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Limites da responsabilidade médica em intervenções meramente estéticas frente aos padrões sociais de beleza

Limites da responsabilidade médica em intervenções meramente estéticas frente aos padrões sociais de beleza

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O presente estudo apresenta a análise da responsabilidade civil médica, observando suas características, formas, classificações e requisitos, de modo a esclarecer o tema ante o problema proposto.

RESUMO

O presente estudo apresenta a análise da responsabilidade civil médica, observando suas características, formas, classificações e requisitos, de modo a esclarecer o tema ante o problema proposto. É abordada a obrigação assumida pelo cirurgião em caso de dano nas intervenções meramente estéticas e suas repercussões. A pesquisa jurisprudencial, observando como os magistrados se posicionaram diante desta responsabilidade, serviu como fonte. Contudo, após a verificação de incidência do dever de indenizar, é necessário observar a influência social nos padrões de beleza impostos. Com isto, pode-se entender claramente que há exceções na obrigação assumida nas cirurgias meramente estéticas. Baseando-se nas bibliografias estudadas, análise de jurisprudência e legislação, o estudo busca descrever a limitação no dever de indenizar, considerando aspectos sociais e legais de tais intervenções. Tudo isto, porque se trata de um tema de muita importância e que tem sido ponto de destaque atualmente, daí sua relevância e contemporaneidade. Após realizar ampla abordagem conceitual e jurídica, o estudo apresenta conclusões advindas da análise proposta, apontando inclusive como podem ser identificadas as exceções.

Palavras-chave: Responsabilidade civil, Obrigação de meio ou de resultado, Cirurgia estética, Dano estético, Padrões sociais de beleza.

ABSTRACT

This study presents the analysis of medical liability, noting their characteristics, shapes, ratings and requirements, in order to clarify the issue before the proposed problem. It addressed the obligation assumed by the surgeon in the event of damage to the merely aesthetic interventions and their impact. The research case law, noting how the magistrates were positioned in front of this responsibility, it served as a source. However, after checking the incidence of the duty to indemnify, it is necessary to observe the influence social standards of beauty imposed. With this, one can clearly understand that there are exceptions to the obligation assumed merely cosmetic surgeries. Based on bibliographies studied, analysis of case law and legislation, the study aims to describe the limitation on the duty to indemnify, considering social and legal aspects of such interventions. All this, because it is a matter of great importance and that point has been highlighted today, hence its relevance and contemporaneity. After performing extensive legal and conceptual approach, the study presents conclusions from the analysis proposed, including pointing can be identified as exceptions.

Keywords: Civil liability, obligation or means of income, Cosmetic surgery, aesthetic damage, Social Standards of Beauty.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO. 2 ESCORÇO HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL.3 RESPONSABILIDADE CIVIL. 3.1 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL. 3.2 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL.3.3 REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL.4 RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA E AS CIRURGIAS ESTÉTICAS. 5 O DANO ESTÉTICO E OS PADRÕES SOCIAIS DE BELEZA. 6 LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE MÉDICA EM CIRURGIAS PLÁSTICAS. 7 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

 

1 INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho faz uma análise acerca da responsabilidade civil do médico e seu reflexo no erro causado em cirurgias estéticas, pois com o crescente culto à estética do corpo e à imagem, também crescem as ações judiciais nas quais se busca a reparação por danos sofridos em decorrência de tais cirurgias.

Para entender a importância de tal tema, divide-se o presente trabalho em parte geral, qual seja, a abordagem da evolução histórica do tema, e posteriormente adentrando nos conceitos, pontuando as opiniões dos estudiosos.

Posteriormente, é abordado, especificamente, o tema do trabalho, ou seja, a responsabilidade civil do médico, a natureza de tal responsabilidade, verificando-se quando a responsabilidade médica é obrigação de meio ou de resultado, especificamente a responsabilidade médica em cirurgia plástica.

A pesquisa foi desenvolvida com base, principalmente, em doutrinas, leis e corrente jurisprudencial, para que adquira base sólida e com referência reconhecida, fundamentando as conclusões obtidas.

Desenvolvendo o tema, abordam-se o dano estético e a influência da cultura social nos padrões de beleza, principalmente no que tange à posição da mídia, visto que há na atualidade uma valoração excessiva da beleza.

Finalizando, estuda-se como devem ser ponderados os limites desta responsabilidade levando-se em conta a evolução da sociedade e as particularidades dos procedimentos.

Na conclusão, à luz do que é explanado, faz-se uma síntese sobre os conceitos gerais, através dos quais, atualmente, a responsabilidade civil no erro médico se insere no ordenamento jurídico nacional, bem como as exceções que devem ser consideradas.

2 ESCORÇO HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil tem natureza dinâmica, acompanhando o desenvolvimento das civilizações. Compreender seu progresso é de todo essencial para o presente estudo.

Isto posto, é no Direito Romano que se encontra a raiz dos sistemas da responsabilidade civil.

Em sua origem, nos tempos mais remotos, a noção de dano era preterida em prol da vingança privada, vulgarmente associada à expressão “fazer justiça com as próprias mãos”. Desprezava-se o fator culpa e permitia-se emergirem os instintos do homem em sua versão mais primitiva e, por que não, selvagem.

Posterior a essa fase de “olho por olho, dente por dente”, sucede-se a fase da composição voluntária, na qual o prejudicado, tendo a opção de transigir, entra em composição com o ofensor, auferindo um resgate, ou seja, uma importância em dinheiro ou a entrega de objetos. Tratava-se de uma espécie de resgate da culpa, através da qual o ofensor adquiria o direito ao perdão da vítima, perdurava com base para o ressarcimento no dano experimentado, ou seja, ainda não se considerava a culpa.

Com o passar dos anos, notou-se que a vítima não poderia mais fazer justiça sozinha, entretanto, a diferenciação de pena e reparação do dano surgiram apenas com os romanos, quando o Estado tomou para si a função de punir.

O grande marco da responsabilidade foi com a Lex Aquilia, da qual extrai-se o princípio de que se pune a culpa por danos injustamente causados, assim, possibilitou-se ao titular de bens o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro de quem tivesse destruído ou deteriorado seus bens. A ideia trouxe à baila a reparação do dano, para a culpa, sendo esta um pressuposto indispensável.

Posteriormente, a ideia de culpa sofre profunda modificação e ampliação, não sendo traduzida apenas pela imprudência, negligência ou imperícia, ou pelo dolo.

As ideias romanas foram aperfeiçoadas pelo direito francês, o qual estabeleceu princípios gerais de responsabilidade civil.

Segundo Gonçalves (2010, p.8):

O direito francês, aperfeiçoando pouco a pouco as ideias românticas, estabeleceu nitidamente um princípio geral de responsabilidade civil, abandonando o critério de enumerar os casos de composição obrigatória. Aos poucos, foram sendo estabelecidos certos princípios, que exerceram sensível influência nos outros povos: direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve, separando-se a responsabilidade civil (perante a vítima) da responsabilidade penal (perante o Estado); a existência de uma culpa contratual (a das pessoas que descumprem as obrigações) e que não se liga nem a crime nem a delito, mas se origina da negligência ou da imprudência.

Ao Código Napoleão, foram inseridas as noções de culpa in abstracto e a distinção entre culpa delitual e culpa contratual. Note-se que o sentido de que a responsabilidade civil se funda na culpa difundiu-se por todo mundo, e a partir desse pressuposto houve e ainda há um constante aperfeiçoamento dos instrumentos jurídicos nesse contexto, de modo a não deixar o Direito alheio à realidade social.

