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A ideologia das ações que tutelam direitos transindividuais

A ideologia das ações que tutelam direitos transindividuais

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O trabalho busca delinear a ideologia das ações que tutelam os direitos transindividuais, através do estudo dos direitos difusos, dos direitos coletivos e dos direitos individuais homogêneos, da coisa julgada nas ações que tutelam estes interesses e do papel do Judiciário na tutela e garantia dos mesmos.

Resumo

Este texto resultou de um trabalho conjunto entre alunos do curso de Mestrado em Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, para obtenção de créditos na disciplina "Acesso à Justiça e Tutela de Direitos". O trabalho teve como objetivo o delineamento da ideologia das ações que tutelam os direitos transindividuais, tarefa feita através do estudo dos direitos difusos, dos direitos coletivos e dos direitos individuais homogêneos, da coisa julgada nas ações que tutelam estes interesses e do papel do judiciário na tutela e garantia dos mesmos. Constatou-se que a utilização dos processos coletivos tem possibilitado o exercício da cidadania e que a tutela dos interesses transindividuais deu uma nova roupagem ao Direito Processual Civil, retirando-o da chancela de tutela de interesses de cunho egoístico e individualista.


Índice: 1. Introdução, 2. Direitos Metaindividuais – Interesses Coletivos versus Interesses Difusos, 3. Características Básicas dos Interesses Difusos, 3.1. A indeterminação dos Sujeitos, A indivisibilidade do Objeto, 3.3. A Intensa Litigiosidade Interna, Transição ou mutação no tempo e no espaço, 4. Quadro Demonstrativo e Exemplificativo das Diferenças e Semelhanças Existentes entre Direitos Difusos, Direitos Coletivos e Direitos Individuais Homogêneos, 5. A Ideologia dos Direitos Difusos, 6. Papel dos juízes na proteção dos interesses transindividuais, 6.1. Dificuldade dos juízes decidirem sobre direitos transindividuais – uma resistência de ordem política, 6.2. Da democracia-representativa à democracia-participativa, 6.3. Do alcance da interferência do judiciário na discricionariedade legislativa e administrativa, 6.4. O relevante papel do judiciário para a tutela dos direitos transindividuais, 7. A disciplina da coisa julgada nas ações em defesa de interesses transindividuais, Antecedentes históricos, 7.1. A coisa julgada nas ações que tutelam direitos difusos, 7.2. A coisa julgada nas ações que tutelam interesses coletivos, 7.3. A coisa julgada nas ações que tutelam interesses individuais homogêneos, 8. Considerações Finais, 9. Referências Bibliográficas.


1. Introdução

Notoriamente, os interesses difusos vão se revelando cada vez mais numerosos e fazem aflorar temas que têm o homem como centro de referência. Percebe-se, ainda que, eles evocam, em qualquer modo, aquela antiga noção de direito natural [1], como deflui dos interesses à qualidade de vida, à proteção ecológica, ao respeito às etnias e minorias, porque tudo isso significa em última análise o respeito ao homem enquanto homem, na antiga lição de Kant, em que o homem nunca dever ser um meio, mas um fim em si mesmo.

Parece-nos que está ocorrendo uma verdadeira revalorização de todo esse mundo ético subjacente ao Direito (haja vista a riquíssima tese de Dworkin). Surge uma massa ética que reclama por tutela de seus interesses. E justamente por ser desprovida de sanção específica, essa massa ética é a mais merecedora de tutela. Há uma tomada de consciência geral, no sentido de que esse universo subjacente ao direito vastíssimo; os interesses difusos representam anseios profundos da comunidade: são aspirações legítimas, ainda que episódicas ou contingenciais. E não há porque esperar que estes interesses ascendam a liberdades públicas ou se definam como direitos subjetivos: até lá, o momento propício para a tutela poderá já ter passado e certamente o dano será de difícil reparação.

Infelizmente restam ainda grandes resistências aos interesses difusos. Há, pelos setores mais conservadores do Direito e pela ordem política, um certo temor em que haja uma pulverização da autoridade estatal. Alegam que o acesso direto desses interesses aos centros de decisão (incluindo o Poder Judiciário) seria conflitante com o sistema político representativo, no qual existem órgãos colegiados competentes para funcionar como canais de comunicação entre os interesses da coletividade e o Poder, e há também o receio de que essa coloração política, ínsita na tutela dos interesses difusos, desfiguraria ou comprometeria a estrutura técnica da trilogia ação-jurisdicção-processo, transformando o Poder Judiciário em um superpoder, podendo interferir nas escolhas políticas feitas por aqueles que foram legitimamente escolhidos para fazê-las; com isso por-se-ia em risco a tripartição e a harmonia dos poderes constituídos.

No entanto, devemos lembrar que o Estado foi criado para atender as necessidades e interesses do homem e não o contrário. Devemos ter a consciência de que o Estado é apenas um meio para se atingir os anseios do homem, sendo que este é um fim em si mesmo, e subverter a ordem das coisas seria chegar ao absurdo de colocar o homem como escravo dos poderes estatais.

Assim, considerando os interesses difusos como interesses pertinentes aos mais altos valores humanos (como a qualidade de vida, o bem comum, etc.), não se pode deixar de tutelá-los pelo fato de que possa haver uma certa transformação na estrutura política.

Ora, a sociedade é dinâmica, e qualquer modificação deve ser feita para atender as necessidades, e o Direito deve estar evoluindo atendendo estes anseios, dando repostas aos conflitos apresentados, em uma perspectiva de segurança jurídica, possibilitando através de seu arsenal de leis e de sua dogmática, a resolução da melhor forma possível dos conflitos sociais apresentados, fomentando uma democracia participativa (2).


2. Direitos Metaindividuais – Interesses Coletivos versus Interesses Difusos.

Os interesses metaindividuais, assim chamados para diferenciar dos interesses individuais de cunho "egoístico", ultrapassam a órbita da atuação individual, para se projetarem na ordem coletiva com finalidade notadamente altruística.

Grande erro comete parte da doutrina, exatamente por influência do denominador comum – "interesses metaindividuais" –, em classificar como sinônimos os termos coletivo e difuso [3].

Podemos conceituar brevemente os direitos coletivos como sendo aqueles que concernem a uma realidade coletiva (v.g., profissão, a categoria, a família), ou seja, aqueles que se relacionam com o exercício coletivo de interesses coletivos, e não simplesmente, aqueles interesses que apenas são coletivos na forma, permanecendo individuais quanto à finalidade perseguida, o que configuraria um exercício coletivo de interesses individuais.

A ambigüidade entre direitos difusos e direitos coletivos começa já na acepção vernacular dos termos, já que ambos sugerem a idéia do que é extenso, aplicável a muitas pessoas ou coisas. Tal sinonímia é reforçada pelo uso dessas expressões, indistintamente, como a significar uma e mesma coisa. Autores de grande prestígio (Nelson Nery Junior, Edis Milaré entre outros) declaram abertamente utilizar indiferentemente, como sinônimos, as expressões interesse difuso, coletivo, de grupo, meta ou supra-individual, embora reconheçam haver na doutrina, tentativas respeitáveis de distinguir esses conceitos. No entanto, o próprio direito positivo consagrou a distinção: tanto a Constituição Federal (art. 129, III) como a Lei da Ação Civil Pública (7.347/85, art. 1º, IV – com a redação dada pela Lei 8.078/90, art. 110) referem-se a interesses difusos e coletivos. Ora, assim não procederia o legislador se considerasse sinônimas tais expressões.

Para clarear esta questão terminológica, mister se faz comparar os dois termos, mas mostrar que os interesses são distintos e não se confundem.

Celso Ribeiro Bastos põe em relevo o fato de que os interesses coletivos "dizem respeito ao homem socialmente vinculado", havendo, portanto, um vínculo jurídico básico, uma geral affectio societatis ao passo que os interesses difusos se baseiam numa identidade de situações de fato, sujeitando-se a lesões de natureza extensiva, disseminada ou difusa.

