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Ainda sobre obrigação e crédito tributário

resposta a Tácio Lacerda Gama

Ainda sobre obrigação e crédito tributário: resposta a Tácio Lacerda Gama

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Nossa tarefa, mais uma vez, é analisar as refutações feitas por um discípulo de Paulo de Barros Carvalho às minhas críticas, tratando a teoria carvalhiana como discurso com pretensões científicas, e não sacralizado e monológico.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Direito, linguagem e método – 3. Incidência e aplicação das normas jurídicas – 4. "Criação de normas" como processo de positivação e como processo de interpretação – 5. Ato de cumprimento como modalidade de norma geral e concreta que documenta o "pagamento" – 7. Normas individuais e concretas nos "deveres instrumentais" – 8. Sujeitos competentes para editar normas individuais e concretas – 9. A publicidade da norma individual e concreta – 10. Direito e efetividade – 11. Últimos esclarecimentos.

"O direito existe para se realizar. A realização do direito é a vida e a verdade do direito; ela é o próprio direito. O que não passa à realidade, o que não existe senão nas leis e sobre o papel, não é mais do que um fantasma de direito, não são senão palavras. Ao contrário, o que se realiza como direito é o direito..." (IHERING, Rudolph von. L''Esprit du droit romain, trad. franc., III, 16; apud A. Casteinha Neves. Metodologoa jurídica: problemas fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, p. 25).


1. Introdução.

Temos enfatizado a necessidade do diálogo para a construção do conhecimento científico. O diálogo como abertura ao entendimento, em que as pretensões de validade de cada proposição são postas em jogo, sob o crivo da argumentação, entre actantes livres e abertos sinceramente ao entendimento. Sem diálogo não há ciência, porque as proposições que um sujeito venha de emitir não podem ser refutadas no processo de verificação de sua pertinência. No monólogo não há ouvinte, ou quando o há, é ele passivo, inerte, dessubstancializando a sua individualidade, comportando-se como um theorós, assistindo a um espetáculo sagrado [1]. A sacralidade das proposições quebra o diálogo, inibe o conhecimento científico, porque implica a passividade do ouvinte, seu assujeitamento ao dito, como dogmatização dos pontos de partida. Ante a fala do oráculo, há dois caminhos apenas: a adesão ou a rejeição. A adesão pressupõe a fé impudica no dito, a impossibilidade do questionamento diante da autoridade do oráculo, que fala de modo infalível. A fé pressupõe a infalibilidade e a adesão integral. Numa só palavra: a inquestionabilidade.

Dissemos que só há ciência no diálogo, na busca sincera de entendimento. Uma das formas mais sutis de fugir ao diálogo é impossibilitar o entendimento através de um discurso hermético, cerrado nele mesmo, em que a cada questionamento de suas proposições se oponha justamente o fato de não as ter compreendido o interlocutor. Proposições assim são inverificáveis, porque resvalam para o sacro, o poético, o alquímico. Escapam à obrigação de fundamentar, condição indispensável ao diálogo. Não por outra razão, Habermas, criticando a desconstrução de Derrida e a linguagem cifrada de Heidegger, assevera que as afirmações assim construídas fogem para o esotérico ou para a fusão do lógico com o retórico, de modo que "... em todos esses casos produz-se sempre uma simbiose de incompatibilidades, um amálgama que resiste, em seu núcleo, à análise científica ‘normal’. O obstáculo é apenas deslocado para um outro local, quando trocamos o sistema de referência e não tratamos mais aqueles discursos como ciência ou filosofia, mas como literatura.". E abespinhado, arremata: "... quando a argumentação já está perdida, permitem sempre recorrer a um último argumento: que o oponente entendeu mal o sentido do jogo de linguagem no seu todo, que em seu modo de responder cometeu um erro categorial" [2]. É dizer, torna-se impossível submeter as proposições a um teste de falseabilidade, porque os seus críticos ou interlocutores não as compreendem, entendem mal etc.

Na ciência jurídica, como não poderia deixar de ser, ocorre o mesmo, ainda mais pelas dificuldades de estabelecer com clareza o seu objeto de estudo. Não por essa razão, bastas vezes o discurso jurídico é monológico, com a construção de teorias fechadas em si mesmas, herméticas, encasteladas no recurso retórico do sistema de referência, que seria incomunicável com outros sistemas de referências, de modo que as suas proposições fiquem a salvo de qualquer verificação de consistência ou refutação. Alfredo Augusto Becker, com sua percepção e verve acurada, forte nas lições de Jean Guitton, chamava a atenção para a sacralização do discurso jurídico, afirmando que "Muitos juristas pensam que suas conclusões serão tanto mais verossímeis quanto mais difícil de se compreender for a linguagem e que se deveriam empregar termos difíceis e legíveis apenas pelo privilegiado círculo de iniciados. É verdade que a obscuridade da linguagem produz um efeito quase religioso. Entretanto, nada assegura que uma página obscura tenha a profundidade por acréscimo. A obscuridade intelectual de um homem é uma impotência, embora os fatos provem que ela é adorada por certos homens os quais escolhem aquele intelecto obscuro para sacerdote de uma religião que tem sua raiz precisamente numa fragilidade. E aquele homem de intelecto confuso e impotente torna-se profeta, adquire prestígio, discípulos e igreja" [3]. A sacralização do discurso da ciência jurídica, desse modo, é obstáculo intransponível ao diálogo, porque as proposições construídas por aquele discurso já não são mais ciência, porém religião secularizada ou ciência sacralizada.

Levar a sério uma teoria implica em duvidar dos seus postulados, colocando-os sob o crivo de um teste de falseabilidade. É pela verificação da pertinência explicativa de sua base empírica que estabelecemos o diálogo, em que a pretensão de verdade das proposições é chamada a se fundamentar por meio da argumentação sincera e aberta. Quando Tácio Lacerda Gama [4] buscou enfrentar as críticas teóricas que fiz ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho, partiu justamente do pressuposto de que o crítico não havia compreendido a teoria carvalhiana, ou que teria confundido as suas premissas e quejandos. Pior: assevera que se fez crítica às conclusões sem que se analisassem os fundamentos, desconsiderando retoricamente as longas análises que fiz dos fundamentos da teoria carvalhiana, hoje compiladas e ampliadas em livro [5]. Noutras palavras, sacralizou o discurso da teoria carvalhiana, imunizando-o contra qualquer crítica, colocando-o a salvo de qualquer refutação. Se há crítica, é porque houve incompreensão [6], ou porque se refletiu pouco e sem vagar sobre o método proposto [7], ou porque se realizam falácias de ambigüidade [8], ou mesmo por inconformismo [9], ou ainda por equívoco [10].

Nossa tarefa aqui, mais uma vez, é analisar as refutações feitas por um discípulo de Paulo de Barros Carvalho às minhas críticas, tratando a teoria carvalhiana como discurso com pretensões científicas, e não como discurso sacralizado e monológico. Com isso, ingressamos no plano habermasiano do discurso, em que os interlocutores põem à margem qualquer autoridade ou meio de coação, abrindo-se fraternal e sinceramente ao diálogo. Aqui não se pode validamente invocar oráculos, vertidos através de profetas credenciados. O discurso se desdogmatiza e se abre ao contradiscurso.


2. Direito, linguagem e método.

O sujeito analisa o objeto, sob os mais facetados ângulos, podendo eleger um, ou alguns, como centro do seu interesse, colocando entre parêntesis o resto. O objeto é o todo, posto seja global, complexo e multidimensional. O todo objetal pode ser dividido metodicamente em várias e finitas partes. O todo não se reduz às partes, nem elas àquele, de modo que as propriedades ou qualidades do todo, enquanto todo objetal, não são encontradas nas partes – se elas estiverem isoladas umas das outras, ainda que o isolamento seja apenas metódico, para fins cognitivos. Isolar a parte do todo implica perder de vista a qualidade multidimensional do todo, ou seja, as suas múltiplas dimensões (biológicas, sociais, psíquicas, afetivas etc.).

O todo, posto que é global e multidimensional, é complexo. Complexo, como ensina Edgar Morin [11], significa o que foi tecido junto. De fato, diz-nos Morin, "... há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico), e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto do conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade" [12]. Quando nos aproximamos do Direito, tomando-o como objeto, vemo-lo como parte do todo social, psíquico, econômico, histórico, cultural etc., nada obstante seja ele, também, decomponível em múltiplas partes, que poderemos, apenas por método, reduzi-las a três: fato, valor e norma. Posso, ao decompor o todo em partes, dar prevalência ao estudo apenas das normas jurídicas, ou apenas dos fatos relevantes para o direito (sub specie normae), ou ainda circunscrito à dimensão axiológica. Essas partes, nada obstante possam ser tematizadas, estudadas isoladamente através de um processo de especialização, não se despregam de suas relações dialéticas entre si e delas com o todo objetal. Porque formam elas o complexo que é o Direito, aquilo que está tecido junto. A fragmentação em parcelas dissolve o conhecimento conseqüente do objeto, ou seja, do todo. Nas palavras de Morin, "O conhecimento especializado é uma forma particular de abstração. A especialização ‘abs-trai’, em outras palavras, extrai um objeto de seu contexto e de seu conjunto, introduz o objeto no setor conceptual abstrato que é o da disciplina compartimentada, cujas fronteiras fragmentam arbitrariamente a sistematicidade (relação da parte com o todo) e a multidimensionalidade dos fenômenos..." [13]. Noutras palavras, a hiperespecialização provoca um autofechamento e um alheamento do todo, sem permitir a sua integração na problemática global ou na concepção de conjunto do qual ela só considera uma espécie ou uma parte.

Como denuncia Morin, até meados do século XX, a maioria das ciências era construída sob o princípio da redução, que limitava o conhecimento do todo ao conhecimento de suas partes, "... como se a organização do todo não produzisse qualidades ou propriedades novas em relação às partes consideradas isoladamente" [14]. A especialização significou a fragmentação do objeto, a idolatria da redução de complexidades, a abstração excessiva e a formalização compulsiva. Cortam-se as partes do todo, privilegiando o parcial, o unidimensional, reduzindo os problemas a pedaços estanques. Por isso, diz candentemente Morin: "Como nossa educação nos ensinou a separar, compartimentar, isolar e, não, a unir os conhecimentos, o conjunto desses constitui um quebra-cabeças ininteligível" [15]. Quando, por exemplo, reduzimos o Direito às normas jurídicas, parcializamos o todo, mutilando a racionalidade do objeto. Quando radicalizamos o processo de parcialização e reduzimos o Direito às normas jurídicas escritas e documentais, expedidas pela autoridade competente, fazemos uma hiperespecialização, reduzindo-o em complexidade de tal forma e em tal intensidade, que já não podemos vê-lo, nem com lupa potente, porque privado de sua multidimensionalidade e globalidade. O Direito passa a ser apenas um pedaço de papel com tinta esparramada, desumanizado, sem musculatura e sem alma.

