disciplinadas pela Lei Ordinária n.º3.807 de 26 de agosto de 1960, intitulada de Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS, que vigeu até a publicação da Lei Ordinária n.º8.212 de 24 de junho de 1991.

Entretanto, alguns anos após o surgimento do CTN, a Suprema Corte pôs em dúvida se realmente a LOPS continuaria regendo as contribuições previdenciárias, ou se ela tinha sido derrogada.

Data máxima vênia, além de corroborar com a precária tese já exposta de que o CTN seria aplicável às contribuições sociais, a Alta Corte se olvidou da existência do art.45 do Decreto n.º72/66.

Antes da LOPS, existia um sem número de Institutos e Caixas de aposentadorias. Muitos deles tinham regulamentação e legislação próprias. Indistintamente, cobravam-se dos seus segurados e do público em geral inúmeras exações a título de quotas de previdenciária para custear os mais diversos benefícios.

Neste cenário, surge a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS) consolidando as normas, revogando boa parte da legislação anterior e padronizando as fontes de custeio e os tipos de benefícios. Todavia, algumas normas sobre administração, cobrança e fiscalização das exações, restaram inalteradas.

Com tamanha variedade de entidades e regulamentações acerca destas matérias, certamente a LOPS teria o mesmo fim de seu precedente o Decreto-lei n.º7.526/45, e, novamente, a legislação previdenciária seria fragmentada.

Apercebendo-se disto, foi editado em 21 de novembro de 1966 (26 dias após a publicação do CTN e antes dele entrar em vigor) o Decreto-lei n.º 72/66 que reestruturou completamente a Previdência Social, extinguindo todos os Institutos de Aposentadoria e Pensão, unificando-os no ora criado Instituto Nacional da Previdência Social – INPS.

O Decreto-lei n.º72/66 bastante inovou o Direito Previdenciário. Criou o INPS, entidade autárquica vinculada ao então Ministério do Trabalho e Previdência Social e representante do sistema geral de previdência social. Extinguiu a personalidade jurídica dos Institutos de Aposentadoria e Pensões. Determinou a destinação do produto arrecadado das denominadas quotas de previdência. Definiu o processo administrativo previdenciário.

E, ao final, enterrou qualquer possibilidade da aplicação do CTN às contribuições previdenciárias, preceituando, in verbis:

"Art. 45. Ficam mantidas as disposições da Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960, que não contrariem o disposto neste decreto-lei e revogam-se quaisquer outras disposições em contrário".

O dispositivo é de clareza meridiana. Parece até mesmo uma resposta ao CTN: a LOPS continuaria valendo, mantendo-se a aplicação de TODOS os seus dispositivos às contribuições previdenciárias, desde que não contrariassem o Decreto-lei n.º72/66. Também revogou qualquer esperança de aplicação de normas estranhas ao Direito Previdenciário, incluso as do CTN. Estariam estas, nos dizeres da lei, revogadas.

Assim, para aqueles que ainda se inclinavam para a derrogação da LOPS pelo CTN, não haveria outra solução, senão aceitar a evidente repristinação expressa de todas as disposições da LOPS e revogação das normas em contrário, inclusive as do CTN.


6.A ESPECIALIZAÇÃO DA LOPS

Outra marginalizada, mas não menos importante norma sobre a legislação previdenciária foi o Decreto-lei n.º73, também de 21 de novembro de 1966, que até hoje se aplica às operações de seguro privado. Seu art.3º, parágrafo único, está assim redigido:

"Art 3º (...)

Parágrafo único. Ficam excluídos das disposições dêste Decreto-lei os seguros do âmbito da Previdência Social, regidos pela legislação especial pertinente."

Regidos pela legislação especial pertinente significa dizer que a LOPS, não derrogada pelo CTN ou repristinada pelo Decreto 72/66, por reger os seguros no âmbito da Previdência Social, é legislação especial. Se havia dúvidas quanto a sua especialização, todas foram aluídas com a revelação operada pelo decreto-lei em questão.