As soluções indenizatórias, dentro ou fora do processo judicial, devem ser constantemente renovadas para estarem adequadas às necessidades práticas do homem contemporâneo. Por essas razões, é no campo da responsabilidade extranegocial que surgem as tentativas de novas soluções, nem sempre arraigadas aos velhos conceitos da clássica responsabilidade aquiliana. (VENOSA, 2010, p.19)

No Brasil, o Código Civil de 1916 adotou a teoria subjetiva, tendo como pressuposto para a reparação a comprovação de culpa ou dolo. No entanto, com o desenvolvimento da sociedade, surgiram novas teorias, tendentes a proteger as vítimas.

Nessa linha, encontra-se a chamada teoria do risco, que não substitui a teoria da culpa, apenas visa a dar maior proteção às vítimas, assim, o exercício de atividade que possa oferecer algum perigo representa um risco, que o agente assume, de ser obrigado a ressarcir os danos que venham resultar a terceiros dessa atividade.

Gonçalves (2010, p.28) argumenta que a responsabilidade objetiva tem como fundamento o princípio de equidade, advindo desde os primórdios do direito romano, pois aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentum, ibi commoda, ibi incommoda). Quem aufere os cômodos (ou lucros), deve suportar os incômodos (ou riscos).

Deveras, o direito brasileiro se manteve fiel à teoria subjetiva nos arts. 186 e 927 do Código Civil. Dessa forma, para que haja a reparação do dano tem que haver um ato ilícito. Todavia, outros dispositivos e mesmo em leis esparsas, adotaram-se os princípios da responsabilidade objetiva.

O Código Civil de 2002 continuou tendo para a responsabilidade, a culpa, sendo esta a regra geral, porém adotou-se também a teoria do exercício de atividade perigosa e o princípio da responsabilidade independente de culpa, não prevendo a possibilidade de o agente exonerar-se da responsabilidade se provar que adotou todas as medidas aptas a evitar o dano.

A responsabilidade civil, objeto deste trabalho, refere-se especificamente à autuação dos médicos e seu reflexo no erro cometido, especialmente quando objetivam o “aprimoramento” estético.

3 RESPONSABILIDADE CIVIL

A expressão responsabilidade civil tem sua origem na restauração de equilíbrio, vem do latim respondere, ou seja, o autor de algum ato danoso deve ser responsabilizado.

Configura-se, portanto, como a reparação do dano causado a outrem, desfazendo tanto quanto possível seus efeitos, restituindo o prejudicado ao status quo ante.

Na esfera civil, a responsabilidade é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. Além disso, quando uma conduta humana causar prejuízo a outrem, isso gerará responsabilidade civil.

Maria Helena Diniz conceitua da seguinte forma (2009, p.34):

Com base nessas considerações poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal. Definição esta que guarda, em sua estrutura, a ideia da culpa quando se cogita da existência de ilícito (responsabilidade subjetiva), e a do risco, ou seja, da responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva).

O art. 927 do Código Civil informa que : “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”

Nesse mesmo sentido, o art. 186 do referido código traz a definição de ato ilícito: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

Na doutrina há diferentes formas de conceituar a responsabilidade civil, no entanto o enfoque do presente trabalho é saber que o causador de dano a terceiro deve ser obrigado a repará-lo, uma vez que ninguém detém o direito de lesar outrem.

3.1 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Nossa constituição, promulgada há mais de duas décadas, trouxe consigo uma grande mudança, visto que além de positivar direitos fundamentais sociais e dar previsão legal à necessidade de intervenção positiva do ente estatal para garantir os direitos de cada cidadão, interferiu significativamente no âmbito do Direito Civil.

A relevância agora passou para o “ser” e não o “ter”, portanto, o ponto que merece destaque à luz da Constituição Federal de 1988 é a proteção da “pessoa humana”, afastando o enfoque do patrimônio, e aproximando cada vez mais do indivíduo. Assim, a responsabilidade civil interpretada sob as balizas constitucionais coloca como centro a proteção da pessoa - vítima.

A preocupação é com a figura da vítima, deixando de lado a necessidade de identificação do causador do dano para dar ensejo à indenização. A punição passa a significar ressarcimento, pois a prioridade é reequilibrar a relação jurídica afetada pelo dano.

Percebe-se, então, que a vítima de um dano não pode se ver cerceada de seu ressarcimento. Demonstra-se que no nosso sistema jurídico a proteção dos direitos da personalidade avulta-se como imposição constitucional, o que inclui a possibilidade de ressarcimento por sua violação.

Corroborando desse entendimento, Venosa acrescenta que a possibilidade de indenização pelo dano exclusivamente moral, como fora apontado pela Constituição de 1988, é algo de há muito reclamado pela sociedade e pela doutrina e sistematicamente repelido até então pelos tribunais.

Nesse contexto, o artigo 5º, que traz o rol de direitos fundamentais das pessoas, faz menção sobre o direito à indenização quando há lesão:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

V- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

[...]

X- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

Também faz menção sobre essa modificação introduzida pela Carta Magna de 1988 o art. 186 do Código Civil, que expressa sobre a possibilidade de indenização pelo dano exclusivamente moral.

Assim, quando alguém causar dano a outrem, deverá haver a devida reparação em consonância com o exposto na Constituição Federal de 1988.

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3.2 ESPÉCIES DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Segundo Venosa (2010, p.20): “A noção de responsabilidade, como gênero, implica sempre exame de conduta voluntária violadora de um dever jurídico. Sob tal premissa, a responsabilidade pode ser de várias naturezas, embora ontologicamente o conceito seja o mesmo.”

Inicialmente convém diferenciar a responsabilidade civil da penal. O ponto crucial nessa diferenciação é a norma jurídica que é infringida, pois a ilicitude, que é a contrariedade entre a conduta e a norma jurídica, pode ocorrer em qualquer ramo do Direito.

Segundo Sérgio Cavalieri Filho (2006, p.36):

Por mais que buscassem, os autores não encontraram uma diferença substancial entre o ilícito civil e o penal. Ambos, como já ficou dito, importam violação de um dever jurídico, infração da lei. Beling já acentuava que a única diferença entre a ilicitude penal e a civil é somente de quantidade ou de grau; está na maior ou menor gravidade ou imoralidade de uma em cotejo com outra. O ilícito civil é um minus ou residum em relação ao ilícito penal. Em outras palavras, aquelas condutas humanas mais graves, que atingem bens sociais de maior relevância, são sancionadas pela lei penal, ficando para a lei civil a repressão das condutas menos graves.

Como foi mencionado, há ilicitude em todos os campos do Direito, portanto um mesmo ato pode caracterizar concomitantemente um crime e um ilícito civil.

Nessa linha de raciocínio, versa Venosa (2010, p.22):

As normas de direito penal são de direito público, interessam mais diretamente à sociedade do que exclusivamente ao indivíduo lesado, ao ofendido. No direito privado, o que se tem em mira é a reparação de dano em prol da vítima; no direito penal, como regra, buscam-se a punição e a melhor adequação social em prol da sociedade. Quando coincidem as duas ações, haverá duas persecuções, uma em favor da sociedade e outra em favor dos direitos da vítima.

Assim, fica claro o motivo de a sentença penal condenatória fazer coisa julgada no cível quanto ao dever de indenizar o dano decorrente da conduta criminal, na medida dos arts. 91, I, do Código Penal, 63 do CPP e 584, II do CPC, pois mesmo que as jurisdições penal e civil sejam independentes entre si, há a possibilidade de reflexos no juízo cível.

