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A natureza jurídica da "desistência voluntária" e do "arrependimento eficaz".

Uma questão de interpretação

A natureza jurídica da "desistência voluntária" e do "arrependimento eficaz". Uma questão de interpretação

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Preponderam duas correntes: uma defende que a desistência voluntária e o arrependimento eficaz são causa pessoal excludente de tipicidade; outra entende ser causa pessoal de exclusão da punibilidade.

Sumário: 1. Introdução - 2. Algumas noções preliminares. 2.1. Sistema jurídico-penal. 2.2. Norma penal. 2.3. Tipo penal. 2.3.1. Pressupostos de admissibilidade para a criação válida do tipo penal. 2.3.2. Funções do tipo penal. 2.4. Conceito de crime. 2.5. Procedimento de construção do crime (Iter criminis). 2.6.Elementos constitutivos do crime. 2.6.1. Tipicidade. 2.6.1.1.Tipicidade objetiva. 2.6.1.2.Tipicidade subjetiva. 2.6.1.3. Tipicidade formal. 2.6.1.4. Tipicidade material. 2.6.1.5. Tipicidade conglobante. 2.6.2. Antijudicidade. 2.6.3. Injusto penal. 2.6.4. Relação entre tipicidade material, antinormatividade e ilicitude. 2.6.5. Culpabilidade. 2.7. Tentativa. 2.7.1. Finalidade. 2.7.2. Conceito. 2.7.3. Fundamento da punibilidade da tentativa (teoria objetiva). 2.7.4. Identificação dos atos de execução pelo critério objetivo-individual de Welzel (tipificação da tentativa). 2.8. Desistência voluntária e arrependimento eficaz. 2.8.1. Conceitos. 2.8.2. Fundamentos à impunidade. 2.8.3. Natureza jurídica – 3. Punibilidade. 3.1. Noções básicas. 3.2. Princípios constitucionais legitimadores da punibilidade. 3.3. Circunstâncias do crime - 4. Interpretação sistemática do tipo penal de tentativa (art.14, II do CP). 4.1. Conceito e sentido da expressão circunstâncias alheias à vontade - 5. Interpretação sistemática do tipo penal de desistência voluntária (art.15 do CP). 5.1. Conceito e sentido da palavra voluntariamente. 5.2. Significado da expressão só responde pelos atos já praticados (tentativa qualificada) - 6. Natureza jurídica da desistência voluntária (e do arrependimento eficaz). 6.1. Causa excludente de adequação típica. 6.1.1. Críticas. 6.2. Causa de exclusão de punibilidade - 7. Um comentário de natureza processual - 8. Conclusões extraídas do estudo apresentado – 9. Bibliografia consultada.


1. Introdução

Uma das questões mais intrigantes da teoria do delito é a discussão doutrinária para se determinar qual a efetiva natureza jurídica da desistência voluntária (ou do arrependimento eficaz) do agente que já iniciara a execução de um crime. Analisando-se as controvérsias ora existentes, preponderam, atualmente, duas correntes de pensamento: uma, defendendo a tese de que o ato de desistência voluntária (ou de arrependimento eficaz) seja causa pessoal excludente de tipicidade; outra, entendendo ser causa pessoal de exclusão da punibilidade.

Os que defendem a atipicidade alegam que a punibilidade é um dos pressupostos da impunidade. Só é passível de punição quem pratica determinado crime. Logo, só quem pode ter a punibilidade excluída é o autor de delito que preencha determinados requisitos legais. Na hipótese de desistência voluntária, consideram, os estudiosos, que deixou de se concretizar o tipo abstrato de tentativa (art.14,caput,II do CP), em razão de o agente, por vontade própria, ter evitado a consumação do resultado típico. Portanto, não havendo crime tentado algum (pressuposto indispensável à punibilidade), inexiste a possibilidade jurídica de extinção de pena.

Os juristas que endossam a tese de exclusão de pena afirmam ser impossível excluir-se a tipicidade a posteriori de conduta inicialmente típica, pelo fato de o agente executor desistir (ou arrepender-se), voluntária e eficazmente, no curso da execução do delito planejado. Se foram efetivamente constituídos os elementos do crime (tipicidade, ilicitude e culpabilidade), jamais um ato de arrependimento poderá ser justificativa à desconstituição superveniente da tipicidade, por ser materialmente impossível retirar-se, do mundo fático, atos juridicamente proibidos e já realizados, que estão diretamente interligados ao resultado típico antes visado, em perfeita relação de causalidade material.

Diante da questão exposta, dúvidas ainda persistem na aferição da solução jurídica mais precisa e consentânea com a dogmática jurídico-penal em vigor. Pretendo, por conseguinte, com base na teoria finalista da ação e na relação de causalidade material, realizar uma interpretação adequada e satisfatória das normas penais aplicáveis ao caso, para que seja ratificada a tese da exclusão da punibilidade. Isso por entender que a teoria da excludente de tipicidade ignora o caráter material da tipicidade e seus efeitos concretos, em razão de desconstituí-la após uma simples interpretação lógico-formal, realizada ex post facto do tipo tentado.


2. Algumas noções preliminares

2.1. Sistema jurídico-penal

As relações entre as pessoas podem ser resumidas em duas espécies: relações de concorrência e relações de cooperação. As primeiras caracterizam-se pela inevitável existência de competição ou disputa entre sujeitos, sem qualquer ajuda recíproca entre eles, a fim de conquistar determinado bem da vida (existente em quantidade limitada na natureza), ou ainda, com o propósito de exercer, plena e concomitantemente, os direitos subjetivos dos quais são titulares. É o que se dá, exempli gratia, quando indivíduos buscam a conquista de determinado emprego ou, na segunda hipótese, quando procuram exercer as faculdades inerentes ao seu direito de propriedade, tendo, em contrapartida, que se sujeitarem ao direito de vizinhança dos demais. As relações de cooperação são, por natureza, inesgotáveis. As pessoas, em mútuo consenso, desejam um resultado comum. Colaboram, para tanto, entre si. Às vezes, com intenções contrapostas, a conduta de um é a causa da conduta do outro, como, por exemplo, acontece nos contratos bilaterais; outras tantas vezes, pessoas, com os mesmas intenções, conjugam seus esforços em busca de um fim comum e determinado. É o caso de indivíduos que, conjuntamente, destinam bens para a constituição de uma entidade filantrópica.

Levando-se em conta que se trata de uma sociedade pertencente a um Estado Democrático de Direito, que tem como parâmetro e fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana, mister se faz a criação de um sistema jurídico válido e eficaz, que possa ser capaz de prevenir prováveis conflitos de interesses oriundos das relações intersubjetivas inevitáveis ou, subsidiariamente, que possa ser apto a restaurar, in concreto, o estado de legalidade violado, reprimindo e reeducando os responsáveis pelas infrações às respectivas normas de conduta, que ocasionaram a intranqüilidade da população e a conseqüente descrença na segurança jurídica. A depender da espécie do bem da vida agredido, da gravidade da lesão por ele sofrida e da correspondente repercussão no contexto social vigente, o restabelecimento da ordem social dependerá, prioritariamente, da aplicação e da eficácia das respectivas normas jurídicas penais, as quais se submeterão os infratores.

O objeto de estudo do jurista são as normas jurídicas, que constituem o direito objetivo de um Estado. Considerando-se o conjunto das normas que estabelecem as regras mínimas de convivência em sociedade, verifica-se a existência de vários comandos fragmentados, isolados entre si. A priori, deve o operador do direito submetê-los a um tratamento indutivo e racional, visando a evidenciar princípios (expressos ou implícitos) que os interliguem ou os afastem. É a fase de descoberta de idéias e valores éticos e sociais, abstratamente considerados, constantes de um sistema normativo. Passa-se, então, à fase de elaboração de conceitos jurídicos (que expressam idéias e integram as normas) e de fixação da terminologia (linguagem), o que viabilizará o desenvolvimento do raciocínio jurídico e a construção do sistema. A elucidação dos princípios, a determinação dos conceitos e a fixação dos termos lingüísticos adequados constituem a metodologia dogmática. A dogmática jurídica analisa a letra do texto, o decompõe analiticamente em elementos (dogmas) e os reconstrói com lógica e coerência, formando o sistema jurídico e estabelecendo a sua unidade. Sistema jurídico é, portanto, um conjunto de normas jurídicas, compatíveis entre si, que regulamentam a convivência em sociedade.

O sistema jurídico-penal brasileiro é o conjunto de normas jurídicas penais nacionais, compatíveis entre si, extraídas das leis stricto sensu criadas pelo Congresso Nacional (art.22,I da CRFB), para incidirem em situações concretas que sejam insolucionáveis pela incidência de normas de natureza não criminal (caráter subsidiário e fragmentário das normas penais), com o propósito de restabelecer a ordem social e a confiabilidade dos administrados na eficácia do ordenamento jurídico violado, submetendo, para tanto, os agentes criminosos, em regra, ao cumprimento de penas privativas de liberdade, a título de retribuição e reeducação (finalidade preventiva especial da pena).

2.2. Norma penal

A norma jurídica que compõe o sistema é um comando dirigido a uma finalidade. É uma norma de conduta do homem, de natureza preventiva; mas é também, principalmente, norma de composição de conflito de interesses.

A norma jurídica possui sempre dois elementos internos: o comando e a sanção. Aquele determina como se conduzir; esta, estabelece as conseqüências na hipótese de violação do comando. São elementos inseparáveis. A coercibilidade é a essência da norma jurídica, inexistindo esta quando não haja sanção.

A estrutura externa da norma é a forma como ela é apresentada. É o instrumento que a exterioriza, que a veicula. Na hipótese da norma penal, é a própria lei stricto sensu (Código Penal).

O conteúdo material é composto de idéias e valores (éticos, morais, econômicos etc.) incorporados na norma jurídica pelo criador. A norma penal tem conteúdo eminentemente social. Tutela bens jurídicos que, se lesados, causam instabilidade e insegurança na ordem social e desconfiança na ordem jurídica. Em um Estado Democrático de Direito, tais bens da vida (vida, liberdade, intimidade etc.) são protegidos pela própria Constituição.

As normas penais podem ser da espécie incriminadora, que são normas extraídas da interpretação de tipos penais que descrevem condutas passíveis de punição; ou da espécie não incriminadora (normas de permissão: afirmam a licitude ou determinam a impunidade de condutas típicas realizadas em certas circunstâncias; e complementares ou explicativas: elucidam o conteúdo normativo ou delimitam o âmbito de aplicação de outras) .

Em se tratando de um sistema jurídico-penal vigente em um Estado Democrático de Direito, a criação de normas penais tem por finalidade precípua servir de instrumento de delimitação entre o poder intervencionista do Estado (jus puniendi) e as liberdades pessoais. Significa que o exercício desse poder condiciona-se não às noções de utilidade social ou de qualquer outro fim que justifique a atuação estatal, mas, sim, pela necessidade de garantia dos mesmos direitos a todos, nas hipóteses expressa e precisamente estabelecidas em lei. Assim compreendida, a norma penal tanto pode ser proibitiva quanto determinativa, estando sua validade dependente não da sua finalidade legal (ratio legis), mas da real necessidade de sua promulgação e das garantias que ofereça.

2.3. Tipo penal

2.3.1. Pressupostos de admissibilidade para a criação válida do tipo penal

A sociedade está em permanente evolução social, econômica e tecnológica. Muitos dos valores culturais que prevaleciam na consciência humana em épocas passadas, merecendo a proteção do sistema jurídico-penal, hodiernamente perderam a importância. Condutas, antes injustas e culpáveis, passaram a ser consideradas lícitas e socialmente adequadas ou, ainda, inadequadas socialmente, porém criminalmente insignificantes para que o agente responsável sofra a coerção penal.

Dessa forma, à medida que os conceitos de valores se alteram, o legislador, como membro da coletividade e representante do povo, sofre inevitável influência sobre suas convicções político-criminais. As razões que embasaram a criação de determinados modelos legais de condutas proibidas, elevando-as à categoria de crime, são enfraquecidas ou desaparecem por completo. O critério político-criminal que impulsionava a atuação do legislador para a construção de tipos penais é modificado. Fatos que antes deveriam submeter-se à incidência das normas penais, ou são descriminalizados, ou, caso ainda estejam previstos legalmente como crime, tornam a norma penal sem eficácia social.