A LOPS sempre foi norma com disposições especiais regente do seguro social no âmbito da Previdência Social, assim entendido como o conjunto de relações onde as pessoas exercedoras de certas atividades, bem como aquelas que voluntariamente aderem ao sistema, estão cobertas contra riscos socialmente relevantes e têm direito ao recebimento de benefícios previdenciários, a serem custeados por contribuições próprias, particularmente arrecadadas pelo Estado para esta finalidade. Abrangia, portanto, tanto o custeio – contribuições previdenciárias – como os benefícios – aposentadorias, pensões, auxílios, etc.

De revés, o próprio CTN se intitula norma com disposições gerais. Assim, conforme interpretação dada pelas próprias leis: o CTN é norma geral de Direito Tributário e a LOPS era norma especial de Direito Previdenciário.


7.APLICAÇÃO DOS CRITÉRIOS PARA ADEQUAÇÃO DAS NORMAS

Com o surgimento do CTN, apresentou-se a possibilidade de conflito aparente de normas entre o CTN e a LOPS, a ser solucionado pelos critérios para equacionar antinomias, aceitos pela doutrina e positivado em nosso Direito nas regras do art.2º da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro (Decreto-lei n.º4.657/42).

Os critérios, conforme anteriormente explicado (tópico 3), são: hierárquico, cronológico e da especialidade.

Conforme a utilização dos critérios e o número de soluções possível, as antinomias dividem-se em de primeiro grau e de segundo grau.

Dá-se a antinomia de primeiro grau quando da utilização dos critérios de solução de conflitos, resulta em apenas uma solução. Ou seja, entre as normas antinômicas há variação de apenas um critério, ou das variações dos outros critérios resulta a mesma solução.

Já as antinomias de segundo grau apresentam soluções difíceis uma vez que, da utilização dos critérios acima, diversas conclusões, igualmente válidas, se apresentam. Cada uma das normas conflitantes possui prevalência em um dos critérios e, de acordo com a escolha do critério prevalente, a norma respectiva predominará.

O critério da hierarquia não se presta para resolver a contenda, uma vez que todas as normas são de igual nível.

A LOPS é norma especial diante do CTN, que por sua vez é posterior. Assim, apresenta-se um conflito de normas de segundo grau, onde, dependendo-se do critério utilizado, da especialidade ou cronológico, haveria de ser aplicado a LOPS ou o CTN, respectivamente.

Contudo, deve-se recordar que, triunfando o CTN, a LOPS em suas disposições conflitantes restaria revogada, resultando não só do abandono dos já citados art.1º da EC n.º18/65 e art.5º do CTN, como também da regra de superdireito do art.2º, §2º da Lei de Introdução ao Código Civil, que estabelece a não modificação da lei mais antiga, quando a lei posterior estabeleça disposições gerais a par das já existentes. Ao revés, triunfando a LOPS, todos dispositivos seriam atendidos e respeitados.

Após a edição do Decreto-lei n.º72/66, a situação se reverteu. Desapareceu a antinomia de segundo grau, para surgir uma singela antinomia de primeiro grau, de diferentes ramos do Direito e com dois critérios indicando solução única. A LOPS, que já era especial, renascia na letra do decreto-lei, tornando-se posterior ao CTN. Ambos critérios, da especialidade e cronológico, determinavam agora a subjugação do CTN.

Como conclusão temos que, por ser de mesma hierarquia, posterior e especial ao CTN (prevalência de dois critérios: cronológico e da especialidade), após 21 de novembro de 1966, independentemente de se caracterizar sua natureza, as normas aplicáveis às contribuições previdenciárias eram as presentes na Lei n.º3.807 de 26 de agosto de 1960 – Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), repristinada pelo art.45 do Decreto-lei n.º72 de 21 de novembro de 1966, e apenas, subsidiariamente, naquilo que não lhe fosse contrário, devia-se aplicar a Lei n.º5.172 de 25 de outubro de 1966 (CTN).

Qualquer outra solução deveria ser harmônica e coerentemente apresentada, e não, imposta.