A infração do dever jurídico latu sensu, que resulte em obrigação de indenizar, pode ter como fonte uma relação jurídica obrigacional preexistente, ou seja, um dever decorrente de um contrato, ou pode ainda ser decorrente de uma obrigação imposta por preceito geral de Direito, ou pela lei.

A responsabilidade decorrente da quebra de um dever estabelecido em um negócio jurídico e que cause dano a outrem, é a responsabilidade contratual, estando prevista no art. 389 do Código Civil, que versa sobre o inadimplemento absoluto das obrigações.

Aquela responsabilidade que não deriva de um contrato, ou seja, a extracontratual, aplica-se na forma do disposto no art. 186 do Código Civil.

Pertinentes às argumentações despendidas por Gonçalves (2010, p.44), ao afirmar que no momento em que o agente infringe um dever legal trata-se de responsabilidade extracontratual, e por outro lado, quando descumpre o avençado, tornando-se inadimplente, fica caracterizada a responsabilidade contratual. Haja vista que, nesta última, existe uma convenção prévia entre as partes, que não é cumprida. Na responsabilidade extracontratual, nenhum vínculo jurídico existe entre a vítima e o causador do dano, quando este pratica o ato ilícito.

Estudiosos divergem quanto a essa dualidade da responsabilidade, no entanto, ao final, não existe uma diferença ontológica, sendo meramente didática, pois tanto na responsabilidade contratual quanto na extracontratual são necessários para sua configuração o dano, o ato ilícito e o nexo causal.

Sérgio Cavailieri Filho explana que (2004, p.37):

Em suma: tanto na responsabilidade extracontratual como na contratual há a violação de um dever jurídico preexistente. A distinção está na sede desse dever. Haverá responsabilidade contratual quando o dever jurídico violado (inadimplemento ou ilícito contratual) estiver previsto no contrato. A norma convencional já define o comportamento dos contratantes e o dever específico a cuja observância ficam adstritos.  E como o contrato estabelece um vínculo jurídico entre os contratantes, costuma-se também dizer que na responsabilidade contratual já há uma relação jurídica preexistente entre as partes na relação jurídica, e não dever jurídico preexistente, porque este sempre se faz presente em qualquer espécie de responsabilidade).  Haverá, por seu turno, responsabilidade extracontratual se o dever jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas sim na lei ou na ordem jurídica.

No entanto, mesmo sendo consideradas, a termos práticos, como uniformes, na doutrina há diferenciação quanto a alguns critérios dessas espécies de responsabilidade, tais como o ônus da prova, a capacidade do agente e gradação da culpa.

Sob outro enfoque, Fábio Ulhoa Coelho conceitua da seguinte forma (2010, p. 269)

São duas as espécies de responsabilidade civil: subjetiva e objetiva. Na primeira, o sujeito passivo da obrigação pratica ato ilícito e esta é a razão de sua responsabilização; na segunda, ele só pratica ato ou atos lícitos, mas se verifica em relação a ele o fato jurídico descrito na lei como ensejador da responsabilidade. Quem responde subjetivamente fez algo que não deveria ter feito; quem responde objetivamente fez só o que deveria fazer. A ilicitude ou licitude da conduta do sujeito a quem se imputa a responsabilidade civil é que define, respectivamente, a espécie subjetiva ou objetiva.

Em princípio, a responsabilidade subjetiva encontra seu fundamento na culpa ou dolo, por ação ou omissão, lesiva a determinada pessoa. Desse modo, a prova da culpa do agente será necessária para que surja o dever de reparar o dano.

Chama-se subjetiva, pois depende do comportamento do sujeito, sendo necessária ação ou omissão deste para que surja a obrigação de indenizar. Encontrando fundamento/embasamento, principalmente, no art. 186 do Código Civil Brasileiro, torna possível afirmar que inicialmente a responsabilidade civil surja com a verificação da culpa.

Contudo, avista-se que em contrapartida a este tipo de responsabilidade há aquela que é objetiva, ou seja, é irrelevante a conduta culposa ou dolosa do agente causador do dano, uma vez que bastará a existência do nexo causal entre o prejuízo sofrido pela vítima e a ação do agente para que surja o dever de indenizar.

Assim, quando a comprovação da culpa torna-se difícil ou até mesmo impossível para a vítima, o ordenamento jurídico pátrio adotou hipóteses em que não é necessária a comprovação da culpa, são os casos da responsabilidade objetiva ou responsabilidade sem culpa.

Quando a responsabilidade prescinde de culpa, ou seja, a lei impõe a reparação de um dano cometido sem culpa, diz-se que esta responsabilidade é objetiva, sendo necessária somente a comprovação do nexo de causalidade.

Conforme Gonçalves (2010, p. 49):

A classificação corrente e tradicional, porém, denomina objetiva a responsabilidade que independe de culpa. Esta pode ou não existir, mas será sempre irrelevante para a configuração do dever de indenizar. Indispensável será a relação de causalidade, uma vez que, mesmo no caso de responsabilidade objetiva, não se pode acusar quem não tenha dado causa ao evento. Nessa classificação, os casos de culpa presumida são considerados hipóteses de responsabilidade subjetiva, pois se fundam ainda na culpa, mesmo que presumida.

A teoria do risco busca justificar a responsabilidade objetiva, haja vista que aquele que exerce atividade em que há a possibilidade de ocasionar risco de dano a terceiros tem o dever de indenizar, mesmo que sua conduta seja isenta de culpa.

Assim, a responsabilidade subjetiva é aquela inspirada na ideia de culpa, enquanto a objetiva é embasada na teoria do risco.

O ordenamento jurídico brasileiro adotou em suas codificações a regra da teoria subjetiva, mas isso não causa prejuízo à adoção da responsabilidade objetiva, sendo exemplos de tal responsabilidade os arts. 936, 937 e 938 do Código Civil, e várias leis esparsas, a exemplo da Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor.

3.3 REQUISITOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Observa-se que, em regra, apenas atos ilícitos geram obrigação de indenizar, conforme o art. 927 do CC/2002, o qual traz a regra matriz da responsabilidade civil. O art. 186 do Código Civil informa que todo aquele que causa dano a outrem é obrigado a repará-lo. Logo, a lei impõe a quem praticar o ato ilícito o dever de reparar o prejuízo resultante.

Sérgio Cavalieri Filho apresenta pertinente definição de ato ilícito em sua obra Programa de Responsabilidade Civil (2010, p.33):

O ato ilícito, portanto, é sempre um comportamento voluntário que infringe um dever jurídico, e não que simplesmente prometa ou ameace infringi-lo, de tal sorte que, desde o momento em que um ato ilícito foi praticado, está-se diante de um processo executivo, e não diante de uma simples manifestação de vontade. Nem por isso, entretanto, o ato ilícito dispensa uma manifestação de vontade. Antes, pelo contrário, por ser um ato de conduta, um comportamento humano, é preciso que ele seja voluntário, como mais adiante será ressaltado. Em conclusão, ato ilícito é o conjunto de

pressupostos da responsabilidade.