José Carlos Barbosa Moreira também prefere distinguir ambas as expressões, em que pese à relativa imprecisão do conceito. De acordo com o autor,

a expressão "interesses difusos" não adquiriu até agora sentido preciso na linguagem jurídica, sugerindo duas notas essenciais ao conceito de interesse difuso, uma pertinente ao sujeito e outra ao objeto. No que tange ao sujeito, o interesse não pertence à pessoa determinada ou a grupo nitidamente delimitado. Eis aqui o ponto. Ao ver do processualista, a titularidade do interesse encontrar-se-ia em um grupo cujos membros seriam de difícil ou impossível determinação. Ademais, isto é de se sublinhar, inexistiria necessariamente um vínculo jurídico entre estes componentes do grupo, ao contrario do que ocorre, v.g., com uma sociedade anônima. Do ângulo do objeto, o interesse refere-se a um bem individual, de tal sorte que a satisfação de um elemento do grupo implicaria a satisfação dos demais (4)".

Mancuso [5] aponta duas razões para esta distinção: a) conquanto os interesses coletivos e os difusos sejam espécies do gênero "interesses meta (ou super) individuais", tudo indica que entre eles existem pelo menos duas diferenças básicas, uma de ordem quantitativa, outra de ordem qualitativa: sob o primeiro enfoque, verifica-se que o interesse difuso concerne a um universo maior do que verifica-se que o interesse coletivo, visto que, enquanto aquele pode mesmo concernir até a toda humanidade, este apresenta menor amplitude, já pelo fato de estar adstrito a uma "relação-base", a um "vínculo jurídico", o que o leva a se aglutinar junto a grupos sociais definidos; sob o segundo critério, vê-se que o interesse coletivo resulta do homem em sua projeção corporativa, ao passo que, no interesse difuso, o homem é considerado simplesmente enquanto ser humano; b) utilizar indistintamente essas duas expressões conduz a resultados negativos, seja porque não contribui para aclarar o conteúdo e os contornos dos interesses em questão, seja porque estão em estágios diferentes de elaboração jurídica: os interesses coletivos já estão bastante burilados pela doutrina e jurisprudência; se eles ainda suscitam problema, como o da legitimação para agir, a técnica jurídica tem meios de resolve-lo, ao passo que os interesses difusos não contam, propriamente, com mais de uma década de elaboração jurídica específica, continuando em certo modo uma figura misteriosa. Daí ser útil e conveniente a tentativa de distinção entre esses dois interesses.

Mancuso [6] chega a afirmar que se colocássemos os interesses em uma escala, os interesses difusos estariam acima dos interesses públicos ou gerais, porque, enquanto são inerentes a estes certos valores pacificamente aceitos (por exemplo: segurança pública), os interesses difusos, ao contrário, permitem toda sorte de posicionamento, de conteúdo fluido (por exemplo, qualidade de vida). E continua "enquanto o interesse geral ou público concerne primordialmente ao cidadão, ao Estado ao Direito, os interesses difusos se reportam ao homem, à nação, ao justo".

Pelo alto índice de desagregação ou de atomização estes interesses se referem a um contingente indefinido de indivíduos e a cada qual deles ao mesmo tempo.

Não podemos negar que esta classe de direitos sempre existiu. No entanto somente recentemente [7] este tema vem sendo elaborado de forma autônoma e sistemática. Este paradoxo pode ser talvez explicado pelo fato de que os sistemas jurídicos se fundam basicamente na tutela dos interesses do indivíduo, isto é, nas querelas de tipo "Tício versus Caio", mesmo que os implicados sejam pessoas jurídicas. Esse posicionamento acarretou a conseqüência de que somente os interesses considerados relevantes pelo Estado e suscetíveis de afetação a um titular mereceriam tutela jurisdicional.

Dentro de uma tal concepção individualista, é bem compreensível que passassem despercebidos certos interesses que, justamente, se caracterizam pela inviabilidade de apropriação individual, como o interesse à pureza do ar atmosférico. Afirmou-se, mesmo, que se um interesse concerne a todos, não pertence a ninguém, e, assim, e assim não é tutelável.

Nesse sentido, de acordo com Mauro Cappelletti e Bryant Garth [8]

"a concepção tradicional do processo civil não deixava espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo era visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais. Direitos que pertencessem a um grupo, ao público em geral ou a um segmento do público não se enquadravam bem nesse esquema. As regras determinantes da legitimidade, as normas de procedimento e a atuação dos juízes não eram destinadas a facilitar as demandas por interesses difusos intentadas por particulares (...), sendo que a visão individualista do devido processo judicial está cedendo lugar rapidamente, ou melhor, está se difundindo com uma concepção social, coletiva. Apenas tal transformação pode assegurar a realização dos direitos públicos relativos a interesses difusos".

Anota-se que o primeiro passo para a revelação desses interesses difusos deu-se com o advento da Revolução Industrial e a conseqüente constatação de que os valores tradicionais, individuais, do século XIX, não sobreviveriam muito tempo, sufocados ao peso de uma sociedade "de massa".

Ora, nessa sociedade de massa, não há lugar para o homem enquanto indivíduo isolado; ele é tragado pela roda-viva dos grandes grupos de que se compõe a sociedade; não há mais a preocupação somente com situações jurídicas individuais, o respeito ao indivíduo enquanto tal, mas ao contrário, indivíduos são agrupados em grandes classes ou categorias, e como tais normatizados, ou seja,

"com a sociedade de massa, é necessária outra perspectiva, que encara situações jurídicas, em que a preocupação não é propriamente estabelecer regras que protejam os direitos subjetivos das pessoas envolvidas, mas sim fixar normas que preservem determinados bens ou valores que interessam a um grupo (determinado ou indeterminado) de pessoas, estatuindo o dever jurídico de respeito a esses bens ou valores, e conferindo a determinados entes da sociedade o poder de acionar a Jurisdição para fazer cumprir tais deveres [9]".

Paralelamente à Revolução Industrial e à massificação da sociedade, também o sindicalismo contribuiu para fazer aflorar essa "ordem coletiva". Reflexo dessa situação foram às ações coletivas na justiça do trabalho, onde a "pretensão resistida", é integrada pela reivindicação de uma categoria e a contestação de outra. Outros exemplos são os contratos de adesão e os contratos coletivos de trabalho.

Dentre esses direitos "novos", além dos ditos coletivos, mais recentemente, verificou-se a necessidade de tutelar os outros interesses revelados por esse processo social: os interesses "difusos", isto é, aqueles que sobrepõe a órbita dos grupos institucionalizados, pelo fato de que sua indeterminação não permite sua captação em termo de exclusividade. Aliás, como bem afirma Mancuso, são justamente esses "interesses em busca do autor" os que mais necessitam de tutela, porque são os mais desprovidos dela. E cabe ao Direito melhor identifica-los, a fim de atribuir-lhes um "espaço" próprio no universo dos interesses tuteláveis.

O interesse difuso, por não contar com uma base normativa própria, exsurgindo de circunstâncias de fato, conjunturais enseja o confronto entre interesses de massa, sustentados por grupos contrários, ocasionando uma conflituosidade máxima, ou alto grau de conflituosidade, referida pela doutrina italiana.

Frente a todas estas considerações, transcrevemos o conceito que Mancuso [10] dá aos interesses difusos: "são interesses metaindividuais, que, não tendo atingido o grau de agregação e organização necessários à sua afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos, restam em estado fluido, dispersos pela sociedade civil como um todo, podendo, por vezes, concernir a certas coletividades de conteúdo numérico indefinido (v.g. os consumidores).


3. Características Básicas dos Interesses Difusos.

Segundo Mancuso [11], as características básicas dos interesses difusos são: indeterminação dos sujeitos; indivisibilidade do objeto; intensa conflituosidade; duração efêmera, contingencial.

3.1. A indeterminação dos Sujeitos

Sabemos que somente os interesses relevantes para a ordem jurídica e referíveis a um titular são suscetíveis de tutela estatal, visto que só esses são qualificados por um sanção para a hipótese de não serem respeitados, o que acrescenta o aspecto coercitivo à sua exigibilidade. Ora, pelo fato de os direitos difusos possuírem um conjunto indeterminado ou dificilmente determinável de sujeitos, a tutela não pode mais ter por base a titularidade, as a relevância, em si, do interesse, isto é, o fato de sua relevância social. Por fim, altera-se fundamentalmente o esquema tradicional: a relevância jurídica do interesse não mais advém de sua afetação a um titular determinado, mas ao contrário, do fato de que esse interesse concerne a uma pluralidade de sujeitos.

É claro que pode ocorrer, num caso concreto, que um direito difuso venha a ser veiculado, exteriorizado por um sujeito ou uma entidade (o ente esponenziale a que se refere a doutrina italiana), mas isso não descaracteriza a essência do interesse, que permanece difuso, pelo fato de se referir a toda uma coletividade, indistintamente.