8.AS NORMAS CONSTITUCIONAIS POSTERIORES

Outros acontecimentos iriam complicar a hermenêutica da aplicação da LOPS versus CTN.

Primeiramente, surge uma nova ordem jurídica com a promulgação da Constituição de 24 de janeiro de 1967. A inaugurada ordem constitucional regrando o Sistema Tributário Nacional dispunha que a "Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos de competência tributária entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder tributário".(Art 19, § 1º). Uma parte da recém aprovada Lei Ordinária n.º 5.172/66 seria recepcionada como Lei Complementar, e a partir de então qualquer modificação deveria ser operada por norma de igual espécie.

A mesma embrionária Carta Magna quis que o regime aplicado às contribuições previdenciárias, em sua totalidade, não fosse disciplinado por lei complementar, mas sim da seguinte forma:

"TÍTULO III

Da Ordem Econômica e Social[...]

Art 158 - A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social:[...]

XVI - previdência social, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, para seguro-desemprego, proteção da maternidade e, nos casos de doença, velhice, invalidez e morte; [...]

§ 2º - A parte da União no custeio dos encargos a que se refere o nº XVI deste artigo será atendida mediante dotação orçamentária, ou com o produto de contribuições de previdência arrecadadas, com caráter geral, na forma da lei." (grifei)

Da leitura destes dispositivos não poderia haver dúvida. A Constituição da República de 1967 recepcionou a Lei n.º 3.807/66, e toda a legislação correlata, como Lei Ordinária, determinando que os seus termos fossem obedecidos pelos operadores do Direito.

Uma vez que o CTN foi recepcionado como lei complementar aplicável aos tributos e a LOPS foi recepcionada como lei ordinária aplicável à Previdência Social, cumpre deduzir, por exclusão, que o CTN não foi recepcionado como norma aplicável às contribuições previdenciárias. Corroborando este entendimento, acrescente-se que a posição geográfica constitucional das normas que disciplinavam a Previdência Social não era a mesma das normas referentes ao Sistema Tributário Nacional (Capítulo V do Título I). Elas estavam localizadas bem distantes, lá no título "Da Ordem Econômica e Social" (Título III). E não nos olvidemos: este argumento é, até hoje, o pilar da doutrina determinante da natureza tributária das contribuições previdenciárias.

A tumultuada vida política da época não deixou o Direito Brasileiro em "mar de almirante". Sob a denominação de Emenda Constitucional n.º01 de 1º de outubro de 1969, o golpe de 1964 refez nossa lei fundamental, reescrevendo-a.

A nova Constituição de 1969 trouxe interessantes modificações. O status do CTN restou inalterado, uma vez que a regra do art.19, §1º da antiga foi repetida quase que totalmente no art.18, §1º da nova Carta.

Quanto às contribuições para a previdência social, a mesma redação do caput do art.158 anterior foi repetida no art.165 da nova Carta. A principal mudança foi o acréscimo do seguinte dispositivo ao capítulo do Sistema Tributário Nacional:

"Art. 21. Compete à União instituir impôsto sobre:[...]

§ 2º A União pode instituir:

I - contribuições, nos têrmos do item I dêste artigo, tendo em vista intervenção no domínio econômico e o interêsse da previdência social ou de categorias profissionais; e[...]"

O grande desacerto cometido durante aquela época foi vislumbrar no inciso I acima a atribuição de competência para instituição de todas as contribuições previdenciárias. Desacerto que até hoje influencia a interpretação da Carta atual.

Contribuições tendo em vista o interesse da previdência social não englobavam todas as exações previdenciárias. De forma alguma. Pela análise das mudanças nas Constituições anteriores e do histórico do custeio de previdência social, que não caberiam nos limites deste texto, o preceito acima abrangia somente as imposições pecuniárias instituídas pela União para financiar SUA PARTE no custeio dos benefícios.