Ressalte-se, ainda, a argumentação de Maria Helena Diniz (2009, p.41):

É mister esclarecer, ainda, que o ilícito tem duplo fundamento: a infração de um dever preexistente e a imputação do resultado à consciência do agente. Portanto, para sua caracterização, é necessário que haja uma ação ou omissão voluntária, que viole norma jurídica protetora de interesses alheios ou um direito subjetivo individual, e que o infrator tenha conhecimento da ilicitude de seu ato, agindo com dolo, se intencionalmente procura lesar outrem, ou culpa, se consciente dos prejuízos que advêm de seu ato, assume o risco de provocar evento danoso. Assim, a ação contrária ao direito, praticada sem que o agente saiba que é ilícita, não é ato ilícito, embora seja antijurídica.

Diante do mencionado, fica clarividente que, na responsabilidade subjetiva, o ato ilícito é pressuposto essencial. Por outro lado, na responsabilidade objetiva, sem a presença de culpa, o ato ilícito mostra-se incompleto.

Conforme dito anteriormente, no ordenamento brasileiro a regra geral é a culpa como fundamento da responsabilidade civil, embora haja a responsabilidade sem culpa – objetiva.

Para que haja a responsabilização por ato ilícito, é imprescindível a análise da conduta do agente, buscando evidenciar se este agiu com culpa ou dolo, ou seja, caso se entenda que ele poderia ou deveria ter agido de outra maneira e preferiu causar o dano.

Para Maria Helena Diniz (2009, p.42):

A culpa em sentido amplo, como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou cautela, compreende: o dolo, que é a violação intencional do dever jurídico, e a culpa em sentido estrito, caracterizada pela imperícia, imprudência ou negligência, sem qualquer deliberação de violar um dever. Portanto, não se reclama que o ato danoso tenha sido realmente querido pelo agente, pois ele não deixará de ser responsável pelo fato de não se ter apercebido do seu ato nem medido as suas consequências.

Assim, percebe-se que no campo civil a noção de culpabilidade abrange tanto a culpa quanto o dolo, como bem pondera o doutrinador Venosa (2010, p. 27), ao falar que “culpa em sentido amplo abrange não somente o ato ou conduta intencional, o dolo (delito, na origem semântica e histórica romana), mas também os atos ou condutas eivados de negligência, imprudência, ou imperícia [...]”.

A distinção entre culpa e dolo não se apresenta relevante no âmbito da responsabilidade, ou seja, para fins de indenização basta o prejuízo de fato.

Maria Helena Diniz faz uma breve distinção entre tais conceitos (2009, p.42):

O dolo é a vontade consciente de violar o direito, dirigida à consecução do fim ilícito, e a culpa abrange a imperícia, a negligência e a imprudência. A imperícia é falta de habilidade ou inaptidão para praticar certo ato; a negligência é a inobservância de normas que nos ordenam agir com atenção, capacidade, solicitude, discernimento, e a imprudência é precipitação ou o ato de proceder sem cautela. Não há responsabilidade sem culpa, exceto disposição legal expressa, caso em que se terá responsabilidade objetiva.

Para Carlos Roberto Gonçalves (2010, p.53), é preciso ressaltar que “Para obter a reparação do dano, a vítima geralmente tem de provar dolo ou culpa stricto sensu do agente, segundo a teoria subjetiva adotada em nosso diploma civil.”

A culpa deve ser analisada no caso concreto, pois sua conceituação, mesmo que pareça ser de fácil compreensão, traz uma grande extensão de possibilidades.

Podendo ser dividida em: imperícia, que é a falta de habilidade ou inaptidão para praticar certo ato; negligência, a falta de cuidado por omissão; e imprudência, que é a falta de cautela por conduta comissiva, ou seja, por uma ação.

A respeito da culpa, pondera Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 36 apud Washington de Barros Monteiro, Curso, cit., p.414):

A teoria subjetiva desce a várias distinções sobre a natureza e extensão da culpa. Culpa lata ou “grave” é a falta imprópria ao comum dos homens, é a modalidade que mais se avizinha do dolo. Culpa “leve” é a falta evitável com atenção ordinária. Culpa “levíssima” é a falta só vitável com atenção extraordinária, com especial habilidade ou conhecimento singular. Na responsabilidade aquiliana, a mais ligeira culpa produz obrigação de indenizar (in lege Aquilia ET levíssima culpa venit).

Outro pressuposto fundamental da responsabilidade é o dano, haja vista que sem ele não há que se falar em dever de indenizar, sendo este o prejuízo sofrido pelo agente, podendo dividir-se em material ou simplesmente moral.

Bem ressalta Carlos Roberto Gonçalves (2010, p.55):

[...] mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha havido culpa, e até mesmo dolo, por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo. Se, por exemplo, o motorista comete várias infrações de trânsito, mas não atropela nenhuma pessoa nem colide com outro veículo, nenhuma indenização será devida, malgrado a ilicitude de sua conduta.

E ainda, segundo Fábio Ulhoa Coelho (2010, p.301):

A existência de dano é condição essencial para responsabilidade civil, subjetiva ou objetiva. Se quem pleiteia a responsabilização não sofreu dano de nenhuma espécie, mas meros desconfortos ou riscos, não tem direito a nenhuma indenização.

Assim, para que haja a responsabilização do agente, é fundamental que seja caracterizada a existência de um dano.

O nexo causal é o que une a conduta do agente ao dano efetivo, e por meio deste pode-se concluir quem foi o causador do prejuízo, ou seja, é indispensável para responsabilização. Tanto é assim, que na responsabilidade objetiva dispensa-se a culpa, mas não o nexo causal.

Portanto, é possível afirmar que, mesmo havendo dano, se não é possível relacionar ao comportamento do agente, inexiste obrigação de indenizar. Como bem ressalta Venosa (2010, p. 56): “Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida.”

O nexo causal, para Maria Helena Diniz, é conceituado como aquele que é (2010, p. 111):

O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se “nexo causal”, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela consequência.

Dessa forma, sendo o nexo de causalidade pressuposto da responsabilidade civil, deverá ser provado pela parte que sofreu o dano – no caso da responsabilidade civil subjetiva, haja vista que na objetiva o ônus da prova recaia sobre o causador do dano.

Assim, devem-se observar a presença e a necessidade de cada pressuposto na configuração do dever de indenizar.

4 RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA E AS CIRURGIAS ESTÉTICAS

A saúde tem um espaço importante na sociedade desde a antiguidade, a Medicina é considerada uma arte, sendo o médico aquele indivíduo experiente e bom conhecedor da ciência médica ao ponto de passar segurança para seus pacientes.

O profissional da medicina tem como obrigação usar toda a técnica aprendida, diligência e perícia da melhor forma possível para tentar curar as doenças. No entanto, não é pertinente a este profissional prometer a cura, assim, claro está que para apuração de responsabilidade do médico é necessária a aferição de culpa.  

Frise-se, ainda, que a responsabilidade médica tem natureza contratual, ainda que fixada tacitamente. Não sendo possível afirmar que se o médico não obtiver a cura do doente, aquele será inadimplente, pois a obrigação que tais profissionais possuem, em regra, é uma obrigação de “meio”.

No entanto, há casos em que realmente a responsabilidade do médico será extracontratual, a exemplo quando o médico socorre uma vítima de acidente, a responsabilidade, nesse caso, será extracontratual, haja vista que o médico não teve como avençar com o paciente os termos em que se daria a sua intervenção profissional ante a enfermidade que lhe era apresentada.

Cabe aqui mencionar a distinção existente nas obrigações de meio e de resultado: nesta configura-se como dever do ato a ser praticado atingir um fim previamente acordado, ou seja, caso o resultado não venha a ocorrer ou se tiver resultado diverso daquele acordado, o devedor terá que provar ausência de culpa na inexecução do acordo.

