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Teoria geral de sistemas no poder legislativo

Teoria geral de sistemas no poder legislativo

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Este trabalho objetiva discutir a importância e a aplicação da Teoria Geral de Sistemas no Poder Legislativo, com ênfase nas relações e o comportamento entre as partes do sistema.

A teoria geral de sistemas possui um grande significado, haja vista a necessidade de se avaliar as organizações de forma global e não apenas em setores ou partes.

A TGS não se limita ao estudo das instituições em si, mas envolve as relações entre estas e os fenômenos decorrentes de sua formação, além da sua configuração presente. Analisa os princípios comuns a todas as entidades complexas e os modelos que podem ser utilizados.

Também tem por fim tornar compreensível o conceito e o entendimento do funcionamento dos sistemas, bem como o mecanismo e a importância das relações, internas e externas, buscando não apenas soluções práticas, mas produzir teorias e formulações conceituais.

A Teoria Geral de Sistemas surgiu com o biólogo austríaco Ludwig von Bertalanffy, entre as décadas de 1930 e 1950, tendo alcançado seu auge na década de 50. (ALVAREZ, 1990).

A TGS, por Bertalanffy, surgiu como teoria explicativa do Poder Legislativo, tendo como principal objetivo oferecer alternativas teóricas e metodológicas, para a compreensão do campo em questão, sem pretensão de exauri-lo, mas sim, de abrir novas perspectivas de discussão e aperfeiçoamento teórico (PERLIN, G.D.B).

Outros autores, no âmbito internacional, utilizaram-se da teoria geral de sistemas como mecanismos de regulação ao comportamento político. A literatura aponta David Easton como a pessoa que inaugurou a utilização da análise sistêmica na Ciência Política, aplicando conceitos chave desta teoria, como estabilidade, feedback, mecanismos de regulação, entre outros, ao comportamento político. 

A TGS tem como foco a análise das instituições através de modelos sistêmicos, sendo imprescindível a compreensão do conceito de sistemas.

O Sistema é um conjunto de partes interagentes e interdependentes, que, conjuntamente, formam um modelo unitário com determinado objetivo e efetuam determinada função (OLIVEIRA, 2002, p.35).      

Sistema pode ser definido como um conjunto de elementos interdependentes que interagem com objetivos comuns formando um todo, e onde cada um dos elementos componentes comporta-se, por sua vez, como um sistema cujo resultado é maior do que o resultado que as unidades poderiam ter se funcionassem independentemente. Qualquer conjunto de partes unidas entre si pode ser considerado um sistema, desde que as relações entre as partes e o comportamento do todo sejam o foco de atenção (ALVAREZ, 1990, p.17).

A partir desta compreensão podemos entender o Poder Legislativo, quanto à sua natureza, como um sistema vivo, que mantém um continuo intercâmbio de informações com o ambiente.  

A teoria sistêmica é capaz de perceber o Legislativo como um sistema através da observação das relações complexas e dinâmicas entre os elementos que o compõem e suas interações (PERLIN, G.D.B).

Dessa forma, ao analisar o Sistema Legislativo através da TGS podemos concluir que são as relações ali estabelecidas que se tornam o ponto central da teoria, ao mesmo tempo em que propiciam vitalidade e aplicabilidade a ela, podendo surgir elementos ou propriedades que não estavam presentes isoladamente. A ênfase desloca-se do elemento para as relações que se estabelecem com outros elementos ou sistemas.

Identificando o Legislativo como um sistema aberto, onde os padrões relacionais assumem importância superior, e tendo-se por premissa a finalidade constitucionalmente definida do parlamento, abre-se uma perspectiva inovadora para o estudo do fenômeno e para o desenvolvimento da própria instituição. Esta análise é realizada, principalmente, através do procedimento analítico, cujo objetivo é a investigação da ciência clássica para o acesso e a compreensão dos fenômenos. 

O fato de o Parlamento ser um sistema aberto, cujas relações internas e externas interferem diretamente em sua estabilidade, e consequentemente produzem mudanças, torna-o extremamente interessante de ser analisado sob a ótica da TGS.

Segundo a TGS, um sistema aberto como o Legislativo parte de um estado inicial de instabilidade tendendo para um estado de organização e estabilidade. Para Bertalanffy, o mecanismo de manutenção da estabilidade dinâmica, também chamado de homeostase dinâmica, é afetado por duas forças concomitantes: a tentativa de manutenção do equilíbrio e a tentativa de desequilibrar o sistema com vistas ao seu desenvolvimento.

A normatização do Poder Legislativo é composta por regras explícitas e outras tácitas. No parlamento brasileiro muitas vezes o conjunto de normas é utilizado para manter o equilíbrio, como também para desequilibrar o sistema. O que pode ser considerado um desvio no objetivo precípuo das normas regimentais.

Quando ocorre curso do desvio de comportamento nas relações entre em componentes do sistema, a ponto de desestabilizá-lo e colocá-lo em risco, alguns mecanismos regulatórios são acionados. Estes mecanismos podem ser invocados no próprio regimento interno da Casa, como também podem ser baseados na Constituição Federal, ou mesmo, em último recurso, buscando-se uma resposta na Suprema Corte.