A titularidade ora tratada dos interesses difusos ficou bem evidenciada em certa class action cujo objeto era a interdição do uso do DDT. Seus autores declararam que integravam a class em questão "all the people of United States, not only of this generation, but of those generations yet unborn [12]".

3.2. A indivisibilidade do Objeto.

Consideramos que os interesses difusos são indivisíveis pelo fato de que são insuscetíveis de partição em quotas atribuíveis a pessoa ou grupos preestabelecidos. Trata-se, como preleciona José Carlos Barbosa Moreira, de uma espécie de comunhão, tipificada pelo fato de que a satisfação de um só constitui, ipso facto, satisfação de todos, assim como a lesão de um só, a lesão de toda a coletividade [13].

É a uniformidade de conteúdo que determina a indivisibilidade dos interesses difusos, assim referíveis a todos os sujeitos concernente, indistintamente.

3.3. A Intensa Litigiosidade Interna.

A maioria doutrinária, sobretudo na Itália, aponta a conflitulità massima como outra das características dos interesses difusos.

Ora, os interesses difusos são soltos, desagregados, disseminas entre segmentos sociais mais ou menos extensos; não têm um vínculo jurídico básico (do tipo "Tício versus Caio"), mas exsurgem de aglutinações contingenciais, normalmente contrapostas entre si. Como diz Ada Pellegrini Grinover trata-se de interesses de massa que sofrem constantes investidas, freqüentemente também de massa, contrapondo grupo versus grupo, em conflitos que se coletivizam em ambos os pólos.

Conclui-se que as controvérsias que envolvem esses interesses não são situações jurídicas definidas, mas trata-se de litígios que têm por causa remota verdadeiras escolhas políticas.

A marcante conflituosidade deriva basicamente da circunstância de que todas as pretensões metaindividuais não têm por base um vínculo jurídico definido, mas derivam de situações de fato, contingentes, por vezes até ocasionais. Na verdade, não há um parâmetro jurídico que permita um julgamento axiológico preliminar sobre a posição "certa" ou "errada". Podemos citar, para ilustrar o que fora dito, o interessante caso que ocorreu aqui no Rio de Janeiro com a construção do chamado "sambódromo", o qual gerou conflitos metaindividuais entre os interesses ligados à indústria do turismo versus os interesses dos cidadãos e associações, contrários à construção de um local definitivo para as "evoluções" das escolas de samba.

Percebe-se que a indeterminação dos sujeitos e a mobilidade e fluidez do objeto ampliam ao infinito a área conflituosa dos direitos difusos.

3.4. Transição ou mutação no tempo e no espaço.

No mais das vezes os interesses difusos surgem a partir de situações contingenciais, repentinas, imprevisíveis, e assim, é efêmera a duração do interesse decorrente: deve ele ser tutelado prontamente, antes que se altere a situação de fato que o originou. Por outras palavras, não exercitados a tempo e hora, os interesses difusos modificam-se, acompanhando a transformação da situação fática que os ensejou.

A essa especial característica segue-se a conseqüência da irreparabilidade da lesão, em termos substanciais. Com efeito, os interesses difusos se relacionam aos valores mais elevados para a sociedade: preservação do ambiente, direitos dos consumidores, e, uma vez lesionados tais interesses, o Direito não poderá oferecer uma reparação integral, "em espécie", porque não se trata de valores fungíveis, suscetíveis de reparação através de ressarcimento pecuniário, como exemplo, qual dinheiro "indenizará" a dor moral e o sofrimento físico das vítimas da talidomida?

É necessário, portanto, que haja meios ordinários para que a tutela desses interesses seja satisfeita rapidamente, em caráter de urgência; afinal, já existe a consciência da deteriorabilidade e irreversibilidade da situação e do dano que caracterizam o interesse difuso, e ainda, da impossibilidade de um ressarcimento a contento do dano causado a um interesse deste tipo. Grande importância teve, para a tutela destes interesses efêmeros, a Lei 8.952/94 que instituiu a antecipação dos efeitos da tutela, e de outra parte, previu meios coativos e medidas de apoio em ordem à prestação específica das obrigações de fazer e não-fazer.

Outra conseqüência deste caráter fugaz dos interesses difusos é que não os demonstram aptidão para serem completamente tutelados em sede legislativa que, a princípio, seria a indicada, visto que esses interesses implicam verdadeiras escolhas políticas. É que, de ordinário, não haveria tempo material pra que a tutela nesse nível se concretizasse de modo útil e eficaz.

Diante de tais interesses, percebe-se, quão importante se mostra o papel do judiciário. Afinal, mais do que nunca, deverá o juiz ser criativo, ter conhecimentos parajurídicos, procurar antes a justiça e a eqüidade na solução do caso concreto do que a fria aplicação dos textos. Até porque, em muitos casos, não terá ele à sua disposição uma norma pronta e acabada aplicável à espécie, ou então, o próprio texto deixará uma margem para ele próprio definir os contornos que deve ser dado ao caso concreto. É claro que haverá limites a essa atuação jurisdicional, até mesmo pelo já conhecido sistema de "freios e contrapesos" que preserva a independência entre os Poderes e ao mesmo tempo exerce o controle entre eles de forma harmônica.


4. Quadro Demonstrativo e Exemplificativo das Diferenças e Semelhanças Existentes entre Direitos Difusos, Direitos Coletivos e Direitos Individuais Homogêneos:

DIREITOS

DIFUSOS

COLETIVOS

INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

1) Sob o aspecto subjetivo são:

Transindividuais, com indeterminação absoluta dos titulares (= não têm titular individual e a ligação entre os vários titulares difusos decorre de mera circunstancia de fato. Exemplo: morar na mesma favela).

Transindividuais, com determinação relativa dos titulares (= não têm titular individual e a ligação entre os vários titulares coletivos decorre de uma relação jurídica-base. Exemplo: Estatuto da OAB).

Individuais (= há perfeita identificação do sujeito, assim da relação dele com o objeto do seu direito). A ligação que existe com outros sujeitos decorre da circunstancia de serem titulares (individuais) de direitos com "origem comum".

2) Sob o aspecto objetivo são:

Indivisíveis (= não podem ser satisfeitos nem lesados senão em forma que afete a todos os possíveis titulares).

Indivisíveis (= não podem ser satisfeitos nem lesados senão em forma que afete a todos os possíveis titulares).

Divisíveis (= podem ser satisfeitos ou lesados em forma diferenciada e individualizada, satisfazendo ou lesando um ou alguns titulares sem afetar os demais).

3) Exemplo:

Direito ao meio ambiente sadio (artigo 225 CF/88).

Direito de classe dos advogados de ter representante na composição dos Tribunais (artigo 170, I, da CF/88).

Direito dos adquirentes a abatimento proporcional do preço pago na aquisição de mercadoria viciada (CDC, artigo 18, § 1º, III).

4) Em decorrência de sua natureza:

a) são insuscetíveis de apropriação individual;

b) são insuscetíveis de transmissão, seja por ato inter vivos, seja mortis causa;

c) são insuscetíveis de renuncia ou de transação;

d) sua defesa em juízo dá sempre em forma de substituição processual (o sujeito ativo da relação processual não é o sujeito ativo da relação de direito material), razão pela qual o objeto do litígio é indisponível para o autor da demanda, que não poderá celebrar acordos, nem renunciar, nem confessar (CPC, artigo 351) nem assumir ônus probatório não fixado na Lei (CPC artigo 333, parágrafo único, I);

e) a mutação dos titulares ativos difusos da relação de direitos se dá com absoluta informalidade jurídica (basta alteração nas circunstancias de fato).

a) são insuscetíveis de apropriação individual;

b) são insuscetíveis de transmissão, seja por ato inter vivos, seja mortis causa;

c) são insuscetíveis de renuncia ou de transação;

d) sua defesa em juízo dá sempre em forma de substituição processual (o sujeito ativo da relação processual não é o sujeito ativo da relação de direito material), razão pela qual o objeto do litígio é indisponível para o autor da demanda, que não poderá celebrar acordos, nem renunciar, nem confessar (CPC, artigo 351) nem assumir ônus probatório não fixado na Lei (CPC artigo 333, parágrafo único, I);

e) a mutação dos titulares coletivos da relação jurídica de direito material se dá com relativa informalidade (basta a adesão ou a exclusão do sujeito à relação jurídica-base).

a) individuais e divisíveis, fazem parte do patrimônio individual do seu titular;

b) são transmissíveis por ato inter vivos (cessão) ou mortis causa, salvo exceções (direitos extrapatrimoniais).

c) são suscetíveis de renúncia e transação, salvo exceções (v.g. direitos personalíssimos).

d) são defendidos em juízo, geralmente, por seu próprio titular. A defesa por terceiro o será em forma de representação (com aquiescência do titular). O regime de substituição processual dependerá de expressa autorização em lei (CPC, artigo 6º);

e) a mutação do pólo ativo na relação de direito material, quando admitida, ocorre mediante ato ou fato jurídico típico e específico (contrato, sucessão mortis causa, usucapião, etc).