Já a obrigação de meio se caracteriza pela obrigação em que o devedor se obriga a usar com prudência e diligência todos os meios necessários e recursos disponíveis para atingir um resultado, contudo é irrelevante a verificação do mesmo. O objeto de tal obrigação é a própria atividade do devedor, não se questiona o resultado, mas se o profissional agiu de forma diligente e prudente.

O médico só poderá ser responsabilizado se deixou de empregar os meios e métodos necessários, lesando o paciente, sendo fundamental a prova de que o dano realmente resultou de um ato médico, ou seja, o nexo entre a conduta do médico e o dano causado ao paciente.

Dessa forma, somente será imputada a responsabilidade civil aos médicos caso seja provada a presença de qualquer modalidade de culpa: imprudência, negligência ou imperícia.

O Código Civil atual dispõe sobre esta responsabilidade no seu art. 951:

O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se, ainda,  no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão ou inabilitá-lo para o trabalho.

O Código Civil adotou a modalidade de responsabilidade subjetiva para tais profissionais, e isto foi mantido no Código de Defesa do Consumidor, conforme o disposto no seu art. 14, §4º: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”

Há necessidade de mencionar que o Código de Defesa do Consumidor provocou uma revolução no que tange à responsabilidade civil. Assim que entrou em vigor, o CDC instituiu uma disciplina jurídica única e uniforme com a intenção de tutelar os direitos materiais ou morais de todos os consumidores.

Tratando-se de normas de ordem pública e com o interesse social, positivou valores básicos da nossa sociedade, sendo a regra dessa legislação a responsabilidade objetiva.

O Código de Defesa do Consumidor, atento a esses novos rumos da responsabilidade civil, também consagrou a responsabilidade objetiva do fornecedor, tendo em vista especialmente o fato de vivermos, hoje, em uma sociedade de produção e de consumo em massa, responsável pela despersonalização ou desindividualização das relações entre produtores, comerciantes e prestadores de serviços, em um polo, e compradores e usuários do serviço, no outro. (GONÇALVES, 2010, p. 260)

Não se exige a comprovação de culpa pela parte lesada. Resumindo, se o consumidor sofrer algum dano causado pelo fornecedor, não necessitará provar negligência, imprudência ou imperícia, bastando somente a comprovação do dano e do nexo causal.

Assim, mesmo que a lei 8.078/90 enquadre o médico como um prestador de serviços e sua responsabilidade seja subjetiva, o CDC permite a inversão do ônus da prova, caso seja de difícil produção para o paciente, como bem dispõe o art. 6º, VIII.

Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2010, p. 259):

A obrigação principal consiste no atendimento adequado do paciente e na observação de inúmeros deveres específicos. O dever geral de cautela e o saber profissional próprios do médico caracterizam o dever geral de bom atendimento. Dele se exige, principalmente, um empenho superior ao de outros profissionais.

Um dos principais deveres inerentes ao médico é o de prestar informações ao seu paciente, sendo necessário esclarecer sobre o progresso da ciência e sobre a composição e as propriedades das drogas que administra, bem como as condições particulares do paciente. O médico deve orientar tanto o paciente quanto sua família sobre os riscos existentes.

Conceituada a responsabilidade médica, convém lembrar que o Direito tem papel fundamental para regular os reflexos da medicina em toda a sociedade, pois com o grande avanço das ciências e da tecnologia, o judiciário vem honrar os princípios fundamentais, ou seja, o Direito é usado como um fator limitador.

A responsabilidade dos médicos, em regra, é subjetiva, no entanto, no caso das cirurgias plásticas, a situação possui algumas singularidades, especificamente no que tange as cirurgias meramente estéticas, sem qualquer finalidade terapêutica.

Tenha-se em vista que a cirurgia plástica pode ocorrer de duas formas: a cirurgia reparadora, que possui necessidade terapêutica, visando a reparar patologias congênitas ou adquiridas, onde a obrigação é a de meio. E a cirurgia meramente estética, que tem por objetivo corrigir alguma insatisfação pessoal, por simples vaidade, sendo considerada pela maioria da doutrina e jurisprudência como obrigação “resultado”, e não apenas a obrigação de usar as melhores técnicas, ou agir com perícia.

Os pacientes que procuram esse tipo de “tratamento” não visam à cura, e sim a um melhoramento da sua aparência, ou seja, interessa-lhes o resultado. Acaso não seja alcançado o resultado pretendido, surge a obrigação indenizatória.

Em relação ao mencionado acima sobre a obrigação de resultado assumida pelo cirurgião que realiza intervenção meramente estética, traz-se à lume a seguinte corrente jurisprudencial:

RESPONSABILIDADE CIVIL - Erro médico - Deformação de seios, decorrente de mamoplastia - Culpa presumida do cirurgião - Cabimento - Hipótese de cirurgia plástica estética e não reparadora. Obrigação de resultado. Negligência, imprudência e imperícia, ademais, caracterizadas. (TJSP - AC 233.608-2 - 9ª C. - Rel. Des. Accioli Freire – Julgado em: 09.06.94)

Percebe-se que no Tribunal Paulista, ao ser caracterizado o erro em cirurgia plástica, o posicionamento é de que a culpa do cirurgião é presumida, pois a obrigação assumida por este é a de resultado, devendo o profissional demonstrar que agiu com negligência, prudência e perícia, no entanto, no caso acima foi demonstrado o cabimento de responsabilização do médico.

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO MÉDICO - CIRURGIA PLÁSTICA DE NATUREZA ESTÉTICA - OBRIGAÇÃO MÉDICA DE RESULTADO - A cirurgia plástica de natureza meramente estética objetiva embelezamento. Em tal hipótese o contrato médico-paciente é de resultado, não de meios. A prestação do serviço médico há que corresponder ao resultado buscado pelo paciente e assumido pelo profissional da medicina. Em sendo negativo esse resultado ocorre presunção de culpa do profissional. Presunção só afastada fizer ele prova inequívoca tenha agido observando estritamente os parâmetros científicos exigidos, decorrendo, o dano, de caso fortuito ou força maior, ou outra causa exonerativa o tenha causado mesmo desvinculada possa ser à própria cirurgia ou posterior tratamento. Forma de indenização correta. Dano moral. Sua correta mensuração. (TJRS - AC 595068842 - 6ª C. Cív. - Rel. Des. Osvaldo Stefanello - J. 10.10.95)

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO MÉDICO. APLICAÇÃO DO ART. 14, §4º DO CDC. CIRURGIA DE REALINHAMENTO DO SEPTO NASAL (OBRIGAÇÃO DE MEIO) E DE RECOMPOSIÇÃO ESTÉTICA DO NARIZ (OBRIGAÇÃO DE RESULTADO). RESULTADO NÃO SATISFATÓRIO QUANTO À CIRURGIA ESTÉTICA. DANO MORAL CARACTERIZADO. DANO MATERIAL AFASTADO. A responsabilidade pessoal do médico é subjetiva e, por conseguinte, deve ser provada a culpa, pois incidente o § 4º do art. 14 do CDC. No caso, considerando que, conjuntamente, o médico realizou dois procedimentos de natureza diversas na paciente, deve-se atentar no que se refere à cirurgia estética, que a obrigação é de resultado, e, por sua vez, a correção do septo nasal é obrigação de meio. Comprovado apenas nos autos, a insatisfação com o resultado da cirurgia embelezadora, a indenização deve a ela se restringir. Pedido indenizatório reconhecido com relação aos danos morais decorrentes do resultado falho da cirurgia estética. Valor indenizatório fixado em valores módicos, em atenção à extensão dos danos. RECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDO, por maioria. (Apelação Cível Nº 70045294584, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Artur Arnildo Ludwig, Julgado em 13/09/2012)

A jurisprudência rio-grandense deixa claros os pontos mencionados no presente estudo. No primeiro caso fica evidenciado que será cabível indenização por ser cirurgia meramente estética, sendo afastada a culpa do profissional caso demonstre que o dano é decorrente de caso fortuito ou força maior; no segundo julgado, demonstrou-se a que a responsabilidade do médico é subjetiva, conforme o art. 14 §4º do CDC, e sendo cirurgia embelezadora, a obrigação é a de resultado, cabendo indenização por insatisfação do paciente.