Assim é que, para as contribuições previdenciárias propriamente ditas, excluindo-se desta conclusão as quotas de previdência, que custeavam a participação da União, a nova ordem constitucional, nenhuma modificação operou quanto à aplicação das normas. A Carta de 1969 recepcionou a LOPS tal qual a de 1967, como lei ordinária aplicável às contribuições previdenciárias, excluindo, por dedução, a aplicação direta do CTN, então recepcionada como complementar, que continuou sendo aplicado apenas aos tributos.

A próxima significativa norma seria a promulgação da Emenda Constitucional n.º8 de 14 de abril de 1977, que deu nova redação ao art.21, §2, inciso I da CF de 1969, in verbis:

"I - contribuições, observada a faculdade prevista no item I deste artigo, tendo em vista intervenção no domínio econômico ou interesse de categorias profissionais e para atender diretamente à parte da União no custeio dos encargos da previdência social".

Esta EC foi uma resposta do constituinte a equivocada interpretação da jurisprudência que, usurpando a função legislativa, modificou os dizeres constitucionais, a fim de incluir na redação original do art.21, §2, inciso I da CF de 1969 todas as contribuições previdenciárias.

Corrigiu-se aquilo que foi distorcido, contribuições no interesse da previdência social significam, tão somente, as participações da União no custeio da Previdência.

Assim, chegamos a 04 de outubro de 1988 com o seguinte panorama:

O CTN, em sua origem, não tinha aplicação às contribuições previdenciárias, e para os reticentes, foi derrogado pelo Decreto-lei n.º72/66, que repristinou completamente a LOPS. Não foi recepcionado pela CF de 1967, que, elevando-o à condição de Lei Complementar, mandou que fosse aplicado aos impostos, taxas e contribuição de melhoria. Também não foi recepcionado pela CF de 1969 como norma previdenciária, vez que a redação da doutrina das contribuições previdenciárias não sofreram alteração. Para os que ainda duvidavam, a EC n.º08/77 fulminou qualquer esperança do CTN reger diretamente o custeio da Previdência Social. A LOPS restaria incólume desde o seu nascedouro e, na véspera da Carta de 1988, tendo sido recepcionada por duas ordens constitucionais, regia por completo à Previdência Social,


9.A ATUAL CARTA

Chegamos ao clímax de nosso assunto: o CTN teria sido recepcionado como norma de Direito Previdenciário, no tocante ao custeio, pela CF de 1988, ou a LOPS sobreviveria a sua terceira provação?

Deixaremos de abordar neste já extenso texto três importantes pontos para o deslinde da questão por entender que são assuntos de demasiada complexidade, merecedores de atenção não cabível nos estreitos espaços de um tópico. São eles: o não englobamento de todas as contribuições para a Seguridade Social na menção feita pelo art.149 da CF de 1988 às contribuições sociais, a verdadeira natureza das contribuições para a Seguridade Social e a impossibilidade de recepção de norma sem aplicação. Assim é que, seguindo a rota da matéria abordada, tentaremos nos manter na esfera de abrangência da teoria para solução de antinomias, compreendendo tanto os critérios para solução de conflitos como a hermenêutica.

A influência do espírito democrático impôs a promulgação da terceira ordem constitucional do período: a Constituição da República Federativa do Brasil de 5 de outubro de 1988. Surge novamente a controvérsia de qual norma deveria ser aplicada às contribuições sociais: CTN versus LOPS.

A avançada Lei Fundamental de 1988 modificou o Sistema Tributário Nacional e incorporou o conceito de seguridade social, abrangendo a previdência social, a saúde e a assistência social. As contribuições, que antes custeavam apenas os benefícios previdenciários, passariam a custear também a saúde e a assistência social.

À semelhança do que ocorreu com a CF de 1969, que possuía dois artigos geograficamente separados tratando acerca das contribuições, a CF de 1988 nos apresenta os art.149 e 195, situados em diferentes Títulos, a indicar o regime jurídico aplicável.

Por ser menos controverso, vamos primeiro à redação original do art.195:

"Art. 195.  A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I - dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;

II - dos trabalhadores;

III - sobre a receita de concursos de prognósticos.

