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MATAMOS ROBERT ALEXY COM A APLICAÇÃO DA TEORIA DA CATCHANGA?

MATAMOS ROBERT ALEXY COM A APLICAÇÃO DA TEORIA DA CATCHANGA?

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O presente estudo demonstra que a técnica de sopesamento formulada por Alexy, muitas vezes, serve de fomento à discricionariedade em algumas decisões judiciais. A proposta para mitigação deste problema é apresentada com arrimo na doutrina.

Inicialmente, mister se faz algumas ponderações, a fim de situar o leitor sobre o fim do presente estudo.

O que é a catchanga[1]?

Pois bem.

Em uma de minhas aulas de Direito Constitucional, ouvi de um brilhante aluno a seguinte estória:

Um senhor milionário, ao chegar em uma cidade do interior, buscou uma casa de apostas. Sentou-se sozinho em uma das mesas. Pôs a beber. E se chafurdou, por horas, sobre as bebidas mais fortes daquele recinto.

A solidão do milionário foi quebrada pelo próprio dono da Casa. É que o jovem empreendedor, ao perceber que o seu cliente estava tomado pelo álcool, resolveu oferecer-lhe serviços de apostas. Buscava, sem qualquer piedade, obter lucros em detrimento do milionário.

E assim, iniciou o diálogo:

- Boa noite! Sou o dono desta Casa de apostas. Notei que o senhor tem semblante de ótimo jogador. Um adversário sem igual para mim e para esta Casa! Proponho-lhe que aceite uma de nossas modalidades de jogo: roleta, tômbola, draw poker ou blackjack.

- Meu caro, respondeu o senhor milionário, eu só jogo a catchanga.

O jovem, aturdido, perguntou aos seus funcionários, os crupiês, se aquele jogo era conhecido por algum deles. Ninguém, sequer, tinha ouvido falar naquele tipo de aposta.

Mas o empreendedor não queria deixar de ter lucros desenfreados sobre um senhor extremamente embriagado: aposta fácil, pensou, não se perde!

Foi quando teve a astúcia de determinar que o seu melhor crupiê jogasse, a fim de entender as regras do jogo.

E assim se sucedeu.

Na primeira partida, o cliente distribuiu as cartas. Do nada, bradou:

- Catchanga!

E em seguida, recolheu todo o dinheiro que estava na mesa.

Na segunda mão, idem:

- Catchanga!

E todo o dinheiro foi para o bolso do senhor milionário!

Outras partidas se sucederam, até que o crupiê, em reservado, chamou o jovem e lhe disse:

- senhor, já entendi: basta gritar catchanga, antes dele. Muito fácil. E como ele está bêbado, terei mais habilidade do que aquele senhor. Assim, sugiro-lhe que aposte valor extremamente elevado.

Acolhendo a sugestão do seu funcionário, o empreendedor propôs ao cliente que dobrassem o valor de toda a aposta já feita por eles até aquele momento.

O senhor, com ar embriagado, aceitou sem titubear.

As cartas foram distribuídas; a mesa ficou abarrotada de dinheiro. Ocorre que, na fração de segundo após o depósito da última carta na banca do jogo, o crupiê, vitorioso, gritou:

- Catchanga!

Já estava recolhendo todo o montante acumulado, quando o senhor, com toda segurança do mundo, tomou-lhe a quantia, ao reverberar:

-Catchanga real!

Eis a primeira premissa!

É de conhecimento geral que Robert Alexy formulou a “teoria dos princípios”.

Por esta, o escritor, com a destreza que lhe é peculiar, propugna que os direitos fundamentais possuem caráter de princípios e, nessa condição, eles eventualmente colidem, sendo assim necessária uma solução ponderada em favor de um deles[2].

Havendo colisão de princípios, o exegeta da norma deve aplicar o sopesamento ou a ponderação, técnica que exige uma robusta fundamentação, calcada em argumentos jurídicos firmes, objetivos e racionais.

Posta está a segunda premissa.

Ocorre que a Catchanga pode ser utilizada para “destruir” a ponderação[3]. E esta atecnia é utilizada, com frequência, pelos Tribunais Pátrios.

Virgílio Afonso da Silva logrou descrever, com brilhantismo, este fenômeno, no seu texto “O Proporcional e o Razoável[4].