RESPONSABILIDADE CIVIL. MÉDICO. ERRO. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO E NÃO DE MEIO. 1- A obrigação do médico, via-de-regra, é a de usar os melhores meios disponíveis ao seu alcance para tratar o mal que acomete o paciente e, neste aspecto, dissocia-se do resultado. 2- Contudo, quando se trata de cirurgia plástica com finalidade eminentemente estética, há exceção à regra geral, passando a obrigação do médico a ser de resultado. 3- A existência de conduta culposa que caracterize o descumprimento dessa obrigação enseja o dever de indenizar. (TJRJ –AC 2009.001.38826 – 5ª C. Cív. – Rel. Des. Milton Fernandes de Souza. Julgado em 28/07/2009)

Mais uma vez demonstrou-se que o posicionamento a respeito da obrigação de resultado em cirurgia embelezadora é o que prevalece, sendo este o entendimento também do Tribunal Fluminense, como se denota na ementa acima, que afirma, em sendo a conduta culposa, no descumprimento da obrigação de resultado, dá ensejo ao dever de indenizar do médico.

Assim, nota-se que desde a década de 1990 os principais Tribunais brasileiros inclinam-se em classificar a obrigação assumida pelo cirurgião plástico em procedimentos meramente estéticos como de resultado, comprometendo-se o profissional com o efeito embelezador prometido, confirmando os termos abordados no presente trabalho.

Bem conceitua Sílvio de Salvo Venosa (2010, p.163):

Não resta dúvida de que a cirurgia estética ou meramente embelezadora trará em seu bojo uma relação contratual. Como nesse caso, na maioria das vezes, o paciente não sofre de moléstia nenhuma e a finalidade procurada é obter unicamente um resultado estético favorável, entendemos que se trata de obrigação de resultado.

No mesmo sentido, destaca Sergio Cavalieri Filho (2004, p. 380):

O objetivo do paciente é melhorar a aparência, corrigir alguma imperfeição física – afinar o nariz, eliminar as rugas do rosto etc. Nesses casos, não há dúvida, o médico assume obrigação de resultado, pois se compromete a proporcionar ao paciente o resultado pretendido. Se esse resultado não é possível, deve desde logo alertá-lo e se negar a realizar a cirurgia.

Assim, no caso de insucesso na cirurgia estética, tratando-se de obrigação de resultado, haverá presunção de culpa, cabendo ao profissional que realizou a cirurgia provar a ocorrência de fator imprevisível capaz de afastar seu dever de indenizar.

Mesmo que a obrigação seja a de resultado, a responsabilidade do profissional da medicina permanece subjetiva, o que ocorre é a transferência para o médico do ônus da prova, podendo este esclarecer que os danos decorreram de fatores externos e alheios a sua atuação na cirurgia.

Portanto, inverte-se o ônus da prova, bastando a insatisfação com o efeito final da cirurgia para que o paciente possa ser indenizado, sendo cabível, por outro lado, ao profissional liberal provar alguma excludente de responsabilização.

5 O DANO ESTÉTICO E OS PADRÕES SOCIAIS DE BELEZA

O dano já foi mencionado no presente trabalho por tratar-se de um pressuposto da responsabilidade civil. Passemos à análise desse pressuposto especificamente no âmbito da responsabilidade médica, mais especificamente quanto ao dano estético.

É importante nos atermos novamente ao fato de que a ausência do dano leva à inexistência da obrigação de indenizar.

Nas próximas linhas são esclarecidos pontos sobre o dano médico, ou seja, aquele gerado por um ato comissivo ou omissivo de um profissional da área médica que esteja eivado de negligência, imprudência ou imperícia, experimentado pelo paciente.

Normalmente o dano médico atinge a integridade física da vítima, pois a atividade médica é feita, em regra, no corpo do paciente, principalmente nas cirurgias plásticas.

O Código Civil de 2002 não menciona o dano estético, no entanto Cavaliere (2004, p.114) acredita que “possamos identificá-lo na última parte do art. 949: além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.”

No caso das cirurgias embelezadoras, o dano causado será o estético, sendo este uma espécie de dano, assim como o dano moral e o dano material. Tem como característica o fato de causar ao paciente (vítima) desgosto, constrangimento, sofrimento, portanto atinge a moral da vítima. Pode acontecer de gerar também reflexo material, como o exemplo citado por Cavalieri (2004, p.115): “deformidade pode acarretar para a vítima dano patrimonial, decorrente da redução da sua capacidade laborativa – a atriz não mais pode exercer sua profissão [...]”

Para Maria Helena Diniz (2002, p.73):

O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre a sua capacidade laborativa.

Nota-se que o dano estético é aquele que causa constrangimento ao lesado, que compromete a normalidade de aceitação no meio social, tendo em vista que se vive em uma sociedade que supervaloriza a beleza, a boa forma, a aparência de forma geral.

Portanto, o dano estético é uma espécie autônoma do dano moral, e apesar de possuírem características parecidas, deve ser analisado separadamente, e sua indenização não deve ser incorporada à decorrente do dano moral.

Mesmo sendo passível de indenização, sua avaliação e reparação são difíceis de mensurar, haja vista que não há parâmetros objetivos que levem à sua quantificação. Contudo, como já dito exaustivamente no presente estudo, não é admissível que o causador do dano fique impune sem que sobre ele recaia obrigação de indenizar o ofendido.

Atualmente, a sociedade consumista, incentivada pela mídia capitalista, impõe uma grande valoração ao signo beleza. O termo estética é originário do vocábulo grego aistlhesis que tem como significado sensação. A estética tem como objeto atingir a beleza, a perfeição do corpo humano.

A estética trata de um ramo da filosofia que estuda a natureza do belo e dos fundamentos da arte. A base do seu estudo está no julgamento e na percepção do que é belo, no interesse e na preocupação das emoções pelos fenômenos estéticos, por outro lado, a estética também pode ocupar-se da privação da beleza, ou seja, o que pode ser considerado feio.

Sobre a beleza, fica evidente que a sociedade sempre buscou o belo, o agradável aos olhos, sendo um tema de suma importância, haja vista que não se trata somente de vaidades, mas, antes disso, beleza significa aceitação social, o tranquilo convívio em sociedade, ou seja, um convívio sem frustrações, constrangimentos, sem diferenciações.

A concepção de belo e beleza é difícil de definir, haja vista que tais conceitos estão sempre sendo alterados, havendo uma influência da sociedade no que é considerado como belo, ou seja, existe em determina época um conceito padrão do que é bonito.

Na filosofia estética, existem várias definições. Para Platão, o belo é o bem, a verdade, a perfeição, existe em si mesma, apartada do mundo sensível, residindo, portanto, no mundo das ideias. Temos, dessa forma, uma concepção de belo que se afasta da interferência e da participação do juízo humano, ou seja, o homem tem uma atuação passiva no que concerne ao conceito de belo: não está sob sua responsabilidade o julgamento do que é ou não é belo.

