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O impacto da reforma tributária no federalismo brasileiro

O impacto da reforma tributária no federalismo brasileiro

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O desafio é saber qual caminho esperar da tão aclamada reforma tributária, após oito anos de tentativas, a maioria delas frustradas; qual reforma poderia minimizar as substanciais dificuldades de negociação federativa.

Introdução

A reforma do Estado vem sendo tratada e discutida desde os albores do século XVIII, quando surgiram as primeiras publicações de relevo, e através dos escritos do ilustre filósofo francês Montesquieu [1], com relação à formação de um Estado Democrático de Direito, em contraposição ao Absolutismo Despótico, que até então reinava em França, nos quais pregou suas idéias demonstrando respeito e importância a valores e princípios imprescindíveis a qualquer nação.

Nesse mesmo século, a partir da reconstrução desse Estado, é que se teve curso um movimento na adoção de uma política tributária capaz de acompanhar e atender às necessidades dessa dinâmica. Desta forma, pode ser dito que a história do imposto " justo" é a própria da formação dos Estados modernos [2].

Tanto Rousseau [3] quanto Montesquieu, precursores da Revolução Francesa, defendiam que um Estado que desejar construir uma sociedade livre, justa e solidária, na qual seus cidadãos podem exercer seus direitos e prestar suas obrigações, deverá preservar a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Traduzindo isto sob a forma de necessidades da sociedade, o Estado, para o atendimento de tais pleitos, precisa de recursos e os consegue através da cobrança de tributos. Amado por uns, e odiado por outros, o tributo vem ao longo dos tempos sobrevivendo às diversas mudanças que estão submetidas à sociedade. No entanto, sabe-se que para manutenir o bem estar e o convívio social demandado por esta, a importância e essencialidade de cobrança do tributo é sabida e admitida.

Outrossim, ressalta-se que os argumentos que justificam a existência e manutenibilidade do tributo permanecem de certa forma incompreendidos por aqueles que compulsoriamente são levados a recolhê-lo ao Erário Público, ainda mais, num cenário de mudança legislativa constante, no qual o contribuinte tem a difícil tarefa de acompanhar e cumprir a legislação em vigor.

As mudanças legislativas constantes e desfocadas da vontade geral da sociedade, as quais estão sujeitas também às leis tributárias ganham corpo nas palavras de Rosseau quando trata do tema Abuso de Governo e a Propensão a sua Degeneração, que prega com tremendo brilhantismo a situação, a saber:

"Assim como a vontade particular age sem cessar contra a vontade geral, o governo faz um esforço contínuo contra a soberania. Quanto mais aumenta este esforço, mais se altera a constituição: e como não há outra vontade do corpo que, resistindo à do príncipe, possa equilibrar-se com ela, sucede mais cedo ou mais tarde, que o príncipe oprime por fim o soberano e quebra o laço social. Este é o vício inerente e inevitável que desde o nascimento do corpo político tende sem trégua a destruí-lo, assim como a velhice e a morte destroem, por fim, o corpo humano."

Será que com mudanças legislativas tributárias constantes poderemos ter um Estado Forte ? Estaria este Estado praticando justiça fiscal ? Ora, usando este modelo, se Esparta e Roma sucumbiram, qual seria o Estado que poderia durar para sempre ? Não se deve intentar o impossível nem dar à obra humana uma solidez que as coisas humanas não comportam.

Destacou ainda Rosseau sobre o Estado mais bem organizado e que planejava suas ações em consonância com as demandas da sociedade, que: "como o homem, começa a morrer desde que nasce e leva em si mesmo as causas da sua destruição." E ainda: "O melhor constituído perecerá, porém, mais tarde que o outro, a não ser que algum acidente imprevisto venha acelerar sua perda." Portanto, entendo que um Estado forte deve possuir um ordenamento jurídico forte e bem estruturado.