Fonte: ZAVASCKI, Teori Albino. Defesa de Direitos Coletivos e Defesa Coletiva de Direitos. In: Revista de Processo, nº78, ano 20, abril/junho. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995. Pág. 34 e 35.


5. A Ideologia dos Direitos Difusos.

A ideologia jurídica [14] pode ser conceituada como um conjunto de valores e das regras que justificam e ou dirigem a criação e a aplicação ou a interpretação do direito, sendo que é tratada como teoria normativa destas atividades quando este conjunto é coerente, completo e suficiente para resolver cada problema axiológico que é inerente a essas atividades.

Nesse aspecto, tem-se que os direitos difusos causam grande interesse e curiosidade geral, por outro lado, constata-se que há ainda grandes reservas para sua efetiva tutela, isso devido a carga ideológica presente nos mesmos, e das escolhas a serem feitas, visto serem características dos mesmos a intensa conflituosidade e a disputa por interesses, estes no sentido de uma disposição estável ou durável para a satisfação de um bem material ou ideal que é, ou tende a ser, reconhecido ou protegido pela ordem jurídica [15].

O maior óbice que a tutela desses interesses sofre é referente a uma resistência de ordem política.

Há um temor por aquele que detém o poder de que o Estado se enfraqueça pelo fato de os anseios da coletividade não se endereçarem diretamente a ele. Esse medo aumenta ainda mais quando se trata de direitos difusos, porque inevitavelmente estes direitos exigem sempre escolhas políticas, por exemplo, será necessário escolher em construir uma hidrelétrica ou manter o meio ambiente preservado; e a quem caberia esta escolha? Ora, o Estado teme que a coletividade usurpe seus poderes. Nas palavras de Mancuso, na verdade, que o Estado reservar para si o poder de fazer a "escolha política" dentre aqueles interesses, e ação dos grupos que deles querem se fazer portadores significaria uma concorrência incômoda.

No entanto, verifica-se que o Estado não pode deixar de considerar que os interesses difusos são insuscetíveis de captação e apropriação isolada, até mesmo por ele, Estado. Formam um reduto que transcende a ordem normativa já estabelecida e, por isso mesmo, até que se definam as "escolhas políticas" que a respeito deles se podem estabelecer, tais interesses devem ser tuteláveis disjuntiva e concorrentemente, em possibilidade de atribuição exclusiva a um portador determinado.

Objeta-se ainda que o acesso direto dos interesses difusos aos centros de decisão é incompatível com o sistema democrático-representativo, onde já existem órgãos competentes e legítimos para as tarefas de condensar, tirar e, se for o caso, normatizar a matéria objeto desses interesses. Haveria, alegam os mais conservadores, uma certa "usurpação" de funções exercidas por certos órgãos previamente escolhidos, aí incluindo o Ministério Público.

Ora, estamos hoje a caminho de superar a concepção de democracia representativa, para ascendermos à chamada "democracia participativa", onde a existência de representantes eleitos não exclui a participação dos cidadãos em geral, isoladamente ou em grupos.

Precisamos, na verdade, é de eliminar a visão preconceituosa de que só os administradores públicos sabem e decidem bem e que a população leiga não tem capacidade para fazer a gestão dos seus próprios interesses.

Segundo Mancuso, temos que:

"não é a tutela dos interesses difusos por meio de órgãos intermediários o que viria afrontar o sistema representativo, institucionalmente estabelecido; ao contrário, é este sistema que teme perder o prestígio e as vantagens que vêm do monopólio de representação da vontade popular. O caso, porém, como dito, é de adaptação às novas realidades, mesmo porque a formação de grupos sociais é inevitável, natural" (16).

Há ainda os que alegam que a tutela dos interesses difusos pelo Poder Judiciário provocaria um desequilíbrio da tripartição dos poderes, com o superdimensionamento do Judiciário. Sustentam a tese de que o Judiciário existe para exercer uma atividade substitutiva – dirimir controvérsias – e não para conhecer de interesses primários, que poderiam e deveriam ser objeto de tutela em nível da lei lato sensu ou do poder de polícia da administração.

Mas hoje, acredita-se que a ação, principalmente quando se trata de interesses supraindividuais, é uma forma de participação comunitária na gestão da coisa pública. E isto é sem dúvida vantajoso para o cidadão, afinal, sabemos o quanto difícil, burocrático e complexo é o acesso do indivíduo às instâncias administrativas e legislativas, sendo que para se ter acesso a um juiz togado, basta uma petição. Além do mais, não estará o judiciário desenvolvendo atividade de "suplência"; afinal é sua própria atividade, de outorgar tutela a quem pede e merece. Ainda mais quando haja omissão e descaso pelo poder legislativo ou administrativo. "Assim, não é que o judiciário esteja a invadir a seara dos outros dois; será antes um sinal de que os outros não estão a tutelar esses interesses, obrigando aos cidadãos a recorrerem diretamente à via jurisdicional". [17]

Dessa forma, a garantia de uma legitimidade adequada é fundamental para se garantir e efetivar o acesso à justiça desses interesses coletivos. Segundo José Carlos Barbosa Moreira [18], a legitimidade ativa para a causa que envolve esses direitos constitui um dos pontos sensíveis da problemática processual, podendo-se vislumbrar três soluções.

A primeira delas consiste em atribuir em caráter concorrente, a legitimidade, a cada um dos membros da coletividade, que poderia agir isoladamente ou formando um litisconsórcio voluntário.

A seguinte é atribuí-la a pessoas jurídicas (sociedades e associações) com fins voltados para a defesa do interesse em questão, ou mesmo a qualquer entidade que ofereça boa garantia de representar, de forma adequada e com eficiência, o conjunto dos interessados. Da mesma forma, grupos com objetivos específicos de tutela de certo interesse difuso ou coletivo também estariam legitimados.

Assim, na visão do citado autor, talvez não seja necessária a vinculação da finalidade institucional com o interesse defendido para que uma entidade atue com legitimidade. A simples idéia de oferecer essa garantia de bem representar o conjunto dos interessados bastaria, cabendo ao juiz essa análise. Enfatizando isto, MANCUSO [19], diz que a representação adequada veio substituir o critério da legitimação fundada na coincidência entre titular do direito material e autor da ação.

Por último, a legitimidade também dos órgãos estatais, neste caso, o Ministério Público, através da ação civil pública [20].

É interessante ressaltar que a legitimação concorrente e disjuntiva pode ser encontrada na ação popular [21] e no mandado de segurança [22]. No entanto, este último instrumento se presta apenas para tutelar conflitos que envolvam ato ou omissão de autoridades públicas (ou a elas equiparados). Em se tratando de ação popular, esta, conforme determina o art. 6º da Lei 4.717/65, só poderá ser proposta contra a entidade pública supostamente lesada e suas autoridades, funcionários ou administradores. Além disso, nem pessoa jurídica [23] nem o Ministério Público podem propor ação popular, o que é, de certa forma criticável, apesar de, em certas circunstâncias, a lei permitir que o parquet assuma a posição da parte ativa no curso do processo (no caso de o autor desistir da ação) e também poder recorrer contra a decisão proferida contra o autor popular.