Já para Aristóteles, o belo é inerente ao homem, pois a arte está ligada particularmente à ação humana e, não podendo estar num mundo apartado daquilo que é sensível ao homem. Por exemplo, a beleza de uma obra de arte é estabelecida por critérios tais como proposição, simetria e ordenação, tudo em sua justa medida.

Após essas concepções, surgiu na Idade Média uma identificação do belo diretamente ligado a Deus, assim, tanto Santo Agostinho quanto São Tomás de Aquino a beleza é conhecida como o bem, ademais da igualdade, do número, da proporção e da ordem, sendo estes reflexos da própria beleza de Deus.

Assim, percebe-se que, no decorrer da história, a ciência e a filosofia sempre procuraram definir a beleza e qual seria sua manifestação mais elevada. Os parâmetros de beleza que emergem nas sociedades são inevitavelmente influenciados pelos padrões culturais da época.

Hoje essa prática de culto ao corpo e à beleza é entendida como consumo cultural, colocando-se como preocupação geral, que atinge a todas as classes sociais e faixas etárias.

A imagem do corpo ideal é atrelada às conotações simbólicas de sucesso, autocontrole e autodisciplina. O fracasso em se atingir tal ideal de beleza é compreendido com falta de vontade, baixa autoestima e personalidade fraca. Já os que atingem esse padrão alcançarão tudo o que buscam: sucesso na profissão, nos relacionamentos sociais e amorosos.

Dessa forma, fica cristalino que os padrões sociais impõem ao cidadão um dilema entre permanecer com a aparência que a natureza biológica lhe reservou, ou mudá-la para “melhor” de uma forma que não comprometa a normalidade de aceitação no meio social, tendo em vista que se vive numa sociedade que supervaloriza a estética, a boa aparência e a harmonia dos traços.

Com a evolução das técnicas de cirurgia plástica e outros tipos de intervenção estética, mais pessoas se veem “enfeitiçadas” pela possibilidade de terem uma aparência que supostamente seria mais bela.

O consumismo e o narcisismo – marcas da cultura moderna- movimentam bilhões de dólares e fazem do Brasil um dos campeões em cirurgias plásticas por motivos estéticos.

O Brasil é o segundo país no ranking mundial de cirurgias plásticas. Segundo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, no ano de 2009 eram realizadas 1,2 mil cirurgias plásticas ao dia, atualmente são realizadas mais de 1,7 mil cirurgias plásticas, ou seja, a cada hora, são 71 operações estéticas em pessoas que objetivam, com o procedimento, o corpo e o rosto perfeitos. O país só perde em número de plásticas para os Estado Unidos, o primeiro da lista em todo o mundo.

Diante da popularidade que a cirurgia plástica desfruta nos dias de hoje, a questão que se coloca é até que ponto se pode conseguir a perfeição através do “bisturi”, ou essa perfeição é apenas uma ideologia imposta?

Quando se trata de cirurgia estética, os profissionais da medicina sabem que muitas vezes o paciente tem como parâmetro um formato idealizado que apenas reflete o visual do momento e pouco tem a ver com os fatores que melhor determinam a harmonia de cada rosto.

A crescente preocupação com o corpo, com dieta alimentar, consumo excessivo de cosméticos e cirurgias plásticas, ou seja, a incessante batalha pela perfeição, foi impulsionada basicamente pelo processo de massificação das mídias a partir dos anos 1980, portanto, após a segunda revolução industrial, quando as artes foram submetidas a uma nova servidão, imposta pelo mercado capitalista, e a ideologia da indústria cultural, que tinha como base o consumo de produtos culturais fabricados em série, em que o corpo ganha mais espaço, principalmente nos meios televisivos, atingindo todas as classes, inclusive a mais baixa.

A mídia ajudou, para não dizer determinou, na criação de padrões de aparência e beleza, difundindo novos valores da cultura de consumo e projetando imagens de estilos de vida glamorosos para o mundo inteiro, podendo-se dizer que difundiu a ilusão de que a beleza está atrelada à felicidade.

A imagem de juventude plena, associada ao corpo perfeito e ideal, atravessa todas as faixas etárias e classes sociais, produzindo assim diferentes estilos de vida. Nesse sentido, as “fábricas de imagens” como cinema, televisão, publicidade, revistas, empresas de cosméticos e as clínicas de cirurgias plásticas têm contribuído para isso, e claro, lucrado bastante.

Os setores da mídia estão a todo instante tentando vender o que não está disponível nas prateleiras ou nos consultórios: sucesso e felicidade.

Acreditamos que nada há de errado em práticas de cuidado com o corpo, desde que associadas à saúde. No entanto, os cuidados com a beleza não devem se dar de forma tão intensa e ditatorial, devem-se ter limites.

Nesse sentido, o Direito serve como instrumento limitador para que não sejam cometidos excessos em nome da beleza. Conforme já asseverado no presente estudo, a lei nº 8.078/90 trata a responsabilidade do profissional liberal médico de forma subjetiva, no entanto caso se trate de uma obrigação de resultado, acontecerá a presunção de culpa, com a inversão do ônus da prova, como explicitado no art. 6º, inciso VIII da lei acima referida, devendo o cirurgião estar atento, pois seus procedimentos também estão submetidos a tais regras.

O art. 28 do Código de Ética da Medicina autoriza o médico: “Recursar a realização de atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência.”

Demonstra-se que juridicamente a responsabilidade do médico está sendo restringida, sendo necessário que esses profissionais se enquadrem ao que a norma traz, visto que devido ao culto e à luta pela beleza as cirurgias plásticas se transformaram numa obsessão da sociedade.

Cabe também aos juristas considerarem as exceções criadas na forma de responsabilização dos cirurgiões plásticos, pois o ideal de beleza pretendido pelas pessoas torna difícil a obtenção do resultado almejado, assim, a obrigação assumida no caso de cirurgia meramente estética, é considerada como de resultado, no entanto tem-se que considerar que, como todo ramo do Direito, este ponto está propenso a exceções.

6 LIMITAÇÃO DA RESPONSABILIDADE MÉDICA EM CIRURGIAS PLÁSTICAS

A responsabilidade civil, na atualidade, tem função de promover a dignidade da pessoa humana mediante a tutela dos direitos da personalidade. Além da proteção ao patrimônio material das pessoas, deve também proteger a sua capacidade de desenvolvimento intelectual e psíquico.

No direito moderno, fundado na objetividade e pautado na busca pelas certezas, torna-se difícil proceder à mensuração exata dos danos causados em cirurgias estéticas, haja vista o mencionado, além do patrimônio da vítima, é atingida sua integridade mental, pois o paciente procura a cirurgia plástica como uma forma de sentir-se incluído neste modelo de sociedade.

Cabe salientar que o cirurgião deve prestar ao paciente as informações completas, precisas e inteligíveis, considerando que ele é o detentor do conhecimento de possíveis riscos e insucessos que podem ocorrer quando da realização do procedimento.

Assim sendo, é de fundamental importância que o cirurgião plástico atue de forma cautelosa, com profissionalismo e ética, para que possam ser evitados danos ou insatisfações do paciente, pois de acordo com tudo o que foi estudado até agora, a obrigação assumida por este profissional é a de resultado.