Portanto, o Poder Legislativo Federal, para constituir o tipo penal incriminador, classificando, conseqüentemente, certa conduta como delituosa, deve observar os seguintes princípios, em se tratando de um Estado Democrático de Direito:

a) princípio da reserva legal (art.5.º,XXXIX da CRFB), cujo conteúdo se compõe de quatro subprincípios: 1- a lei que estabelece o tipo penal só deve ser aplicada a fatos futuros, salvo se para beneficiar o réu (lex praevia); 2- só a lei stricto sensu pode criar delitos, sendo, por conseguinte, inadmissível a criminalização por costumes (lex scripta); 3- é juridicamente impossível a aplicação analógica (in malam partem) de norma penal para fundamentar ou agravar a pena de fato que não tenha sido legalmente erigido prévia e expressamente à categoria do crime correspectivo (lex stricta); 4- os tipos penais devem ser certos, claros, precisos em seu texto o suficiente a não deixar dúvidas sobre a ratio legis, visando a obstar possíveis abusos decorrentes de juízos de valor do intérprete, necessários para uma correta interpretação e aplicação da norma (lex certa). Caso contrário, a segurança jurídica estaria abalada e as garantias individuais seriam materialmente inexistentes;

b) princípio da intervenção mínima. Significa dizer que determinada conduta só deve ser considerada, por lei, como crime, se a aplicação de normas não-penais forem insuficientes a restaurar a paz social, abalada pelo resultado por ela causado. A criminalização de condutas específicas identifica a natureza fragmentária da norma penal. Condutas são selecionadas para constituírem modelos proibidos, dentro de um universo de outras possibilidades de escolha, tendo em vista a relevância que a Constituição da República atribui a determinados bens da vida sob sua tutela (vida, liberdade, honra, propriedade etc.). O caráter subsidiário da norma penal também é evidenciado, pois, se a lesão não alcançou a magnitude suficiente para seu autor sujeitar-se à coerção penal, deverá submeter-se, em regra, às sanções civis;

c) princípio da lesividade. Quatro funções podem ser atribuídas a este princípio: 1- proíbe-se a incriminação de sentimentos pessoais, internos ao agente; 2- proíbe-se a incriminação de condutas que não agridam bens de terceiros. Não existem motivos para punir o agente por ter provocado danos a bens próprios, sem que haja qualquer efeito socialmente reprovável. Em regra, o autor possui plena disponibilidade sobre o que lhe pertence; 3- veda-se a incriminação de estados pessoais ou simples condições existenciais, ou seja, o ser humano não pode sofrer sanções em função de sua personalidade, por ser considerado perigoso. Deve ser punido em virtude do que produziu, não do que ele é. É o que se entende por direito penal do autor, plenamente inconstitucional, por incompatibilidade com os postulados democráticos que regem o sistema jurídico-penal vigente; 4- proíbe-se a incriminação de condutas que, apesar de moralmente reprováveis, não violam bens de terceiros. São condutas desviadas do conceito do moralmente aceito pela maioria da população em determinado contexto social; e

d) princípio da proporcionalidade. O princípio da proporcionalidade será o critério legitimador do exercício da atividade legislativa que imponha a privação da liberdade ao indivíduo, em razão de ter praticado o ato ora capitulado como crime. Tal princípio terá como função aferir a razoabilidade da norma penal recém-construída, por uma análise de sua adequação, de sua necessidade e de sua proporcionalidade em sentido estrito. A criação do tipo penal terá sido adequada se for o meio apto e idôneo a produzir o resultado desejado pela norma e seja conforme aos postulados constitucionais. A necessidade indica que o meio adequado e gravoso adotado deve ser indispensável ao alcance do fim social perseguido, pois, se houver conduta menos onerosa e de eficácia social equivalente, a tipificação terá sido inconstitucional. E, por fim, a proporcionalidade em sentido estrito irá avaliar se, ao sacrifício imposto ao direito fundamental do indivíduo (liberdade), corresponde um benefício ao direito privilegiado, compatível e razoável com os ideais mínimos de justiça.

Criado o tipo penal, as seguintes características passam a ser-lhe inerentes: exclusividade, pois só ele estabelece in abstrato que condutas são criminosas; imperatividade, independentemente de ser a norma permissiva ou incriminadora. Se concretizada a hipótese legal, necessariamente, o respectivo comando normativo produzirá efeitos em relação ao agente; generalidade, com eficácia erga omnes, em razão de ser dirigido a todos os indivíduos, alertando-os para que não executem a conduta descrita; abstratividade e impessoalidade, por viabilizar a punição, em tese, de fatos futuros a ele subsumidos, não se endereçando a alguém, especificamente; e, por fim, possui caráter fragmentário, em virtude de não ter natureza permanente.

2.3.2. Funções do tipo penal

Ressaltando-se, sempre, a plena submissão do sistema jurídico-penal aos postulados inerentes ao Estado Democrático de Direito, ao tipo penal atribuem-se as seguintes funções:

a) função sistemática. A função sistemática do tipo tem o propósito de obstar a transformação do Direito Penal em instrumento para cometimento de arbitrariedades pelos agentes públicos que tenham atribuição ou competência para operá-lo, em virtude das delimitações precisas dos elementos objetivos, subjetivos e normativos, configuradores de um delito, que não devem ser concretizados em face de um contexto definido. Possibilita, com base no princípio da legalidade, a regulamentação sistemática (em sintonia com as normas não penais) e eficaz dos conflitos intersubjetivos inevitáveis da sociedade;

b) função político-criminal. Já se sabe que os bens da vida merecedores de tutela jurídico-penal devem possuir importância reconhecida constitucionalmente. Assim sendo, só estarão aptas a serem selecionadas e classificadas, ex lege, como condutas criminosas, aquelas que, sob o ponto de vista genérico e abstrato, indubitavelmente, possam ser idôneas a causar dano ou perigo concreto de dano aos respectivos bens sob proteção jurídica. A realização, pelo legislador, de um juízo prévio de probabilidade de ocorrência de tais eventos lesivos sobre os respectivos bens, conjuntamente com o juízo prévio da projeção social dos conseqüentes efeitos decorrentes, constituirá o parâmetro sob o qual recairá a função político-criminal do tipo. Essa função do tipo penal visa a possibilitar o entendimento, pelos destinatários da norma penal, das razões pelas quais certas condutas foram consideradas delito e, assim, a viabilizar a compreensão dos sentidos do texto e a extensão de seu alcance social; e

c) função dogmática. Tem a finalidade de "esclarecer fundamentadamente em que medida e em que forma se deve considerar que determinada conduta ingressa na zona do ilícito." Diante da diversidade de situações passíveis de caracterizar uma conduta delituosa, mister se faz a fixação precisa dos seus elementos identificadores, para que inexistam dúvidas no momento de se constatar se houve ou não a violação da norma pelo agente e, dessa forma, evitar-se qualquer espécie de injustiça e agressão à sua dignidade. Essa função busca a estabilidade e a segurança jurídicas, viabilizando soluções concretas para fatos delituosos enquadrados nos respectivos tipos penais. Traduz-se na observância do princípio da legalidade para a execução da norma penal.

2.4. Conceito de crime

Crime, em sentido material, é toda conduta humana lesiva, ou potencialmente lesiva, a determinado bem jurídico penalmente tutelado. Se um ato humano praticado causou dano ou perigo concreto de dano a um bem da vida alheio, garantido pelo ordenamento jurídico-penal em razão de sua relevância constitucional, gerando, destarte, insegurança jurídica à comunidade, deve ser eficazmente sancionado. É indispensável que a magnitude da lesão, provocada pelo agente, seja açambarcada pela ratio legis, tendo em vista o contexto social onde o fato se consumou, e, simultaneamente, seja considerada socialmente reprovada pelo sentimento popular.

Pelo aspecto formal, é todo fato típico, antijurídico e culpável. Típico, por concretizar hipótese abstrata prevista em lei; antijurídico, por contrariar diretamente norma jurídica previamente estabelecida (art.5.º,II da CRFB), sem o respaldo da incidência de alguma norma permissiva, apta a excluir ipso iure a ilicitude; e culpável, em razão de sua reprovabilidade social.

2.5. Procedimento de construção do crime (Iter criminis)

Iter criminis é o caminho necessariamente percorrido pelo agente criminoso, no intuito de consumar o delito planejado. Em tese, inicia-se com a cogitação da prática do crime e é finalizado com a produção do resultado típico respectivo.

Para consumar-se um delito qualquer, mister se faz a realização de um planejamento prévio. O agente, em seu foro íntimo, imagina o injusto penal e passa a desejá-lo, em busca da concretização do resultado correspondente. Começa-se, então, o planejamento dos atos indispensáveis à prática eficaz do desígnio criminoso.

O planejamento envolve diversas fases, que se sucedem cronologicamente. Primeiramente, cogita-se a resolução do crime. A seguir, decide-se por executá-lo. Estes dois momentos constituem a fase interna do iter criminis, não exteriorizada e não punível, por situar-se integralmente no plano psicológico do autor. Determina, todavia, o estado anímico do agente. Esta fixação da intenção de ânimo importa para efeito de se descobrir a real vontade que impulsionou a conduta delituosa e, também, para se identificar se houve (ou não) instigação ou induzimento do agente à prática do crime, em dado instante. Parte-se, daí, à fase externa do plano, constituída por atos preparatórios e de execução, exteriorizados e dirigidos à consumação do delito visado. É a etapa que evidencia a natureza do delito, fundamental à análise do tipo penal de tentativa.

É indispensável a descoberta do instante em que o primeiro ato executivo foi materializado, a fim de se identificar os atos a este sucessivos, que efetivamente se subsumiram ao tipo da tentativa, adquirindo a tipicidade formal, por extensão, e também a material, em face do ordenamento jurídico como um todo, de modo a tornar tais atos passíveis de punição.

2.6. Elementos constitutivos do crime

2.6.1. Tipicidade

Considera-se um fato como sendo típico se, quando realizado, preencheu todos os requisitos constitutivos da respectiva hipótese legal. Tipicidade é a adequação exata de um fato concreto da vida a um determinado tipo legal que, abstratamente, o descrevia em seus elementos objetivos, subjetivos e normativos (quando for o caso).

A tipicidade penal é pressuposto essencial do crime. É, até então, vista como indício de ilicitude (ratio cognoscendi) pela doutrina tradicional. Portanto, se o fato é típico, presume-se seja antijurídico, salvo incidência de norma que o considere lícito. Entretanto, não se deve mais identificar na tipicidade o indício absoluto de que a conduta praticada foi ilícita. Devem, o tipo e a ilicitude, submeterem-se a uma análise prévia e concomitante para se verificar se a incriminação da conduta realizada é ou não, independentemente de previsão legal, incompatível com a ordem social democrática.

2.6.1.1. Tipicidade objetiva

Um fato é objetivamente típico quando concretiza todos os elementos objetivos previstos no tipo legal. Considerando-se tão-somente o perigo de dano criado ou o evento efetivamente produzido, verifica-se se houve a correspondência entre o fato real da vida e o fato abstrata e objetivamente descrito no tipo penal, ignorando-se os elementos subjetivos. Se positivo, houve a tipicidade objetiva.

2.6.1.2. Tipicidade subjetiva

Um fato é subjetivamente típico quando o agente, ao conduzir-se finalisticamente em busca de um resultado proibido, é impulsionado por uma vontade qualificada pelo elemento subjetivo previsto no tipo penal a ser concretizado. A identificação da vontade de se consumar um resultado típico ou de se alcançar determinado objetivo tipificado caracteriza a conduta dolosa do autor. Se evidenciada a intenção do agente em realizar uma conduta lícita e se, por falta da diligência necessária, o resultado típico tenha sido efetivado, estará configurada apenas a sua culpa stricto sensu (elemento normativo); jamais o dolo.

2.6.1.3. Tipicidade formal

A tipicidade formal caracteriza-se pelo ajuste de uma conduta, efetivamente praticada, aos elementos do tipo legal do delito a ela correspondente. Evidenciada a mera coincidência formal entre o fato real da vida e a hipótese abstrata expressa na lei penal, o fato é formalmente típico.

2.6.1.4. Tipicidade material

O juízo de tipicidade, para que tenha relevância na esfera jurídico-penal, exige que o tipo seja entendido em sua "concepção material, como algo dotado de conteúdo valorativo, e não apenas sob seu aspecto formal, de cunho eminentemente diretivo".

A tipicidade material considera o tipo penal como "expressão de danosidade social da conduta descrita". Não basta a mera coincidência formal entre o fato real da vida e a hipótese abstrata da lei penal para considerar-se o fato típico. Deve, também, ser concretamente lesivo a bens jurídicos tutelados ou ética e socialmente reprovável. Iniciados os atos de execução pelo autor, mister se faz observar o potencial lesivo da conduta in concreto, além da subsunção formal do fato à hipótese, para que sejam abrangidos pela norma extensiva da tipicidade. Desta forma, desprezam-se condutas socialmente adequadas (não necessariamente éticas ou morais) ou penalmente irrelevantes (de lesividade inexpressiva).