Ademais, este Estado deve ter em seus Poderes Legislativo e Executivo papeis de destaque, pois representam em parte toda a autoridade soberana que este deve possuir. Reforçando este argumento, Rosseau ainda acrescenta que:

"(...)Não é pelas leis que o Estado subsiste, senão pelo Poder Legislativo. A lei de ontem, hoje não obriga; porém o consentimento tácito presume-se pelo silêncio e o soberano não necessita confirmar incessantemente as leis que não derroga, podendo, todavia fazê-lo. Tudo quanto declarou querer uma vez, a não ser que o revogue.

Por que, pois, o respeito às velhas leis ? Por isso mesmo. Deve supor-se que somente sua excelência foi o que as conservou. Se o novo força em todo o Estado bem constituído: o preconceito da antiguidade as faz cada dia mais veneráveis. Por outra forma, onde soberano não as considerasse constantemente úteis, as teria revogado uma e mil vezes. Por isso, longe de enfraquecerem, as leis adquiriram incessantemente as leis se debilitam envelhecendo, fica provado que não há mais poder legislativo e o Estado perece."

Hodiernamente, o preceituado em nossa Magna Carta de 1988, na qual atestamos tais valores e princípios retrocitados, muito embora de forma teórica àqueles preconizados pelos precursores da Revolução Francesa, demonstram sob o ponto de vista fático que em alguns casos o tratamento das questões fiscais à luz da política de Administração Tributária em vigor por parte do Estado brasileiro, não passa de uma grande falácia. Na verdade, nos moldes atuais nos quais nos encontramos, a inépcia ou incapacidade do Estado em poder construir ou reformar nossa sociedade tornando-a equilibrada é notória. O espólio pelo excesso de tributos e com o comprometimento enorme da capacidade contributiva do sujeito passivo é característica marcante de um Estado descontrolado em suas contas públicas, desprovido de um Planejamento Estratégico e que não respeita o prescrito constitucionalmente em seu Orçamento.

É neste contexto, isto é, visando à necessidade de mudanças no modelo de tributação até então em vigor, que o Congresso Nacional vem trabalhando já há algum tempo, para implementar uma Reforma Fiscal mais justa, sem visar um aumento de carga tributária. No entanto, com este sentido, para que ocorra uma mudança de filosofia arrecadatória, deparamos com questões que devemos empreender cuidados, tal como o impacto de mudança legislativa ao pacto federativo. É de ponto que tratarei daqui por diante.


Evolução histórica do Federalismo

Afinal de contas o que vem a ser o Federalismo ? Ora, muitos doutrinadores e filósofos trataram desse tema. Roque Antonio Carraza [4] assevera que por considerar errônea a suposição dos que buscam um conceito definitivo, universal e inalterável de Federação, apoiando-se nos arquétipos do modelo americano. Entrementes, o autor defende sua posição afirmando que a "Federação é apenas uma forma de Estado, um sistema de composição de forças, interesses e objetivos que podem variar, no tempo e no espaço, de acordo com as características, as necessidades e os sentimentos de cada povo". E conclui que "Federação é uma associação, uma união institucional de Estados, que dá lugar a um novo Estado (o Estado Federal), diverso dos que dele participam (os Estados-membros). Nela, os Estados Federados, sem perderem suas personalidades jurídicas, despem-se de algumas tantas prerrogativas, em benefício da União. A mais relevante é a soberania."

Nestes termos J.J.Canotilho (5) também expressa seu entendimento quando trata do conceito de Estado e então preleciona: "O Estado é, assim, uma forma histórica de organização jurídica do poder dotada de qualidades que distinguem de outros poderes e organizações de poder. Quais são essas qualidades? Em primeiro lugar, a qualidade de poder soberano. A soberania, em termos gerais e no sentido moderno, traduz-se num poder supremo no plano interno e num poder independente no plano internacional."