§ 1º  As receitas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União.

§ 2º  A proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos.

§ 3º  A pessoa jurídica em débito com o sistema da seguridade social, como estabelecido em lei, não poderá contratar com o poder público nem dele receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

§ 4º  A lei poderá instituir outras fontes destinadas a garantir a manutenção ou expansão da seguridade social, obedecido o disposto no art. 154, I.

§ 5º  Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.

§ 6º  As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, b.

§ 7º  São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei.

§ 8º  O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei."(grifei)

Também são importantes para entendermos a recepção da LOPS, os artigos:

"Art. 201.  Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: (...)

§ 2º  É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios definidos em lei.(...)

§ 4º  Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e conseqüente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei.(...)

Art. 202.  É assegurada aposentadoria, nos termos da lei, calculando-se o benefício sobre a média dos trinta e seis últimos salários de contribuição, corrigidos monetariamente mês a mês, e comprovada a regularidade dos reajustes dos salários de contribuição de modo a preservar seus valores reais e obedecidas as seguintes condições:" (grifei)

Da leitura destes dispositivos é fácil entendermos que pelo menos quase toda a LOPS foi recepcionada como lei ordinária aplicável à Seguridade Social. A parte que trata dos benefícios foi recepcionada pelo art.201 e 202; a parte do custeio, pelo art.195. Não há, EM PARTE ALGUMA, qualquer referência ao disciplinamento por lei complementar, e menos ainda, por lei complementar tributária. Mais uma vez, a LOPS, como lei especial previdenciária, predominava sobre o CTN, lei geral tributária.

O mal redigido art.149 foi, e continua sendo, o âmago de toda a confusão e desacerto no entendimento das contribuições para a seguridade social. Vamos a redação original do indigitado artigo:

"Art. 149.  Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo"

Sem embargos de discordarmos da teoria de que o termo contribuições sociais se refere a todas as contribuições, apreciaremos a redação do artigo.

Diz o art.149 que as exações nele citadas competem exclusivamente à União e devem observar o disposto no art.146, III. Neste momento, é só isto que interessa. Não será questionada a aplicação dos princípios da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade, nem a abrangência do dispositivo.

Por sua vez preceitua o art.146, III:

"Art. 146.  Cabe à lei complementar: [...]

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas."

Continuando com a nossa análise por exclusão de matérias incontroversas, podemos afirmar que a segunda parte da alínea "a", ainda que o art.149 assim não exclua, não se aplica às contribuições. Seus fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes não necessitam ser previstos em lei complementar, tal qual deve ser para os impostos discriminados nesta Constituição. A LOPS ainda vingava!

Obedecendo à ordem do artigo e colocando em termos de oração corrida temos que: as contribuições devem observar o disposto em lei complementar quanto à definição de tributos e de suas espécies (primeira parte da alínea "a"). Isto, atualmente, é regulado pelos art.3º e 5º do CTN, ambos analisados no tópico 4, o qual remetemos o leitor.

Portanto, em concreto, as contribuições devem observar que elas não são espécies de tributo, conforme exclusão da própria norma que as define, sem embargos de se adaptarem ao elástico conceito de tributo.

Surge agora um conflito de interpretação, uma vez que a Constituição remete à lei complementar a definição do conceito de tributo e discriminação de suas espécies. A lei complementar, por sua vez, conceitua tributo e arrola apenas três espécies. O conceito de tributo é incaracterístico, abrangendo vários tipos de obrigação não tributária e atribuindo elemento não presente em vários tributos. No primeiro caso, podemos citar os seguros obrigatórios de veículo automotor, FGTS, auxílio doença nos primeiros 15 dias, pedágio, os foros de terreno de marinha, empréstimos compulsórios, preços e tarifas públicas, férias e 13º salário dos empregados, tudo é prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lêi.