Essa compartimentalização é decantada por Tácio Lacerda Gama, que assevera: "Segundo o pensamento do Prof. Paulo de Barros Carvalho, antes de empreender um estudo, deve-se definir o que se pretende estudar. Donde se pode concluir que quem quer, a um só tempo, investigar um pouco de tudo, acaba por não conhecer nada. Daí a imperiosa necessidade de delimitar o objeto de estudos uniforme, homogêneo, passível de ser compreendido por uma só metodologia. Por isso, e só por isso, adota-se o conceito restrito de direito positivo como conjunto de normas positivadas em determinadas circunstâncias de espaço e de tempo...". E arremata: "Pode-se, então, afirmar que definir o objeto ‘direito’ nesses moldes é estratégia metodológica de redução de complexidades. Em meio às muitas facetas do fenômeno normativo, o estudioso volta as suas atenções para o dado jurídico (norma), abstraindo todos os demais fenômenos que não possuam tal natureza. Construir o sentido das normas jurídicas será a atividade primordial do jurista. A ele cabe analisar a linguagem do direito positivo. Além ou fora dele, não se pode falar em fatos jurídicos em sentido estrito, tampouco em relações jurídicas" [16]. Portanto, a própria teoria carvalhiana tem a exata percepção de que a sua opção metodológica é redutora, decompondo o todo em partes, incisivamente limitando-o à linguagem escrita, competente e documental. Todavia, essa visão redutora não limita a reflexão jurídica a uma parte que compõe o todo objetal: na verdade, suprime o todo, tomando a parte pelo todo. A norma jurídica não seria uma parte do direito: seria, na teoria carvalhiana, todo o direito. Tudo o mais (as outras partes) seria objeto integral de outros saberes, sem relevo para a ciência jurídica. Em uma palavra: o direito é reduzido a um formalismo exacerbado ou a um logicismo formalista [17].

Na verdade, como assere Morin, "O parcelamento e a compartimentação dos saberes impedem apreender ‘o que está tecido juntos’". E segue: "Não deveria o novo século se emancipar do controle da racionalidade mutilada e mutiladora, a fim de que a mente humana pudesse, enfim, controlá-la?". Concluindo, então: "Trata-se de entender o pensamento que separa e que reduz, no lugar do pensamento que distingue e une. Não se trata de abandonar o conhecimento das partes pelo conhecimento das totalidades, nem da análise pela síntese; é preciso conjugá-las" [18]. Noutras palavras, ainda que se estude e analise as partes, não se pode seccioná-las do todo, mutilando o objeto estudado. O pôr entre parêntesis de Husserl não significa o cortar em fatias, como se o sujeito pudesse ser o açougueiro do objeto, mutilando-o em partes autônomas e independentes. Conjugam-se a análise das partes e a síntese do todo: o conhecimento não prescinde da complexidade, da conjugação do que "está tecido junto". Reduzir complexidades não é criar novo objeto, globalizando e totalizando o que é apenas parcial e fragmentário. No dizer lapidar de Miguel Reale: "... tudo está em se saber distinguir sem separar" [19]. Aqui reside a grande limitação metodológica da teoria carvalhiana, que suprime do direito os fatos e os valores, bem como a linguagem que não seja a escrita e documental, emitida por autoridade competente.

Toda a análise que fizemos até agora é ainda insuficiente para demonstrar as limitações do reducionismo da teoria carvalhiana. De fato, quando procedemos à análise do todo (objeto), estávamos pressupondo sempre a relação sujeito-objeto, nos moldes das teorias do conhecimento construídas com assento subjetivista. Como é cediço, durante a história do conhecimento humano, a verdade sempre foi vista como correspondência entre as representações do sujeito cognoscente e as coisas conhecidas. Plantão, Aristóteles, Santo Agostinho, São Tomás de Aquino, Hume, Russell, Carnap, primeiro Wittgenstein etc., em que pese as diversas escolas e correntes de pensamento, tomavam a verdade como correspondência, chegando aos extremos da abordagem da filosofia analítica da linguagem, de haver por científica apenas as proposições protocolares (Schlick, Carnap) ou atômicas (Wittgenstein), que empiricamente pudessem ser comprovadas. De outra banda, seguindo as pegadas de Descartes (Kant entre eles), não faltaram os que vissem a verdade como adequação do sujeito do pensamento ao objeto pensado. O objeto mesmo ficou do lado de fora do conhecimento, como nomenon, sendo a verdade uma propriedade exclusivamente mental e, portanto, eminentemente subjetiva. O sujeito passou, sobretudo em Kant, a construir o objeto através de suas representações, do poder nomotético do espírito.

Entretanto, ambas as concepções, com suas inúmeras vertentes, tomam o sujeito como apto a conhecer, per se, o objeto, desvinculando-o do mundo da vida. Toma-se o sujeito e o objeto transcendentalmente, para além da experiência, do sujeito e do objeto aqui e agora, hic et nunc.

O giro lingüístico não consistiu, como muitos pensam e repetem acriticamente, em trazer para a filosofia as preocupações com o estudo da linguagem. Tampouco em fazê-la o único labor do filósofo e do cientista - como procede a teoria carvalhiana em relação ao direito -, mas sobretudo em trazer o outro para o diálogo que somos nós como seres situados. A filosofia analítica, por exemplo, concentrou seus esforços em estudar a estrutura da linguagem, contribuindo decisivamente para a inovação da lógica com a sua formalização simbólica. Porém, o paradigma teórico era o mesmo da relação sujeito-objeto.

O que o giro lingüístico introduz de novidade na filosofia é justamente a percepção de que o conhecimento e a linguagem têm sentido apenas no diálogo, e que a relação sujeito-objeto não pode ser vista apenas limitada a essa díade, sendo triádica, sujeito-objeto-comunidade. Manfredo Araújo de Oliveira traz preciosa lição sobre o tema: "O pressuposto básico dessa concepção é de que a linguagem se radica num acordo prévio a respeito de um sistema de normas e convenções sociais. Insiste-se, portanto, aqui, acima de tudo, no caráter prático e intersubjetivo da linguagem humana. A linguagem passa a ser entendida, em primeiro lugar, como ação e mais precisamente como ação social, que, por essa razão, não pode ser explicada como produto de um único sujeito. Ela é a mediação necessária no processo intersubjetivo de comunicação de tal modo que o ponto de referência de toda a filosofia é, agora, a comunidade de sujeitos em interação, sua práxis comum, realizada de acordo com regras determinadas e originadas a partir do uso das palavras nas comunidades específicas" [20]. Assim, o giro lingüístico se dá com a inflexão da filosofia para o estudo da linguagem como mediadora e constitutiva do conhecimento intersubjetivamente válido. O sujeito e o objeto se relacionam na comunicação com os outros partícipes do discurso.

Aqui radica um outro ponto importante da crítica que tenho feito à teoria carvalhiana. É que ela não apenas reduz o direito à norma jurídica escrita, como reduz também a construção de sentido do texto legal, que seria para ela o máximo labor do jurista, a uma atividade eminentemente subjetiva (individual). A redução de complexidade procedida pela teoria carvalhiana reduz o todo (objeto) à norma e a norma à significação construída por um sujeito psicologizado, seja ele o juiz ou o administrador. Esse ponto será objeto de nossa reflexão mais adiante.


3. Incidência e aplicação da norma jurídica.

A incidência, sempre o afirmou Pontes de Miranda, ocorre no mundo do pensamento. Nem decorre dos fatos mesmos, posto que os fatos, enquanto fatos, não estão do lado de dentro do mundo jurídico, nem decorre da vontade de alguém, do aplicador da norma. Não decorre a incidência da faticidade, porque a norma não é objeto real; também da vontade de alguém, porque não é ela objeto mental, dependente da psique de um sujeito determinado. A norma incide no terceiro mundo, o mundo do pensamento, onde se encontram situados, epistemologicamente, os objetos culturais (a linguagem, inclusive).

Quando Tácio Lacerda Gama, com espeque na teoria carvalhiana, afirma que a incidência requer as operações lógicas de subsunção e imputação, sacando dessa premissa que apenas haveria incidência na aplicação, porque "I. não há operações lógicas fora da linguagem; II. a linguagem não atua per se, requer sujeitos emissores e receptores que a produzam; III. o direito, em semelhança a todos os demais objetos culturais, existe pelo e para o homem, e só atua regulando os comportamentos sociais por meio de sua participação" [21], não percebeu o divórcio que havia entre as suas premissas e a conclusão, ainda mais se tomarmos em conta que, para a teoria carvalhiana, o direito é reduzido à linguagem escrita e documental, sendo a única missão do jurista estudá-la. Não há operações lógicas fora da linguagem, é certo, mas não se limitam elas à linguagem escrita, como pressupõem os arautos da teoria carvalhiana. Ademais, se o direito, por opção metódica de redução de complexidade, é limitado à linguagem escrita e documental – e apenas a ela –, como compatibilizar esse postulado com a afirmação de que o direito regula comportamentos sociais, sendo feito pelo homem e para o homem? Regular comportamentos sociais não é o mesmo que escrever sobre ele, como o faz um cronista ou historiador, mas prescrever condutas, conformando-as. Logo, interferindo na zona material da conduta humana, para além do texto escrito e documentado. É justamente aí, no simbolismo comum à comunidade do discurso, que a norma ganha em objetivação conceptual e, através da incidência, em objetivação social, no mundo do pensamento. O sentido institucionalizado, que é a norma jurídica, é vinculativo porque é construção intersubjetiva: não fosse assim, a prescritividade seria apenas uma função sintática da linguagem, sem qualquer relevo pragmático.

A questão, a saber, seria o que é o mundo de pensamento. Karl Popper, na esteira de Frege, percebeu nitidamente a insuficiência da dualidade mundo material/mundo mental sobre a qual se ergueu a filosofia. Para ele, há que se falar em três mundos: o primeiro é o mundo material, ou mundo dos estados materiais; o segundo é o mundo mental, ou mundo dos estados mentais; e o terceiro é o mundo dos inteligíveis ou das idéias no sentido objetivo. No seu próprio dizer, "... é o mundo de objetos de pensamentos possíveis: o mundo das teorias em si mesmas e de suas relações lógicas, dos argumentos em si mesmos, e das situações de problema em si mesmas" [22]. Os três mundos têm realidade objetiva, não havendo apenas um mundo mental subjetivo de experiências pessoais, ou um mundo objetivo fora do sujeito que o apreende. Para Popper, "... o terceiro mundo, ou antes, os objetos pertencentes a ele, as Formas ou Idéias objetivas que Platão descobriu, tem sido na maioria das vezes confundidos com idéias subjetivas ou processos de pensamento; isto é, com estados mentais, com objetos pertencentes ao segundo mundo e não ao terceiro" [23].

Para Popper, é fundamental a distinção entre pensamento subjetivo e pensamento em sentido objetivo. Enquanto o primeiro se constitui em um estado de espírito ou de consciência ou de disposição para reagir de uma determinada pessoa (plano da psique), o pensamento em sentido objetivo é totalmente independente de qualquer alegação de conhecer que alguém faça; é também independente da crença ou disposição de qualquer pessoa para concordar, ou para afirmar ou mesmo para agir. O pensamento, no sentido objetivo, é pensamento sem pensador, é conhecimento sem sujeito que conheça. Uma cousa é o ato de pensar; outra, bem diversa, o seu resultado: o pensamento [24]. Frege bem o dizia: "Por pensamento entendo não o ato subjetivo de pensar, mas o seu conteúdo objetivo" [25].

Por essa razão, Popper foi crítico da abordagem subjetiva do conhecimento, como é exemplo a afirmação de que o livro nada seria sem o leitor, de que se não fosse lido e entendido seria apenas um papel com sinais pretos espargidos. Refutava esse entendimento, jocosamente, afirmando que um ninho de vespa não deixava de sê-lo mesmo depois de ter sido abandonado, ainda que nunca voltasse a ser usado por outras vespas [26]. Outro exemplo seria o de um livro complexo de logaritmos, incômodo para o uso. Ainda que seus teoremas nunca viessem a ser examinados, conteria conhecimento objetivo, verdadeiro ou falso, útil ou inútil. O que faz com que um livro seja um livro é a sua possibilidade ou potencialidade de ser entendido, seu caráter disposicional de ser compreendido ou interpretado, ou desatendido ou mal interpretado. E esta potencialidade ou disposição pode existir sem jamais haver sido efetivada ou realizada. Assim, o conteúdo do livro, para pertencer ao terceiro mundo do conhecimento objetivo, em princípio ou virtualmente, deve ser capaz de ser apreendido, ou decifrado, ou entendido [27]. O mesmo deve ser dito das leis, por exemplo. Seu conteúdo, as normas, deve ter essa potencialidade de ser decifrada, compreendida e atendida pela comunidade.