O Estado federal é uma das formas clássicas de Estado e, portanto, um dos modelos de organização estatal. O federalismo, enquanto fenômeno jurídico-político de organização do Estado, tem sua origem na formação dos Estados Unidos da América, no século XVIII. Tratarei então um pouco da origem de tal forma de Estado para melhor entendê-la. A fusão das 13 colônias inglesas promoveu a gênese da federação americana e com isto houve a necessidade de se promulgar uma Constituição Federal, que traria em seu corpo os princípios e valores norteadores de um Estado Democrático de Direito. Para que ocorresse a unificação, cada Estado-membro abriu mão de uma parcela de seu poder repassando para a União. Assim, vários aspectos foram trazidos à pauta por esta Constituição: a União detinha uma esfera de poder e representava a coletividade dos Estados federados, o sistema de governo adotado foi o bicameralismo, previu-se a separação de poderes e competências dos Tribunais Superiores, e por fim, implantou-se a Declaração de Direitos (Bill of Rights).

Hodiernamente, na federação americana atual idealizada o Estado federal teve novas incumbências. Pregou-se uma evolução na forma de Estado que passou a ser denominado de "federalismo moderno", na qual o Estado deveria resolver os problemas da vida social que é função delegada ao governo federal; e os Estados federados são soberanos nas suas esferas de diligências.

Com o passar dos tempos, o federalismo cooperativista foi tomando o lugar do federalismo dualista. O primeiro tem a principal característica de o poder se concentrar no governo federal, e se fundando em uma interação federal-estadual para a solução de objetivos comuns, tais como: problemas sócio-econômico e resolução das necessidades públicas. Ademais, no federalismo cooperativo os Estados são tidos como células administrativas que complementam a política federal. Tendo como enfoque a política descentralizada. Com essa nova estruturação, fica evidente que se ampliou os poderes da federação, por sua vez limitando os poderes dos Estados-membros.

Na verdade, o Estado federal é uma união de Estados de Direito Constitucional, isto é, o resultado de um pacto de união indissolúvel entre Estados independentes para a formação de um novo Estado, segundo parâmetros normativos estabelecidos numa Constituição (como é o caso dos Estados Unidos da América), ou o resultado de uma opção do poder constituinte originário ao organizar os elementos constitutivos do Estado (como é o exemplo da República Federativa do Brasil). Em ambas as situações os entes federados se regem por um princípio de igualdade jurídica interna e passam a ser dotados de autonomia política, segundo o sistema de repartição de competências previsto na Constituição.

O federalismo, à luz do direito alemão [6], expressa como princípio fundamental político, a livre unificação de totalidades políticas diferenciadas, fundamentalmente, com os mesmos direitos, em regra regionais que, deste modo, devem ser unidas para colaboração comum. Essa idéia fundamental, fixada amplamente e elástica, pode realmente experimentar concretizações diferentes que se transformam historicamente, as quais dependem, em grande parte, do sentido e tarefa da ordem federativa. Sentido e tarefa da ordem federativa podem, uma vez, consistir nisto, formar e conservar unidade política, sem abolir a particularidade dos membros, unir diversidade e unidade uma com a outra. Isso pressupõe uma certa homogeneidade dos membros, do mesmo modo, porém a diferença de sua individualidade, cuja garantia é condição da união. Ao contrário, ordem federativa pode servir à divisão de um corpo global político até agora uniforme, que deve ser preservado pela construção federativa da desintegração completa. Sua tarefa e função podem unir-se, finalmente, com requisitos de organização apropriada e servir ao complemento e fortalecimento da ordem democrática e estatal-jurídica. Nisso, federalismo pode separar-se de idéias tradicionais. Ele não se converte com isso, entretanto, em princípio sobrevivente. Caracteriza a estatalidade federal da República Federal da Alemanha, que nela a função da ordem federativa deslocou-se daquela formação da unidade política mais para essa terceira função.