O fato destas obrigações não serem cobradas mediante atividade administrativa plenamente vinculada não pode ser argumentado em favor do conceito de tributo, uma vez que é justamente este elemento que não está presente na maioria dos impostos (tributo por excelência) lançados por homologação, nem na contribuição previdenciária cobrada pela justiça do trabalho. Em resumo, o conceito de tributo dado pelo art.3º do CTN não serve para delimitar o campo de aplicação da lei complementar que versa sobre normas gerais de direito tributário.

Por sua vez, a interpretação que premia a discriminação das espécies tributárias como delimitadora do campo de aplicação do CTN está respaldada em um critério objetivo: o CTN é aplicado aos impostos, taxas e contribuição de melhoria. Estes estão perfeitamente definidos nos art.16, 77 e 81, respectivamente. Também leva em consideração o art.4º, inciso II, no momento em que exclui da aplicação direta do CTN, as exações cuja destinação legal do produto arrecadado define suas naturezas jurídicas, além de não abandonar completamente o impreciso conceito de tributo do art.3º, que serviria apenas para indicar o que tributo não é e como deve ser pago e cobrado.

Nesta senda, prefiro esta interpretação àquela, visto que apresenta menos incongruências do que a anterior e afirmo que a própria lei complementar que dispõe sobre normas gerias em matéria tributária não determina sua aplicação direta às exações que não sejam impostos, taxas e contribuição de melhoria.

Quebrando temporariamente o raciocínio e dando seguimento à análise do artigo 146 da CF de 1988, verificamos que a Carta preceitua que as contribuições deverão observar a lei complementar que estabeleça normas sobre obrigação, lançamento, crédito, prescrição, decadência tributários e adequado tratamento tributário ao ato cooperado.

O que fazer, então, diante da referência cruzada, na qual a Constituição dá competência à lei complementar em determinar qual serão as espécies de tributo e esta exclui de sua aplicação exações que, conforme a própria Constituição, deveriam observar os seus mandamentos? Especialmente para as contribuições para a seguridade social apresentamos a seguinte solução:

Abstratamente, lei complementar que trate de normas gerais de direito tributário poderá, conforme determinação da Constituição, definir quais serão as espécies tributárias, incluindo nestas todas as contribuições. Assim agindo, não restaria outra solução a não ser aplicar a referida norma a todas elas. Caso ela não inclua alguma, deverão ser pesquisadas as normas especiais que versem sobre a exação. Não havendo dispositivo na constituição que autorize a regulamentação por lei ordinária, as matérias referentes a obrigação, lançamento, crédito, prescrição, decadência e tratamento ao ato cooperado devem ser regulados por lei complementar específica.

Em concreto, o CTN, lei ordinária na origem, dentre os seus preceitos, estabelece normas gerais em matéria tributária, no entanto não inclui entre as espécies de tributo as contribuições para a seguridade social, e, conseqüentemente, não possui aplicação, devendo ser pesquisadas outras normas que versem sobre a matéria. Em se tratando de contribuições para a seguridade social, previstas no art.195 da CF de 1988, o caput deste artigo preceitua que lei ordinária determine a forma como a seguridade social será financiada, permitindo assim que aquela espécie de norma regule por inteiro às exações, inclusive quanto aos assuntos das alíneas "b" e "c" do art.146 da CF de 1988. Para as demais contribuições que não estejam autorizadas pela carta a terem disciplina em lei ordinária, os mesmos assuntos deverão ser regrados por lei complementar especial.

Não percam o rumo! Estamos explicando a recepção do CTN pela CF de 1988.

As normas anteriores a atual Carta deveriam ser recepcionadas conforme ensinamentos supra, por isto o CTN, lei ordinária na origem e que não tinha aplicação a qualquer contribuição previdenciária, foi recepcionada como lei complementar nas matérias do art.146 da CF para os tributos que elenca em seu art.5º: impostos, taxas e contribuição de melhoria. A LOPS foi recepcionada como lei ordinária no tocante as contribuições para a seguridade social do art.195 da CF de 1988, inclusive quanto às matérias do art.146.