Em relação ao mandado de segurança coletivo, é interessante considerar que, grande parte da doutrina e da jurisprudência, firma-se no sentido de que tal instrumento de proteção apenas serviria para contestar ato que afeta de maneira individualizada a esfera jurídica de alguém. Entretanto, muitos autores e algumas decisões judiciais [24] já defendem a viabilidade do mandado de segurança coletivo para a proteção dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, desde que presentes os requisitos do mandado de segurança (direito líquido e certo, ato ilegal ou abusivo de autoridade, violação ao direito ou justo receio de sofrê-la). Assim, BARROSO [25] quando trata do writ coletivo enfatiza o seguinte:

"(...) Trata-se de instituto que opera no plano coletivo, devendo o objeto da tutela jurisdicional amoldar-se a esta dimensão transindividual. Vale dizer: os direitos e interesses protegidos não pertencem a um único indivíduo, mas a uma pluralidade deles, que em lugar de agirem cada um de per se, são substituídos no plano processual pela entidade respectiva".

Portanto, o que se observa, muitas vezes, é a dificuldade do próprio intérprete em deixar de lado uma postura conservadora e ser capaz de firma-se em uma atitude mais sensível às necessidades práticas, o que poderia ajudar em muito a superação de vários obstáculos quanto à proteção dos interesses difusos e coletivos [26].

Outra questão importante a ser considerada é o fato de o direito brasileiro ser fiel ao tradicional princípio de ver como obrigatória a coincidência entre os sujeitos da relação material e os sujeitos do processo. Dessa maneira, é natural o ingresso de pessoas jurídicas e até de certos entes não dotados de personalidade sempre que se trate de direitos e obrigações que eles mesmos sejam titulares [27]. Por outro lado, quando da defesa de interesses coletivos em juízo, uma associação somente estaria legitimada, de acordo com nossos princípios, em caráter extraordinário (art. 6º CPC).

No entanto, é preciso que se reconheça que o que está em jogo são os interesses gerais da coletividade, diferentes de uma mera soma dos interesses individuais. Aqueles exigem uma tutela especial. Nesse sentido, uma associação que atue na tutela desses interesses deveria ser legitimada em caráter ordinário e não extraordinário, em razão da própria natureza dos interesses difusos e coletivos. Segundo observação de José Carlos Barbosa Moreira [28] a lei deve consagrar expressamente a possibilidade de iniciativa das associações e grupos para postularem a defesa de interesses difusos e coletivos, mas deve-se deixar uma margem razoável de liberdade para que o juiz avalie a idoneidade da associação ou grupo para que possam ser reputadas como legítimas. Assim, ele deverá dar solução a uma série de problemas técnicos e práticos, como: deve exigir a deliberação prévia dos participantes quanto a iniciativa a ser tomada num caso concreto? Se não, será necessário a cientificação antecipada de todos os participantes? Os que discordarem da iniciativa terão alguma possibilidade? O resultado do processo será vinculativo para os membros da associação?

Além disso, outro problema se apresenta quando se trata da legitimação concorrente e disjuntiva. Vários fatores concorrem para desencorajar o indivíduo a atuar sozinho: vulto das despesas, complexidade das questões, carência de conhecimentos técnicos, força política dos adversários etc.

Com relação à legitimação de órgãos estatais, José Carlos Barbosa Moreira [29] salienta que isso tem o inconveniente de tornar praticamente ineficaz o funcionamento da tutela todas as vezes que provenha do Poder Público a ameaça ou a lesão a um interesse coletivo [30]. Acrescenta que, quanto ao Ministério Público, o número reduzido de dispositivos legais que o habilitam no campo civil seria insuficiente para tutelar com eficiência os interesses difusos e coletivos, pois o art. 81 do CPC diz que o Ministério Público exercerá o direito de ação nos casos previstos em lei e tais hipóteses são reduzidas. Diz ainda não ter o Ministério Público assegurado sua total independência para enfrentar a Administração em juízo, porque tanto em nível federal quanto estadual o Procurador Geral da República e os Procuradores Gerais de Justiça do Estado são nomeados e podem ser demitidos pelos chefes do Executivo.

Importa lembrar, neste ponto, o princípio da independência funcional. Segundo este, os membros do Ministério Público, no exercício de suas funções, não estão submetidos a determinações hierárquicas do Procurador-Geral, nem a ordens dos chefes de quaisquer dos poderes da República, muito menos obrigados a se submeterem ao magistrado perante a quem oficia. Seu atuar tem como parâmetro apenas a lei e a sua própria consciência [31].

Nesse sentido, cabe afirmar que o Ministério Público sempre estará legitimado à defesa dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, desde que esteja presente a condição do manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ainda que potencial.

Conforme MAZZILLI [32], ainda que é preciso que esteja em questão a estabilidade de um sistema social, jurídico ou econômico. Em contrapartida, PINHO [33] afirma que o fato de existir apenas um número reduzido de pessoas não é elemento para descaracterizar a natureza coletiva de um direito. É preciso examinar, essencialmente, o tamanho do universo em que tais pessoas se encontram e a extensão social do direito [34]. Além disso, não se pode perder de vista a perspectiva do acesso à justiça. Muitas vezes, a ação coletiva é o único instrumento processual que poderá defender o interesse daquelas pessoas e, freqüentemente, o Ministério Público é o único ente legitimado para tanto e dotado das condições necessárias à adequada promoção da demanda.

Há que se considerar ainda que, tendo em vista o baixo nível de organização do terceiro setor brasileiro, a instituição mais bem preparada para isso é, atualmente, o Ministério Público. Conforme PINHO [35], ainda hoje, é baixo o número de ações propostas por associações civis. Dessa forma, o Ministério Público deve suprir esta deficiência até que ela seja sanada através de uma conscientização social mais ampla.

Entende-se, portanto, que o Ministério Público é a instituição mais bem preparada, mas nem sempre bem aparelhada, para a defesa de tais direitos.

Outra questão a ser ressaltada é com relação aos artigos 3º e 472 do CPC, que a princípio não se adequariam às ações coletivas. O art. 3º exige a demonstração do interesse de agir (que seria a necessidade de utilização do processo para a solução de conflitos) como condição para o exercício legítimo da ação. Seria inviável postular uma ação coletiva se exigisse a demonstração do interesse de cada um dos interessados.

Dessa maneira, o legislador acatou a idéia da doutrina: a legitimidade basta para se concluir pela presença de interesse; a legitimidade, quando presente, é suficiente para a aferição do interesse de agir [36].

No que se refere ao art. 472 do CPC, somente os que participam da relação processual ficariam sujeitos ao comando veiculado no provimento. Isso geraria uma absoluta inutilidade do provimento jurisdicional, caso as partes envolvidas fossem titulares de direito difuso.

Por fim, há que se efetivar o principal papel do processo, ou seja, tomá-lo como um instrumento político de participação que com a democratização da sociedade servirá de meio para uma atuação política, de realização efetiva dos direitos individuais e coletivos. Dessa forma, a legislação deve prever soluções mais práticas para se implementar uma mentalidade mais voltada a tais interesses. Nesse sentido, deveria ser olhada com mais cuidado a possibilidade de utilização dos juizados especiais cíveis e da arbitragem em sede de ação coletiva, além de uma melhor atuação do intérprete quando cuidar desses interesses (37).


6. Papel dos juízes na proteção dos interesses transindividuais.

6.1. Dificuldade dos juízes decidirem sobre direitos transindividuais – uma resistência de ordem política.

Não há dúvidas de que os direitos transindividuais causam imensa curiosidade e interesse geral (talvez por ser recente sua disciplina ou por abranger toda uma coletividade), no entanto, podemos verificar que, infelizmente, existem grandes reservas para sua efetiva tutela.

Na verdade, os direitos transindividuais envolvem sempre "questões dramáticas". Ora, a quem caberia escolher e qual seria a melhor escolha entre construir uma hidrelétrica e preservar o meio ambiente; entre fazer um programa de saúde preventiva ou curativa? Enfim, o maior óbice que a tutela desses interesses sofre é, sem dúvida, referente a uma resistência de ordem política.

No entanto, a tutela destes direitos não pode ser tida como um monopólio do Estado, até porque estes interesses são insuscetíveis de captação e apropriação isolada.E ainda, é praticamente impossível determinar uma hipótese normativa para estes direitos, de forma que sua incidência esteja pronta e acabada.

As controvérsias que envolvem estes interesses não são situações definitivas, mas tratam-se de litígios que envolvem na maior parte das vezes escolhas políticas que derivam de situações de fato, contingentes e ocasionais.

Além do mais, estes direitos estão em constante transição e mutação no tempo e espaço. Por isso, o legislador não poderia prever todas as situações que os envolvem. Então, a quem cabe a escolha e tutela destes direitos?