Diante do federalismo americano e do que ressaltei para o federalismo alemão passarei a comentar a evolução do federalismo brasileiro. Diferentemente do federalismo americano, enquanto eles fundiram as treze ex-colônias se integrando; nosso Federalismo surgiu de forma avessa ao dos Estados Unidos da América. Praticamos mudança de uma ordem centralizada (Estado Unitário) no Império para uma ordem de federação de repartição de poderes e competências. A República Federativa foi então instaurada provisoriamente, no Brasil pelo Decreto nº. 1, de 15 de novembro de 1889, baseada nas reivindicações do Manifesto Republicano de 1870, derrogando, assim, a monarquia de D. Pedro II, pondo fim ao período imperial no território brasileiro.

Em 24 de fevereiro de 1891 foi promulgada a primeira Constituição dos Estados Unidos do Brasil, que ao institucionalizar a Federação seguiu o modelo do federalismo dualista. A constituição, ainda, estabeleceu que o Brasil se compunha de vinte Estados-membros derivado das províncias e o Rio de Janeiro, a primeira Capital da República, como Distrito Federal.

Na primeira Constituição Federal, na visão de PINTO FERREIRA [7], se caracteriza por preterir uns Estados aos outros, que assim assevera:

"Estabeleceu um regime de competências divididas entre a União e os Estados-membros. Estabeleceu também um sistema de divisão de rendas. Aos Estados-membros se reservaram inúmeros poderes e mesmo houve um certo exagero do estadualismo, porque no fundo a política brasileira de então foi a política dominante nos grandes Estados da Federação brasileira, especialmente São Paulo e Minas Gerais, os dois Estados mais fortes da Federação."

Na Primeira República, não houve uma congregação do direito brasileiro. O ponto relevante, talvez, seja, a edição do Código Civil datado de 1916, instituindo assim para todo o território um direito substantivo único, pois o direito processual cada qual possuía o seu. O governo federal, indiretamente, é quem controlava os Estados-membros restringindo, de certa forma, a sua autonomia.

No período de 1937 a 1945, o Presidente da República Getúlio Vargas, com comandos positivos e inobservando a Constituição Federal, praticamente, suprimiu o federalismo, havendo um centralismo exacerbado nas mãos do ditador. Com o Decreto-lei nº 1.202/39 prescrevia que os governadores dos Estados eram interventores da União. A proeminência do Poder executivo pode ser ressaltada, citado por Walter Costa Porto [8], conforme destaco abaixo:

"A autoridade única e individual do Estado é concentrada na pessoa do Presidente da República".

Na Constituição do Brasil de 1946, a estrutura e as linhas gerais assemelham-se às da Constituição de 1891, mas sem a rigidez presidencialista desta, várias inovações foram apresentadas. O País vive momentos de glória, o êxtase da democracia reina entre a população. É previsto constitucionalmente, entre outros, os direitos e garantias individuais, a interferência econômica mínima da União nos Estados, ainda, restabeleceu a autonomia dos municípios e a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas e desaparecendo as referências à bitributação das Constituições de 1934 e de 1937, segundo descreve Aliomar Baleeiro [9]:

"As constituições anteriores à de 1946 sacrificaram os municípios, restringindo-lhes a autonomia e desfavorecendo-os na discriminação das rendas públicas. Os constituintes de 1946, para modificar este quadro, deram aos municípios, entre outros benefícios, todo o imposto de industria e profissões, uma quota em partes iguais no rateio de 10% de Imposto de Renda, excluídas as capitais."

No período da redemocratização, os Estados-membros passaram a ser, de certa forma, autônomos legislativa e politicamente, o mesmo se aplicando aos municípios, o que não detinham era autonomia financeira. Consagrou-se nesta época a harmonia entre os três poderes, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.

Ocorreram quatro eleições para Presidente da República, nesses 18 anos, de 1946 até 1964, além, de inúmeras seleções para as casas legislativas federais, estaduais e municipais, os cidadãos exerceram alguns dos direitos garantidos constitucionalmente, inerentes a cidadania, que pelo sufrágio escolheram os seus representantes.