2.6.1.5. Tipicidade conglobante

A mera subsunção do comportamento do agente aos elementos constitutivos do tipo penal não é suficiente para se afirmar com precisão que a tipicidade penal está configurada. Isso porque, ao se considerar a unidade do sistema jurídico vigente, pode ocorrer de a conduta praticada, apesar de estar perfeitamente enquadrada na hipótese abstrata prevista na lei penal como crime, ter sido realizada no estrito cumprimento do dever legal ou, ainda, em função de determinada autorização normativa fomentadora, tendo em vista a promoção do bem-estar social ou a garantia do interesse coletivo. Tal fato caracteriza a existência de contradição entre mais de uma norma, aparentemente, aplicáveis ao caso concreto (antinomia aparente). Daí o motivo de a tipicidade penal não poder ser confirmada somente sob o enfoque do ordenamento jurídico-penal. Leva-se em conta também todas as normas jurídicas não-penais, pois a natureza unitária do sistema jurídico nacional não permite que a solução da incerteza, decorrente da antinomia aparente, produza resultado concreto injusto ou desigual.

Há tipicidade penal se, na hipótese concretizada, evidenciar-se que o comportamento do sujeito ativo, além de ter efetivamente lesado bem da vida relevante de terceiro, tiver sido contrário à norma penal e não tiver sido imposto ou incentivado por qualquer outra espécie de norma pertencente ao ordenamento jurídico (antinormatividade). A "tipicidade penal implica a tipicidade legal" (tipicidade formal) "corrigida pela tipicidade conglobante" (constituída pela antinormatividade e pela tipicidade material), "que pode reduzir o âmbito de proibição aparente que surge da consideração isolada da tipicidade legal".

2.6.2. Antijuridicidade

Em seu aspecto puramente formal, a ilicitude exprime valor contraditório ao direito, oposto à ordem jurídica como um todo (antinormatividade). Com efeito, só haverá ilicitude penal se, preenchido o tipo penal, forem exauridos todos os meios previstos no sistema jurídico nacional em favor da prevalência da liberdade do sujeito, quando então, tornar-se-á ou será legítima eventual intervenção do Estado para reprimir a conduta praticada.

Haverá, portanto, a antecipação do juízo de ilicitude da conduta, em razão da necessidade inafastável de se averiguar a existência, dentro do ordenamento jurídico vigente, de determinações ou de autorizações legais de incentivo, que excluam o caráter antinormativo da conduta realizada em momento social oportuno. Assim, evita-se, por meio de uma interpretação sistemática mais precisa, chegar a conclusões que não sejam as mais adequadas juridicamente.

A ilicitude estará evidenciada se determinada conduta humana e voluntária for adequadamente típica em função dos princípios norteadores da tipificação penal e for causa de perigo concreto de lesão (ou de efetiva lesão) proporcionada a bem jurídico tutelado, sem, contudo, ter incidido nas hipóteses em que o próprio ordenamento jurídico determina (ou fomenta) o agir (ou o omitir), ou naquelas em que o próprio titular do respectivo bem jurídico violado (patrimônio) consentiu, previamente, com a produção do resultado, com base em seu poder de disposição. Deixa a ilicitude de ser mera infração formal de uma norma legal, abrindo, em contrapartida, o caminho para a construção de causas supralegais de justificação, diante do constante dinamismo social, que faz com que fatos, antes proibidos pela ordem jurídica, tornem-se insignificantes ou socialmente aceitos.

2.6.3. Injusto penal

O tipo penal e a ilicitude não podem mais ser analisados separadamente. Concretizado o tipo penal, este não pode mais ser considerado como indício de que a conduta praticada foi ilícita. Devem, o tipo e a ilicitude, sujeitarem-se ao mesmo juízo prévio para se verificar se a incriminação da conduta realizada é (ou não), independentemente de previsão legal, incompatível com o sistema jurídico vigente. Se houver compatibilidade, estará configurado o injusto penal, isto é, a existência de um fato típico e antijurídico; caso contrário, a conduta será lícita, constituindo, qualquer proibição legal, ato abusivo e ilegítimo de manifestação do jus puniendi do Estado. Despreza-se a possibilidade de incidir uma norma penal proibitiva quando, ao limitar o âmbito do que seja lícito, viole os preceitos essenciais de garantia da proteção humana. A concepção de injusto faz com que o fundamento originário da vedação legal da conduta humana não se subordine tão-só ao bem da vida tutelado, mas, também, e principalmente, na real necessidade de privação da liberdade, uma vez consideradas as garantias constitucionais de proteção à dignidade humana.

A situação concreta da vida e a necessidade de proteção individual são os fatores determinantes para se concluir se o tipo e a ilicitude devem ser analisados separados ou simultaneamente, tornando-se, dessa forma, relativizado o nexo de causalidade absoluto antes existente entre ambos, de antecedente (verificação da subsunção do fato ao tipo penal) a conseqüente (constatação da ilicitude).

2.6.4. Relação entre tipicidade material, antinormatividade e ilicitude

Existirá a tipicidade material quando determinado fato concreto tiver produzido uma lesão ou dano relevante ao bem jurídico tutelado, verificado após uma análise direta entre a conduta do agente e a lesão gerada ao sujeito passivo do crime, visando à descoberta dos efeitos reais provocados.

A ilicitude, da mesma forma que a tipicidade material, também leva em conta a lesão material provocada pela conduta do agente, contrária a alguma norma jurídica penal. Todavia, o juízo de antijuridicidade é feito em um momento posterior ao juízo de tipicidade material e considera, além da lesão, a existência ou não de alguma causa de justificação. O aspecto lesivo não é analisado isoladamente, como na tipicidade material, mas, sim, agrupado a outras circunstâncias fáticas existentes na ocasião, que podem ou não legitimar o dano provocado pelo suposto criminoso.

Tradicionalmente, o exercício regular de um direitoe o estrito cumprimento do dever legal são considerados causas legais excludentes da ilicitude do fato (art.23,III do CP). Entretanto, com base na teoria do injusto penal, quando alguém exerce determinada função, autorizado por alguma norma jurídica (em sentido material), ou desenvolve alguma atividade fomentada pelo Estado ou aceita pela sociedade, não há que se falar em ilicitude e, sequer, em tipicidade, pois o tipo penal não foi criado para penalizar condutas socialmente aceitas ou materialmente insignificantes. Dessa forma, o caráter antinormativo da conduta, nada mais é do que antecipar-se a constatação de o agente ter ou não atuado no exercício regular de um direito ou no cumprimento de um dever jurídico. Caso positivo, não há violação ao ordenamento jurídico e quiçá a antinormatividade. Esta é reconhecida quando há o exercício abusivo ou ilegal de um direito ou o descumprimento do dever jurídico. A ilicitude, todavia, passa a constituir, com base no mais amplo exercício das liberdades públicas promovidas pelo Estado Democrático de Direito, a lesão material relevante e contrária à ordem jurídica, realizada na ausência de legítima defesa ou do estado de necessidade.

2.6.5. Culpabilidade

O agente, com plena capacidade de entender a natureza ilícita de um fato e de posicionar-se em relação a seu entendimento (imputável), que realiza voluntariamente um injusto penal (fato típico e ilícito), com a potencial ciência de seu caráter ilícito e, ainda, com a possibilidade física e atual de evitá-lo, age de modo reprovável socialmente, estando passível de sujeitar-se aos meios de coerção penal.

A culpabilidade é um juízo de censura que o julgador faz do autor de um injusto penal. Tem por objeto de valoração o agente e sua conduta. A culpabilidade, como juízo de valor, procura desvendar a intensidade do dolo que dirigiu a conduta criminosa e, também, se a atuação era ou não evitável, levando-se em conta, in concreto, as circunstâncias do meio e as condições pessoais do agente. Visa a avaliar a reprovabilidade efetiva da conduta do autor e seus reflexos no contexto social, de modo a possibilitar a correta dosimetria da pena e a sua punição justa (proporcional à gravidade da conduta) e útil (capaz de satisfazer os fins preventivos da pena), em consonância com os princípios constitucionais da individualização da pena (art.5.º,XLV), da culpabilidade (art.5.º,LVII) e da dignidade humana (art.1.º,III).

O princípio da culpabilidade se resume em três sentidos fundamentais: a) culpabilidade como elemento integrante do conceito analítico de crime, sendo o fundamento da pena (nulla poena sine culpa). Constatado a existência concreta de um injusto penal, analisar-se-á o grau de reprovabilidade do fato consumado, que viabilizará (ou não) a classificação do fato como criminoso e a conseqüente punição (ou não) do agente responsável por ele; b) culpabilidade como fator de graduação da pena, eis que a sanção a ser aplicada ao agente não poderá ser desproporcional à reprovabilidade da conduta, sob pena de ser violada a sua dignidade humana. É indisponível a sua atuação como critério regulador da pena e de concretização da justiça material; e c) culpabilidade como princípio impedidor da responsabilidade penal objetiva, o que torna imprescindível a existência de dolo ou culpa para que se configure uma possível conduta criminosa. A responsabilidade penal é sempre subjetiva, servindo o princípio da culpabilidade como limite subjetivo à aplicação de pena (art.29, caput do CP c/c art.5.º, XLV da CRFB).

2.7. Tentativa

2.7.1. Finalidade

Terminada a fase interna do plano do autor, na qual este cogita e estuda todos os movimentos que serão necessários à realização do delito, dá-se início à exteriorização do procedimento elaborado, por meio dos atos materiais de preparação e dos subseqüentes atos de execução, tendo em vista o resultado típico pretendido. Entretanto, pode ocorrer de o evento programado não se produzir por razões alheias à vontade de agente executor, caracterizando apenas hipótese de tentativa. Assim, se fossem levados em conta tão-só os tipos legais de delitos previstos no ordenamento, não haveria como sancionar o infrator, em decorrência de sua conduta não ter preenchido todos os elementos do tipo, exigidos para a configuração de determinado crime. Objetivando impedir que condutas ameaçadoras ou lesivas à ordem social ficassem impunes, simplesmente porque o autor não obteve êxito em alcançar o evento típico colimado pela prática dos atos executivos, criou-se o tipo de tentativa, no intuito de viabilizar a tipificação dos atos executados e a punição do responsável.

Seu escopo é ampliar a proibição contida nas normas penais incriminadoras, tipificando, subsidiariamente, atos executórios anteriores à efetivação do tipo penal visado, a este não subsumidos diretamente, porém, pertencentes ao mesmo processo causal e dirigidos a sua concretização. É uma norma de ampliação temporal da figura típica, de eficácia extensiva, criada para evitar a impunidade do agente e garantir a paz social.

2.7.2. Conceito

Ao iniciar-se na execução de determinado crime, o autor busca, dolosamente, o resultado injusto, ou praticando alguns atos de execução necessários a consumá-lo, sem esgotá-los, ou exaurindo-os, realizando todos os atos pertinentes que estão a seu alcance, segundo o seu próprio entendimento, naquele momento, do que seja possível concretizar. Na primeira hipótese, não se consumando o fato típico por circunstâncias alheias a sua vontade, dá-se a tentativa imperfeita, inacabada ou propriamente dita. Na segunda, constitui-se a tentativa perfeita, acabada ou crime falho. Em ambas, há uma "disfunção entre o processo causal e a finalidade que o direcionava", por fatores externos à vontade do autor e, por ele, inevitáveis.

Tais atos devem possuir, objetivamente, aptidão e idoneidade suficientes à produção do resultado, avaliados segundo um juízo de observador imparcial, baseado na experiência geral do homem, em determinado contexto social. Se criado objetivamente um risco, que põe materialmente em perigo o bem jurídico protegido, justifica-se a punibilidade concreta da tentativa.

2.7.3. Fundamento da punibilidade da tentativa (teoria objetiva)

A punição da tentativa, pela teoria objetiva, está embasada no efetivo perigo criado para o bem tutelado. Analisando-se o caso concreto e verificando-se a existência de uma relação de causalidade efetiva entre os atos de execução e o resultado típico visado, quanto maior o perigo de lesão causado ao bem jurídico, quanto mais próximo da consumação chegar o agente com a realização dos atos praticados, maior será a pena a que se submeterá. A contrario sensu, mais branda, necessariamente, será a pena se mais distante ficou da consumação do evento desejado. É a teoria adotada pela lei penal pátria, nos termos do parágrafo único do dispositivo legal da tentativa.

2.7.4. Identificação dos atos de execução pelo critério objetivo-individual de Welzel (tipificação da tentativa)

O método objetivo-individual limita-se à tipificação dos atos já praticados que, estando no plano concreto do agente, sejam potencialmente lesivos e tenham vínculo direto de causalidade com o resultado típico planejado. Apesar de não apresentar fórmula certa para solucionar todas as hipóteses legalmente possíveis, é o critério mais aceito pela doutrina, funcionando como um princípio geral orientador.