6.2. Da democracia-representativa à democracia-participativa.

É justamente frente aos interesses metaindividuais que verificamos que estamos hoje a caminho de superar a concepção de uma democracia representativa, para ascendermos à chamada "democracia participativa", onde a existência de representantes eleitos não exclui a participação dos cidadãos em geral, isolados ou em grupos. [38]

Ora, nada melhor do que as próprias pessoas que estão no local a ser devastado ou poluído, que estão na zona de consumo, para opinar e, até quem sabe, fazer a escolha que melhor atenda ao interesse comum. Acredita-se que a ação que envolva direitos meta-individuais é uma forma de participação comunitária na gestão da coisa pública.

Neste mister, grande importância tem a sociedade civil, ou seja, aquele conjunto de indivíduos, grupos e forças sociais que atuam e se desenvolvem fora das relações de poder que caracterizam as instituições estatais, por exemplo, organismos como a OAB, entidades científicas como a SBPC, e religiosas como a CNBB. [39] É notável a importância da mobilização da sociedade civil em torno da reivindicação de seus interesses, fazendo nascer um país que tem vida própria fora do oficialismo, da estabilidade tantas vezes opressiva. "Tem-se assim, uma primeira faceta do controle da efetividade do Direito, por via informal, não institucionalizada, de natureza essencialmente política e social. Por intermédio da atuação dos diferentes organismos da sociedade civil, articulam-se, muitas vezes, poderosos instrumentos para a exigência do cumprimento da Constituição e das leis, bem como para a conformação da atuação do Poder Público ao sentimento coletivo. Esta forma de fiscalização participativa se estende desde a pequena ação comunitária local até as grandes arregimentações que despertam e influenciam a opinião pública. (...) Não há efetividade possível da Constituição, sobretudo quanto à sua parte dogmática, sem uma cidadania participativa". [40]

Como bem diz o Prof. Mancuso, "precisamos, na verdade, é de eliminar a visão preconceituosa de que só os administradores públicos sabem e decidem bem e que a população leiga não tem capacidade para cogerir seus próprios interesses". [41] E continua: "não é a tutela dos interesses difusos por meio de órgãos intermediários o que viria afrontar o sistema representativo, institucionalmente estabelecido; ao contrário, é este sistema que teme perder o prestígio e as vantagens que vêm do monopólio de representação da vontade popular. O caso, porém, como dito, é de adaptação as novas realidades, mesmo porque, a formação de grupos sociais é inevitável, natural". [42]

Para corroborar o que acima foi dito, percebemos que até mesmo a ciência do direito vêm admitindo que as escolhas legislativas, executivas e até judiciais não devem ser monológicas (ditadas individualmente, em que cada sujeito faz escolhas de acordo apenas com o seu foro íntimo), mas devem ser dialógicas (participando todos os envolvidos, buscando-se um consenso). Assim, a racionalidade jurídica vem se desenvolvendo através da justificação de argumentos para atingir o maior consenso entre os povos. A nova hermenêutica introduz um giro determinante de perspectiva: busca-se a reabilitação da razão prática, um raciocínio que conduz à decisão jurídica com caráter discursivo e intersubjetivo. [43] A prática jurídica já não está na consciência cognoscente do sujeito individual que pondera argumentos objetivos, mas na discussão entre sujeitos que pugnam para fazer valer seus interesses. Assim, a consciência do juiz deve converter-se em consciência pública. Deste modo, o raciocínio jurídico se "publiciza", se faz intersubjetivo, dialógico.

6.3. Do alcance da interferência do judiciário na discricionariedade legislativa e administrativa.

Não são poucos os que alegam que a interferência do Poder Judiciário para a tutela dos interesses difusos provocaria um desequilíbrio na tripartição dos poderes, com o superdimensionamento do Judiciário. Sustentam a tese de que o Judiciário existe para exercer uma atividade substitutiva –dirimir controvérsias – e não para conhecer de interesses primários, que poderiam e deveriam ser objeto de tutela em nível da lei lato sensu ou do poder de polícia da administração.

É verdade que a própria natureza da matéria discutida nas ações difusas normalmente está impregnada de sentido político e isto nos leva à inevitável interrogação acerca dos limites do controle judicial.

Segundo a tradição da doutrina brasileira, em regra, o controle judicial se cinge à legalidade dos atos discricionários, abstendo-se de ingressar no exame do mérito, isto é, da conveniência do ato, da sua conformidade aos fins a que deve ordenar-se.

Atualmente podemos diferenciar duas correntes na doutrina quando se trata deste assunto. Há uma corrente com tendência mais restritiva, que busca justificar sua posição no receio de que o alargamento do âmbito de investigação do judiciário poderia conduzir ao esvaziamento da discricionariedade administrativa. Correr-se-ia, alegam, o risco de ver inteiramente substituídos pelo do juiz, sem vantagem segura, os critérios do administrador. Argumentam ainda, que há impossibilidade da ingerência do judiciário em atividades típicas do Executivo ante o princípio da separação dos poderes, daí o âmbito do Judiciário ser a legalidade em sentido estrito. Afirmam também, os seguidores desta corrente restritiva, que os integrantes do Judiciário são desprovidos de mandato eletivo, não tendo, portanto, legitimidade para apreciar aspectos relativos ao interesse público. De acordo com esta linha, no controle do ato administrativo, o Judiciário apreciaria somente matéria relativa à competência, forma e licitude do objeto.

Outro entendimento inclina-se por um controle mais amplo, apoiando-se nos seguintes argumentos: pelo princípio da separação dos poderes, o poder detém o poder, cabendo ao Judiciário a jurisdição e, portanto o controle jurisdicional da Administração, sem que se possa cogitar de ingerência indevida; por outro lado, onde existe controle de constitucionalidade da lei, a invocação da separação dos poderes para limitar a apreciação jurisdicional perde parte de sua força.

Seabra Fagundes e Caio Tácito [44] assinalam em passo importante na ampliação do controle jurisdicional além da competência e forma do ato administrativo, para adentrar nos motivos e fins, como integrantes da legalidade e não da discricionariedade e mérito. Caio Tácito divide a legalidade em dois aspectos: legalidade externa (competência, forma prevista ou não proibida em lei e objeto lícito); e legalidade interna (existência e adequação dos motivos e finalidade). Assim, afirma que o controle judicial não se circunscreve apenas nos aspectos externos da legalidade. "O juiz pode considerar a motivação dos atos administrativos, mergulhando na apreciação da matéria de fato, para analisar os elementos da legalidade interna da conduta do administrador" [45].

É relevante para esta discussão que se distinga discricionariedade de conceitos jurídicos indeterminados [46] (como por exemplo: valor histórico, valor artístico). A rigor, o problema não é aqui de discricionariedade, mas de pura e indispensável verificação da ocorrência ou não ocorrência da hipótese fática que a norma liga o efeito jurídico. Assim, a questão de "mérito" (tem ou não tem a obra valor artístico?) resolve-se em questão de "legalidade": (está ou não está a Administração faltando ao seu dever de proteger as obras que o tenham?).

Ora, de forma alguma está o judiciário desenvolvendo atividade de "suplência"; afinal é sua própria atividade de outorgar tutela a quem pede e merece. Ainda mais quando haja omissão e descaso por parte do poder legislativo ou administrativo. Além do mais, qualquer ato de poder (até mesmo os atos políticos e discricionários) deve pautar-se pela razoabilidade, sob pena de caracterizar-se desproporcionais e se tornarem atos com abuso ou desvio de poder.

Assim, não é que o judiciário esteja a invadir a seara dos outros poderes; será antes um sinal de que aqueles não estão a tutelar os interesses aqui tratados, obrigando aos cidadãos a recorrerem diretamente à via jurisdicional.

Além do mais, a tendência da ampliação do controle jurisdicional da Administração se acentuou a partir da Constituição de 1988, em que o texto está impregnado de um espírito geral de priorização dos direitos e garantias fundamentais ante o poder público, haja vista os princípios que são verdadeiras normas que solidificam o Estado de Direito, como os princípios da moralidade, da impessoalidade e publicidade (só para citar apenas alguns entres os vários princípios consagrados).

A mais recente doutrina constitucional [47] tenta resolver o problema ora suscitado através dos estudos que concernem o núcleo essencial dos direitos fundamentais. Vejamos como esta doutrina desenvolve seu raciocínio:

Comecemos pelas características dos direitos difusos e coletivos. Muitos desses direitos vêm abarcados constitucionalmente em forma de normas-princípios [48] e constituem os chamados direitos fundamentais da pessoa humana de 2ª geração (ou dimensão como preferem outros), são, enfim, os direitos sociais e econômicos.