A linguagem faz parte do mundo do pensamento (terceiro mundo ou mundo 3), que é autônomo em relação ao sujeito pensante. O mundo do pensamento interage com o mundo mental e com o mundo objetivo, mas com eles não se confunde. Embora seja produto da atividade humana, a ela não se reduz, sendo autônomo. Afirma Popper: "sugiro que é possível aceitar a realidade ou (como se pode chamar) a autonomia do terceiro mundo e ao mesmo tempo admitir que o terceiro mundo tem origem como produto da atividade humana" [28].

Por isso, Popper coloca a interpretação no terceiro mundo, porque mesmo o ato subjetivo ou estado disposicional de compreensão só pode ser compreendido, por sua vez, através de suas conexões com o terceiro mundo [29]. É dizer, o produto da interpretação se descola do sujeito cognoscente, passando a ser algo pensado, comunicável e, por isso mesmo, objetivável. Essa significação intersubjetiva, para além do sujeito que pensa, é (existe) no mundo do pensamento [30].


4. "Criação das normas" como processo de positivação e como processo de interpretação.

Tácio Lacerda Gama faz a distinção, segundo ele com base no pensamento de Paulo de Barros Carvalho, entre (a) norma como documento normativo (texto de direito positivo) e (b) norma como significação. Outrossim, divide a norma como significação em duas espécies: (b.1) norma como produto de interpretação autêntica e (b.2) norma como produto de interpretação não-autêntica [31]. Para ele, no caso dos textos de direito positivo, a competência para a sua criação "...será daquele sujeito prescrito como competente pelo próprio sistema de direito positivo...". Doutra banda, ainda segundo ele, "...tomando a norma jurídica como significação construída na mente do intérprete, pouco importa o sujeito competente. Isto porque, nesta acepção, criar normas significa interpretar, atribuir sentido aos textos do direito positivo..." [32]. Adiante, no mesmo local, faz considerações preciosas: "... Reservar a uma seleta classe de sujeitos, ditos competentes, o papel exclusivo da construção de sentido das normas jurídicas é negar o direito como sistema comunicacional. Se não cabe a todos a faculdade de interpretar normas, como pode o direito atuar como instrumento de regulação social? Conseguiriam os cidadãos cumprir condutas que estão impedidos de conhecer? Nem Kafka conseguiria engendrar esse paradoxo" [33]. Ora, sendo a norma jurídica a significação construída na mente do intérprete, portanto construída através de um ato de vontade (não de conhecimento) por cada um sujeito individualmente, como poderia o direito regrar a atividade humana em sociedade, se cada intérprete tem a faculdade de construir a "sua" norma? Onde tudo é tudo, nada é nada (Pasqualini). Se todos constroem significações e todas elas são válidas, como saber qual a norma (entre tantas normas criadas pelos diversos intérpretes) é aplicável e deve ser seguida? Como construir um sentido comum que permita aos cidadãos saberem a fronteira entre o lícito e o ilícito? Em resumo: como se dá o salto da construção individual da norma para a sua percussão social? Essa pergunta é fundamental para o direito e não há, na teoria carvalhiana, resposta possível, sem abrir mão de todos os seus postulados.

Essa aporia fica ainda mais evidente e irrespondível quando Tácio Gama busca explicar a distinção entre a norma produzida por uma interpretação autêntica daquela produzida por uma interpretação não-autêntica. Segundo ele, a interpretação não-autêntica teria como resultado "a criação de significação intra-subjetiva da norma ou a produção de textos de dogmática jurídica", ao passo que a interpretação autêntica seria "um ato de vontade, cujo produto é a criação de linguagem de direito positivo" [34]. Ora, se a interpretação não-autêntica cria uma norma intra-subjetiva, apenas na mente do intérprete, como poderia ser ela vinculante para outras pessoas? Ou seja, poderia ser ela uma norma heterônoma, com eficácia erga omnes? Se a resposta for positiva, o passo seguinte seria a teoria carvalhiana demonstrar como a norma criada na mente de um sujeito cognoscente passa a vincular também outras pessoas. E, além disso, teria que explicar como essa norma, criada individualmente a partir de um documento normativo, se sobreporia à norma individualmente criada por um outro intérprete, a partir daquele mesmo texto. Ou, ainda, explicar como poderiam conviver validamente diversas normas criadas por diversos intérpretes, a partir de um mesmo texto positivo, sem dissolver a própria prescritividade ínsita ao direito. Em resumo: como poderia conviver o sentido com o contra-sentido e os múltiplos-sentidos contraditórios e contrários, sem gerar a absurdidade do sem-sentido normativo? No entanto, para Tácio Gama, na interpretação não-autêntica, assim como na autêntica, em ambos os casos "... as normas jurídicas valem para todos" [35]. Nesse ponto, os textos da dogmática jurídica (que criariam normas através de interpretação não autêntica) passam a ter função prescritiva, não sendo mais linguagem descritiva (doutrina) sobre a linguagem-objeto (norma jurídica prescritiva), fugindo assim às premissas tomadas em todo o corpo da obra de Paulo de Barros Carvalho [36]. A confusão teórica ressalta.

Quando chamei a atenção para o problema dos destinatários das normas, reputado por Tácio Lacerda Gama "uma questão insólita" [37], deveu-se ao fato de ter Paulo de Barros Carvalho adotado as lições de Bobbio para proceder a distinção entre as normas gerais, individuais, abstratas e concretas, que tem como critério justamente os seus destinatários. Havia sublinhado que Guastini usava a mesma classificação, embora através da eleição de outros critérios, mais apropriados ao cerne da tese segundo a qual a norma jurídica é criação do intérprete [38]. Se for criação individual do intérprete, intra-subjetivamente, como se falar em norma geral, se a generalidade implica justamente pluralidade de destinatários? Logo, a questão dos destinatários das normas jurídicas não é insólita, mas crucial no seio da classificação adotada por Paulo de Barros Carvalho. Insólito é o que é inabitual, infreqüente, incomum. Se há algo aqui insólito é justamente a afirmação de que a norma criada intra-subjetivamente por um sujeito psicologizado possa ser vinculante e valer, per saltum, para todos, como afirmara Tácio Gama.

Outro ponto relevante na afirmação de que todos criam, intra-subjetivamente, a norma jurídica, é a negação da tese fundamental da teoria carvalhiana de que toda norma jurídica há de ser documentada. De fato, sem relato em linguagem competente, insiste a teoria carvalhiana, não há norma nem fato jurídico. Pois bem, a norma criada pelo sujeito, em sua interpretação não-autêntica, poderia ser reputada norma jurídica dentro do sistema de referência carvalhiano? Dá-nos categórica resposta Tácio Lacerda Gama: "... Uma vez aceita a premissa de que o direito é um conjunto de normas, que se manifestam em linguagem, não dá para conceber que acontecimentos sociais, destituídos de uma linguagem competente, promovam qualquer tipo de alteração a esse conjunto" [39]. Para o realismo lingüístico, sem a emissão de linguagem competente não há falar em norma jurídica, razão pela qual a norma criada pelo intérprete, intra-subjetivamente, não poderia ser havida por "norma jurídica", muito menos válida para todos. Sobraria, portanto, dentro da lógica da teoria carvalhiana, a norma produzida por interpretação autêntica, em linguagem competente, com a emissão de um texto de direito positivo, expedido justamente por aquela "seleta classe de sujeitos, ditos competentes", na expressão muito bem cunhada por Tácio Lacerda Gama.

A redução de complexidades levada a cabo pela teoria carvalhiana implica a mutilação do direito, a perda da sua dimensão intersubjetiva e social. Se a única linguagem possível é a documental e escrita, é evidente que apenas aquela "seleta classe de sujeitos competentes" poderia válida e vinculativamente editar normas jurídicas, reduzindo o direito àquele produzido pelas repartições públicas (juiz, administrador e legislador), em atos formais de ponência de normas. Aplicar o direito, desse modo, seria reduzi-lo à linguagem escrita e documental dos tribunais e da burocracia estatal. O próprio particular, para criar normas individuais e concretas válidas, teria de comunicá-las ao poder público, consumando o processo de positivação [40]. Esse labirinto kafkiano transpassa toda a construção da teoria carvalhiana, razão pela qual a denominei de realismo lingüístico.


5. Ato de cumprimento como modalidade de norma individual e concreta.

É fundamental, para a teoria carvalhiana, o postulado segundo o qual a norma geral e abstrata apenas incide através da edição de uma norma individual e concreta, consumando o processo de positivação do direito. Assim, não se transitaria livremente do mundo do dever-ser para o mundo do ser, pois "... Normas não tocam nas condutas, da mesma forma que condutas não tocam nas normas. Todo e qualquer ato de cumprimento, para que seja jurídico, deverá ser introduzido no sistema de direito positivo por meio de linguagem competente, de norma, portanto. Quando alguém simplesmente cumpre uma conduta, sem produzir qualquer norma que a relate, esse cumprimento, embora socialmente relevante, não interessa à dogmática jurídica, pois não integra o seu objeto de estudos: o conjunto de normas" [41]. Ou seja, ainda que o intérprete crie a norma jurídica através da interpretação não autêntica e venha a cumpri-la, tal atividade seria sem qualquer interesse para a dogmática jurídica, porque o seu objeto de estudo limita-se, por redução de complexidades, ao conjunto de normas jurídicas expedidas em linguagem competente. Mais uma vez observa-se a impossibilidade, no seio da teoria carvalhiana, de se dar relevo à norma criada pela chamada interpretação não autêntica, nada obstante o esforço de Tácio Gama em demonstrar o contrário.

A separação entre o mundo do ser e do dever-ser é absolutizada pela teoria carvalhiana, concebidos como mundos intocáveis, separados por um fosso intransponível. Ademais, pela redução do direito a uma de suas partes (norma jurídica), todo o direito passa a ser o conjunto de normas jurídicas, tomando a parte pelo todo, no sentido que antes explicitamos. Assim, os atos materiais de cumprimento passam a reivindicar o revestimento em norma jurídica, mercê da homogeneidade do campo objetal da dogmática. Aliás, para o autoproclamado construtivismo jurídico, até os atos de cumprimento são normas jurídicas, ou não teriam relevo para o direito.

A distinção entre ser e dever-ser, embora amiúde enfatizada, não é tematizada na obra de Paulo de Barros Carvalho, não se sabendo ao certo o que ele compreende por "dever-ser": se ele o tomaria como um conceito lógico ou como um conceito ontológico. Sendo um conceito lógico, o dever-ser se reduziria a uma função sintática do enunciado normativo, na qualidade de functor, servindo de conectivo interproposicional ou intraproposicional, nesse caso qualificado pelos modais deônticos (obrigatório, proibido ou permitido). Parece-nos ser nesse sentido que a teoria carvalhiana o emprega, até mesmo por reduzir o direito à norma jurídica escrita e documental. A linguagem, nessa sua dimensão gráfica e documental, não toca nunca a realidade social, ou seja, o plano das condutas humanas, porque é uma realidade estática, morta, em estado dicionário, para usar uma bela expressão cunhada por João Cabral de Melo Neto. Nesse sentido lógico, não há possibilidade formal de se transitar do domínio do ser (lógica apofântica) para o do dever-ser (lógica deôntica), sendo um irredutível ao outro [42].