2.8. Desistência voluntária e arrependimento eficaz

2.8.1. Conceitos

Diz o art.15 do Código Penal, in verbis: "o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados". Iniciada a execução do delito, pode acontecer de o resultado almejado não se concretizar em decorrência de conduta voluntária e eficaz do próprio agente executor, provocada por motivos psicológicos autônomos (não necessariamente éticos ou morais), que não sejam considerados causas de impedimento obrigatório de prosseguir na execução. É hipótese de desistência voluntária, se os atos de execução constituíram tentativa inacabada; e de arrependimento eficaz, se evidenciaram a tentativa perfeita, sendo, em ambas, o resultado evitado com sucesso, sponte sua.

2.8.2. Fundamentos à impunidade

A teoria da política criminal sustenta a exclusão da punibilidade na desistência voluntária (ou no arrependimento eficaz), com base em uma ponte de ouro, criada pelo legislador, para que o agente pudesse voltar à esfera do direito. A exclusão da pena seria o estímulo a evitar o resultado. Na teoria da graça, a exclusão da punibilidade funciona como recompensa pela conduta voluntária de desistência (ou de arrependimento), impeditiva da consumação do resultado, sendo o agente merecedor do perdão. E tem a teoria dos fins da pena, que considera a punição do agente que evitou o resultado, por vontade própria, contrária ao fins de prevenção geral e especial da pena.

2.8.3. Natureza jurídica.

Segundo um juízo de subsunção do fato, em face do tipo do art. 15 do CP, o agente que voluntariamente desistiu ou ativamente arrependeu-se de continuar a empreitada criminosa planificada, evitando a consumação do respectivo tipo penal objetivo, torna-se impunível pela tentativa do crime em si, sujeitando-se, tão-só, à punibilidade pelos atos de execução realizados.

Surgem as controvérsias em torno de qual seja a natureza jurídica do ato de desistência voluntária (ou do arrependimento eficaz), de autoria do agente executor, que evita a consumação do resultado.

Damásio considera tais atos como causas de exclusão da adequação típica. Afirma que "(...) quando o crime não atinge o momento consumativo por força da vontade do agente, não incide a norma de extensão (...)", sendo, portanto, "(...) os atos praticados não típicos em face do delito que pretendia cometer". A ocorrência de circunstâncias externas, alheias à vontade do agente, é elementar do tipo de tentativa. Em sua ausência, o fato é atípico diante da norma ampliativa da tipicidade. Todavia, em face do princípio da consunção, tais atos serão puníveis se relevantes ao direito penal, por caracterizar a tentativa qualificada: a norma consuntiva (definidora da tentativa), tornando-se inaplicável, faz restaurar a aplicabilidade autônoma do preceito primário antes consumido aos atos praticados que, porventura, ensejem a punibilidade. Segundo ele, a atipicidade é extensiva aos atos do partícipe, cuja conduta é acessória ao fato principal imputado ao agente. Frederico Marques participa do mesmo entendimento.

Heleno Fragoso também afirma que "(...) não há tentativa, porque o resultado deixa de ocorrer em virtude da vontade do agente". Defende que o agente responderá "(...) pelos atos já praticados, se os mesmos configuram qualquer delito consumado". Em sua opinião, "não se trata de escusas absolutórias nem de causas de extinção da punibilidade", pois "a tentativa estende a tipicidade a atos que constituem realização incompleta do tipo objetivo". Na hipótese, "(...) inexiste crime por ausência de tipicidade". Não obstante, diverge da posição doutrinária dos já citados juristas, se houver concurso de pessoas: a desistência ou o arrependimento do agente executor não exclui a punibilidade da tentativa dos partícipes. Se o arrependimento advier do autor mediato ou do partícipe, "(...) só ficarão impunes se o executor também se arrepender ou se impedirem que o resultado se produza". Ressalta que a desistência beneficiará ao co-autor ou partícipe que "(...) anular integralmente a sua contribuição à empresa comum".

Na mesma linha de raciocínio, Cezar Roberto Bittencourt: "na desistência voluntária e no arrependimento eficaz inexiste a elementar "alheia à vontade do agente", o que torna o fato atípico, diante do preceito definidor da tentativa". Advoga não serem causas de extinção da punibilidade, por não ter havido causa de punibilidade (a tentativa), que, indispensavelmente, deveria antecedê-las.

Com entendimento diametralmente oposto, ensina Nelson Hungria: "(...) trata-se de causas de extinção de punibilidade (...), ou seja, circunstâncias que, sobrevindo à tentativa de um crime, anulam a punibilidade do fato a esse título. Há uma renúncia do Estado ao jus puniendi (...), inspirada por motivos de oportunidade". No mesmo sentido se posiciona Magalhães Noronha.

Zaffaroni leciona ser impossível o ato de desistir ou de se arrepender "(...) ter a virtualidade de tornar atípica uma conduta que antes era típica" ou "(...) extinguir a reprovabilidade de parte da conduta já realizada". Para ele, a desistência voluntária (e o arrependimento eficaz) funciona como causa pessoal que extingue a punibilidade do crime, sem, contudo, beneficiar aos partícipes, salvo se estes, voluntariamente, também desistirem.

Alberto Silva Franco posiciona-se como sendo "(...) causas inominadas de exclusão da punibilidade (art.107 do CP), que têm por fundamento razões de política criminal".

Paulo José da Costa Jr. entende que a impunidade do agente de sustenta na escusa absolutória ou causa pessoal de isenção de pena. Se, após a desistência, os atos executados tornaram-se atípicos, já não o eram antes. Para que a impunidade recaia sobre partícipes, mister que eles "(...) desistam ou se arrependam eficazmente".


3. Punibilidade

3.1. Noções básicas

Punibilidade é a coerção penal materializada na imposição de pena a quem cometeu determinado delito. É uma das conseqüências penais da existência do crime.

A punibilidade tem dois sentidos: pode significar merecimento de pena, por ser a conduta (típica, ilícita e censurável) digna de punição; e pode significar possibilidade de se infligir a pena, pois, em determinadas hipóteses, apesar da consumação do delito, o agente poderá ficar legalmente impune.

3.2. Princípios constitucionais legitimadores da punibilidade

Evidenciada a ocorrência de um fato-crime, indispensável se faz, a princípio, promover a identificação do provável agente responsável, a fim de que seja instaurado o processo penal e fique viabilizada a sua condenação, nos limites de sua culpabilidade individual. Desse modo, a observância do princípio da intranscendência da pena (art.5.º,XLV) e do princípio da culpabilidade (art.5.º,LVII) assegura a aplicação de uma sanção justa e útil apenas ao efetivo responsável pelo resultado lesivo produzido, após ser proferida decisão jurisdicional condenatória irrecorrível, que pôs fim ao devido processo legal (art.5.º,LIV), com o respeito às garantias do réu à ampla defesa e ao contraditório (art.5.º,LV). Inadmissível, em respeito à dignidade humana (art.1.º,III), a extensão da punibilidade, atribuída legitimamente ao infrator, a quem sequer fora partícipe na execução do delito e tampouco teve oportunidade de defender-se em Juízo.

3.3. Circunstâncias do crime

Circunstância do crime (genéricas, específicas ou judiciais) é todo fato que o circunda, considerado apto a influenciar na quantidade da pena, sem, contudo, afetar a configuração dos seus elementos constitutivos (tipicidade, ilicitude e culpabilidade). Tais fatos podem ser de natureza objetiva (condições de tempo, lugar onde foi praticado, modo como foi executado etc.) ou subjetiva (motivos determinantes da conduta), podendo ser relevante para o aumento ou para a redução da pena. As genéricas e as específicas estão tipificadas no Código Penal (na Parte Geral e Especial, respectivamente), e as judiciais (art.59 do CP) serão aferidas pelo Juízo na ocasião em que for fixar a pena-base a ser imputada ao réu.

Postas as premissas básicas, passo à análise dos tipos da tentativa e da desistência voluntária, por meio de uma interpretação sistemática, em respeito à unidade e harmonia do sistema jurídico em vigor.


4. Interpretação sistemática do tipo penal de tentativa (art.14, II do CP)

Expressa, in litteris, o art.14, caput, inciso II do Código Penal: "Art.14. Diz-se o crime:(...) II- tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente".

Prima facie, mister se faz conhecer o tipo do delito, previsto no código penal (ou em alguma lei penal extravagante), que o agente planejou executar, pois não haveria sentido falar-se em tentativa de cometimento de um crime se, quiçá, o intérprete conseguiu identificar sobre qual delito se tratou. Entretanto, apenas será possível realizar essa constatação se a respectiva execução já houver sido iniciada, com uma vontade predeterminada a um fim, pois inexistem meios legítimos que possibilitem o Estado-juiz punir alguém somente em função de seus pensamentos malévolos. Assim, verificar-se-á como o agente se conduziu ao externar a sua vontade própria, pela prática inicial dos atos previamente cogitados e planejados, e se, de fato, proporcionou algum perigo concreto de dano ou dano significativos a determinado bem jurídico relevante.

Os atos de execução deverão ser idôneos à identificação dos elementos subjetivos do delito colimado e, preponderantemente, capazes de produzir lesão efetiva ao bem jurídico relevante tutelado pelo sistema jurídico-penal, concretizando, como conseqüência, os elementos objetivos do tipo. O critério objetivo-individual, na hipótese, funcionará como um princípio geral orientador para a percepção do momento exato em que a execução foi encetada.

Execução existente, existente também a tipicidade da tentativa (formal, material e conglobante). O juízo de tipicidade deve ser realizado no instante em que foi dado início à execução. Neste momento, inexistem dúvidas para o agente executor de que seus atos são dirigidos ao fim de produzir o resultado típico planejado. Com o desenrolar desses atos, tende a agravar-se progressivamente a respectiva lesão (ou o perigo concreto) até então já produzida, chegando ao ápice quando o delito se consumar.

Em virtude de dado comportamento do agente (formal e axiologicamente considerado) ter-se encaixado perfeitamente dentre aqueles tipos penais de injusto legitimamente construídos e que, em princípio, merecem ser reprimidos, passa-se a proceder um juízo de culpabilidade, com base nos fatos até então concretizados, ocorridos no curso do processo de execução em análise e ainda pendente. Levando-se em conta ser o autor imputável, potencialmente capaz de conhecer a ilicitude dos atos já praticados e com possibilidades de ter agido na esfera da licitude, evidencia-se a reprovabilidade de seu comportamento em face do contexto social. Até agora, está flagrante que o agente está tentando consumar um fato injusto e culpável, isto é, fato considerado concretamente ilícito perante a ordem jurídica e censurável pelo sentimento predominante na sociedade.

Todavia, no transcurso da execução, podem ocorrer circunstâncias alheias a vontade do agente, que venham a impedir que o evento previsto e desejado aconteça, o que proporcionará a sua submissão à sanção cominada no respectivo tipo de delito tentado. Com efeito, indispensável descobrir-se o sentido da palavra vontade, expressa no referido dispositivo legal.

4.1. Conceito e sentido da expressão circunstâncias alheias à vontade

Entende-se, como sendo vontade do agente, o ânimo, o sentimento, a intenção interna que o motiva a exteriorizar materialmente (ou declarar) os atos a ela correspondentes, em conformidade com o seu direito constitucional à liberdade (art.5.º,II), que assegura, em regra, a predominância do princípio da autonomia. A vontade real do indivíduo, quando externada, representa a motivação da conduta por ele praticada, dando-lhe o verdadeiro sentido. Todavia, a exteriorização da conduta só terá validade se, efetivamente, traduzir a intenção do agente, destinada à produção de alguma conseqüência jurídica. Assim, a vontade interna do agente, além de constituir o suporte da exteriorização dos atos planejados, representa a força criadora dos efeitos almejados e porventura produzidos. Inexistente a vontade interna, inexistirá conduta a ela relacionada. Viciado o seu conteúdo, deturpada será a sua exteriorização.

Sabe-se que o agente criminoso, antes de iniciar a execução (exteriorização) dos atos dirigidos à produção do resultado típico, planeja mentalmente todo o iter criminis. O querer a realização desse plano identifica o conteúdo da vontade própria do criminoso, no momento em que dá início aos atos lesivos de execução do crime.

Percebe-se, assim, que a expressão circunstâncias alheias à vontade, prevista no tipo de tentativa, é referente à vontade própria do agente, existente no início e propulsora dos atos de execução então externados. Se, por algum acontecimento superveniente ao início da execução, esta vontade, este animus laedendi, não se concretizar no resultado visado, estará caracterizada a tentativa do crime. Independe se tais fatos alheios vão atuar no aspecto psicológico do agente, fazendo-o, por si só e contra a sua vontade inicial, interromper o processo executivo, ou se vão impedir o resultado pelo desvio natural do nexo causal. Importa, sim, é que fatores, inexistentes e imprevisíveis no instante inicial da execução, surgiram a posteriori e atuaram contrariamente à vontade lesiva e inicial do agente. Sob este enfoque, tais fatores, como elementos constitutivos da vontade de desistir (ou do se arrepender), não deixam de caracterizar circunstâncias alheias àquela vontade delituosa, que é a verdadeira impulsionadora dos atos de execução.

