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Dispensa e inexigibilidade de licitação

Dispensa e inexigibilidade de licitação

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O presente artigo objetiva a clara explanação sobre as hipóteses de dispensa de licitação.

Introdução

O presente trabalho terá por objetivo abordar à definição de diretrizes gerais e o estabelecimento de procedimentos legais necessários à composição dos processos de dispensa e inexigibilidade de licitação. 

O instituto da Dispensa de Licitação tem provocado polêmicas quando é invocado pelos órgãos licitadores, obrigados ao cumprimento das disposições insertas na LEI Nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Aliás, não só tem causado controvérsias, escândalos que a mídia revela, bem assim inquéritos, sindicâncias, demissões de funcionários públicos de alto e baixo escalão que, por ignorância ou má fé, pretendem usar e abusar do instituto logo que a “necessidade” se faz presente.

A lei é translúcida e não permite equívocos, apontando as hipóteses em que a dispensa pode e deve ser exercitada, não permitindo interpretações ampliadas para se eximirem da obrigatoriedade de licitar. Além disso, a doutrina derredor do tema é riquíssima. Assim, o Art. 24, I (Redação dada pela Lei nº 9.648, de 27.5.98) usque XXIV, Parágrafo Único, elenca os casos em que a licitação é dispensável. Entretanto, nunca é ocioso dizer que, não raras vezes, o inciso IV do Art. 24, é chamado à pêlo, indevida e propositadamente, servindo-se, o intérprete de má fé, dos vocábulos emergência e urgência, naquele inciso insertos, para encobrir um mal planejamento ou uma programação à-toa da Administração.

Da Licitação

A licitação, prevista no artigo 37, XXI da CF, pode ser entendida como um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a proposta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na ideia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir.

A licitação pressupõe, como regra, duas fases fundamentais: uma, a da demonstração de tais atributos, chamada habilitação, e outra concernente à apuração da melhor proposta, que é o julgamento. Pode conceituar-se licitação da seguinte maneira: é o procedimento administrativo pelo qual uma pessoa governamental, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou uso exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente, convoca interessados na apresentação de propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados.

A licitação visa alcançar o duplo objetivo: proporcionar às entidades governamentais possibilidades de realizarem o negócio mais vantajoso e assegurar aos administrados ensejo de disputarem a participação nos negócios que as pessoas governamentais pretendem realizar com os particulares. Atendem-se três exigências públicas impostergáveis: proteção aos interesses públicos e recursos governamentais ao se procurar a oferta mais satisfatória; respeito aos princípios da isonomia e impessoalidade (previstos nos artigos 5 e 37, caput) pela abertura de disputa do certame; e, finalmente, obediência aos reclamos de probidade administrativa, imposta pelos artigos 37, caput, e 85, V, da CF.

A competência para legislar sobre licitação assiste às quatro ordens de pessoas jurídicas de capacidade política, isto é: União, Estados, Municípios e Distrito Federal. Entretanto, compete à União editar normas gerais sobre licitação, conforme prescreve o artigo 22, XXVII, da CF. As demais pessoas políticas poderão ter legislação específica para si própria, porém, devem obedecer às normas gerais editadas pela União. Na órbita federal a matéria é regida pela lei 8666, de 21.06.1993, que também é veiculadora das normas gerais obrigatórias em todo o país.

 Licitação Dispensada

As hipóteses de ocorrência de licitação dispensada estão dispostas in verbis no art. 17, incs. I e II da Lei n°. 8.666/93, que se apresentam por meio de uma lista que possui caráter exaustivo, não havendo como o administrador criar outras figuras:

"Art. 17.  A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:

I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

    a) dação em pagamento;

    b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo;

    c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei;

    d) investidura;

    e) venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo;

    f) alienação, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de interesse social, por órgãos ou entidades da administração pública especificamente criados para esse fim;

    II - quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos:

    a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência sócio-econômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação;

    b) permuta, permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública;

    c) venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsa, observada a legislação específica;

    d) venda de títulos, na forma da legislação pertinente;

    e) venda de bens produzidos ou comercializados por órgãos ou entidades da Administração Pública, em virtude de suas finalidades;

    f) venda de materiais e equipamentos para outros órgãos ou entidades da Administração Pública, sem utilização previsível por quem deles dispõe."  (grifos meus)

Pelo dispositivo acima transcrito, verificamos que as principais hipóteses de licitação dispensada estão voltadas para os institutos da dação em pagamento, da doação, da permuta, da investidura, da alienação de alguns itens, da concessão do direito real de uso, da locação e da permissão de uso.