No entanto, como em qualquer âmbito de trabalho, podem ocorrer imprevistos, o que gerará ou não uma indenização ao paciente, nesse ponto é que ganha destaque a atuação do judiciário, cabendo a este avaliar a extensão da responsabilidade do profissional da medicina.

Atualmente, é perfeitamente possível a reparação dos danos advindos de erros nos procedimentos cirúrgicos estéticos, seja de cunho moral, material ou estético, fundado em lei e na Constituição, que prevê expressamente a possibilidade de reparação. Mas, como dito, remanesce o problema da extensão da responsabilidade, até onde vai a responsabilização do médico frente ao ideal de perfeição esperado pelo paciente?

É fundamental ao magistrado que julga o erro em cirurgias meramente estéticas, que se atente às peculiaridades do caso concreto, pois existem diversos fatores que podem interferir decisivamente nas reações orgânicas dos pacientes, tais como conduta pós-operatória individual e a própria expectativa criada pela pessoa.

A cirurgia plástica é uma especialidade da medicina como qualquer outra, ou seja, é suscetível de erro. Devem ser consideradas as reações imprevisíveis do organismo humano e indesejadas consequências, sendo justo considerar que o médico não é um “deus”, incapaz de errar, mesmo que a obrigação assumida seja a de resultado.

O presente trabalho esclarece que, com a valorização da beleza pela sociedade, as pessoas encontram no cirurgião plástico uma forma de se adequar ao meio social em que vivemos hoje, e possivelmente essa forma de adequação buscada é imposta pela mídia, sendo muitas vezes impossível de se concretizar.

Conforme alhures informado, a ideia de beleza difundida hoje faz com que a obrigação do médico não se considere estritamente como de resultado, pois há a “fantasia” criada pela cultura atual, e mesmo que seja bem sucedida a intervenção médica, é possível que o paciente fique insatisfeito, uma vez que os padrões sociais de beleza hoje impostos trazem uma imagem de perfeição.

Diante disso, com o crescente culto ao belo, milhares de pessoas passaram a sonhar e a realizar cirurgias plásticas, fazendo desta um item de primeira necessidade, buscando melhor aceitação social ou profissional. Quando ocorre erro do cirurgião plástico, inicia-se para o  paciente um pesadelo, pois ele se vê deformado, e se antes não se considerava aceito, tampouco o será agora com sua aparência desfigurada.

Portanto, a responsabilidade médica deve ser observada pelos operadores jurídicos sob alguns aspectos: legal, doutrinário, jurisprudencial, conforme explanado no presente trabalho, e também por seu aspecto social, sendo que a beleza como vem sendo tratada pela sociedade – principalmente pela mídia, dificulta o resultado do trabalho desses profissionais. 

7 CONCLUSÃO

Diversas considerações e conclusões podem ser elaboradas com base no todo que foi desenvolvido e que se buscou esclarecer.

Com a constante evolução da sociedade, cada vez mais surgem problemas e conflitos a serem solucionas no âmbito do Poder Judiciário, e com base no estudado percebe-se que a intervenção do Direito é essencial à vida em sociedade, ao definir os limites dos direitos e deveres das pessoas, tentando, assim, prevenir conflitos e, em alguns casos, solucioná-los.

O Direito tem que evoluir juntamente com a sociedade, a fim de atender aos anseios da população e se adequar às novas mudanças. Nesse contexto, a responsabilidade civil passou por diversas alterações no decorrer da história, desde a Lei de Talião, que tinha como princípio fundamental “olho por olho, dente por dente”, bem como a Lex Aquilia, que introduziu a ideia de culpa no ordenamento jurídico.

Atualmente, nota-se que a responsabilidade civil continua em constante aperfeiçoamento, adequando-se à realidade da sociedade contemporânea. A Constituição Federal de 1988 trouxe consigo uma preocupação com a figura da vítima, tendo a responsabilidade civil a função de promover a dignidade da pessoa humana.

No direito brasileiro, adotou-se a teoria subjetiva como regra geral, porém há possibilidades de aplicação da responsabilidade independente de culpa, estando disciplinada em alguns diplomas, quais sejam na Constituição Federal, Código Civil Brasileiro, Código de Defesa do Consumidor e ainda no Código de Ética Médica.

Conforme visto, a responsabilidade civil do médico, em regra, é subjetiva, sendo imprescindível a comprovação da culpa do profissional para haver obrigação de indenizar, caso tenha sido cometido erro por imprudência, negligência ou imperícia, conforme preceitua a Lei 8.078/90.

As cirurgias plásticas, por sua vez, podem ser realizadas com duas finalidades, reparadora ou meramente estética, ou seja, aquela que é considerada como obrigação de meio, em que o médico obriga-se a aplicar todos os meios adequados para tratar o paciente, mas não está obrigado a atingir a cura; e esta é uma obrigação de resultado, o médico, ao tratar o paciente, já acordou previamente o resultado, com base no estabelecido pela doutrina e a jurisprudência majoritária.

Dessa forma, no caso de insucesso na cirurgia estética, haverá presunção de culpa, cabendo ao profissional provar que ocorreu fator imprevisível capaz de afastar seu dever de indenizar.

Feitas as considerações gerais acerca da responsabilidade civil, e posteriormente especificando a do profissional da medicina, passou-se para o exame do dano estético e da influência social nos padrões de beleza. Nota-se que hoje a cultura midiática tem grande influência nos ditames da beleza.

Hoje a busca pela beleza absoluta atingiu níveis um tanto quanto exagerados, pois a imagem do belo é atrelada a conotações de sucesso e felicidade. Trata-se de uma forma de aceitação social. Com esse tipo de alienação, o Brasil hoje é considerado o segundo país no ranking mundial de cirurgias plásticas. Isso nos leva a crer que as pessoas tentam se enquadrar cada dia mais ao perfil – inatingível – de beleza imposto por essa cultura de massa.

Devido a esta imposição são cometidos exageros, e é nesse momento que o direito atua como instrumento limitador, seja pelas regras gerais da Constituição Federal, do Código Civil, do Código de Defesa do Consumidor, do Código de Ética da Medicina, ou no momento da análise do caso concreto, considerando que pode haver exceções na forma de responsabilização dos cirurgiões plásticos.

Conclui-se do exposto que os médicos são profissionais que lidam com a saúde, a vida e outros elementos da personalidade humana, e que são amparados pelo sistema jurídico. Então, cabe aos profissionais respeitá-los em função dos preceitos gerais de cuidados e éticos da profissão.

Por fim, cumpre esclarecer que não se pretende modificar a obrigação assumida pelo cirurgião plástico em intervenções meramente estéticas. Quando muito, este trabalho visa a dar publicidade ao fato de que a cirurgia plástica deixou de ser algo excepcional à vida da sociedade, e passou a ser usada de maneira desmedida com o intuito de se alcançar algo difícil, se não impossível, de ser atingido em uma sala de cirurgia: a felicidade.

Frise-se, ainda, que deve ser considerado pelos operadores do direito o aspecto social na análise de indenização por insucesso em cirurgia meramente estética, com base no que foi explanado no presente estudo, pois a cirurgia plástica é uma especialidade da medicina como qualquer outra, suscetível a exceções, que merecem ser observadas.

Portanto, fica evidente, mesmo sendo pacífica na lei, doutrina e jurisprudência, a natureza da obrigação assumida pelos cirurgiões plásticos, há casos em que é necessário criar exceções, haja vista o padrão de beleza imposto pela sociedade e pela mídia, padrão este que leva as pessoas a cometerem excessos.

REFERÊNCIAS

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