Estando inequivocamente demonstrada a vontade inicial (e proibida) do agente no momento em que iniciou a execução e provocou concretamente os conseqüentes efeitos danosos, responderá o agente pela prática de crime tentado, caso não tenha alcançado o resultado típico desejado, por circunstâncias alheias àquela vontade inicial que o impulsionou a agir de forma injusta e culpável, salvo a existência de norma eliminadora da pena, como a da desistência voluntária.


5. Interpretação sistemática do tipo penal de desistência voluntária (art.15 do CP)

Descreve o art.15 do Código Penal, in verbis: "Art.15. O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados".

Até então, constatou-se que, iniciada a execução do plano delitivo, motivado por aquela vontade inicial, portadora do inequívoco animus laedendi, o agente demonstra indubitavelmente a presença dos elementos subjetivos do delito (dolo ou fins específicos) em sua mente, por meio do liame que os une ao modo como os atos são executados e aos danos concomitantemente ocasionados. Estes representam a procura incessante pelo resultado típico pretendido, constituído pelos elementos objetivos do crime de resultado naturalístico.

Não obstante, pode ocorrer de, no curso do procedimento de execução, o agente, voluntariamente, desistir de prosseguir com os atos necessários ainda pendentes ou, se já os houver terminado, impedir que tais atos provoquem aquele resultado típico antes querido.

Surge, então, o âmago da questão, em torno do qual se desenvolve toda a controvérsia sobre a natureza jurídica de tais institutos. O tipo de tentativa descreve ser delito tentado aquele cuja execução foi iniciada, mas não se consumou por circunstâncias externas à vontade do agente. O tipo de desistência voluntária (ou de arrependimento eficaz) determina que, caso o agente evite, com eficácia, a produção do evento antes desejado e ainda em fase de execução, não responderá pelo correspondente delito (rectius: pela tentativa deste), mas, tão-somente, pelos fatos praticados até o momento da desistência ou do arrependimento (se configurarem algum delito subsidiário).

A priori, devemos entender o sentido das expressões formadoras do tipo sob exame.

5.1. Conceito e sentido da palavra voluntariamente

A vontade, da qual resultará o comportamento voluntário, deve ser a realmente existente no interior do agente, podendo ou não ser livre a sua exteriorização. Aí está o cerne do problema: saber a respeito de que e de quem a vontade deve ser considerada autônoma ou livre, o que possibilitará a compreensão do sentido de voluntariamente.

Em regra, há voluntariedade quando o agente puder mas não quisercontinuar os atos de execução. Diz-se em regra porque nem sempre o não-querer manifestado pelo agente está vinculado a sua manifestação livre de vontade.

A partir de tais considerações, pode-se entender que a desistência será voluntária nas hipóteses em que o agente constituiu a sua nova vontade, livremente, no transcurso do procedimento de execução, sem estar coagido por alguma ação especial do sistema penal, circunstâncias estas que suprimir-lhe-ía a opção de poder agir de outro modo. Ademais, mesmo se presente a possibilidade real de agir diversamente, a voluntariedade estará ausente se todos os demais caminhos disponíveis a serem seguidos representarem um risco ou uma desvantagem desproporcional, que qualquer ser humano de padrões normais não suportaria. A nova vontade, impulsionadora da conduta de desistência, não seria livre em tais hipóteses, mas, sim, imposta coativamente pelas circunstâncias a seu redor.

Independe, para se excluir a voluntariedade da conduta, se tal ação especial do sistema existiu apenas na imaginação do agente, em função de sua falsa representação da realidade. Basta, contudo, que determinado fato concreto se coloque como empecilho à liberdade de agir conforme o plano delituoso inicial.

Desnecessário, também, para o conceito de voluntariedade, saber se o agente desistiu motivado (ou não) por valores éticos ou morais de conduta. Caso contrário, o agente que desistiu poderia ser prejudicado em razão de um entendimento puramente subjetivo por parte do aplicador da lei, por ser objetivamente impossível descobrir-se o ânimo real e condicionante da vontade de desistir do agente. O fato relevante é que a desistência foi efetivamente voluntária e evitou a consumação do resultado típico previamente pretendido.

Se o agente desiste voluntariamente e, algum tempo depois, retorna ao local e retoma a execução do delito, aproveitando-se do que antes fizera, inexistiu desistência voluntária, pois a suposta desistência do propósito criminoso apenas postergou a realização deste. Todavia, se o agente volta ao local e recomeça tudo novamente, não se aproveitando de nenhum dos atos antes praticados, existiu desistência voluntária em relação ao fato precedente.

É fundamental, para caracterizar a voluntariedade, que o agente seja imputável. Todavia, é prescindível que a exteriorização da desistência voluntária (ou do arrependimento ativo) seja espontânea, pois, o que importa é o agente ainda possuir o domínio das decisões sobre os atos de execução.

Independentemente de se tratar de desistência voluntária ou de arrependimento ativo, mister se faz que a conduta contrária e neutralizante da causalidade, movimentada pela exteriorização da vontade inicial e criminosa do agente, seja eficaz, evitando (ou impedindo), que a lesão típica de consume.

5.2. Significado da expressão só responde pelos atos já praticados (tentativa qualificada)

Considerada eficaz a neutralização dos efeitos produzidos em decorrência dos atos executivos realizados até o momento em que desistiu ou arrependeu-se, o agente ficará impune, por força do conteúdo normativo do dispositivo legal sob comento. Todavia, se os atos de execução até então praticados preencherem todos os elementos constitutivos de algum tipo de delito subsidiário e autônomo, o agente que os realizou estará sujeito à correspondente coerção penal.

É hipótese de tentativa qualificada, existente quando os atos de execução dirigidos à consumação de determinado crime, abarcam, inevitavelmente, algum tipo penal subsidiário, por ser o caminho necessário e servir de instrumento (crime-meio) à realização do objetivo visado.


6. Natureza jurídica da desistência voluntária (e do arrependimento eficaz)

6.1. Causa excludente de adequação típica

Parte da doutrina entende ser a desistência voluntária ou o arrependimento eficaz uma causa de exclusão de adequação típica, conforme os argumentos já mencionados.

Diz Rogério Greco:"(...) só nos é permitido punir a tentativa quando existe uma norma de extensão, como aquela prevista no inciso II do art. 14 do Código Penal. A lei penal, ao determinar que o agente responderá pelos atos já praticados, quis, nos casos de desistência voluntária e arrependimento eficaz, afastar a punição pelo conatus. Assim, devemos concluir que, devido à total impossibilidade de ampliarmos o tipo penal, para nele abranger fatos não previstos expressamente pelo legislador, tal situação nos conduzirá (...) a atipicidade da conduta inicial do agente. Como o art.15 do Código Penal visa, justamente, evitar (sic) a punição do agente pela tentativa, uma vez que a lei nos retira a possibilidade de aplicação da norma de extensão do inciso II do art. 14 (...), o caso é de atipicidade no que diz respeito à tentativa (...)".

Combate também a tese da desistência voluntária (ou do arrependimento eficaz) como causa excludente de punibilidade do agente, afirmando que a impunidade pelo fato consumado pressupõe a existência dos requisitos que viabilizam a punibilidade do agente por sua conduta, que são inexistentes por ser o fato atípico.

6.1.1. Críticas

O professor Luiz Regis Prado sintetiza bem a falha em se considerar a desistência voluntária como causa de atipicidade do fato. Segundo ele, "(...) a principal objeção que se pode formular contra o argumento daqueles que pretendem ver na desistência uma atipicidade, seja objetiva, seja subjetiva, encontra-se na impossibilidade de ter a desistência a virtualidade de tornar atípica uma conduta que antes era típica. Se o começo de execução é objetivo e subjetivamente típico, não se compreende como um ato posterior possa eliminar o que já se apresentou como proibido, situação que muito se assemelha à do consentimento subseqüente. Na relação direta com a natureza da desistência e do arrependimento, encontra-se o seu fundamento, vale dizer, a causa ou explicação do critério político-penal que explica a sua imunidade. Se assim não fosse, seria incompreensível e ilógico o fato de o desistente ou o arrependido responderem pelos atos já praticados no decorrer do iter criminis. O juízo de atipicidade excluiria toda tipicidade anterior".

Alberto Silva Franco observa que "Se fosse correta a tese da atipicidade da desistência voluntária e do arrependimento eficaz, porque não se acomodam ao modelo da tentativa, é evidente que a norma do art. 15 do CP seria prescindível. Bastaria, então, que fosse chamada à colação a norma do art. 14, II, do CP: ‘Se a consumação deixou de ocorrer por manifestação voluntária do agente, os atos realizados não poderiam ter enquadramento típico’. Mas a realidade é bem outra. Tanto a desistência quanto o arrependimento eficaz pressupõem que o agente tenha dado início, em obediência a um plano precedente estabelecido, à execução de um fato criminoso o qual, contudo, não alcançou a fase consumativa. Destarte, houve, sem dúvida, tal como sucede com a tentativa punível, um começo de execução que se revela, sob o enfoque objetivo, e sob o ângulo subjetivo, como típico. É evidente, nessa situação, que a sustação voluntária do processo de execução do delito ou a realização voluntária, depois do exaurimento desse processo, de uma ação em contrário, no sentido de impedir a consumação, não permitiriam tornar atípico o que, até então, tinha inequívoca conotação típica".

E conclui que "(...) existe um ponto comum entre a tentativa penalmente relevante, a desistência voluntária e o arrependimento eficaz: o da tipicidade dos atos realizados pelo agente antes da cessação, voluntária ou involuntária, do iter criminis. Desta forma, a diferença fundamental entre estes institutos penais não pode ser buscada na teoria do crime, mas apenas na de sanção punitiva. Se a interrupção do processo executivo do crime decorreu de circunstâncias alheias à vontade do agente, houve tentativa punível, mas se tal interrupção for voluntária ou se o agente, esgotado todo o processo de execução do crime, logrou obstar a consumação, houve desistência voluntária ou arrependimento eficaz, procedimentos impuníveis".

Acrescento, ainda, que não se deve ignorar o conteúdo axiológico das normas, no intuito de adotar-se uma conclusão satisfatória por intermédio de uma simples interpretação lógico-formal dedutiva que, na prática, atente contra os princípios básicos de hermenêutica, contra a unidade sistemática, contra a própria ordem dogmática-penal e, também, contraria a função primordial do tipo penal de garantir a liberdade individual.

Os fatores (naturais ou psicológicos) supervenientes ao início do procedimento de execução do crime proporcionaram a mudança de comportamento do agente responsável, levando-o a desistir voluntariamente de consumar a lesão antes intencionada. Tais fatores podem ser considerados como legítimas circunstâncias alheias à vontade inicial e lesiva do agente, ou seja, como os verdadeiros causadores da alteração da vontade criminosa do executor do crime, prescrita no tipo de tentativa, que o fazem impedir (ou evitar), pessoalmente, a concretização do resultado final planejado. Uma vez sendo a sistematicidade um dos propósitos a serem alcançados pela operação dos métodos hermenêuticos, somente uma interpretação puramente formal e inflexível inviabiliza esse entendimento. A unidade sistemática só será respeitada se o sentido dado à expressão circunstâncias alheias for construído, levando-se em conta o real conteúdo da vontade do agente, ao qual ela se refere na descrição do tipo de tentativa. Dessa forma, o próprio agente executor, motivado por tais circunstâncias que inexistiam e eram imprevisíveis no início da execução, está apto a interromper o procedimento delitivo, sem que se desconfigurem os atos materializados da tentativa.

O fato de o tipo de desistência voluntária tornar impune os atos de execução abrangidos pelo tipo de delito tentado, não significa que inexistiu a incidência da norma de extensão da tentativa, mas, sim, que o agente, apesar de inicialmente ter cometido uma conduta injusta e culpável, agiu posteriormente e com eficácia suficiente para neutralizar a causalidade em curso, sendo, por isso, merecedor da impunidade, por força de lei (tipo de desistência voluntária). A benesse legal não é causa excludente de adequação típica da tentativa. É, indubitavelmente, uma norma jurídica criada a servir de estímulo ao agente, para que redirecione a causalidade lesiva, por ele instaurada, à esfera da licitude. Por esse motivo e por respeito aos princípios da culpabilidade e da justiça penal, a impunidade não se estende aos co-autores e partícipes que também não tenham contribuído para a neutralização dos efeitos dos atos de execução já realizados. Ademais, considerar-se a desistência voluntária (ou o arrependimento eficaz) como causa excludente de adequação típica significa dar-se o mesmo valor e tratamento a condutas axiologicamente diversas, desconsiderando-se o conteúdo da formulação do tipo e sua função de garantia da liberdade individual.