Do ponto de vista ontológico, há o domínio do ser e o do dever-ser: aquele afeto às ciências naturais, como objeto real; esse às ciências normativas, como idealidade. As normas são tomadas como formações intersubjetivas de significados. Não há, é preciso que se sublinhe, oposição objetal entre ser e dever-ser: o ser opõe-se ao não-ser, sendo conceitos irredutíveis. Já o dever-ser, ontologicamente, não tem oposto. Porém, possui graus. De fato, podemos observar o dever-ser do ponto de vista suprapositivo ou do ponto de vista positivo. Na suprapositividade, o dever-ser é tomado como idealidade, sem relação com uma realidade qualquer, hic et nunc; já o dever-ser positivo é uma ordem normativa concreta, que se relaciona com o real, requerendo efetividade. Nesse sentido, "... o dever-ser destina-se a interferir no ser, dirige-se para a existência ou para a realidade. Por isso, se o ser está de tal modo determinado que não pode deixar de ser como é, carece de sentido postular um dever-ser" [43]. O dever-ser abstrato, idealizado, sem preocupações concretas é dever-ser que pode incidir sobre o dever-ser concreto, positivo, impregnado de realidade. Um exemplo cunhado por Lourival Vilanova melhor dilucidará esse ponto: o Estado positivo (a República Federativa do Brasil, v.g.) é um dever-ser positivo, um sistema normativo concreto. Quando sobre ele estabelecemos o postulado ético-político da justiça (dever-ser suprapositivo), esse postulado investe-se logicamente em forma de dever-ser ante o "ser" do Estado positivo. "A um dever-ser de ordem primeira, superpõe-se o dever-ser de ordem segunda. Só o ser é simplesmente ser" [44].

O dever-ser positivo deseja realizar-se, ou não teria sentido existir. Embora haja uma contraposição lógica entre ser e dever-ser, ontologicamente não absorvem toda a complexidade do campo de objetos possíveis. Enquanto os objetos reais se enquadram no domínio do ser, e os normativos (ética pura, p. ex.) no do dever-ser, os objetos ideais (os números, as relações matemáticas etc.) e os culturais (jurídicos, econômicos, históricos, éticos etc.) não se acomodam naquela redução lógica. No caso dos objetos culturais, o que os difere dos objetos naturais é o sentido que lhes imprime direção. Os fatos humanos não são tomados como um dado, em relações sucessivas de causalidade. São compreendidos pelo seu sentido, pelos fins a que tendem. Sem os fins, sem o sentido, são pura facticidade aleatória, impossível de serem estudados como objetos de conhecimento estranhos aos limites daquelas relações causais [45].

O direito é objeto cultural, formado pela intersecção dos dois mundos: ser e dever-ser, realidade e pura idealidade. A incomunicabilidade lógica entre ser e dever-ser é superada na conjugação de ambos no objeto cultural, formando o todo objetal. Nas palavras precisas de Lourival Vilanova: "Mas, a irredutibilidade lógica dos dois conceitos deixa aberta a possibilidade de uma relação no objeto. Há objetos que representam síntese de ser e dever-ser..." [46]. E adiante, no que de perto nos interessa: "O dever-ser não deriva, logicamente, do ser. Não há derivação lógica que conduza deste àquele. Mas, quando o dever-ser é positivo, quando o dever-ser é o de uma ordem normativa em vigor, a validade depende do ser. Se o dever-ser não for possível de realizar-se, se o ser não oferecer possibilidade de corresponder ao dever-ser, este deixa de valer. Só o dever-ser ideal – pensado, por exemplo, na ética pura – é indiferente à efetividade no plano do ser. Mas esse dever-ser ideal é supra-positivo. Interessa-nos o dever-ser positivo, ao qual pertence o direito e o Estado. De sorte que o dever-ser exige um poder-ser, ou requer possibilidade objetiva por parte do ser" [47].

A grande dificuldade teórica do realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho está, justamente, na mutilação do todo, na redução do direito à sua dimensão documental, tomando o dever-ser como conceito lógico, suprapositivo. O processo de positivação do direito, na teoria carvalhiana, é apenas uma derivação formal, uma justaposição de papéis escritos com timbre oficial, autuados em uma repartição pública. Os fatos, a realidade "lá fora" pulsando viva, as significações normativas intersubjetivamente vividas, não seriam direito, não teriam interesse para o jurista, porque ele estaria muito ocupado decifrando os textos positivos, construindo intra-subjetivamente a norma, sem perceber que a norma que realmente conta é aquela institucionalizada no simbolismo jurídico, na vida social, nos homens encarnados. A interpretação pessoal é só o início do processo de socialização da norma; a significação que não ultrapassa os limites da subjetividade (euidade) e, pelo diálogo, ingressa na relação eu-tu, não pode ser reputada norma, porque não possui a qualidade mínima de vinculabilidade. A norma só vincula porque transcende o eu e incide na aventura que somos nós. É na fusão de horizontes do sentido institucionalizado que encontramos a norma, ali onde ela não mais depende do arbítrio do sujeito psicologizado, porque o seu sentido é público, intersubjetivamente controlado.

O direito, na teoria de Paulo de Barros Carvalho, não toca a realidade, apenas fazendo a ela menção, dada a sua natureza lógico-formal. Trata-se, como dito, de um dever-ser suprapositivo, situado nos chamados sistemas proposicionais nomológicos, porque não teria denotação existencial. A realidade, para o dever-ser suprapositivo, é algo estranho à sua constituição, podendo ser ela até referida, mas não influenciada. Já para uma visão substantiva do direito, como dever-ser positivo, inclui-se ele entre os objetos do sistema nomoempírico prescritivo, por não apenas ser aberto aos dados da experiência e ser por eles condicionados, mas sobretudo porque tem a função de influenciar a zona material da conduta humana. Não por outra razão, assevera Marcelo Neves: "Por incluir-se entre os sistemas nomoempíricos prescritivos, o ordenamento jurídico constitui uma conexão de sentido histórica. O contexto fáctico-ideológico condiciona-o, portanto, não só nos atos de produção jurídica, mas também nos momentos de interpretação e aplicação normativas. Assim sendo, as normas jurídicas, enquanto conteúdos significativos de vontades individuais ou grupais, não transcendem em caráter absoluto a sua base real-ideológica". E, em conclusão, acresce lapidarmente: "... mesmo o estudo parcial do Direito na perspectiva normativa, ou seja, a partir do ordenamento jurídico, tem que levar em conta as relações reais e ideológicas, sob pena de se ter uma falsa compreensão das estruturas de significação normativa" [48]. Olhar o direito apenas como enunciado, ensimesmado, frustra a sua função social, fá-lo insípido e inodoro, além de subserviente às tiranias. É forma que engole qualquer conteúdo, porque o dever-ser nunca toca as instâncias do ser.


6. A norma individual e concreta que documenta o "pagamento".

Voltemos agora ao problema do ato de cumprimento. Para Tácio Lacerda Gama, todo ato de cumprimento de normas jurídicas é, também ele, uma norma jurídica. Em suas palavras: "... Quando se efetua um pagamento, quando se realiza uma compensação, ou mesmo quando alguém se beneficia de uma anistia, aquele documento que atesta a extinção do vínculo obrigacional passa a integrar o sistema do direito positivo" [49]. Se alguém vai a uma loja, compra um par de sandálias e não recebe nenhum documento provando que pagou o preço avençado, o pagamento realizado não seria um ato de cumprimento da obrigação. Se uma pessoa, diante do sinal vermelho no trânsito, pára o seu veículo, também a observância da norma geral e abstrata (Código de Trânsito), que determina parar diante do semáforo vermelho, não seria fato juridicamente relevante. O mesmo se diga de inúmeros atos da vida social, cujo sentido é apenas compreendido se os observarmos como cumprimento de normas jurídicas postas pelo ordenamento. Em todas essas situações, estaríamos diante de fatos sociais, porque não foram eles relatados em linguagem escrita e documental por uma autoridade competente.

Assevera Tácio Gama que "... O direito não se contenta com meras condutas, por isso exige linguagem adequada para criar e extinguir relações. Fosse diferente, qual seria a necessidade de manter uma escrituração fiscal? Para que seria exigida a conservação dos comprovantes de pagamento por um dado período de tempo?" [50]. As perguntas, mais uma vez, tomam a parte pelo todo. O fato de muitos fatos jurídicos necessitarem de documentação, não implica que todos os fatos jurídicos também necessitem. A premissa não conduz à conclusão, senão por indução: transforma o particular e contigente em geral e necessário. É inegável que o direito, para prestigiar o valor segurança, exige formalidade de muitos dos atos subordinados à normatividade, embora nem sempre a cartularidade seja constitutiva do ato jurídico. Se a propriedade de bens imóveis apenas pode existir mediante a escritura pública do negócio jurídico de compra e venda, o mesmo não ocorre com a aquisição de bens móveis de certo valor. E os exemplos poderiam ser multiplicados aos milhares.

Todavia, vamos nos manter, apenas por método, dentro do sistema de referência da teoria carvalhiana, concentrando-nos sobre os exemplos e as argumentações desenvolvidas por Tácio Lacerda Gama. Segundo ele, defendendo a posição de Paulo de Barros Carvalho, não há qualquer dúvida sobre a natureza normativa do comprovante de pagamento, sendo ele irrelevante para o direito se não houver relato em linguagem competente. Para demonstrar a sua natureza normativa, Tácio Gama arrisca uma formalização lógica da norma individual e concreta do pagamento, assim averbada: "... Com a norma de pagamento, não há mudança da estrutura lógica, mas das suas variáveis. Vejamos: D[F à Rj (Sa. Sp)], deve ser (D), diante do pagamento efetuado da quantia X (F), se instaure a relação jurídica (Rj), entre aquele que efetuou o pagamento (Sa) e aquele que o recebeu (Sp), tendo como objeto a permissão de não pagar a quantia X" [51]. A que ponto chega o logicismo...

Ora, a formalização empregada apenas adorna a construção normativa, que pode ser simplificada assim: "diante do pagamento da quantia X é permitido ao devedor não pagar a quantia X". Dizer que a norma que relata o pagamento teria como conseqüente a permissão de não pagar o que já foi pago é uma absurdidade lógica, um contra-sentido deôntico. Permite-se que não se pague o que já foi pago e que, até mesmo por estar pago (fato relatado no antecedente da norma), não reivindicaria a permissão de não pagar (conseqüente). Na verdade, o fato jurídico do pagamento tem por efeito a extinção da obrigação que existia, e não a concessão de uma permissão para não fazer o que já foi feito. Nada obstante isso, assere Tácio Gama: "...O significado jurídico do recibo de pagamento é permitir que o contribuinte não pague mais, pois o pagamento previsto pela obrigação tributária já foi cumprido" [52]. Ora, o recibo de pagamento apenas atesta, certifica, que houve pagamento do valor devido, razão pela qual restou extinta, pelo pagamento (não pelo recibo), a obrigação. Não se dá uma permissão de não pagar, porque após o pagamento não há mais o que pagar. Permissão para não pagar ocorreria se, havendo o débito, fosse conferido ao devedor o direito de não cumprir a obrigação que possuía para com o credor. Caso típico da remissão, por exemplo (art.172 do CTN): havia a obrigação não paga e o credor concedeu o perdão, permitindo o não-pagamento e, com isso, liberando o devedor da dívida que havia. O pagamento, por evidente, nunca poderia gerar um efeito símile, por impossibilidade deôntica: o dever-ser requer sempre o poder-ser, a possibilidade de atendimento. Como atender à permissão de não pagar uma obrigação, partindo justamente da inexistência mesma da obrigação já paga? Logicamente, uma obrigação já paga é uma não-obrigação, o que reduziria a norma do pagamento à permissão de não pagar a não-obrigação [53].