Até o século XX, com a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição de Weimar de 1919, os direitos fundamentais se limitavam, grosso modo, (de acordo com o modelo do estado liberal) às garantias individuais, ou seja, protegiam as liberdades civis e políticas do cidadão contra a prepotência dos órgãos estatais. A sociedade liberal oferecia aos indivíduos a segurança da legalidade e como conseqüência, uma "aparente igualdade" de todos perante a lei. Mas, como visto, o movimento dialético da história [49] demonstrou que não só estes direitos devem ser alçados como fundamentais e passamos a alargar o rol dos direitos fundamentais incluindo neles também os direitos econômicos e sociais.

Segundo a doutrina tradicional, estes direitos não teriam efetividade, porque não poderiam ser exigíveis. Argumentavam que estes direitos eram normas programáticas, em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos individuais. E além do mais, estes direitos eram endereçados à política pública a qual ficaria restrita à competência e discricionariedade do legislador ou da administração, não podendo o judiciário interferir nesta seara. Com efeito, até então, em quase todos os sistemas jurídicos, prevalecia a noção de que apenas os direitos da liberdade possuíam aplicabilidade imediata, ao passo que os direitos sociais tinham aplicabilidade mediata, por via do legislador.

E assim, durante muito tempo, estes direitos passaram por um ciclo de "baixa normatividade", tinham uma eficácia um tanto quanto duvidosa, em virtude de sua própria natureza de direitos que exigem do Estado uma prestação material, a chamada eficácia positiva, ou simétrica. Contudo, esta questão esbarra-se numa ponderação de ordem fática: a limitação de recursos disponíveis no âmbito estatal ("reserva do possível") [50]. E com isso alguns autores advertem que os direitos sociais e econômicos não seriam direitos fundamentais porque não são dirigidos ao poder judiciário, não seriam exigíveis judicialmente; e assim, não poderia um indivíduo ou um grupo de indivíduos pleitear a concretização destes direitos judicialmente porque eles estão no âmbito de políticas públicas, área reservada para a discricionariedade legislativa ou executiva. Ou seja, não se poderia pleitear um direito social ou econômico judicialmente porque não é competência do judiciário resolver sobre uma determinada política pública.

Mas não é pelo fato de um direito não poder ser pleiteado judicialmente que ele irá deixar de ser um direito fundamental, afinal esses direitos têm outras relevâncias além de poder ser exigíveis em juízo. Ora, a ausência ou o não exercício da pretensão não significa, de modo algum, que não haja direito subjetivo. [51] Além do mais, relevante para esta questão é o estudo acerca do núcleo mínimo, ou mínimo existencial [52] dos direitos fundamentais. Este núcleo mínimo constitui verdadeiras regras exigíveis, ou seja, que devem ser efetivadas sempre que reclamadas em juízo, independente de dotação orçamentária [53], quando não haja uma determinada política pública para o caso concreto ou quando há, ela é insatisfatória (omissão ou ineficiência da administração para efetivar programas políticos). [54]

Assim, quanto aos direitos sociais e econômicos podemos imaginar dois componentes: um núcleo, referente ao mínimo existencial, que pode ser pleiteado judicialmente; e um espaço mais abrangente que está além desse núcleo, o qual se reveste de outras modalidades de eficácia, que corresponde ao espaço próprio da política pública.

6.4. O relevante papel do judiciário para a tutela dos direitos transindividuais.

Um estudo mais atencioso acerca do progresso da sociedade e do Estado demonstra que devemos fazer uma releitura do princípio da separação dos poderes. Ora, o juiz não pode ser mais apenas a boca da lei, afinal, algumas normas (de uma sistema democrático e plural) contêm conceitos indeterminados, abertos, vagos e fluidos que necessitam inevitavelmente do ativismo e da criatividade por parte do aplicador do direito. E principalmente, em se tratando de direitos transindividuais, por serem de difícil apreensão por estarem em constante transformação e mutação no tempo e espaço, estes direitos ainda não foram legislados; e neste caso, mais relevante ainda se torna a atividade criativa racional do judiciário.

O judiciário não pode ficar alheio as modificações da sociedade. E frente ao fenômeno da massificação, seria muito cômodo para o juiz adotar uma posição de simples rejeição, e recusar-se a entrar na arena dos conflitos coletivos e de classes. Ora, os juízes devem ser capazes de "crescer", erguendo-se à altura dessas novas e prementes aspirações, tornando-se eles mesmos protetores dos novos direitos metaindividuais, tão característicos e importantes na nossa civilização de massa, além dos tradicionais direitos individuais. Trata-se da expansão dos poderes criativos e da evolução jurisprudencial do direito.

E assim conclui Cappelletti, que:

"quase desnecessário repisar a observação de que se a concepção da jurisdição como função meramente declarativa, passiva e mecânica é fictícia e sempre frágil, ainda mais evidentemente frágil e fictícia resultará quando um ‘grande judiciário’ estiver empenhado na tarefa de composição de controvérsias de tal amplitude. O caráter criativo, dinâmico e ativo de um processo jurisdicional, cujos efeitos devem, por definição, ultrapassar em muito às partes fisicamente presentes em juízo, não pode deixar de aparecer com grande proeminência". [55]

No entanto, concordamos que se deve estabelecer limites para a atuação do Judiciário, para que não haja um superdimensionamento de seus poderes. Assim, somos da opinião que o Judiciário não tem competência para fixar as políticas públicas de maneira ampla, irrestrita, nem cabe ao juiz impor sua própria convicção política, quando há várias possíveis e a maioria escolheu uma determinada.

E como já exposto no item anterior o judiciário deverá, portanto, ficar restrito ao mínimo existencial, reconhecendo-se sua legitimidade para determinar prestações necessárias à sua satisfação. [56]


7.A disciplina da coisa julgada nas ações em defesa de interesses transindividuais.

7.1. Antecedentes históricos.

O primeiro diploma a tutelar os direitos difusos foi a Ação Popular (Lei nº 4.717/65) e trouxe solução inteligente e pioneira, depois seguida por outros institutos, para tratar da coisa julgada: "A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova".

Só que a Ação Popular tinha o inconveniente de abranger apenas alguns interesses metaindividuais e ainda tinha como único legitimado o cidadão. Logo, foi preciso criar um novo instituto mais abrangente em seu objeto e na legitimação para outras pessoas. É neste contexto que foi elaborada a disciplina da Ação Civil Pública.

Inicialmente, o art. 16 da Lei de Ação Civil Pública prescrevia, para a disciplina da coisa julgada, os mesmos termos da Ação Popular.

No entanto, de início, os tribunais não utilizavam o verdadeiro alcance da coisa julgada erga omnes, limitando os efeitos da sentença e das liminares segundo critérios de competência. Talvez isso ocorreu por temer a grande responsabilidade que é prolatar uma sentença de tamanho efeito. O fato é que ou a demanda é coletiva, ou não é: ou a coisa julgada é erga omnes, ou não é.

Em brilhante voto o min. Relator Ilmar Galvão, no Conflito de competência nº 971-DF, julgado pela 1ª. Secção do STJ aos 13.02.90, reconhecendo a prevenção da competência da 30ª. Vara Federal do Rio de Janeiro para conhecer e julgar ação civil pública visando a proibir a mistura e distribuição de metanol adicionado ao álcool para venda ao consumidor, em todo o território nacional, em relação a causa com mesmo objeto intentada perante a justiça federal do DF, reconheceu a conexão e a prevenção da competência da justiça federal do Rio de Janeiro – que havia inclusive concedido medida liminar -, reconhecia: (...) "nada impede que uma determinada decisão proferida por juiz com jurisdição num Estado projete seus efeitos sobre pessoas domiciliadas em outro. Avulta-se, no presente caso, tratar-se de ações destinadas à tutela de interesses difusos.... não sendo razoável que, v. g., eventual proibição de emanações tóxicas seja forçosamente restrita a apenas uma região, quando todas as pessoas são livres para nela permanecer ou transitar, ainda que residam em outra parte." [57]

O voto do relator foi acompanhado pelos ministros José de Jesus e Geraldo Sobral, mas prevaleceu no Tribunal a posição do ministro Vicente Cernicchiaro, que entendeu deverem os processos desenvolver-se separadamente, com eficácia das respectivas decisões na jurisdição de cada juízo.