Não procede, também, o argumento de que são inexistentes os pressupostos jurídicos que possibilitam a punibilidade do agente, tornando-se, dessa forma, inviável a defesa da desistência voluntária como causa excludente de punibilidade do agente. De fato, para que seja possível deixar o agente impune, é necessário que ele tenha cometido um delito. Entretanto, a defesa da causa excludente da tipicidade é baseada em falsa premissa: a atipicidade do fato. Considerando-se o fato atípico, obviamente, será impossível incidir qualquer causa excludente de punibilidade, por ter sido a conduta praticada dentro do âmbito da licitude.

Percebe-se, portanto, o equívoco de se considerar a natureza jurídica da desistência voluntária (ou do arrependimento eficaz) como sendo causas excludentes de atipicidade.

6.2. Causa de exclusão de punibilidade

A melhor solução, com base na crítica acima esposada, é compreender a desistência voluntária (e o arrependimento eficaz) como sendo causa pessoal de exclusão de punibilidade, motivada por razões de política criminal ou por motivos contrários à finalidade da pena.

Resume Alberto Silva Franco: "Se o próprio agente, por sua vontade, susta a execução do delito ou obsta, mesmo depois de terminado o processo de execução do crime, que advenha o resultado ilícito, interessa ao Estado que seja ele recompensado com a impunidade, respondendo apenas pelos atos já realizados, desde que constituam crimes ou contravenções, menos graves, já consumados. Destarte, se não existirem fatos residuais que devam ser punidos, só resta ao Estado-juiz, através de sentença dotada de carga exclusivamente declaratória, proclamar a extinção da punibilidade, em virtude da desistência voluntária ou do arrependimento eficaz, das infrações penais debitadas ao agente".

Ressalto que o único argumento que contesta esta tese é afirmação de que, para haver causa de extinção de punibilidade, é indispensável a existência dos pressupostos da punibilidade, consubstanciados em uma conduta típica ilícita e culpável. Como o fato, para eles, é atípico, não faz sentido falar-se em causa extintiva de punibilidade. Tal fundamento não tem suporte na dogmática jurídico-penal vigente e tampouco em uma correta interpretação sistemática das normas jurídicas que a compõe. Apóia-se somente e equivocadamente na falsa premissa, criada por eles próprios em defesa de sua opiniões, de que os atos executivos são atípicos, o que, como se viu, não passa de uma utopia jurídica, baseado em argumento ab absurdo.


7. Um comentário de natureza processual

Muitos defensores da atipicidade, provocada pela desistência voluntária (ou pelo arrependimento eficaz), em especial, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, agarram-se neste entendimento, tendo em vista a proteção da dignidade humana e a economia processual. Alegam que sujeitar o indiciado à situação jurídica de réu, durante o longo trâmite de um processo penal constrangedor, sabendo-se, de antemão, que houve, inequivocamente, a desistência voluntária, é uma afronta à presunção de inocência e à dignidade do ser humano, além de criar um custo processual desnecessário, em função de uma sentença penal sem a menor utilidade prática.

Porém, a fato de sustentar a tese excludente de punibilidade, não obriga à instauração do processo penal. Se foi verificado, por quem de direito, que o indiciado praticou uma conduta, inicialmente típica, ilícita e censurável (crime planejado e efetivamente tentado), mas que em razão de uma nova conduta posteriormente realizada (desistência ou arrependimento eficaz), aquela conduta inicial teve a correspondente pena legalmente isenta (art.15 do CP), não existe justificativa alguma à instauração de processo penal, para que, ao fim, seja o réu declarado impune por sentença. Eventual título executivo a favor da vítima, deverá ser conseguido diretamente em processo de conhecimento promovido na esfera cível.

A denúncia só será fundamentada, caso inexistam provas da ocorrência das citadas causas de exclusão de pena, que, todavia, poderão ser demonstradas pelas partes no decurso da instrução. Idêntico procedimento vale para os crimes de competência do Tribunal do Júri. Percebida pelo Juiz, durante o procedimento de admissibilidade, a existência de desistência voluntária (ou de arrependimento eficaz), deverá absolver sumariamente o réu, aplicando, por analogia, o art.411 do CPP, pois ratio ubi eadem, eadem iuris dispositio.

Conclui-se que, constatando o Parquet que houve, v.g., a desistência voluntária, ao invés de denunciar o indiciado, deverá pedir o arquivamento do inquérito, em razão de ausência de justa causa(art.43,III do CPP). Contudo, se verificada a consumação de crime subsidiário, far-se-á a denúncia, com base neste (art.41 do CPP c/c art.15,in fine do CP).


8. Conclusões extraídas do estudo apresentado

1) Os atos manifestados pelas pessoas têm o ordenamento jurídico como parâmetro (art.5.º,II da CRFB). Toda conduta não-proibida pelo sistema jurídico em vigor e praticada sem abuso de direito no desenrolar das relações que se formam é juridicamente válida e produz efeitos. Outras, em face da elevada potencialidade danosa e do conseqüente grau de insegurança e intranqüilidade que levariam ao sentimento dos que vivem em sociedade, são expressamente vedadas por lei e, dessa forma, erigidas à categoria de crime. Estas condutas proibidas, descritas de modo genérico e abstrato e que constituem o texto da lei, consubstanciam os tipos penais.

2) O tipo penal, por restringir o âmbito de liberdade dos indivíduos e cominar sanções àqueles que violarem a norma jurídica dele extraída, deve ser criado por lei formal e material, que observará, necessariamente, os princípios da intervenção mínima, da lesividade e da proporcionalidade, sob pena de ser inconstitucional ab initio. Legitimamente construído, torna-se exclusivo, imperativo, genérico, abstrato, impessoal e de natureza fragmentária, em razão de proibir, abstratamente, a qualquer pessoa, sob pena de submeter-se à prisão, de praticar a conduta expressa e selecionada que considerou delito, em momento histórico e contexto social determinados.

3) O tipo penal, legitimamente integrado ao sistema jurídico, exerce uma função sistemática, possibilitando a precisa identificação de condutas ilícitas praticadas, que tenham sido concretamente lesivas à coletividade, e a devida aplicação proporcional de medidas repressivas ou ressocializantes aos respectivos infratores, rechaçando, em contrapartida, qualquer arbitrariedade. Para tanto, é indispensável a compreensão de sua função político-criminal pelo legislador, devendo classificar como crime somente condutas lesivas e, em tese, consideradas idôneas à produção de dano à sociedade, a fim de que as pessoas entendam o porquê da vedação e se conduzam conforme a orientação legal. Desta feita, o tipo penal, com base em sua função dogmática, cumprirá sua finalidade essencial de esclarecer em que medida e em que forma uma conduta realizada adentra no âmbito da ilicitude, viabilizando a estabilidade das relações jurídicas e o respeito à dignidade da pessoa humana.

4) Consumado um fato social danoso cometido voluntariamente por alguém, primeiramente, deve o operador do direito verificar se existe algum tipo penal que, abstratamente, incrimine a conduta que o produziu. Em caso positivo, analisará, partindo do caso concreto, se a conduta do agente é antinormativa, se ajusta-se formal e materialmente aos elementos do tipo e se, ipso facto, foi a causa principal do resultado juridicamente inaceitável. Evidenciado o injusto penal e descoberto o responsável por ele, o intérprete ou o aplicador da norma avaliará as possibilidades da conduta reprovável ter sido evitada, com base nas condições pessoais do agente e nas circunstâncias em que se encontrava no momento em que agiu. Se reconhecidos o potencial conhecimento do ilícito pelo agente, a sua imputabilidade e a viabilidade concreta de ter agido conforme o direito, será considerado culpado pelo acontecimento anti-social e, em conseqüência, submetido à correspondente coerção penal, de acordo com a culpabilidade individual apurada e com os princípios que regem a punibilidade.

5) Em certas ocasiões, após o agente já ter iniciado a execução de um delito previamente planejado, impulsionado por vontade inicial livre e consciente, acontece de ele suspender, também voluntariamente, os atos de execução que se sucederiam até o alcance daquele objetivo inicial. Busca, com base nesta segunda conduta, a neutralização do risco de o resultado, antes visado e querido, vir a ser atingido. Obtendo sucesso nesta empreitada, terá desistido voluntariamente (ou se arrependido eficazmente), o que o deixa impune pela tentativa inicial do crime, respondendo apenas pelos atos de execução concretizados que, porventura, caracterizem algum delito autônomo subsidiário. Surge, daí, a controvérsia sobre qual seja a natureza da desistência voluntária (e do arrependimento eficaz), em face das interpretações diferenciadas que se fazem dos respectivos tipos penais da desistência e da tentativa, confrontando-se as teses de causa excludente de adequação típica e de causa excludente de punibilidade. Tal discussão é desnecessária, porque, por meio de interpretação sistemática correta, chega-se à conclusão de que tais institutos jurídicos são causas individuais e excludentes de punibilidade.

6) Por meio de uma interpretação sistemática precisa, retiram-se os seguintes argumentos:

a) a palavra vontade, expressa no tipo de tentativa, refere-se àquela vontade inicial do agente, criminosa, portadora do animus laedendi e propulsora dos atos de execução correspondentes ao seu conteúdo, identificado no querer, no desejar a consecução do plano delituoso elaborado. O conteúdo da vontade que fundamenta a voluntariedade da desistência (ou do arrependimento) é diferente do conteúdo da vontade prescrita no tipo tentado. Aquele é formado e externado a posteriori; este constituiu-se durante a elaboração do plano do agente, sendo exteriorizado com o início da execução.

b) não sendo iguais as vontades do agente que dão sentido ao tipo de tentativa e ao tipo de desistência voluntária (ou de arrependimento eficaz), não se pode entender o comportamento posterior da desistência voluntária como sendo um fato excludente da tipicidade da tentativa, pois, dessa forma, estar-se-ía fazendo uma interpretação puramente lógico-formal dedutiva e em dissonância com a unidade e coerência do sistema jurídico.

c) iniciados os atos de execução, concretiza-se a exteriorização de atos materialmente lesivos e causadores de perigo concreto progressivo (crescente), que preenchem o tipo de tentativa, conforme se extrai da correta operação do critério orientador objetivo-individual, com base nos princípios da reserva legal, da intervenção mínima, da lesividade, da proporcionalidade e na própria natureza do tipo de tentativa, considerado norma de extensão da adequação típica mediata, exatamente para não deixar impunes condutas que não adentrassem literalmente no verbo núcleo do tipo, não obstante o inequívoco propósito do agente em consumar o respectivo delito.

d) para se efetuar o juízo de tipicidade, deve-se considerar a conduta no momento em que foi iniciada a execução. Naquele átimo estará presente a verdadeira vontade criminosa do agente, o dolo com que agiu, a finalidade pretendida e a dimensão da lesão social provocada. É com base no sistema jurídico vigente à época que deverá estabelecer-se se houve ou não a compatibilidade dos atos realizados com a ordem jurídica. É naquele instante que a reprovabilidade da conduta deverá ou não estar configurada. Não se pode, portanto, levar em consideração uma vontade posterior do agente, inexistente na ocasião de início de execução, para, com suporte em um juízo ex post facto, criar-se uma proposição jurídica com apego exclusivo à lógica formal, ignorando-se todo o aspecto substancial dos fatos, em completa violação às normas de hermenêutica jurídica que proporcionam a unidade sistemática.

e) considerar-se a desistência voluntária (ou o arrependimento eficaz) como causa excludente de adequação típica significa valorar e tratar, igualmente, condutas materialmente diversas, ignorando-se o conteúdo do tipo e sua função de garantia da liberdade individual.

f) os fatores naturais (humanos ou fenomênicos) ou psicológicos que ensejam a vontade posterior de desistir (ou de se arrepender) do agente constituem propriamente as circunstâncias alheias à sua vontade inicial e criminosa, que, no instante da execução são imprevisíveis e, tempos depois, impedem a consumação do resultado típico antes programado. O fato de tais circunstâncias alheias serem colocadas em prática pelo próprio agente, em virtude de alteração provocada em seu ânimo inicial, em nada desconfigura o tipo tentado, que somente exige que tais circunstâncias sejam alheias à respectiva vontade inicial e criminosa do agente. Essa interpretação, além de propiciar a harmonia normativa do sistema, faz com que sejam respeitadas a dogmática penal vigente e as funções de garantia do tipo penal.

g) o fato de o tipo de desistência voluntária (ou de arrependimento ativo) prescrever que o agente só responde pelos atos executivos praticados até o momento da efetiva desistência (ou arrependimento), não significa que os atos tentados foram plenamente desconstituídos, conforme defende, equivocadamente, certa corrente doutrinária, por meio de utilização de uma interpretação puramente dedutiva lógico-formal. Com base em uma correta interpretação, extrai-se, sim, uma proposição jurídico-penal que autoriza a exclusão da punibilidade da conduta, inicialmente tentada, injusta e culpável e, posteriormente, neutralizada voluntariamente e com eficácia pelo próprio agente executor.