O CTN não foi recepcionado como norma de direito previdenciário, uma vez que ele já estava derrogado e nunca foi aplicado às contribuições. Também não houve, por parte da Carta de 1988, repristinação expressa da Lei n.º5.172/66 – CTN, como há para outras normas (v.g. art.239 da CF e art 56 da ADCT).

A vigorosa LOPS resistiria a sua terceira provação.

Aceitar a doutrina tributária e desconsiderar a LOPS, sem ao menos elaborar uma teoria sobre a sua não recepção, é partir do meio de caminho, onde, possivelmente, alguma bifurcação deste tão modificado Direito Previdenciário conduziria a resultado diverso.

Ignorar que, desde 1966, o CTN havia sido derrogado, ou suas normas restavam sem aplicação às contribuições securitárias, é atentar contra princípios de superdireito já consagrados nas leis.

Portanto, a partir de 05 de outubro de 1988, ao custeio e aos benefícios da previdência social, agora ampliada para o conceito de Seguridade Social, deveriam ser aplicadas as normas da LOPS, conforme redação de seus artigos vigente naquela data.


10.ENFIM, A LOPS SUCUMBIU!

Após mais de trinta anos sofrendo os percalços de reger nosso tão mutável Direito Previdenciário, a LOPS finalmente foi tacitamente revogada em 21 de julho de 1991, quando então, suas substitutas, as Leis n.º8.212 e 8.213 foram publicadas.

Estas leis não revogaram expressamente a LOPS, mas ao disporem inteiramente sobre a mesma matéria e atendendo a parte final do §1º do art.2º da Lei de Introdução ao Código Civil, deve-se considerar que a LOPS foi revogada.

Entra em cena mais um elemento complicador, agora a antinomia de norma se daria entre o CTN, a LOPS e suas substitutas.

Novamente peço escusa por não discorrer sobre tão relevante tema, mas o assunto do presente texto é tão somente a derrogação do CTN e sua não recepção como norma de Direito Previdenciário pelas constituições do período.

A peleja entre CTNxLOPSx8212x8213 não será objeto do presente texto dado o seu injustificável, porém inevitável, tamanho.


11.CONCLUSÃO

Não se está pretendendo debater agora a natureza tributária das contribuições para a seguridade social. Por momento, basta que se entenda porque o CTN não deveria ter aplicação direta no tocante às contribuições, sejam tributos ou não.

Para isto não se pode partir do meio de caminho! A CF de 1988 não é ponto de partida para o estudo da previdência social ou de seu custeio. Tão pouco, é o CTN a mola mestra que impulsiona a legitimidade de todas exações.

Não podemos aceitar a forçosa modernidade que os doutrinadores tributaristas insistem em nos empurrar goela abaixo. O CTN não surgiu com a Carta de 1988. Ele é da época da LOPS. Um pouco mais novo, mas tão velho quanto ela. Ele data de 1966 e toda a sua vida pregressa deve ser cuidadosamente estudada.

Os que pensam que, para se definir a natureza tributária e o regime jurídico das contribuições para a seguridade social, basta que se analise a CF de 1988 e o CTN, utilizam-se de conceitos metajurídicos estranhos ao Direito ou estão se esquecendo que existe um ramo do Direito que se chama Direito Previdenciário, tão autônomo quanto o Direito Tributário. Em qualquer ensinamento de direito previdenciário, as contribuições serão necessariamente abordadas, posto que o custeio e os benefícios são os pilares deste Direito. O mesmo não ocorre no direito tributário. Pode-se ministrar um curso inteiro, sem que se mencione a palavra contribuição. Sabem porquê? Porque muito antes de ser tributo, contribuição para a seguridade social é forma de custeio dos benefícios.

Até começar a estudar a natureza e o regime jurídico aplicável às contribuições, acreditava que a divisão do Direito fosse unicamente didática. Não o é. A divisão também pode estabelecer a forma pela qual será interpretada uma norma.

No caso em questão, revelou-se que o estudo das contribuições para a seguridade social por uma visão tributária estranha ao direito previdenciário resultou no passado em conseqüências desastrosas. Leis foram ignoradas e esquecidas.