Ele abalizou vários casos em que o Supremo Tribunal Federal, ao pálio de que os direitos fundamentais podem ser relativizados com base no princípio da proporcionalidade, simplesmente invalidou o ato normativo questionado, sem demonstrar dentro de um conteúdo objetivo, racional e crítico, as razões que tornavam o ato desproporcional.

Matamos, com nossas catchangadas, Robert Alexy todos os dias!

A técnica do sopesamento, grande ferramenta à disposição da efetividade dos direitos fundamentais, em diversos casos, vem sendo usada de forma arbitrária por diversos magistrados do Brasil. Daí a criação, pela doutrina, da expressão: “Alexy à brasileira”.[5]

Ocorre que a espécie é de fundamental importância. Trata-se de uma saída de mestre, diante das inevitáveis e corriqueiras colisões de normas princípiológicas dos direitos fundamentais.

Todavia, não se pode permitir que a mesma seja usada para fomentar decisões discricionárias, aos moldes da “catchanga real”: sem regras nítidas, objetivas e racionais.

O problema exposto no nosso trabalho, qual seja, evitar que matemos Robert Alexy, de fato, é tarefa árdua. Talvez, impossível de ser obtida. Todavia, algumas regras, se adotadas, combaterão o uso da catchanga.

Com efeito, com este objetivo, é de imperiosa importância fortalecer o sistema de precedentes judiciais. Aliás, com o novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), ao menos em tese, damos um grande passo neste sentido.

Além do mais, mister se faz primar por decisões objetivas, lastreadas em dados objetivos, raciocínio cognitivo coerente e análise empírica escorreita.

É preciso, ainda, reforçar a necessidade de aplicar, com a devida fiscalização, o princípio da imparcialidade do juiz. Isto porque, se o magistrado – ainda que indiretamente, tiver interesse no resultado do processo, naturalmente, ele tenderá a galgá-lo, mesmo que fazendo uso da catchanga.

Precisamos, com afinco, fomentar a proteção aos direitos fundamentais, notadamente, quando houver colisão entre eles, usando o sopesamento, conforme defendido por Alexy. Contudo, não se pode permitir o uso da catchanga, sob pena de se verter a ideia do mestre alemão em argumentos para a discricionariedade.

REFERÊNCIA

ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001.

MARMELSTEIN, George. Alexy à Brasileira ou a Teoria da Katchanga. Disponível em: < http://direitosfundamentais.net/2008/09/18/alexy-a-brasileira-ou-a-teoria-da-katchanga/> Acessado em: 07 de janeiro de 2016.

Streck Lenio, “A estória da ‘Katchanga Real'”, por Lenio Streck. Disponível em: < http://professormedina.com/2012/02/28/a-estoria-da-katchanga-real-por-lenio-streck/> . Acessado em: 07 de janeiro de 2016.


[1] Com base, para melhor abordagem, no brilhante texto de MARMELSTEIN, George. Alexy à Brasileira ou a Teoria da Katchanga. Disponível em: < http://direitosfundamentais.net/2008/09/18/alexy-a-brasileira-ou-a-teoria-da-katchanga/> Acessado em: 07 de janeiro de 2016.

[2] ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001, p.112

[3] Neste sentido, Streck Lenio, “A estória da ‘Katchanga Real'”, por Lenio Streck. Disponível em: < http://professormedina.com/2012/02/28/a-estoria-da-katchanga-real-por-lenio-streck/> . Acessado em: 07 de janeiro de 2016.

[4] Citado por MARMELSTEIN, George. Alexy à Brasileira ou a Teoria da Katchanga. Disponível em: < http://direitosfundamentais.net/2008/09/18/alexy-a-brasileira-ou-a-teoria-da-katchanga/> Acessado em: 07 de janeiro de 2016.

[5] Ibidem.


Autor

  • Edenildo Souza Couto

    Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Juspodivm. Aluno Laureado na graduação. Escritor de livros e de vários artigos publicados em revistas jurídicas. Professor de diversas disciplinas do Direito. Atualmente é Assessor de Juiz - Tribunal de Justiça do Estado da Bahia e Professor de diversas disciplinas do curso de Direito.<br><br>fb.com/professoredenildo

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