Uma coisa é o pagamento, fato jurídico extintivo da obrigação; outra, o ato jurídico stricto sensu de quitação. O pagamento pode ser provado por recibo, sem que expresse ele quitação. Se o contribuinte vai ao banco de posse do Darf e paga o valor nele especificado, a autenticação do banco prova o depósito do dinheiro, porém não é documento de quitação. A quitação supõe declaração de conhecimento explícita do credor, afirmando que recebeu o pagamento e liberando o devedor [54]. Mas a declaração não precisa ser escrita: pode ser rádio-difundida, oral perante testemunhas, gravada em vídeo etc. A nota fiscal pode provar o pagamento, como o recibo do caixa de um supermercado, mas são eles simples meios de prova, nada mais. E são inúmeros os fatos relevantes para o direito, os negócios jurídicos, em que a formalização do pagamento não apenas não é necessária, como lhes é estranho o ato de quitação. Pontes de Miranda disse-o bem: "O devedor tem de cumprir a prestação. Não é acertado dizer-se (e é o que se encontra em muitos tratados) que o devedor só é obrigado a adimplir contra a outorga de quitação. O que em verdade se passa é que o devedor, que tem de solver a dívida, tem direito à quitação e desse direito lhe nasce o direito de retenção da prestação. Pode dar-se que os usos do tráfico pré-excluam tal exigibilidade, ou por ser de importe mínimo a prestação, ou porque se trate de negócio jurídico à vista, ou de prestação de serviço imediatamente anterior ou imediatamente posterior ao pagamento. Tal o que se passa com o comércio de retalho, ordinariamente, e com os bondes, ônibus e lotações" [55]. Apenas uma visão reducionista do direito pode afastar do mundo jurídico esse conjunto infinito de fatos que se subsumem a inúmeras normas jurídicas, as quais regram toda a convivência dos homens em sociedade.

Pergunta-se, então: para que serve a prova da conduta? A prova do ato jurídico, como já demonstrado, serve para proteger o interessado em caso de litígio, ou seja, quando as pretensões de validade passam a ser questionadas, ingressando no plano do discurso, para usarmos a teoria da Habermas. Nem sempre, todavia, a prova é documental, podendo ser testemunhal ou pericial. Há provas inclusive indiretas. Poder-se-ia refutar, apenas para manter-se firme na tese, que a prova testemunhal só ingressaria para o direito através do seu relato pela ata de audiência judicial, reduzida a escrito. Porém, nem esse argumento – apesar de sua manifesta impropriedade – salvaria a teoria carvalhiana: é que dificilmente se poderia afirmar que um depoimento testemunhal seria uma norma individual e concreta.

Seria possível um, apenas um, impedimento técnico para chamar o recibo de pagamento de norma jurídica individual e concreta? Mostramos não apenas um, mas vários equívocos nessa afirmação. O recibo de pagamento é meio de prova do fato jurídico do pagamento, não sendo sequer um termo de quitação. Por ele, prova-se o ato extintivo da obrigação, cuja eficácia é prefigurada na norma geral e abstrata, como aquela do art. 156, inciso I, do CTN. Volto a perguntar: olhando para a autenticação mecânica de uma máquina do banco, qual a norma individual e concreta que ela prescreve? Naquele texto, não há mensagem deôntica alguma. E a que se tenta sacar dele, nos leva àquela norma da permissão de não pagar a não-obrigação (obrigação já paga).


7. Normas individuais e concretas nos "deveres instrumentais".

Na crítica que formulei à teoria carvalhiana, busquei demonstrar os limites da afirmação da necessidade, sempre, de uma norma individual e concreta para a aplicação da norma geral e abstrata. Uma das estratégias utilizadas foi a demonstração de que os deveres instrumentais (obrigações acessórias), no direito tributário, não nasciam de uma norma individual e concreta, como incisivamente requer o realismo lingüístico [56]. Bastaria pensar no dever de se submeter à fiscalização do fisco: qual a norma individual e concreta que o faria nascer? Se todo "fato-relação" é conseqüente de uma norma individual e concreta, então todo dever instrumental do contribuinte deveria ser proveniente de uma delas. Tácio Lacerda Gama, nada obstante, não responde a objeção feita. Prefere afirmar que as normas jurídicas "... oscilam, por isso, na prescrição do dever ou do seu descumprimento para estabelecer o conteúdo das normas individuais e concretas". E arremata, logo em seguida: "... Diante das normas jurídicas que determinem o dever de manter à disposição do agente fiscal os livros contábeis, por exemplo, somente a norma que prescreve a sanção pelo descumprimento será positivada. Nestes casos, a conduta lícita não ingressa no sistema do direito positivo" [57].

Licitude e ilicitude são conceitos do mundo jurídico. Uma conduta apenas pode ser reputada lícita ou ilícita se for adjetivada por uma norma jurídica anterior. A afirmação de que uma conduta lícita não ingressa no sistema do direito positivo é insustentável: é supor um fato que seja lícito sem ser jurídico. Se existe um dever de dar publicidade dos livros contábeis ao fisco, é de se perguntar de qual norma individual e concreta ele provém. Se não existir essa norma individual, como se poderia, no seio da teoria carvalhiana, falar em efeitos jurídicos, ou seja, em dever a ser observado? Tácio Gama, como Paulo de Barros Carvalho, deslocaram a resposta para o cumprimento ou descumprimento do dever instrumental, negando-se a explicar de onde ele provém. Afinal, para cumprir ou descumprir um dever é preciso que ele exista. A questão que se põe, a secas, é: de onde vem esse dever instrumental? Respondo eu: da incidência da norma geral e abstrata sobre o seu suporte fáctico, no plano do pensamento. Para o realismo lingüístico refutar essa minha afirmação, haveria de demonstrar a existência de uma norma individual e concreta. Debalde, ela não existe. Essa a razão pela qual, assevera Tácio Gama: "...Porém, quando for possível cumprir a conduta lícita de diversas formas, como no dever de disponibilizar a escrituração fiscal, ensina Paulo de Barros Carvalho, apenas na hipótese de descumprimento, existirão conseqüências jurídicas, demandando, por isso, a edição de normas individuais e concretas" [58]. Ora, a conduta lícita é a observância do dever; sendo lícita, como não seria jurídica? E o dever mesmo, nasce de que norma individual e concreta? Até mesmo a licitude, na teoria carvalhiana, é mutilada das entranhas do direito, passando a ser conceito sociológico, psicológico ou ético, não se sabe. Ensina Tácio Lacerda Gama: "... Se as condutas lícitas são juridicamente irrelevantes (sic), pelo fato de somente a conduta ilícita interessar ao direito, é descabido falar em fatos jurídicos ou em relações nesses casos. Haveria, no máximo, subsunção psicológica e uma imputação de deveres morais, mas não a incidência normativa no em sentido técnico estabelecido acima. Sem a norma individual e concreta não há incidência, pois não há subsunção, tampouco imputação em linguagem do direito positivo. Por isso, é equivocado falar que, em alguns deveres instrumentais, há fato jurídico sem linguagem. Nestes casos, o que há é uma certa incompreensão das estratégias normativas utilizadas para regrar as condutas sociais. Nada mais" [59]. Como o dever de dar publicidade aos livros contábeis não está prescrito por uma norma individual e concreta, seria ele, para a teoria carvalhiana, um dever de natureza moral, decorrente da subsunção psicológica da norma jurídica. Agora, restariam algumas perguntas relevantes: sendo moral esse dever instrumental, como o seu descumprimento poderia ser reputado juridicamente ilícito? Do descumprimento de deveres morais nascem sanções jurídicas?

As palavras falam por si sós. São públicas e partilhadas. Compete ao leitor fazer um juízo de valor sobre a possibilidade lógica da existência de "fatos lícitos sem relevo para o direito", "incidência psicológica da norma", "deveres instrumentais de natureza moral, porque não relatados em linguagem competente" e quejandos.


8. Sujeitos competentes para editar normas individuais e concretas.

Façamos aqui um simples teste empírico, bem comezinho. Pegue, o caro leitor, uma nota fiscal qualquer. Passe os olhos sobre o texto nela expresso, indicando a empresa, o número de série da nota, a discriminação dos bens vendidos, seu preço e o total a ser pago. Imagine que a nota discrimine também o valor do tributo a ser entregue aos cofres públicos. O conteúdo da nota fiscal documenta uma operação de venda, que realiza o suporte fáctico de uma norma jurídica tributária. Observando esse documento, pergunta-se: o dever do comerciante emitir a nota fiscal está prescrito nela mesma ou é decorrente de uma norma jurídica anterior? Poderia a nota fiscal prescrever o dever do empresário emiti-la? Sendo ainda mais preciso: poderia o empresário ter o dever instrumental de expedir uma nota fiscal, sendo que este dever seria previsto na própria nota fiscal que ele expediu?

Para Tácio Lacerda Gama, a nota fiscal ou escrituração em livro próprio "... São relatos em linguagem competente que documentam o seguinte: dado o fato de ter sido realizada uma operação mercantil tributada (Fj), deve ser a obrigação de expedir este documento do sujeito Sp para com o sujeito Sa. Com isso, comprova-se o cumprimento de um dever instrumental, embora não se possa afirmar a constituição da obrigação tributária principal. Aqui, é o sujeito passivo quem constitui a norma tributária individual e concreta que documenta a incidência do dever instrumental" [60].

A norma jurídica prescreve condutas ou discrimina competências. Ela não tem a função de declarar ou documentar a ocorrência de um fato ou conjunto de fatos, porque lhe faltaria a prescritividade que lhe é inerente. Quando a norma descreve um fato, conotativa (norma geral e abstrata) ou denotativamente (norma individual e concreta), a descrição apenas arma o arquétipo sobre a qual incidirá e será aplicada, para deflagrar os efeitos nela prescritos. Porém, a proposição completa, composta de descritor e prescritor, tem natureza deôntica, qualificada pelo functor interproposicional. Quando se afirma que é o sujeito passivo quem constitui a norma tributária individual e concreta, que documenta a incidência do dever instrumental de emitir nota fiscal, termina por se encobrir duas questões: (a) que a existência anterior do dever instrumental (de onde ele provém?) é pressuposto do seu cumprimento pela emissão da nota fiscal; e (b) que a nota fiscal mesma não pode conter, por impossibilidade lógica, a norma que determina a sua própria emissão.

Imagine uma nota fiscal prescrevendo a seguinte norma: "dado o fato de ter sido realizada uma operação mercantil tributada (Fj), deve ser expedida a nota fiscal". Essa norma jurídica está contida realmente na nota fiscal ou lhe antecede, predisposta na legislação tributária? É evidente que, diante da ausência de uma norma individual e concreta que estabeleça o dever instrumental de expedição de nota fiscal, a única saída da teoria carvalhiana foi imaginar essa norma dentro da própria nota fiscal. Com isso, mais uma vez estabeleceu um contra-sentido deôntico: o dever de expedir notas fiscais já expedidas.


9. A publicidade da norma individual e concreta

Para a teoria carvalhiana, nunca é demais lembrar, o processo de positivação do direito exige sempre a edição de uma norma individual e concreta, é dizer, que haja relato em linguagem competente, escrita e documental. Entre outros exemplos que expus, demonstrando a existência de fatos jurídicos sem revestimento em linguagem escrita, no direito tributário, constava o lançamento por homologação tácita, decorrente da omissão do fisco em se manifestar expressamente, no prazo de cinco anos, sobre a sua concordância, ou não, com o pagamento efetuado pelo contribuinte do tributo, que ele próprio quantificou em sua escrita [61].

Refutando o exemplo dado, assere Tácio Lacerda Gama: "... Existiria aqui o tão procurado fato jurídico sem linguagem? É evidente que não, pois, para o direito, não haverá homologação tácita sem que haja relato em linguagem apropriada" [62]. Noutras palavras, a homologação tácita, para ser jurídica, tem que ser... expressa! A afirmação já destruiria, por si só, o argumento.