Com base nestas observações que a TGS nos possibilita compreender, podemos aplicá-la em um caso concreto ocorrido recentemente no cenário político da Câmara dos Deputados.

Um acontecimento que permite entender mudanças no comportamento dos elementos do sistema, bem como analisar sua estabilidade, foi a votação da Proposta de Emenda a Constituição n.º 171/1993, que ocorreu no plenário da Câmara dos Deputados.

O primeiro turno da votação da PEC 171/1993, que tem como escopo a diminuição da maioridade penal de dezoito para dezesseis anos, resultou no placar de 303 votos favoráveis e 184 votos contrários à proposição, quando o quorum qualificado exigia ao menos 308 votos favoráveis.

Um dia após a votação do substitutivo apresentado pelo deputado Relator, proporcionou-se nova votação da matéria, ainda em primeiro turno, utilizando-se de mecanismos regimentais (cuja legitimidade não debateremos neste trabalho) para submeter à nova apreciação dos deputados. Desta vez, obteve-se resultado favorável: a PEC foi aprovada com 323 votos favoráveis à redução da maioridade penal.

Não é nossa intenção entrar no mérito do evento que foi noticiado pela mídia como “pedalada regimental”, mas sim analisar os mecanismos utilizados pelos membros do sistema através de suas relações.

A articulação política foi exitosa justamente porque houve uma modificação na interação entre os elementos. Uma maior proximidade e interferência de elementos centrais do Sistema permitiu que os demais autores reconsiderassem sua posição inicial.

Através deste exemplo a TGS pode ser utilizada para nos permitir entender como um cenário político de grande importância foi modificado através de interferência direta nas relações entre os membros do sistema, com o intuito de modificar um resultado.

Não se trata apenas de utilizar de normais regimentais para modificar o resultado da votação da matéria, e sim da articulação política que ocorreu, através do estreitamente das relações entre os elementos centrais, capaz de fazer com que um mesmo parlamentar mudasse seu voto em menos de 24 horas após declará-lo oficialmente na votação da matéria.

A TGS demonstra que o foco é o todo constituído de relações, e não das partes em si, tendo neste caso pouca efetividade a análise do comportamento dos parlamentares, e sim as relações estabelecidas. E foi justamente a articulação política exercida nas relações entre os membros que permitiu a alteração do resultado da votação da PEC 171.

Ocorre que a mudança retratada encontrou terreno favorável devido à crise política atual. A flexibilização e a alteração no comportamento dos membros do sistema, que permitiu mudanças na interpretação ou aplicação de suas normais formais e informais, foi ocasionada por uma crise entre os Poderes Legislativo e Executivo. O exemplo dado é apenas uma demonstração de como as mudanças nas relações internas entre os elementos geraram adaptações para obter êxitos imediatos e questionáveis. 

Questionáveis porque foi necessário utilizar-se de mecanismos reguladores externos junto ao Supremo Tribunal Federal para verificar se os meios utilizados estão dentro das Normais dispostas pela Carta Magna.

O constitucionalista Raul Machado Horta já havia identificado esse fenômeno asseverando que “quando as relações entre Executivo e Legislativo são movediças e muitas vezes críticas”, e sem que haja composição plenária do Parlamento uma maioria firme para nenhum dos lados disputa, o processo legislativo se torna “polêmico e contraditório, reclamando desenvolvidas normas de composição de conflitos”. (HORTA, 2002, p.519).

Não cremos que seria precipitado concluir que o sistema legislativo brasileiro encontra-se desestabilizado, o que segundo a TGS pode vir a acarretar uma mudança qualitativa do Sistema. Para Bertalanffy, “o status quo possui prazo de validade em qualquer sistema aberto”.

Nesta ótica a Teoria Geral de Sistemas busca compreender as relações estabelecidas entre os membros do Parlamento (instituição) através de suas relações internas e externas e a partir de então oferecer novas compreensões e perspectivas aos fenômenos políticos, cuja finalidade é o aprimoramento das instituições.  

Conclusão

Na abordagem da TGS o ponto de partida para entender os fenômenos atuais é utilizar o procedimento analítico (decomposição dos fenômenos em elementos ou unidades menores ou mais simples e básicas) como principal método de investigação e compreensão. A leitura da TGS propicia uma análise atual e objetiva do momento vivido através dos padrões sistêmicos.

Assim, a TGS não busca solucionar problemas ou apresentar soluções práticas, mas sim produzir teorias e formulações conceituais que possam criar condições de aplicação na realidade empírica, demonstrando que todo sistema tem uma finalidade, um propósito, e que sua estabilidade é sinal de saúde para a teoria sistêmica. 


Autor

  • Thais Angelica Gouveia

    Advogada especialista em Direito Constitucional e Ciências penais e mestranda em processo legislativo. <br>Trabalho no Poder Legislativo analisando e assessorando parlamentares nos diversos temas que são discutidos e votados diariamente no Congresso Nacional.

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