Em 1964, com a publicação do Ato Institucional houve drásticas modificações na Constituição. O principal impacto para o federalismo foi a redução das prerrogativas dos Estados, na limitação dos seus poderes de organização, na sua maior submissão a um planejamento global, regional e setorial da União, iniciou-se uma involução do processo histórico de nosso federalismo [10]. Em se tratando de cooperação e ajuda da União aos Estados-membros só ocorreria em extrema urgência e de relevante penúria.

Os Atos Institucionais subseqüentes filtraram a autonomia do Poder Legislativo promulgando uma "nova Constituição em 1969", na qual estabeleceu uma maior amplitude de competências e atribuições legislativas a União. Também, incumbiram ao Supremo Tribunal Federal a competência para solucionar litígios entre os Estados federados e a União.

Para o nobre parlamentar e constitucionalista MICHEL TEMER [11], que assim expõe:

"Essa Constituição, portanto, concentrou poderes na União e, nesta, na figura do chefe do Executivo. Por isso, não há como negar a evidência: a Federação norte-americana foi a inspiradora dos federalistas brasileiros. mas o Brasil muito se afastou, depois, daquela fonte iluminadora."

Portanto, nesse período militar o federalismo era formalmente aplicado, ou seja, não passava de uma mascara, pois o poder político-econômico quem o detinha era o governo federal. Para FERREIRA FILHO [12], nessa década, surgiu um moderno tipo de federalismo, o federalismo integrativo.

O militarismo vedou qualquer forma de crescimento do federalismo, ao contrário, podou o seu desenvolvimento, restringindo os federados de caminharem sozinhos. Superada esta fase de quase escuridão o federalismo trilha por uma fase neutra, que se intercala entre o período militar e a Constituição de 1988.

O que ocorreu no Brasil é que o federalismo marchando, paulatinamente, estruturou e se reergueu. Afirmado nos princípios e nas idéias primordiais da convenção da Filadélfia, se adaptou aos movimentos que deram origem ao novo Estado, organizados em Estados federados, preparando-se para a nova fase democrática brasileira.

Baseada em idéias e argumentos fortes, particulares da necessidade do povo brasileiro, com a participação popular (representados por seus Deputados Federais e os Senadores da República representando os seus respectivos Estados federados) fizeram a reforma de 1988.

Em 5 de outubro de 1988, é promulgada a Constituição Cidadã, assim declarada pelo ilustre e falecido tragicamente Deputado Ulisses Guimarães. A Carta Magna afirma taxativamente que o pacto na Federação é indissolúvel, que a Constituição é soberana e os Estados-membros são autônomos, nunca soberanos. Por fim, a federação é a forma de Estado cujo objetivo é manter reunidas autonomias regionais.

O federalismo implantado com a Constituição Federal de 1988 visa a disseminar competências e poderes aos entes políticos: União, Estados federados, Municípios, Distrito Federal. Todos dotados de autonomia política, administrativa e tributária. A partir de outubro de 1988 o Município adquiriu a qualidade de ente federativo, o que não ocorria antes. E, também, a nova Carta Magna estabeleceu áreas de atuação conjunta de todos os entes federativos, especialmente, em matérias de relevante interesse social.


A questão tributária e o Federalismo Brasileiro

Há muito que se vem discutindo a interferência e os impactos das questões tributarias impactando nosso federalismo nacional. Aliomar Baleeiro [13], como deputado Federal pelo Estado da Bahia, ao tratar do Projeto de Código Tributário Nacional (atual CTN), relatava os percalços e as vantagens na codificação a ser implementada como lei. Em matéria tributária afirmava que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios se regem por textos diversos de direito tributário, muito embora todos eles se entronquem ou pretendam entroncar-se na Constituição Federal, como primeira fonte jurídica da imposição. Cada Estado ou Município regula diversamente os prazos da prescrição, as regras da solidariedade, o conceito do fato gerador, ass bases de cálculo dos impostos que lhe foram distribuídos.