Poder-se-ia dizer, tentando salvar essa argumentação fustigada, que a omissão do fisco teria que ser relatada, retrospectivamente, em linguagem competente, pelo menos posteriormente aos cinco anos (§ 4° do art. 150 do CTN), para que viesse a ter relevo para o direito. Ora, na mais absoluta maioria dos casos, vencidos os cinco anos sem que o fisco atue, não há relato posterior em linguagem competente. Nessa hipótese de homologação tácita, não estaríamos diante de um fato jurídico sem linguagem competente? Se a resposta for pela negativa, como afirma Tácio Gama, então a homologação tácita não seria fato jurídico, sendo talvez produto daquela "incidência psicológica" que geraria deveres morais.

Paulo de Barros Carvalho, em nenhum dos seus escritos, sustentou a necessidade de um relato posterior, em linguagem competente, da homologação tácita. Escrevendo sobre o tema, o professor paulista destacou que o prazo fixado pela legislação, para que o fisco exercesse as suas prerrogativas homologatórias, findo o qual o pagamento antecipado seria tido por homologado por força de um comportamento omissivo do titular do direito subjetivo ao tributo, era uma garantia da firmeza e segurança das relações jurídicas. Desse modo, o silêncio do Fisco, durante esse trato de tempo, faz surgir a homologação tácita ou ficta. Razão pela qual, para Paulo de Barros Carvalho, o prazo de cinco anos para o fisco se manifestar, expressa ou tacitamente, não seria nem decadencial nem tampouco prescricional, "... pois entendo existir, para a Fazenda, o direito de exercer tacitamente seus deveres homologatórios, manifestando, quando assim consultar seus interesses, a faculdade de manter-se quieta, omitindo-se" [63]. Noutras palavras, o fisco tem o direito ao silêncio, à omissão, ao manter-se inerte, em razão do próprio permissivo legal. Por isso mesmo, "... o fato jurídico da homologação tácita consubstancia a própria realização do direito de homologar, se bem que por meio de um comportamento omissivo" [64]. Com essa percepção clara do ordenamento jurídico, não exige Paulo de Barros Carvalho o relato em linguagem competente desse comportamento omissivo do fisco, até mesmo porque a sua exigência feriria o quod plerumque accidit.

Se o fato jurídico da homologação tácita é o exercício do direito do fisco ficar quieto, omitir-se, então não resta dúvida da existência de fatos jurídicos sem linguagem escrita e documental. Para obviar a minha crítica, não restou outra saída a Tácio Lacerda Gama que não a sustentação da necessidade de um relato posterior desse fato jurídico omissivo. Nada obstante, não apontou a quem caberia relatar essa omissão em linguagem competente, nem a oportunidade própria para fazê-lo.

Afirma ainda Tácio Gama, que as informações feitas ao fisco (DCTF, GFIP, v.g.) seriam normas individuais e concretas produzidas pelo contribuinte. Pensemos em duas hipóteses simples: (a) o contribuinte não informou o fisco sobre sua escrita fiscal, passando o prazo de cinco anos, contado do exercício seguinte àquele em que ocorreu o fato jurídico tributário, sem que houvesse lançamento de ofício; e (b) o contribuinte informou o fisco, efetuou o pagamento a menor do que os valores que declarou, e passou o prazo de cinco anos sem atuação do fisco [65]. Na primeira hipótese, não houve manifestação do contribuinte nem do fisco, passando em branco o prazo para a realização do lançamento de ofício e lavratura do auto de infração; e, na segunda hipótese, houve a manifestação do contribuinte, tendo efetuado pagamento a menor do que o devido, também restando inerte o fisco no prazo que possuía para lançar de ofício e lavrar o auto de infração. Pergunta-se: qual a diferença, nas duas hipóteses, em relação à inércia do fisco? Resposta: na primeira, houve decadência do direito de lançar; na segunda, houve homologação tácita, iniciando-se, a partir daí o prazo prescricional. Em ambas as hipóteses, o silêncio do fisco gerou efeitos jurídicos. Passados esses outros cinco anos sem propositura da execução fiscal (prazo prescricional), o silêncio e o tempo consumiram a possibilidade do fisco lançar e executar, respectivamente. A linguagem atestando a ocorrência de tais fatos (omissões sucessivas do fisco) é mero acidente de percurso. Raramente ocorre, ao contrário do afirmado por Tácio Gama. Nesses casos, contudo, a teoria carvalhiana afasta a presença de fenômenos jurídicos.


10. Direito e efetividade.

Um dos aspectos mais intrigantes da teoria carvalhiana está situado na relação existente entre as condutas prescritas nas normas jurídicas e o seu cumprimento, ou não, no plano da realidade. Se tomarmos como pressuposto que os "fatos", no seio dessa teoria, são os conteúdos dos enunciados protocolares e denotativos, a questão é de fácil desate: bastaria que um sujeito competente enunciasse a ocorrência de eventos e, apenas pela própria enunciação, estariam constituídos os fatos jurídicos. Porém, mesmo os fatos jurídicos constituídos através das normas individuais e concretas têm efeitos prescritos (os fatos-efeitos), que também são constituídos pelos enunciados. O puncto saliens seria então saber qual o ponto de contato entre os efeitos prescritos por uma norma individual e concreta e a realidade empírica. Se tomarmos como exemplo uma medida liminar, concedida pelo juiz, em razão da probabilidade de ocorrência de um dano irreparável para o contribuinte, determinando a liberação de um caminhão carregado de peixes, retido pelo fisco, veremos que a ordem expedida se exaure como conteúdo do provimento judicial. Para que a liberação ocorra licitamente, será necessário que a ordem seja reproduzida em um mandado judicial e ele seja entregue, por um oficial de justiça, para que o agente público libere a carga. A liberação da carga de peixes, no plano da realidade, é cumprimento da ordem judicial emitida. A sua desobediência traria graves conseqüências jurídicas para o agente público, inclusive de natureza penal.

Para o cumprimento da norma individual e concreta expedida pelo juiz, no exemplo citado, não basta o agente público tomar conhecimento do seu conteúdo. A ordem expedida determina uma ação concreta: a liberação do caminhão com a carga perecível. Noutras palavras, a proposição mandamental contida no enunciado expedido pelo juiz não se exaure nela mesma, reivindicando a ocorrência de comportamentos no mundo concreto, sem os quais a ordem restará frustrada, desobedecida e, desse modo, ineficaz. Isso nos leva a pensar, ainda que ligeiramente, sobre a pretensão do autor da ação judicial quando vem a juízo requerer um provimento liminar. Sua pretensão é de obter uma ordem judicial ou uma solução concreta e efetiva? A ordem, pela ordem, satisfaria a pretensão do interessado?

Naturalmente que o incumprimento da ordem judicial, ou mesmo o seu cumprimento tardio, trará conseqüências jurídicas, inclusive o nascimento do direito ao ressarcimento dos prejuízos sofridos pela parte interessada e prejudicada. Desse modo, para além da norma individual e concreta expedida pelo juiz, há o problema do seu atendimento ou não, que apenas pode ser aferido no plano dos fatos concretos. Pergunta-se: a observância pelos destinatários da ordem judicial, para além da linguagem escrita e documental, é havida como fato jurídico lícito ou apenas como um fato social, estranho ao direito? Ora, para o advogado prático, que convive com as questões do fórum, ou mesmo para o jurista habituado com as questões processuais, sobretudo relativas às ações executivas e mandamentais (especialmente as ligadas às tutelas de urgência satisfativas ou cautelares), seria desarrazoado excluir do mundo jurídico os efeitos das sentenças ou decisões interlocutórias, havendo-os por matéria afeta à sociologia. Seria transformar os operadores do direito (juiz, advogados, promotores públicos etc.) em sociólogos, ao lado dos processualistas.

Enfrentado o problema, Eurico M. Diniz de Santi e Paulo César Conrado afirmam que "... A medida liminar no mandado de segurança funciona como eixo de calibração entre mundo jurídico e mundo social, entre causalidade jurídica e causalidade natural, buscando aplacar imediatamente, mediante norma-solução provisória, a causalidade natural decorrente da eficácia social do ato de autoridade: o ato jurídico de retenção provoca a eficácia social da retenção que, por sua vez, provoca o efeito da causalidade natural do perecimento (dos peixes apreendidos)" [66]. Ora, se a retenção é vista como eficácia social do ato jurídico de retenção, qual seria o seu efeito jurídico? Um ato jurídico de retenção, que não retém nada, pode ser tudo, menos um ato jurídico de retenção.

Doutra banda, Eurico de Santi e Paulo César Conrado asseveram que a liminar seria, nesse caso analisado, uma norma-solução provisória. Provisória, em que sentido? Em verdade, parece-nos evidente que a liminar, em casos que tais, dada a sua satisfatividade, não se reveste do caráter de provisoriedade, ao menos quanto aos seus efeitos práticos. Imagine-se que o juiz revogasse, dias depois de cumprida, a sua ordem. Haveria como, no mundo dos fatos, ser ela cumprida, tendo em vista que o carregamento de peixe havia sido liberado e vendido para os consumidores finais do supermercado que adquirira a carga? A segunda decisão judicial não poderia ser cumprida, justamente pela perda de objeto, falecendo-lhe o sentido operativo, a viabilidade de realização [67]. Embora a sentença (norma-solução definitiva) viesse a julgar inexistente o direito líquido e certo invocado, a liminar já teria operado efeitos jurídicos definitivos, pela sua satisfatividade, inerentes a provimentos judiciais dessa natureza. A tutela da aparência suplanta, em casos que tais, a tutela da evidência, pela operatividade do direito como processo de adaptação social. Aqui, a linguagem jurídica se rende à faticidade jurídica [68].

Como já demonstramos anteriormente, a teoria carvalhiana toma o dever-ser apenas do ponto de vista sintático, razão pela qual tomará a efetividade da norma também apenas sintaticamente, como problema lógico-formal. Sintática é a concepção de efetividade, do ângulo lingüístico, que toma o termo "eficácia" no sentido de aptidão da norma para produzir efeitos jurídicos, independentemente de sua produção concreta, na realidade: "... prescinde também da relação para com os comportamentos de fato ocorridos e não vê nenhuma influência entre obediência a efetiva da norma e a possibilidade de produção de efeitos" [69]. Já a concepção semântica toma a efetividade como cumprimento e aplicação concreta da norma, exigindo uma relação entre o seu enunciado com o que sucede na realidade por ela referida [70]. Porém, para a concepção pragmática, não basta apenas a possibilidade de produção de efeitos (sintaxe) ou sua observância regular (semântica), mas a junção de ambas, numa relação metacomplementar das condições de aplicabilidade, exigibilidade e executoriedade da norma [71]. Uma visão pragmática da efetividade impõe uma profunda relação entre o relato e o cometimento da norma (entre o seu significado e o resultado prático a que visa); relação essa que se dá na intimidade do discurso, ou seja, na ação lingüística, em que alguém dá a entender alguma coisa a outrem, de maneira que são relevantes não apenas as palavras pronunciadas, "... mas quem pronuncia, quem ouve e as respectivas reações, conforme certas regras" [72]. É dizer, as reações (a observância ou não da norma) são fundamentais para uma concepção pragmática do direito, que alcança não apenas as dimensões locucionária e ilocucionária das proposições prescritivas, mas também a sua dimensão perlocucionária [73].

A supressão dos fatos sociais do centro das preocupações jurídicas, na teoria carvalhiana, a par dos aspectos ideológicos encobertos, não consegue esconder um equívoco teórico grave: o imaginar que todo fato social seria objeto de interesse sociológico, o que o excluiria do campo dos objetos jurídicos. Apenas a norma jurídica, como proposição prescritiva, seria objeto da ciência jurídica; os fatos sociais, ainda que analisados sub specie normae, seriam objetos afetos à sociologia.