Além desses incisos, o art. 17 apresenta, ainda, o § 2o., que dispõe sobre a possibilidade de licitação dispensada quando a Administração conceder direito real de uso de bens imóveis, e esse uso se destinar a outro órgão ou entidade da Administração Pública.

Essas figuras têm como característica a impossibilidade de se obter um procedimento competitivo, pois em alguns casos, inclusive, já se tem o destinatário certo do bem, como por exemplo, na dação em pagamento.

Por fim, um fator importante a ser considerado na aplicação desse permissivo, é que qualquer alienação, tanto de bens móveis, quanto de bens imóveis, deve ser precedida de uma avaliação prévia da Administração, com a definição de um valor mínimo, para fim de orientar os procedimentos, sem ferir o interesse público.

Inexigibilidade de Licitação 

A Licitação Inexigível, estabelecida no art. 25 da Lei 8.666, que assim estabelece:

Art. 25 – É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

I – para aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;

II – para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;

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A seu turno, o art. 13 desta mesma lei, assim estabelece:

Art. 13 - Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:

 I – estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos;

 II – pareceres, perícias e avaliações em geral;

III – assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; (redação deste inciso determinada pela Lei n. 8.883, de 08.06.1994)

IV – fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços;

V – patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas;

VI – treinamento e aperfeiçoamento de pessoal;

VII – restauração de obras de arte e bens de valor histórico;

VII – (vetado)

§ 1° Ressalvados os casos de inexigibilidade de licitação, os contratos para a prestação de serviços técnicos profissionais especializados deverão, preferencialmente, ser celebrados mediante a realização de concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração.

§ 2° Aos serviços técnicos previstos neste artigo aplica-se, no que couber, o disposto no art. 111 desta Lei.

§ 3° A empresa de prestação de serviços técnicos especializados que apresente relação de integrantes de seu corpo técnico emprocedimento licitatório ou como elemento de justificação de dispensa ou inexigibilidade de licitação, ficará obrigada a garantir que os referidos integrantes realizem pessoal e diretamente os serviços objeto do contrato.

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III – para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

§ Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações,organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

§ Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa,se comprovado superfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à Fazenda Pública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável, sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.

Percebemos que inexigibilidade, no sentido literal do termo, é aquilo que deixa de ser exigível, que não é obrigatório ou compulsório. Jessé Torres Pereira Junior afirma que "licitação inexigível equivale a licitação impossível; é inexigível porque impossível; é impossível porque não há como promover-se a competição".

Em regra exige-se a licitação, com vistas a obter a proposta mais vantajosa dentro de um universo de competidores, ou seja, quando a Administração visa a aquisição de um bem ou a contratação de um determinado serviço, irá pesquisar no mercado empresas que atenderão a sua necessidade. A aquisição de equipamentos, como por exemplo, computadores, poderá ser feita por meio de fornecedores múltiplos que comercializam esse tipo de produto. Fabricantes, distribuidores, revendedores e outros tipos de estabelecimento comercial, poderão fornecer à Administração os computadores, desde que atendidos os pré-requisitos documentais e as especificações dos equipamentos.

Portanto, nota-se claramente que o computador é um produto comercializado por um universo amplo de empresas, fato este que justifica a abertura de um procedimento licitatório. Neste caso, a concorrência obriga a realização do certame para a obtenção da melhor proposta, dentro das regras estabelecidas que guardam a isonomia entre os competidores. A regra, neste caso, é licitar, pois a escolha de um determinado fornecedor sem o devido procedimento licitatório, favorecendo apenas um dentre muitos, quebrando o equilíbrio da competição e ferindo frontalmente o princípio da isonomia.