h) apesar de a desistência voluntária eficaz (ou o arrependimento ativo) tornar impune a tentativa efetivamente existente, faz com que os atos de execução, até então materializados, possam concretizar os elementos constitutivos de determinado tipo penal subsidiário (crime-meio), porventura existente, que seja absorvido pelo delito tentado com a pena excluída. Para tanto, fundamental se considerar a desistência voluntária (ou o arrependimento eficaz) como causa pessoal de exclusão de pena, visando à coerência sistemática, pois, a considerá-la causa da atipicidade do fato, estará inviabilizada a punição do agente pelos atos de execução tipificados como delito subsidiário (tentativa qualificada). Se o procedimento realizado é atípico, considerado como um todo (sucessão de atos de execução interligados entre si), não faz sentido que parcela dos atos que o compõem, isoladamente considerada, possa caracterizar determinado crime e sujeitar o agente à respectiva coerção penal. Se o conjunto é atípico, utilizando-se do próprio raciocínio lógico dedutivo-formal a que se chega a esta conclusão, suas partes também devem ser.

i) a impunidade pelo delito tentado será de natureza pessoal, alcançando apenas os respectivos autores, co-autores ou partícipes que, de fato, tenham contribuído eficazmente para que o evento lesivo fosse evitado ou impedido. Rechaça-se, por força da própria ratio (fundamento) do tipo de desistência e do princípio da culpabilidade, a extensão da impunidade aos co-autores ou partícipes que não desistiram (ou não se arrependeram) com eficácia, o que faz prevalecer uma decisão jurídica, para o caso concreto, de acordo com o princípio da justiça penal.

j) o único argumento utilizado para combater a tese que defende a natureza jurídica da desistência voluntária (ou do arrependimento eficaz) como sendo causa extintiva de punibilidade, não tem suporte na dogmática penal vigente e quiçá em uma correta interpretação sistemática das regras que a compõem e dos princípios que a norteiam. Tal argumento foi criado pela própria doutrina que afirma serem os referidos institutos causas excludentes de tipicidade do fato tentado. Partindo-se desta falsa premissa (e não da própria base dogmática), afirmam que a impunibilidade pressupõe a existência dos requisitos que habilitam a punibilidade (o que é correto), que inexistem em razão do fato ser atípico (premissa errada). Demonstrado o equívoco dessa sustentação jurídica, cai por terra a natureza jurídica dos institutos como sendo causas excludentes de atipicidade.

l) A entender haver exclusão da tipicidade da tentativa, por força dos atos de vontade posterior e independentes da vontade que impulsionou o processo de execução, estar-se-á subvertendo a ordem dogmática penal, pois, evidenciada a existência concreta de conduta inicialmente injusta e reprovável, tendente a um fim específico, a ocorrência de qualquer conduta posterior jamais poderá eliminar tal característica consumada. A prevalecer opinião contrária, estará prevalecendo a forma em face do fundo material, axiológico, valorativo, cujos reflexos já atingiram, a princípio, o sentimento jurídico da sociedade.

7) Por último, a constatação, pelo MP, durante as investigações preliminares, da ocorrência da desistência voluntária (ou do arrependimento eficaz), será motivo para arquivamento do inquérito, por ausência de justa causa (art43,III do CPP). Se houver crime subsidiário, a denúncia basear-se-á neste (art.41 do CPP c/c art.15, in fine do CP).


Notas

Estou considerando, para efeito deste ensaio, o termo extinção como sendo igual à exclusão, em razão da diferença existente ser irrelevante, se comparada ao âmago da questão.

DANTAS, San Tiago. Programa de direito civil. Teoria geral. 3.ed.,, p.111, Rio de Janeiro: Forense, 2001.

GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. 14.ed, pp.337 et seq., Rio de Janeiro: Forense,1999.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, pp.67/78 e 124/125, Porto Alegre: Livraria do Advogado,2001.

DANTAS, San Tiago. Op. cit, pp.8/ 9.

ZAFFARONI, E. R. e PIERANGELI, J.H. Manual de direito penal brasileiro. 2.ed., pp.163/164, São Paulo: RT, 1999.

DANTAS, S.T., Op. cit., pp.31/ 33.

Idem.

JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. Parte Geral. 21.ed., p.16, São Paulo: Saraiva, 1998.

TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal, p.158, Belo Horizonte: Del Rey, 2000.

Cite-se, como exemplo, as condutas de mulheres que realizam topless nas praias do Rio de Janeiro, fato inimaginável na década de 40, época de criação do Código Penal. Certamente, estaria caracterizado o ato obsceno, tendo em vista a ratio legis do art.233 do CP. Com a evolução e mudança dos valores sociais, a referida conduta não se subsume ao tipo penal do ato obsceno, se considerar-se a ratio legis no atual contexto.

Um indivíduo que furta uma caneta comete, em tese, o crime de furto (art.155 do CP). Não se discute a reprovabilidade da conduta. Entretanto, em um Estado Democrático de Direito, que prima pela preservação da dignidade da pessoa humana, não se concebe que tal conduta seja reprimida por aplicação de pena privativa de liberdade. Ponderando-se os interesses em conflito (liberdade x patrimônio representado por uma caneta), seria inconstitucional considerar-se tal conduta abrangida pela ratio legis do tipo de furto.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3.ed, pp.66/77, São Paulo: Malheiros, 1998.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. 5.ed, pp.25/29, São Paulo: Saraiva, 2000.

A Constituição seria, sob tal enfoque, uma simples "folha de papel". (LASSALE, Ferdinand apud SILVA, J. A. da. Op. cit., p.23)

BATISTA, Nilo apud GRECO, R., Curso de direito penal. Parte geral,, pp.44/45, Rio de Janeiro: Impetus, 2002.

Um sujeito que tatua todo o corpo não pode ser sancionado (exemplo do professor Nilo Batista, citado por GRECO, op.cit., p.45).

SILVA, Celso de Albuquerque. Interpretação constitucional operativa, pp.87/91, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. 1.ed. 2. Tiragem, p.74, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002

É adequada a tipificação da conduta de matar (art.121 do CP). A vida é um bem jurídico tutelado pela Constituição. O homicídio é causa da insegurança social e do enfraquecimento da confiança da população no ordenamento jurídico. Portanto, erigir o ato de matar à categoria de crime e cominar-lhe uma pena de prisão justa é perfeitamente adequado para se prevenir a prática de condutas dessa natureza (prevenção geral) e, se preciso, restaurar a segurança social e a confiabilidade jurídica com a justa punição do infrator (prevenção especial).

Seguindo com o delito de homicídio doloso. Se o ato de matar fosse considerado apenas um ilícito civil e atribuísse ao infrator somente o dever de indenizar, além de deixar impunes os agentes que não tenham condições econômicas de ressarcir a família da vítima (violaria o princípio da igualdade material, art.5.º,caput) e permitir-lhes reincidir em tal conduta, far-se-ía tabula rasa do direito à vida (do qual todos os demais decorrem) e, conseqüentemente, estaria aberto o caminho para a destruição da sociedade e do Estado, quaisquer que fossem suas características. Indispensável, por isso, privar o criminoso de sua liberdade, tanto para que seja impedido de novas práticas e seja ressocializado, quanto para recuperar a tranqüilidade social e jurídica.

Incriminação da conduta e cominação de pena a quem a pratique.

Restauração da paz social e da confiabilidade no ordenamento jurídico.

Direito da coletividade a viver numa sociedade livre, justa e solidária, sem marginalização (art.3.º, incisos I e III da CRFB/88).

JESUS, op.cit., pp.16/19.

TAVARES, op. cit., pp.168 et seq.

São palavras do professor TAVARES, Juarez. Op. cit., p.170).

Alexy, Robert. Teoria da argumentação jurídica. 2.ed, p.253, São Paulo: Landy Editora, 2001.

LOPES, Maurício Antônio Ribeiro Lopes. O princípio da insignificância no direito penal. 2.ed, p.117, São Paulo: RT, 2000.

TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit., pp.125,130 e131.

Exemplo: lesão corporal culposa ocorrida em jogo de futebol. O risco de lesão é socialmente tolerável, apesar de a lesão corporal não estar permitida nas regras deste esporte.

Exemplo: cheque de R$ 10,00, emitido em supermercado (Sendas, Carrefour, etc.), intencionalmente, ciente da inexistência de fundos. O estelionato está formalmente tipificado; materialmente, sequer houve dano efetivo à instituição comercial.

ZAFFARONI, E. R. e PIERANGELI, J. H.. Manual de direito penal, pp. 549/563. GRECO, R., op. cit., pp. 151/155.

Por exemplo, o oficial de justiça, ao praticar busca e apreensão de determinado objeto, cumpre o estrito dever legal (art.23,III do CP). Analisando-se apenas o tipo penal de furto (art.155 do CP), poder-se-ía concluir, precipitadamente, que sua conduta foi penalmente típica, o que não procede ex vi do art.5.º,LVII da CRFB/88 (princípio da presunção de inocência), interpretado não só com base nas funções do tipo penal, como também levando-se em conta o regime jurídico ao qual está submetido quando em exercício de suas atividades profissionais (caráter normativo da conduta).

GRECO, op. cit. p.154. ZAFFARONI, E.R e PIERANGELI, J.H, op. cit., pp.549/550. O médico que recebe recursos do SUS para realizar cirurgias de emergência, não pode ter sua conduta tipificada em lesão corporal dolosa (art.129 do CP), por força do art.196, caput da CRFB/88 (a saúde é direito de todos e dever do Estado).

BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico.10.ed.,, pp.86 et seq., Brasília: Editora UnB, 1999.

Cita-se, por exemplo, um pai que, na ocasião de um incêndio, só tem oportunidade de salvar um dos dois filhos menores, tendo que optar por um deles (deveres de proteção idênticos, art.1.631 do NCC/2002). Seria socialmente injusto interpretar a conduta do pai como violação do dever de proteção do filho não salvo, considerando-a, por isso, ilícita, em razão de sua omissão dolosa, porém inculpável, face a natureza do dever de proteção violado e de sua impossibilidade física de agir no momento. Todavia, à solução diversa se chegará se considerar-se o sistema como unidade, pois é inconcebível imputar ao pai um fato omissivo doloso se, sequer, existia para ele possibilidade física de agir, que é pressuposto indispensável à caracterização da omissão. De fato, houve colisão de deveres jurídicos impositivos, sem, contudo, existir possibilidade física para atuar, o que, por si só, obsta a tipificação do delito omissivo doloso (art.13 § 2.º, a do CP) (in ZAFFARONI, E.R. e PIERANGELI, J.H., op. cit., p.552).

Idem, pp.550/551.

TOLEDO, op.cit, pp.161/164.

A concretização do tipo penal passa a ser vista como uma etapa metodológica para que se prossiga na investigação de todos os pressupostos que legitimem a coerção estatal (TAVARES, op. cit., pp.158 et seq.).

Exemplo: o proprietário de uma casa autoriza a sua demolição por terceiro. Não houve o crime de dano, capitulado no art.163 do CP: ‘destruir (...) coisa alheia"

Exemplo específico é o caso do crime de adultério (art.240 do CP), cuja norma penal, apesar de ainda vigente, perdeu a eficácia social com o passar dos anos. Os valores culturais dos anos 40 (época em que foi criado o código penal) são completamente diferentes dos atuais, em relação à vida conjugal. Materialmente, o adultério foi descriminalizado pela própria sociedade. Outro exemplo: dano (art.163 do CP) praticado com o consentimento do ofendido. Formalmente houve a ilicitude: o agente destruiu, dolosamente, coisa alheia, contrariando determinação legal. Todavia, materialmente, inexistiu a lesividade, pois a permissão do próprio titular do bem eliminou qualquer possibilidade de conflito ou insegurança social.

TAVARES, Juarez. Op. cit., pp.161 et seq.

TOLEDO, Francisco de Assis. Op. cit., pp.229 e ss.

Prevenção geral negativa, intimidando à população a não realizar tal conduta; prevenção geral positiva, esclarecendo a população que os bens protegidos pelas normas penais devem ser respeitados, em nome da ordem social, cf. ROXIN, op. cit., p.79, nota de rodapé n.º 159. Vale ressaltar que, no Brasil, não há como se levar em conta os fins de prevenção especial da pena, pois, ipso facto, acarretaria o cometimento de um ato inconstitucional e, conseqüentemente, a completa impunidade dos agentes delinqüentes. Isso porque os fins de prevenção especial visam tanto à neutralização do infrator (aspecto negativo: segregação, morte, prisão perpétua etc., vedada pelo art.5.º, XLVII da CRFB/88), quanto à sua ressocialização ou reeducação (aspecto positivo), o que, diante da realidade do sistema penitenciário nacional, torna-se piada (afrontaria o princípio da dignidade da pessoa humana, art.1.º, III da CRFB/88).