Ademais, ainda prelecionava que "não raro, alguns dilatam as prerrogativas, invadindo o campo da competência de outras pessoas de Direito Público, apossando-se sem partilha de tributos da competência concorrente e operando distorções violentas do conceito de taxa para disfarce de impostos que lhe são vedadas, quando não ultrapassando limitações do Texto Supremo."

Em geral, qualquer proposta de reforma tributária, o contribuinte é disputado por três competências fiscais, como se objeto fosse e muitas vezes desprezada sua capacidade contributiva e a justiça fiscal. A metodização de milhares e milhares de disposições fiscais, nos diversos níveis de competências, duma parte, e doutra, o conteúdo político da unificação de Direito Tributário federal, estadual e municipal, fundamentam, sem dúvida, como oportuna, imprescindível, patriótica e lúcida, a iniciativa de tornar a proposta de reforma fiscal uma nova codificação para nosso país. Entrementes, este fato não poderá jamais abalar ou abrir polêmica sobre a questão da indissolubilidade da Federação Brasileira.

Portanto, quanto à proposta de reforma fiscal no Congresso Nacional, questiona-se na atualidade a Titularidade estadual do ICMS. Este é um dos tópicos de grande polêmica e alguns admitem que desde a Reforma de 66, um dos grandes erros conceituais foi o de conceder a titularidade do ICMS aos Estados. As conseqüências desse desenho têm sido federalismo competitivo, guerra fiscal interna, problemas de origem e destino, falta de harmonização na política tributária nacional e legislação complexa.

A solução ideal para o problema, como já ficou constatado em propostas anteriores de reforma tributária, seria passar a competência desse imposto para a União. No entanto, politicamente, devido às características do federalismo brasileiro, em particular a forte descentralização federativa, está claro que uma proposta nesse sentido não seria factível.

Portanto, uma reforma tributária viável seria aquela que alcançasse a simplificação da legislação do imposto e a adoção de alíquotas nacionalmente uniformes. Além da questão da uniformidade, seria oportuna uma ampla revisão da estrutura das alíquotas do ICMS, de modo a conferir maior neutralidade ao imposto e a reduzir a tributação excessiva de bases importantes, como será abordado a seguir. Outro ponto relevante seria vedar a concessão de quaisquer benefícios ou isenções fiscais, determinando que vantagens financeiras a contribuintes sejam dadas pela via orçamentária.

Quanto à questão de origem e destino, está clara, sobretudo teoricamente, a superioridade do modelo baseado no destino, que, inclusive, seria um fator a contribuir para a eliminação da competição tributária na federação brasileira. No entanto, a recomendação, válida para qualquer medida em política tributária, é uma migração lenta e monitorada, de modo a causar o menor impacto possível no status quo das finanças públicas estaduais e ajustar a administração tributária ao novo modelo.

Outro aspecto a ser tratado e que afeta diretamente a questão é a existência de bases supertributadas. Chama a atenção a grande concentração da arrecadação do ICMS em operações relativas a energia, serviços de telecomunicações, veículos, cigarros e combustíveis, que estão sujeitas à incidência monofásica do imposto, resultando assim em cerca de 50% de sua arrecadação. Ou seja, metade das receitas do mais importante imposto sobre valor agregado do País é cobrada pela via da substituição tributária, negando, portanto, a própria natureza de valor agregado do imposto.

Essas bases são, em geral, sujeitas a alíquotas elevadas (até 33% "por fora") e, considerando que também sofrem incidência das contribuições sociais sobre o faturamento, estão sendo supertributadas no modelo atual. Como se tratam de bases de grande peso econômico, acabam por anular a progressividade que seria esperada da estrutura de alíquotas seletivas do ICMS e encarecer os investimentos produtivos no País.

A questão não fica restrita apenas ao ICMS, mas também o ISS. No que concerne ao ISS, a questão contemporânea central é a competição tributária nociva ante a inexistência de legislação que faculte a incidência de alíquotas marginais mínimas e benefícios fiscais. Municípios podem fazer uso de legislação que permite a ocorrência de guerra fiscal.