Lourival Vilanova demonstrou, de uma vez por todas, o equívoco de uma tal visão reducionista. Partindo do princípio de que os fatos sociais pressupõem inter-relações, poderiam ser elas analisadas a partir do seu conteúdo (ético, jurídico, econômico etc.) ou apenas de sua forma, analisando os múltiplos processos de relação interindividual. Aqui, importa o quantitativo; ali, o qualitativo [74]. Há um espaço neutro onde ambas as dimensões, forma e conteúdo, se encontram, se fundem. Como objeto de estudo, podemos tomar os fatos sociais como objetos reais (forma), observando-os quantitativamente, separando, unindo, catalogando, deixando entre parêntesis o seu sentido, o seu conteúdo. Podemos também nos deter, metodicamente, na análise dos conteúdos, como "puros" conteúdos, suprapositivos, despregados do mundo da vida (ética pura, normativismo puro etc.)

Se tomamos os fatos sociais como objetos reais, sem preocupação com o seu sentido ou com os seus fins, apanhamo-los como objeto da sociologia, porque a sociologia "... trata como objetos reais. Os fatos sociais são objetos reais. A realidade do fato social reside em estar no tempo e no espaço e em esgotar-se na forma de existência, do que a conexão de causalidade é decorrência. A causalidade, como sabemos, implica a modalidade de ser do objeto" [75]. Porém, os fatos sociais, pela sua própria consistência, são um dado de natureza bilateral, formado das duas dimensões: há uma dualidade de constituição do objeto. Por essa razão, o mesmo objeto admite mais de uma forma de aproximação teórica, sem que isso implique dissolver a sua própria complexidade: "A sociologia do direito e do Estado e a teoria geral do direito e do Estado são, simultaneamente, possíveis se nos firmamos no princípio de que o objeto jurídico-estatal é um objeto dualmente estruturado, tendo por subestrutura o fato, e por superestrutura as significações e os valores (as regras do direito são expressões normativas dos valores e significações)" [76]. É justamente na dualidade dos fatos sociais que se encontram e se conjugam ser e dever-ser, faticidade e idealidade: "... A dualidade em questão não exclui que existam objetos, um ‘terceiro reino de objetos’, os objetos culturais, que envolvem, numa síntese, o ser e o dever-ser: assim, o Estado, o direito etc." [77]. Essa dualidade de ser e dever-ser perpassa toda a obra vilanoviana, alcançando seus escritos mais recentes. Em seu estupendo livro sobre as estruturas lógicas do direito positivo, Vilanova volta a afirmar essa dualidade do objeto jurídico: "O ser e o dever-ser são logicamente separáveis, porque irredutíveis. Efetividade e validade (validade lógico-formal e validade jurídica) estão colocadas em dois planos. Mas o ponto de encontro é o homem mesmo e sua projeção comunitária, a sua existência como intersubjetividade. Levanta-se o problema de como ser e dever-ser, efetividade (eficacidade) e validade, fato e norma, idealidade e realidade, sendo diferentes, relacionam-se...". E arremata: "A experiência nos dá o Direito como objeto contendo essa dualidade. É um dado-da-experiência, que se tem de aceitar. Toda teoria redutora (psicologismo, sociologismo, axiologismo, normativismo) tem forçoso ponto-de-partida nesse dado da experiência. Há de se começar fenomenologicamente com a descrição dos componentes do objeto dado. A redução (não em sentido fenomenológico, claro) de fato-de-conduta à norma ou valor, ou de norma à ocorrência factual, ou de validade à consciência subjetiva do valor, representam teorizações em nível de meta-experiência. Mas, sem sair dos limites da experiência, temos espécies de objetos, porém inter-relacionados" [78]. Em resumo, podemos asseverar: o direito é o todo (fato, valor e norma), embora possamos, em nível de metaexperiência, decompor o todo em partes, embora o direito, como objeto mesmo, contenha aquela dualidade de ser e dever-ser, de faticidade e normatividade, sendo um dado da experiência "que se tem de aceitar".

Agora, podemos regressar ao problema da liminar concedida no mandado de segurança, cujo efeito principal foi a expedição de uma ordem para a liberação do caminhão, portando uma carga de peixes. A liberação do caminhão é fato social, com significado jurídico: fato jurídico, portanto. Nele, encontram-se forma e conteúdo, ser e dever-ser em efetividade, faticidade e normatividade.O sentido que impregna o ato de liberação da mercadoria não é social (embora, possa ser também, dada a dualidade do objeto, a conduta humana); é, na verdade, jurídico. Cumprir a ordem judicial de liberação é realizar, no ser, o dever-ser da norma individual e concreta. Com isso, evitamos a afirmação de ser a medida liminar uma "... norma-solução provisória que protege a eficácia social da norma-solução definitiva do mandado de segurança (sentença)... " [79], porque, afinal, se o direito protege a eficácia social da sentença, já a tomou como relevante para a juridicidade, vale dizer, como eficácia jurídica.


11. Últimos esclarecimentos.

O texto escrito por Tácio Lacerda Gama buscou enfrentar alguns dos pontos por mim questionados em desfavor da teoria carvalhiana. De modo sóbrio e direto, refutou a maioria dos meus argumentos, em uma tomada de posição franca e serena. Em que pese algumas tentativas de imunizar a teoria carvalhiana, não se furtou ao diálogo, buscando demonstrar as razões de sua adesão à teoria de Paulo de Barros Carvalho.

Não é a teoria carvalhiana, contudo, um corpo teórico monolítico e sem contradições. Há questões não respondidas e não enfrentadas, inclusive sobre as divergências explícitas entre os discípulos do professor paulista. Para Tácio Gama, por um lado, o direito cria direito a partir do próprio direito [80]; para Tárek Moussallem e Eurico Diniz de Santi, por outro lado, o direito é criado pelo evento (a enunciação): norma não cria norma [81]. Para Paulo de Barros Carvalho e Tárek Moussallem, o sistema jurídico é fundamentado pela norma fundamental kelseniana; já para Eurico Diniz de Santi, a norma fundamental é descartada (o produto juridiciza o processo; a Constituição é Constituição, porque diz que é Constituição) [82]. Essas questões substantivas não são problematizadas, sem embargo das implicações teóricas que a diversidade desses pontos de vista causam na coerência interna do autodenominado construtivismo jurídico.

Buscamos enfrentar todas os argumentos lançados por Tácio Lacerda Gama, sem fugir de nenhuma questão suscitada. Com esteio em Lourival Vilanova e Tércio Sampaio Ferraz Jr., buscamos consolidar a demonstração da redução do direito, operada pela teoria carvalhiana, ao plano sintático das normas, desvinculando-o do mundo da vida. Com isso, tomando os atos de cumprimento das normas como fatos sociais, deixa-se sem explicação o porquê da preocupação do direito com os "efeitos sociais" das decisões jurídicas. Quando, todavia, resta impossível excluir o ato de cumprimento do seio das preocupações jurídicas, passa ele a ser tratado como se norma fosse, numa azáfama de dimensões do objeto jurídico. Não por outra razão, tenho demonstrado que a teoria carvalhiana tem imensa dificuldade em acomodar em seu interior a explicação de problemas práticos, sobretudo por causa da eliminação dos fatos e dos valores do estudo do direito.

Para finalizar, uma última observação. A amizade entre dois pensadores é construída sobre o mais absoluto respeito pelas diferenças, sobretudo quando um não toma como tema a reflexão teórica sobre o pensamento do outro. Kelsen e Cossio foram amigos, embora divergissem sobre o modo de encararem o direito; a amizade não significou concordância. O mesmo se diga de Lourival Vilanova e Paulo de Barros Carvalho. Embora o professor paulista tenha adotado os ensinamentos do professor pernambucano, ao longo do tempo foi dele incisivamente se afastando, nada obstante continuasse a citá-lo constantemente em seus escritos. Porém, Lourival Vilanova, desde a sua obra de 1947 [83] até os seus últimos escritos, nunca abandonou a dualidade do objeto jurídico, não se perdendo na tentação do logicismo, que tantas vezes expurgou [84]. A sua obra, rediviva, é testemunho de suas lições e de seu pensamento. É aquilo que os cristãos chamam de memorial, que é mais do que ser memória: é estar presente. Por isso, as observações de Tácio Gama sobre a amizade existente entre ambos, Vilanova e Barros Carvalho, nem de longe poderiam induzir concordância entre os modelos teóricos adotados pelos dois. Não é essa, portanto, uma objeção que se possa levar a sério, desdourando o nosso diálogo científico, honesto e transparente.

Aliás, nesse diálogo, pena que sintamos a ausência de alguns interlocutores importantes, que contribuiriam para o enriquecimento de todos nós. Porém, democraticamente, respeitamos o silêncio, que é fato relevante, mesmo sem linguagem escrita e documental. O silêncio, por vezes bastas, grita mais eloqüentemente do que qualquer palavra.


Notas

01. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Direito, retórica e comunicação. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p.24.

02. O discurso filosófico da modernidade. Trad. Luiz Sérgio Repa e Rodnei Nascimento. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 468.

03. Carnaval tributário. 2ª ed., São Paulo: Lejus, 1999, p.108.

04. "Obrigação e crédito tributário: anotações à margem da teoria de Paulo de Barros Carvalho". Revista tributária e de finanças públicas 50/98-113. São Paulo: RT, maio-jun. 2003.

05. COSTA, Adriano Soares da. Teoria da incidência da norma jurídica: crítica ao realismo lingüístico de Paulo de Barros Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

06. "Obrigação e crédito...", p.112.

07. Idem, p. 101.

08. Idem, p.105.

09. Idem, p.107.

10. Idem, p.110.

11. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Trad. Catarina Eleonora da Silva e Jeanne Sawaya. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 2002, p.38.

12. Idem, ibidem.

13. Idem, p.41.

14. Idem, p.42.

15. Idem e bidem.

16. "Obrigação e crédito...", cit., p.103.

17. Impressiona que, em texto datado de 21 de julho de 1998 (ano da publicação de seu livro sobre os fundamentos jurídicos da incidência), Paulo de Barros Carvalho tenha incisivamente criticado, como agora fazemos, a visão reducionista do direito, que o limita às normas jurídicas, reputando-o também como logicismo formalista ou formalismo exacerbado: "Lembremo-nos de que o direito é algo extremamente complexo, abrangendo, a um só tempo, (i) uma linguagem prescritiva, (ii) um substrato sociológico expresso pela vida comunitária que manifesta seu consentimento em relação àquela linguagem e (iii) um aspecto axiológico, que é sua dimensão de idealidade, imanente à natureza de objeto cultural. Nem sempre, todavia, se mantém o isolamento metódico entre esses três lados do problema do direito. Ora se misturam conceito e valor, como jusnaturalismo clássico; ora se suprime o dado axiológico e se focaliza apenas a existencialidade, como no empirismo positivista (positivismo jurídico, positivismo sociológico etc.); ora, enfim, se cortam o valor e a base sociológico-histórica, o que dá em conseqüência um formalismo exacerbado, do tipo kelseniano ou um logicismo formalista, à moda de Schreier" ("O princípio da territorialidade no regime de tributação da renda mundial (universalidade)". Revista de direito tributário. 76/6. São Paulo: Malheiros, s/d., sem grifos originais).

18. Os sete saberes..., cit., p. 45-46.

19. Teoria do direito e do estado. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 7. Grifos originais.

20. Diálogos entre razão e fé. São Paulo: Paulinas, 2000, p.24. Grifos apostos.

21. "Obrigação e crédito...", cit., p. 103-104.