Terminologia adotada com base em GRECO, R. Op.cit., pp. 82/85.

RODA, Juan Córdoba apud GRECO, R., op. cit., p.83.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 5.ed, p.81, São Paulo: RT, 2001.

JESUS, Damásio E. de.Op. cit., p.327.

CALLEGARI, André Luís. A tentativa e o crime impossível no código penal brasileiro. Revista dos Tribunais, 1998, p.487. v.755.

Idem. JESUS, D.E. de. Op.cit., p.329. SANTOS, Juarez Cirino dos. A moderna teoria do fato punível, pp.325/326, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2000).

PRADO, Luiz Regis. Op. cit., p.292.

CALLEGARI, André Luís. Op.cit., p.491.

ZAFFARONI, E. R. e PIERANGELI, J. H. Da tentativa, pp.27/ 39.

MAGALHÃES, L. H. e FURTADO, M. G. Da tentativa. RT-705, pp.444 e 445.

ZAFFARONI, E.R. e PIERANGELI, J.H. Op. cit., p.55.

SANTOS, Juarez Cirino dos. Op. cit., p.324. O autor dá o exemplo de um sujeito que desiste de matar um outro, mesmo podendo consumar o fato, para matar um terceiro.

Idem, op. cit., pp.323/324. Causas de impedimento obrigatórias são heterônomas, externas à vontade do agente. Portanto, retiram a voluntariedade da desistência ou do arrependimento. Ex. medo de ser flagrado; bloqueio das rotas de fuga. JESUS, D.E. de. Op.cit., p.337. O autor considera causas obstativas da voluntariedade (involuntárias) do agente que desiste de agir : a enérgica resistência da vítima; desvantagens ou riscos ( não suportáveis por um sujeito normal) que comportamento diverso sujeitar-lhe-ía; a impossibilidade de se praticar o ato.

SANTOS, op.cit., pp. 319 a 321.

O adequado será analisar o fato concreto e verificar se o agente tinha ou não o conhecimento do benefício legal (impunidade) proporcionado pela desistência voluntária ou pelo arrependimento eficaz. Caso afirmativo, correto será o fundamento da impunidade com base na citada ponte de ouro.

ZAFFARONI, E. R e PIERANGELI, J.H.. Manual de direito penal brasileiro, pp. 104 e ss.

JESUS, Damásio E. de. Op. cit., pp.334/ 335.

Idem, pp.336, 338 e 339.

MARQUES, José Frederico.Tratado de Direito Penal.1.ed.atualizada, pp.386,387 e 391, Campinas: Bookseller, 1997. v.II.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. 4.ed., pp. 244/245, Rio de Janeiro: Forense,1994.

BITTENCOURT, Cezar Roberto. Do crime consumado e do crime tentado. RT-646, 1994, p.254.

Apud JESUS, Op.cit., p.334.

NORONHA, E. Magalhães. Direito Penal. 32.ed., p.130, São Paulo: Saraiva, 1997. v.1.

ZAFFARONI, E. R.e PIERANGELI, J.H., op.cit., pp.89 e 90.

FRANCO, A. S. et alii. Código Penal e sua interpretação jurisprudencial. 7.ed., p.256, São Paulo: RT, 2001. v.1.

COSTA JR., Paulo José da. Direito Penal: curso completo. 7.ed, p.75, São Paulo: Saraiva, 2000.

ZAFFARONI, E.R. e PIERANGELI, J.H.. Op. cit., pp.741 a 749.

JESUS, Damásio de. Op. cit., pp.541 et seq..

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 4.ed., pp.192/193, São Paulo: Saraiva, 2001.

Pendente, pois se está analisando a execução sem que tenha se levado ainda em conta a ocorrência de alguma circunstância alheia à vontade do agente, impeditiva da consumação do resultado.

GOMES, Orlando. Op. cit., pp.269/275.

JESUS, D. E. de. Op. cit., pp.328/329.

Agente iniciou disparos de revólver sobre determinada autoridade pública e, sem terminar a obtenção do êxito esperado, interrompe-a e foge, por ter sido flagrado pela polícia que passava naquele instante. O medo de ser preso o fez desistir de consumar o fato. A chegada da polícia foi a circunstância superveniente e alheia à sua vontade inical que ocasionou o desvio do iter criminis. Não obstante, houve tentativa de homicídio. Nessa hipótese, o agente altera a sua vontade inicial por impossibilidade de agir diferentemente. Outra vontade surgiu, tendo sido exteriorizada no ato de fugir. A vontade, portanto, é o ânimo que impulsiona a respectiva conduta.

O agente efetua disparos certeiros contra um terceiro que, no exato instante em que seria atingido, desloca-se do lugar em que se encontrava, por ter sido chamado por alguém.

ZAFFARONI, E. R. e PIERANGELI, J.H.. Da tentativa, p.97.

FRANK apud ZAFFARONI, E.R. e PIERANGELI, J.H., op. cit., p.97.

Idem, p.98. É o que ocorre, por exemplo, quando o agente desiste de prosseguir na execução do homicídio, em razão de a polícia ter chegado ao local. A vontade delituosa permaneceu. Todavia, em decorrência da impossibilidade física de obter o sucesso desejado, desistiu coativamente.

Idem, p.98. Segundo o autor, sistema penal é "todo o complexo que pode conduzir à punição do fato, do qual não só participam os agentes de segurança e os funcionários públicos, mas, também, os sujeitos passivos, os particulares, os órgão de defesa, os aparelhos defensivos e tudo aquilo que possa servir para delatar a execução e levar a reprimí-la". Assim, vista a questão por esse ângulo, desiste voluntariamente quem, por temor de ser flagrado, não provocado por qualquer atuação do sistema, interrompe os atos executivos, mesmo com possibilidade física de continuar, e foge. A contrario sensu, inexiste voluntariedade se o agente foge por medo, provocado pela presença da polícia durante ao atos de execução de um homicídio ou por medo de que toque o alarme ao adentrar a residência de terceiro para consumar o furto ou, ainda, em virtude de resistência da vítima.

Cite-se, por exemplo, um sujeito que, invadindo o terreno de terceiro para furtar a casa deste, percebe que, para lá chegar, deve ultrapassar uma cerca de alta tensão que a antecede, tendo, assim, duas possibilidade de ação: ou sair do terreno e fugir; ou arriscar-se a morrer eletrocutado.

O agente que confunde um comum do povo com um policial e foge, por receio equivocado de ser preso, não age voluntariamente (Idem, p.99).

A simples ameaça abstrata de sofrer uma pena ou um medo genérico não provocado pelas circunstâncias fáticas do momento não são suficientes para excluir a voluntariedade da desistência, pois, se quisesse, o agente teria possibilidade física de continuar sua empreitada criminosa, sem atuação concreta de alguma ação especial do sistema penal.

ZAFFARONI, E.R. e PIERANGELI, J.H., op. cit., p.99.

Seria a adoção do tipo penal do autor, que é concretizado em função de presumida periculosidade do agente (CONDE, Muñoz apud ZAFFARONI, E.R. e PIERANGELI, J.H., op.cit., 100). Haveria total afronta ao princípio da legalidade penal e, conseqüentemente, da dignidade da pessoa humana.

JESUS, D. de. Op. cit., p.337.

ZAFFARONI, E.R. e PIERANGELI, J.H., op. cit., p.103.

WESSELS, Johannes apud GRECO, Rogério. Op. cit., p.258.

ZAFFARONI, E.R. e PIERANGELI, J.H., op. cit., pp.105 e 107. A conduta de desistência ou arrependimento deve provocar um desvio do curso causal previamente planejado pelo autor do delito ora evitado ou impedido.

O ato de evitar, relativo à conduta de desistência voluntária poderá ser tanto omissivo quanto comissivo. O que interessa saber é se os atos de execução não foram todos esgotados, a fim de que possa ser caracterizada a desistência no atuar eficaz do agente. Se os atos executivos tiverem sido esgotados, será hipótese de arrependimento ativo. Exemplificando, desiste voluntariamente, de modo comissivo, o agente que, após disparar um tiro na vítima, de um total de seis possíveis, socorre-a, levando-a para o hospital, onde é salva por um tratamento médico adequado. Portanto, nem sempre basta a simples omissão de continuar a execução, um simples desejar que o resultado não ocorra, sendo indispensável uma atitude neutralizante dos prováveis efeitos típicos lesivos (Idem, p.105).

Idem, p.112.

Um exemplo que ocorre muito no Brasil: falsificação de documentos de segurados do INSS, pelos próprios servidores que lá trabalham, a fim de inserir no sistema beneficiários fantasmas e, conseqüentemente, usufruírem dos proventos que estarão disponíveis fraudulentamente. Utilizou-se do crime de falsificação (art.297 do CP), meio indispensável, na hipótese, para a consumação do crime de estelionato qualificado (art.171 §3.º do CP).

GRECO, R., op. cit., p.262.

PRADO, L. R., op. cit., p.297, concluindo com o apoio de FRANCO, Alberto Silva.

FRANCO, A. S. et alii. Op. cit., p.256, v.1.

Segundo HANS WELZEL, "a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são três elementos que convertem uma ação em um delito. A culpabilidade – responsabilidade pessoal por um fato antijurídico – pressupõe a antijuridicidade do fato, do mesmo modo que a antijuridicidade, por sua vez, tem de estar concretizada em tipos legais. A tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade estão relacionadas logicamente de tal modo que cada elemento posterior do delito pressupõe o anterior" (apud GRECO, Rogério.Op. cit., p.160).

TAVARES, Juarez. Op. cit., pp.165/167. Conclusão extraída por analogia, com base na crítica feita, nessa obra citada, à teoria dos elementos negativos do tipo. A função de garantia do tipo assegura a liberdade de conduta dos indivíduos, restringindo, por lei, apenas aquelas consideradas socialmente lesivas e reprováveis. Portanto, a se considerar que a desistência exclui a tipicidade da tentativa, estar-se-á classificando os atos de execução como lícitos e permitidos, o que não é verdade. Deve-se considerar o conteúdo material da norma para interpretá-la, não só o seu aspecto formal. Para tanto, torna-se fundamental que o Estado intervenha para inibir a conduta de alguém que possa ameaçar ou lesar (por meio de atos injustos e reprováveis socialmente) bem jurídico alheio, constitucionalmente tutelado.

Basta imaginar-se o partícipe que tente, por todos os meios a seu alcance, impedir fisicamente que o agente executor desista ou se arrependa concretamente. Se, mesmo assim, o agente obtiver sucesso na evitação do resultado, não fará sentido o partícipe não responder pela participação na tentativa, cuja tipicidade existiu. O agente, sim, terá a sua punibilidade excluída, em razão de seus atos praticados eficazmente. Damásio estende a impunidade aos partícipes. Alega que por ser a participação no crime uma conduta de natureza acessória em relação à autoria direta da execução do crime, que é a conduta principal, tornando-se atípica esta, a conduta acessória do partícipe também será, independentemente deste ter desistido voluntariamente (ou se arrependido eficazmente), juntamente com o agente executor, como está subentendido no tipo de desistência (in op. cit., p.339). Tal conclusão demonstra, por si só, o quanto é defeituosa para o sistema jurídico a adoção da desistência voluntária como causa de atipicidade do fato.

Aplicação analógica da crítica que se faz à teoria dos elementos negativos do tipo, que considera uma conduta típica apenas se inexistir alguma causa justificante (legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de um direito, consentimento do ofendido etc.) no atuar do agente. Se um homem matou outro em legítima defesa, o fato será atípico, por estar presente uma causa justificante (GRECO, Rogério. Op. cit., pp.159/160), da mesma forma que será atípica a conduta de quem matou uma barata.

Op. cit., p.256.

FERRAZ JR., T. S.. Op. cit., p.331. Segundo o professor Tércio Sampaio, "no plano da retórica, fala-se em absurdo quando a demonstração conseqüente de uma proposição conduz-nos a uma conclusão manifestamente inaceitável, o que nos obriga a reconhecer a verdade da proposição oposta." E conclui: "(...) como argumento, absurdo não é destituído de sentido, mas o que tem o sentido falso (isto é, inaceitável para o senso comum)."

JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal, 6.ªed., pp100/101, Rio de Janeiro: Forense, 1997.

Expressão de LHERING, Rudolf von (in A luta pelo direito.21.ed, Rio de janeiro: Forense, 2002).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Renato Rodrigues. A natureza jurídica da "desistência voluntária" e do "arrependimento eficaz". Uma questão de interpretação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 145, 28 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4510. Acesso em: 24 abr. 2024.