Não estamos tratando apenas do passado, a tendência tributarista perpetuou-se no tempo e até hoje influencia a interpretação da norma fundamental.

Os tributaristas erram ao tratar as contribuições para seguridade social por uma visão estritamente tributária. Isto deve ser cambiado, sob pena de se prejudicar aqueles que se procura proteger: os contribuintes. Há mister de um maior interesse pela seguridade social, através do conhecimento de sua história, suas leis, seus regulamentos, seus princípios e suas finalidades. Tarefa das mais árduas no Brasil, no entanto, não menos gratificante. Sem este conhecimento, não se pode afirmar que contribuições são tributos e nem que o CTN é sua disciplina.

Para entendermos o motivo pelo qual o CTN nunca se aplicou às contribuições previdenciárias, é indispensável seguir os seguintes passos:

a)O ponto de partida deve ser o perfeito conhecimento da LOPS;

b)Após isto deve ser feita uma análise da época do surgimento do CTN, quanto ao permissivo constitucional posto na EC n.º18/65 e quanto ao seu restrito campo de atuação aos impostos, taxas e contribuição de melhoria;

c)Empregar os critérios para a solução de antinomias de normas, para enfim determinar que entre o CTN e a LOPS existia uma antinomia de segundo grau, sendo a melhor interpretação aquela que privilegia a especialidade, em detrimento da cronologia.

d)Revelar a existência do art.45 do Decreto-lei n.º 72/66, repristinando expressamente toda a LOPS, principalmente para aqueles que a consideravam derrogada, e transformando a antinomia de segundo em primeiro grau, de diferentes ramos do Direito;

e)Entender a especialização revelada pelo art.2º, parágrafo único do Decreto-lei n.º73/66.

f)Analisar as Constituições de 1967 e 1969 e a Emenda Constitucional n.8/77, verificando que, em nenhuma delas houve a recepção do CTN como norma previdenciária.

g)Chegando, enfim, a 05 de outubro de 1988, com a perfeita compreensão do motivo pelo qual o CTN não é norma de direito previdenciário e nunca se aplicou diretamente a suas contribuições.

h)Pensar sobre os artigos da Carta de 1988 que tratem das, então, contribuições para a seguridade social, e concluir pela primazia da interpretação que menos modifique a literalidade das normas, menos acarrete antinomias, menos despreze dispositivos vigentes, menos faça prevalecer ramo do Direito estranho ao assunto, menos ignore regras de superdireito consagradas, enfim que seja mais harmônica e congruente. Tarefa só alcançável, usando-se do direito previdenciário ou do tributário em preferência a qualquer outro, quando a matéria versar sobre seu campo de atuação.

i)Como conclusão final, chegaremos ao desfecho de que o CTN nunca se aplicou às contribuições previdenciárias. Estas sempre foram regidas pela LOPS, que nasceu em 1960, ressurgiu em 1966, ultrapassou três ordens constitucionais novas, para enfim, sucumbir a Lei n.º8.212/91, que, então, passou a disciplinar a seguridade social.

As literalidades nos indicam que a folha de papel é roxa, mas se devidamente explicada e justificada, desde que sobre ela não paire foco de luz de uma só cor e se entenda o que é a cor roxa, poder-se-ia aceitar outras argumentações.

Também não podemos cometer o mesmo erro dos tributaristas e desprezar por completo o CTN. Não! Não olhemos o direito previdenciário por uma visão estritamente previdenciária. O direito é dividido, mas é uno. Não é paradoxal, é lógico e prático. O CTN, como norma de direito que se aproxima da cobrança das exações que se denominam de contribuições, não deve ser abandonado. Apenas sua utilização se dará DEPOIS DE esgotada toda a disciplina previdenciária, SUBSIDIARIAMENTE.

Desta forma sim, estaremos entendendo o Direito como ele merece.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAGALHÃES, Rafael. Contribuições previdenciárias não são tributos. O CTN foi derrogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 101, 12 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4250. Acesso em: 25 abr. 2024.