22. Conhecimento objetivo: uma abordagem evolucionária. São Paulo: Itatiaia/Edusp, 1975, p.152.

23. Idem, p. 153-154.

24. Idem, p. 110-111. Assim também, VILANOVA, Lourival (O problema do objeto na teoria geral do estado. Recife: Imprensa Oficial, 1953, p.173): "O pensar, ralo que é, discorre temporalmente, é subjetivo e variável. O conteúdo pensado, ao contrário, vale intemporalmente: é objetivo. As operações lógicas repousam, fundamentalmente, nessa separação abstrata de atos e significações".

25. Apud POPPER, Karl. Op. cit., p.111.

26. Idem, p. 117.

27. Idem, p.117-118.

28. Idem, p. 156.

29. Idem, p.158.

30. Vide o meu Teoria da incidência da norma jurídica, cit., passim. É muito importante a abordagem que Habermas faz da teoria dos três mundos de Popper, buscando tirá-la de uma concepção ontológica. Para Habermas, é preciso separar o mundo da vida, no qual atematicamente vivemos em comum e nos relacionamos, do terceiro mundo de Popper, analisado sob o prisma da teoria da ação comunicativa. Vide HABERMAS, Jürgen. Teoría da acción comunicativa: racionalidad de la acción y racionalización social. 3ª ed. Madri: Taurus, 2001, p.117 et seq. Outrossim, há importante contribuição de Edgar Morin sobre o que ele passou a denominar de noosfera. Vide MORIN, Edgar. O método IV – As idéias: a sua natureza, vida, habitat e organização. Mem Martins (Portugal): Publicações Europa-América, 2002, passim.

31. "Obrigação e crédito...", cit., p. 104-105. Essa distinção entre interpretação autêntica e não autêntica, de índole kelseniana, não existe na obra de Paulo de Barros Carvalho (Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, São Paulo: Saraiva, 1998). Afirma Tácio Gama ter Barros Carvalho utilizado o signo "norma" em ambas as acepções, sem contudo demonstrá-lo. Ainda assim, e apenas para argumentar, tomarei como verdadeira a sua afirmação, sem controvertê-la, até por imaginar que o seu texto tenha o endosso dos carvalhianos mais chegados.

32. "Obrigação e crédito...", cit., p.104. Grifos originais.

33. Idem e bidem. Grifos apostos.

34. Idem, p.105.

35. Idem, ibidem.

36. Não se nega aqui que a dogmática jurídica tenha uma natureza criptonormativa, decorrendo dos seus enunciados conseqüências pragmáticas para a decisão (nesse sentido, FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Função social da dogmática jurídica. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 89). Todavia, não se pode afirmar, de modo conseqüente, que as proposições produzidas pela dogmática sejam prescritivas, porque apagaria o discrímen entre linguagem-objeto e metalinguagem, próprio aos níveis de linguagem, introduzidas pelos estudos lógicos de Tarsk. Sobre isso, afirmou Lourival Vilanova (O problema..., cit., p. 140): "... A ciência natural ou ciência normativa, como ciências, são sistemas de conhecimentos. O propósito essencial cifra-se em conhecer objetos. Nem a ciência natural nem a ciência normativa são prescritivas de objetos. A ciência normativa, na qualidade de ciência, não é atividade ponente de normas. Tem as normas por objeto...".

37. "Obrigação e crédito...", cit., p. 105.

38. Vide Teoria da incidência da norma jurídica..., cit., passim.

39. "Obrigação e crédito...", cit., p.103. Grifos apostos.

40. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário: fundamentos...", cit., p. 242.

41. GAMA, Tácio Lacerda. "Obrigação e crédito...", cit., p.106.

42. Nesse sentido, VILANOVA, Lourival (O problema..., cit., p.139): "... Não há generalização ou procedimento formal qualquer que permita o pensamento operar transitando de um domínio lógico ao outro. São dois universos irredutíveis, o que serve de fundamento objetivo para uma lógica do ser e uma lógica do dever-ser".

43. Idem, p.144.

44. Idem, p. 143-144.

45. Idem, 146. Em texto escrito em 21 de julho de 1998, Paulo de Barros Carvalho escreveu: "O fato social, como processo de relação, é um fenômeno com sentido e, sem ele (sentido), que imprime direção aos fatos sociais, é impossível compreendê-los Os fatos jurídicos, quer os previstos nos antecedentes das normas, quer os prescritos na fórmula relacional dos conseqüentes, apresentam-se na forma de fenômenos físicos (relações de causa e efeito) mais o sentido, isto é, o fim jurídico que os permeia" ("O princípio...", cit., RDT 76/6. Grifos originais).

46. Ibidem, p.143. Afirmava Paulo de Barros Carvalho: "Repetimos. O direito é fato da cultura, sendo, como todo objeto cultural, uma síntese entre valor e mundo natural, admitindo, por esse modo, uma investigação jurídica voltada para os valores e uma investigação do direito como realidade positivada. Sobremais, tem ele uma forma de ser específica, o que justifica plenamente um estudo ontológico dessa entidade" ("O princípio...", cit., RDT 76/6. Grifos apostos).

47. Ibidem, p.144. É Vilanova quem ensina: "... a cultura implica que o dever-ser, de algum modo, penetre na esfera do ser. Que o dever-ser, sem perder sua especial constituição normativa, se relacione com o ser. A conseqüência é clara: se o Estado ou direito é um fato da cultura, a essência do direito não reside em ser um sistema de normas, mas em ser um sistema de normas em efetividade, em progressiva realização" (Ibidem, p.207). Vide ainda, sobre a síntese do ser e do dever-ser no objeto cultural, p.157.

48. Teoria da inconstitucionalidade das leis. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 20. É de se estranhar que Paulo de Barros Carvalho tenha adotado a classificação introduzida por Marcelo Neves (vide Curso de direito tributário. 14ª ed. São Paulo: Saraiva, p.130 et seq.), e não tenha se dado conta da contradição com os postulados de sua teoria.

49. "Obrigação e crédito...", cit., p.106-107.

50. Idem, p. 107.

51. Idem, p.108.

52. Idem, ibidem.

53. Afirma Lourival Vilanova: "Mas, desde que as normas (significações) têm por suporte linguagem (linguagem não-apofântica, mas linguagem deôntica), inserem-se dentro das leis lógicas. A linguagem do direito positivo procura evitar o sem-sentido. O legislador, ou o juiz ao emitir norma individual, evitam atropelar categorias-de-significação (ou categorias-de-símbolos) que dêem construções sem-sentido., ou categorias sintáticas que levem às estruturas eivadas de contra-sentido, pois nem um nem outras são possíveis de efetivação ou cumprimento na ordem dos fatos" (As estruturas lógicas e o sistema do direito positivo. São Paulo: RT, 1977, p. 136. Grifos originais).

54. Ensina Pontes de Miranda: "O pagamento prova-se pelos meios de prova, não necessariamente pela quitação. Quem deve 5 x e pagou 1 x, mais 2 x, mais 3 x, com os recibos, tem recibos (meio de prova), não tem quitação. Tem direito a ela, pretensão a ela, ação para a haver – o que é outra coisa que a ter" (Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2003, t. 24, p. 167).

55. Tratado..., cit., p.172.

56. Teoria da incidência da norma jurídica, cit., p. 97 et seq.

57. "Obrigação e crédito...", cit., p.109.

58. Idem, ibidem.

59. Idem, p. 110. Grifos apostos.

60. Idem, 110-111. Grifo original.

61. Teoria da incidência da norma jurídica, cit., p. 105 et seq.

62. "Obrigação e crédito...", cit. p. 111.

63. "Extinção da obrigação tributária, nos casos de lançamento por homologação". Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba: Direito tributário. São Paulo: Malheiros, 1997, vol. 1, p. 230.

64. Idem, ibidem.

65. Em ambos exemplos, mencionamos o prazo de cinco anos, passando à margem sobre os debates surgidos com a recente jurisprudência do STJ. Sobre o tema, vide PALSEN, Leandro (Direito tributário: Constituição e código tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 5ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 1026 et seq.) e AMARO, Luciano (Direito tributário brasileiro. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2001, p.386 et seq.).

66. "Mandado de segurança em matéria tributária, definindo e inter-relacionando conceitos fundamentais: ‘direito líquido e certo’, ‘ato coator’, ‘medida liminar’, ‘sentença’, ‘periculum in mora’ e ‘fumus boni iuris’". Revista dialética de direito tributário (RDDT), 90/54, São Paulo: Dialética, mar./2003. Grifos originais.

67. Cf. VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1989, p. 57.

68. Ovídio Baptista da Silva, em livro que está escrevendo, faz profunda análise teórica sobre a ideologia que se esconde por detrás dessa tomada de posição formalista. São suas palavras, em crítica ao purismo do direito, adscrita em cópia de um dos capítulos, gentilmente cedida: "Conserva-se, portanto, o conceito de ação, não como uma atividade, porém como um dizer, não como um fazer, o que, de resto, é pressuposto imanente de toda a doutrina. O fazer será sempre posterius à atividade jurisdicional; será sua conseqüência, fenômeno externo ao ato jurisdicional, uma vez que a execução é fato, não ‘direito puro’". Muito adiante, aduz: "Para o direito, as condutsa são lícitas ou, ao contrário, serão ilícitas. O agir lícito oposto ao titular do dever jurídico é sempre uma ‘ação’, posto que, gramaticalmente, o vocábulo ação é o substantivo do verbo agir. Só posso agir exercendo ação. Os que não fazem a distinção entre ação de direito material e ação processual enganam-se na gramática. O erro nem chega a ser jurídico. Com efeito, ter-se um direito material desprovido de ação é transformá-lo numa prescrição ética ou, quem sabe, em um cântico religioso. Seria um direito irrealizável" (Processo e ideologia, capítulo VI, mimeo., sendo apenas os grifos finais apostos).

69. FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Teoria da norma jurídica: ensaio de pragmática da comunicação normativa. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 119.

70. Idem, ibidem, p. 117.

71. Idem, ibidem, p. 119-120.

72. Idem, ibidem, p. 114-115.

73. Cf. COSTA, Adriano Soares da. "Fontes do direito e fato jurídico: resposta a Tárek Moysés Moussallem", Revista tributária e de finanças públicas, 50/ esp. 131-135. São Paulo: RT, maio-jun. 2003.

74. "... para se proceder a um tratamento físico do fato social, era mister eliminar o qualitativo do fato social, ou reduzir o qualitativo ao quantitativo. Em que consiste o aspecto qualitativo dos fatos sociais? Consiste nos fins que confere sentido aos fatos, consiste nas idéias e nos objetivos que impelem os indivíduos a relações recíprocas, consiste nos valores éticos, jurídicos, estéticos, econômicos, religiosos em direção aos quais os fatos de relação social se diferenciam e se processam" (VILANOVA, Lourival. "O problema...", cit., p. 111).

75. Idem, ibidem, p. 129.

76. Idem, ibidem, p. 132.

77. Idem, ibidem, p.159, nota 27.

78. As estruturas..., cit., p. 248-249. Grifos originais.

79. SANTI e CONRADO, "Mandado de segurança...", cit., p. 55. Grifos apostos.

80. "Obrigação e crédito...", cit., p. 108.

81. TÁREK, Moysés Moussallem (Fontes do direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 150, passim).

82. Sobre esses aspectos, vide o nosso livro Teoria da incidência da norma jurídica..., cit., passim.

83. Sobre o conceito do direito. Recife: Imprensa Oficial, 1947.

84. As estruturas..., cit., p. 251-252.


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COSTA, Adriano Soares da. Ainda sobre obrigação e crédito tributário: resposta a Tácio Lacerda Gama. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 109, 20 out. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4406. Acesso em: 24 abr. 2024.