Constata-se que estas questões tributária em discussão na reforma fiscal no Congresso Nacional diretamente levantam o questionamento sobre o pacto federativo. Em função deste fato é que devemos envidar todo o esforço para adequar o novo modelo tributário e a sua administração às necessidades da sociedade, sem no entanto, lesar o pacto federativo, respeitando as competências de cada ente, ou então criando novas competências tributárias para cada ente sem haver logicamente superposição destas.


Conclusão: a reforma tributária viável e o Federalismo

O desafio é, portanto, saber qual caminho esperar da tão aclamada reforma tributária, após oito anos de tentativas, a maioria delas frustrada. A questão que se segue, no momento, é qual a reforma que poderia, de fato, ser implementada, minimizando as substanciais dificuldades de negociação federativa existentes no Brasil. A chamada reforma tributária viável, portanto, abrange um cenário onde as alterações propostas para o modelo tributário brasileiro levam em consideração tanto os condicionantes externos como as próprias restrições econômicas e políticas internas.

Devido inclusive ao centralismo político da época, que tornou mais fácil a aprovação de temas envoltos em dissenso, a última reforma tributária brasileira, abrangente e pontual, foi realizada em 1966. Naquele momento, foi implementada uma reforma que rompeu com o modelo anterior adotado no País e lançou as bases do federalismo fiscal que orienta o sistema tributário brasileiro até os dias de hoje. Desde então, inúmeras propostas de reformulação ampla foram apresentadas, mas nenhuma que tenha sido bem sucedida em sua implementação ou que tenha conseguido corrigir os defeitos sistêmicos originados em 1966.

Indubitavelmente, o federalismo fiscal concebido em 1966, competitivo e não cooperativo, tem obstruído a racionalidade e simplicidade do sistema tributário brasileiro. No entanto, todas as soluções propostas nas últimas décadas não foram factíveis, inclusive no que se refere à reforma promovida pela Constituição de 1988. A atual Constituição orientou-se pela pressão descentralizadora da época e acabou por agravar o problema existente, tendo repassado aos Estados as bases dos antigos "impostos únicos" da União sem os respectivos repasses de encargos. A partir de então, o desequilíbrio fiscal federal aumentou, tendo sido necessária a criação de instrumentos como o Fundo Social de Emergência e o Fundo de Estabilização Fiscal para desvincular receitas constitucionalmente vinculadas, de modo a dar graus de liberdade para a União realizar política econômica.

Conforme mencionado anteriormente, as dificuldades a serem superadas no aprimoramento do Sistema Tributário Nacional, em sua maioria, estão atreladas ao federalismo fiscal brasileiro, ou seja, à sua baixa racionalidade e ao seu caráter competitivo. Portanto, a solução ideal, indubitavelmente, demanda negociação política complexa, o que tem entravado o processo de reforma nos últimos anos. Assim, tornou-se imprescindível falar do factível, do viável, e não do ideal.

Vale destacar que a tributação da renda já foi reformulada ao longo dos últimos seis anos e, portanto, encontra-se atualmente em níveis de sofisticação e modernização compatíveis com as melhores legislações tributárias internacionais. Dessa forma, salvo por medidas pontuais de curto prazo, não há necessidade de qualquer modificação estrutural nos impostos incidentes sobre a renda.

O projeto de reforma tributária viável deverá focar prioritariamente, no que concerne ao ICMS, federalização normativa, com a criação de alíquotas uniformes em todo o território nacional e vedação de benefícios fiscais de qualquer natureza e introduzir o princípio do destino na cobrança do ICMS, desde que se faça um rearranjo global no atual sistema de partilhas vertical e horizontal; por outro lado, no que concerne ao ISS, fixação de alíquotas mínimas nacionais e vedação de benefícios fiscais; e como o IPI também esta sendo pauta envolvendo o pacto federativo propõe-se converter o IPI em verdadeiro excise, reduzindo o atual espectro de incidência, desde que se assegure compensação arrecadatória pela nova incidência da Contribuição para o PIS e da Cofins e que, além disso, se reveja o sistema atual de vinculação e partilha.