Entretanto, quando a Administração necessita adquirir um bem ou contratar um determinado serviço, que possui características especiais e especificações ímpares, que apenas um fabricante ou fornecedor possua, torna-se impossível a realização de licitação, pois o universo de competidores se restringe apenas a um único participante. A regra de licitar para se obter a proposta mais vantajosa dentro de um universo de fornecedores, dá lugar à sua exceção de não licitar, pois o objeto assume uma característica de tamanha singularidade que se torna impossível realizar uma competição, em razão de que apenas um fornecedor possui o objeto almejado pela Administração.

A compra de um aparelho para prever as condições climáticas, com características que só poderão ser atendidas por uma determinada empresa, pois apenas ela detém a tecnologia para a sua fabricação, justificam a contratação direta por inexigibilidade de licitação. Há, contudo, que se comprovar a necessidade da utilização daquele bem, sob pena de estar a Administração direcionando a contratação e favorecendo determinado produtor.

Portanto, quando houver inviabilidade de competição, em razão do bem ou serviço possuir singularidade de fornecimento, desde que, devidamente comprovada sua exclusividade, a contratação direta poderá ser efetivada.

Observando os dispositivos legais a respeito da Inexigibilidade de Licitação acima mencionados, percebemos que a análise superficial da exclusividade de fornecimento de determinado bem ou prestação de serviço não basta para comprovar a contratação por inexigibilidade de licitação. Para justificar a contratação direta, deverão ser atendidos os seguintes requisitos:

1) Justificativa da solicitação: a Administração, ao solicitar a aquisição do bem, deverá comprovar que sua utilização é indispensável à execução de seus serviços, vedada qualquer preferência de marca ou fabricante. Apenas aquele bem ou produto específico irá satisfazer as necessidades da Administração.

Como afirma Celso Antonio Bandeira De Mello, (MELLO, 2003, p. 500-502): "Só se licitam bens homogêneos, intercambiáveis, equivalentes. Não se licitam coisas desiguais."

Por conseguinte, mesmo que existam bens e serviços diversos, mas apenas um deles com características que o diferencia dos demais, estará configurada a inviabilidade de competição.

2) O produto deverá ser único e o fornecedor exclusivo: O inciso I do artigo 25 dispõe: "para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo...". Um produto deve ser havido como singular quando nele interferir um componente, estilo, capacidade ou qualidade de quem o produz. É o que ocorre quando os conhecimentos científicos, tecnologia, organização e experiência do produtor influem diretamente no produto, impregnando sua específica individualidade e habilitação pessoal.

Assim, não basta que o produto seja singular, mas também que o fornecedor seja único. Assim, um software ou equipamento sem similares no mercado, produzido por empresa que os comercializa, mas também os distribui para um ou vários representantes, deixa de ser exclusivo.

Conclusão

Diante o exposto ao longo da realização do presente trabalho, verifica-se que essas figuras (dispensa e inexigibilidade) têm como característica a impossibilidade de se obter um procedimento competitivo, pois em alguns casos, inclusive, já se tem o destinatário certo do bem, como por exemplo, na dação em pagamento.

Por fim, um fator importante a ser considerado na aplicação desses permissivos, é que qualquer alienação, tanto de bens móveis, quanto de bens imóveis, deve ser precedida de uma avaliação prévia da Administração, com a definição de um valor mínimo, para fim de orientar os procedimentos, sem ferir o interesse público.

Referências Bibliográficas

  1. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001;
  2. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003;
  3. VAZ, Anderson Rosa. Requisitos para a contratação de serviços advocatícios com base em inexigibilidade de licitação. BLC - Boletim de Licitações e Contratos. São Paulo: Editora NDJ, fev. 2004, p. 98; e
  4. FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Contratação direta sem licitação: modalidades, dispensa e inexigibilidade de licitação. 5. ed. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2000.


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