Devemos ter em mente, que além do aspecto tributário, no que pertine ao federalismo, devemos respeitar que a federação é forma de Estado cujo objetivo é manter reunidas autonomias regionais e assenta-se sobretudo, na Constituição Federal, sendo esta soberana e os Estados federados autônomos, mas nunca soberanos. A reforma fiscal proposta pelo Estado Federal deverá congregar aspectos que convirjam para a manutenibilidade e reforço a situação de pacto federativo e não o contrário. Ademais, o Estado Federal deve estar fundado, nesta reforma fiscal, na descentralização política e principalmente, na participação da vontade regional na vontade nacional.

Portanto, a conclusão principal é a de que a tributação moderna está crescentemente enquadrada em uma série de condicionantes externos e de restrições políticas e econômicas internas. O Brasil, ciente dessa nova realidade, já iniciou um processo de adequação de seu sistema e de suas administrações tributárias, mas, certamente, o futuro exigirá uma permanente adaptação a mudanças, dado que as pressões por alterações tornam-se permanentes. A reforma tributária, portanto, deve ser enxergada como um processo dinâmico de adequação. O mais importante, entretanto, é que se tenha claro que o caminho deve ser trilhado com responsabilidade técnica acima de tudo, respeitando acima de tudo o pacto federativo prescrito em nosso texto constitucional, dado que o grau de autonomia do governo em relação ao sistema tributário que sob certa ótica, será cada vez mais reduzido. Soluções mirabolantes de criatividade excessiva podem ser perigosas e colocar em risco a própria estabilidade econômica e o pacto federativo do País.


NOTAS

01. MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de, 1689-1755. O espírito das leis. Trad. De Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

02. NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de história do direito, 8ª.edição, Rio de Janeiro:Ed.Forense, 1996.

03. ROSSEAU, Jean Jacques. O Contrato Social – Princípios de Direito Político, trad. Antônio de P.Machado, Ediouro.

04. CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário, Editora Malheiros, 16ª. edição pp. 104-139.

05. CANOTILHO, J.J.Gomes. Direito constitucional e Teoria da Constituição. Almedina:Portugal, 1999.

06. HESSE, Konrad. Elementos de Direito constitucional da República federal da Alemanha.ed. Sergio Fabris, pp. 180-183, 1998.

07. FERREIRA, Pinto. Curso de Direito Constitucional, Saraiva, 1999.

08. PORTO, Walter Costa. Constituições Brasileiras, Senado Federal, Centro de Estudos Estratégicos, ESAF, volume IV, 1937.

09. BALEEIRO, Aliomar. Constituições Brasileiras, Senado Federal, Centro de Estudos Estratégicos, ESAF, volume V, 1946.

10. BRITO, Luiz Navarro de. Constituições Brasileiras, Senado Federal, Centro de Estudos Estratégicos, ESAF, volume VI, 1967.

11. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, Malheiros: São Paulo, 16ª. edição, 2000.

12. FILHO, Ferreira. Curso de Direito Constitucional, Saraiva; Do Processo Legislativo, Saraiva.

13. BALEEIRO, Aliomar.Direito Tributário Brasileiro, Forense:Rio de Janeiro, 11ª.edição, 2000.


BIBLIOGRAFIA

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TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, Malheiros: São Paulo, 16ª. edição, 2000.

FILHO, Ferreira. Curso de Direito Constitucional, Saraiva; Do Processo Legislativo, 2000.


Autor

  • Fernando Maida

    Fernando Maida

    advogado no Rio de Janeiro, planejamento tributário da Petrobras Distribuidora

    é mestrando em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes e pós-graduado lato sensu em Direito Tributário pela Estácio de Sá e em Direito do Petróleo pela Cândido Mendes.

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MAIDA, Fernando. O impacto da reforma tributária no federalismo brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 156, 9 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4575. Acesso em: 26 abr. 2024.