Em outros casos, e em diversos processos, a sentença condenatória de primeiro grau começou a não fazer restrições territoriais à amplitude da coisa julgada erga omnes. E aos poucos a jurisprudência foi se solidificando no sentido de a coisa julgada ultra partes e erga omnes transcender o âmbito da competência territorial, para realmente assumir dimensão regional ou nacional.

No entanto, esta atitude se demonstrou temerária e contrária aos interesses fazendários, e por este motivou, o Poder Executivo incluiu, na Medida Provisória nº 1.570 de março de 1997, a norma do art. 3º. que restringiu os efeitos da sentença erga omnes aos limites territoriais da competência. E assim, o art. 16 da LACP passou a ter a seguinte redação: "A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de novas provas" (grifamos).

Várias críticas podem ser aqui lançadas em face desta malfadada alteração. É o que nos diz Ada Pellegrini Grinover: "o Executivo foi duplamente infeliz. Limitar a abrangência da coisa julgada nas ações civis públicas significa multiplicar demandas, o que, de um lado, contraria toda a filosofia dos processos coletivos, destinados justamente a resolver molecularmente os conflitos de interesses, ao invés de atomizá-los e pulverizá-los; e de outro lado, contribui para a multiplicação dos processos, a sobrecarregarem os tribunais, exigindo múltiplas respostas jurisdicionais quando uma só poderia ser suficiente". [58]

José Carlos Barbosa Moreira, ao comentar a restrição, em conferência proferida na EMERJ, em 1998, afirmou: "colocou-se uma verruga num rosto bonito. A modificação teve fundamento político, pois houve muitos casos em que a Administração Pública sentiu-se incomodada com o fato de que uma sentença de um juiz de uma comarca qualquer produzisse efeitos em todo o território nacional. E essa inquietação foi injustificável, pois é perfeitamente normal que uma sentença produza efeitos fora da comarca em que foi proferida". [59]

7.2. A coisa julgada nas ações que tutelam direitos difusos.

Talvez a única importância prática que conseguimos enxergar para se fazer uma distinção conceitual entre direitos coletivos, direitos difusos e direitos individuais homogêneos é em relação ao tratamento da coisa julgada nestes distintos interesses. Enfim, cada um desses direitos terá, de acordo com o art. 103 do Código de Defasa do Consumidor, uma disciplina específica para a coisa julgada e aí sim, a distinção entre eles se faz relevante.

Vale lembrar que a disciplina da coisa julgada contida no art. 103 do Código de Defesa do Consumidor, rege as sentenças proferidas em qualquer ação coletiva, pelo menos até a edição de disposições específicas que venham disciplinar diversamente a matéria.

O inc. I do art. 103, c/c seu § 1º., do já citado CDC, disciplina a coisa julgada nas ações coletivas em defesa de interesses difusos.

A regra geral, para a hipótese em que a lide envolva direitos difusos, é da coisa julgada erga omnes, o que faz muito sentido pela própria natureza dos interesses transindividuais e indivisíveis.

E continua a regra a incorporar a solução das Leis de Ação Popular e Ação Civil Pública para os casos de improcedência por insuficiência de provas, em que qualquer legitimado poderá renovar a ação, valendo-se de nova prova.

A doutrina tem discutido se o autor popular ou coletivo pode valer-se da faculdade de intentar nova ação, com idêntico fundamento, após rejeição da demanda por insuficiência de provas. Segundo Barbosa Moreira [59], não há dúvidas quanto à possibilidade afirmativa, afinal, se a lei quisesse impedir a renovação da demanda pelo mesmo autor popular teria dito "qualquer outro cidadão" em vez de "qualquer cidadão". O raciocínio aplica-se ao inc. I do art. 103 do CDC, que utiliza a expressão "qualquer legitimado" e não "qualquer outro legitimado".

Cabe salientar que, nos termos do § 1º. do art. 103 do CDC, os efeitos da coisa julgada não prejudicarão interesses e direitos individuais dos integrantes da coletividade, que poderão promover ações pessoais de natureza individual, após a rejeição da demanda coletiva.

Concluindo, podemos identificar três hipóteses distintas:

7.2.1.Se o pedido formulado na ação coletiva é acolhido, a sentença beneficiará todos os membros da coletividade, que poderão valer-se da coisa julgada em suas pretensões individuais;

7.2.2.Se o pedido for rejeitado pelo mérito, os efeitos também se produzem erga omnes, impedindo o ajuizamento de nova ação coletiva, pelos mesmos fundamentos. Mas não fica preclusa a via às ações individuais, com idêntico fundamento, por iniciativa dos titulares de interesses e direitos pertencentes pessoalmente aos integrantes da coletividade;

7.2.3.Se o pedido for rejeitado por insuficiência de provas, a sentença não se reveste da autoridade da coisa julgada material e qualquer legitimado (até mesmo aquele que havia intentado a primeira demanda) poderá renovar a ação, com idêntico fundamento.

7.3. A coisa julgada nas ações que tutelam interesses coletivos.

O inc. II do ar.t 103, c/c seu § 1º. do CDC, disciplina os limites subjetivos da coisa julgada nas ações coletivas em defesa de interesses coletivos.

O regime dos limites subjetivos da coisa julgada nas ações em defesa de interesses coletivos é exatamente o mesmo traçado para as ações em defesa de interesses difusos. A única distinção que aqui se faz é quanto à extensão dos efeitos da sentença com relação a terceiros. No caso de interesses difusos, é a própria da sentença a extensão da coisa julgada a toda a coletividade, sem qualquer exceção. Já no que concerne aos interesses coletivos, a natureza mesma destes restringe os efeitos da sentença aos membros da categoria ou classe, ligados entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. É por isso que a redação do inc. II do já citado artigo substitui a expressão erga omnes, pela mais limitada: ultra partes.

É importante lembrar que, por exemplo, quando uma entidade associativa ingressa em juízo com uma ação coletiva que vise à tutela dos interesses coletivos de seus filiados, será a todos estes – tenha ou não havido autorização expressa – que se estenderão os efeitos da sentença, para beneficia-los. Eis aí a eficácia ultra partes, mas sempre circunscrita ao grupo, classe ou categoria ligada pelo vínculo jurídico.

7.4. A coisa julgada nas ações que tutelam interesses individuais homogêneos.

O inc. III do art. 103, c/c o seu § 2º. do CDC disciplina a matéria, sendo que não há distinção entre o tratamento legislativo desta hipótese com as que anteriormente mencionamos. A única ressalva que se faz é quanto à inexistência da coisa julgada na hipótese de improcedência por insuficiência de provas, adotado somente para os interesses difusos e coletivos: ou seja, a coisa julgada atua erga omnes, com o temperamento de só poder beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, sem prejudicar os terceiros que não tenham intervindo no processo como litisconsortes.

Assim, julgada procedente a ação coletiva de responsabilidade pelos danos sofridos individualmente, a sentença beneficiará todas as vítimas e seus sucessores, que poderão proceder à liquidação da sentença e à posterior execução (coletiva ou individual). Mas na hipótese de improcedência da ação coletiva, as pessoas lesadas, que não tiverem participado da relação processual como litisconsorte do autor coletivo, ainda poderão propor ação indenizatória a título individual. A decisão desfavorável proferida na ação coletiva constituirá um simples precedente, mas não será o fenômeno da coisa julgada que impedirá o ajuizamento de ações individuais.


8. Considerações Finais.

No ordenamento jurídico brasileiro, temos por definição legislativa, a definição de interesses coletivos e difusos (artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor), apresentando fronteiras definitivamente delimitadas, tendo em comum, a transindividualidade e a indivisibilidade do objeto.

Isto significa que a fruição de um bem por parte de um membro da coletividade, implica necessariamente sua fruição por parte de todos, assim como a negação de um bem para um, significa a negação para todos. A solução do conflito é a mesma para todos. O que distingue os interesses coletivos e difusos, na sistemática do Código de Defesa do Consumidor, seria o elemento subjetivo, sendo que nos interesses difusos não existiria qualquer vínculo jurídico que ligue os membros do grupo entre si ou com a parte contrária, sendo seus titulares indetermináveis e indeterminados, unidos apenas por uma situação fática.

Nos interesses coletivos, tem-se um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas por uma relação jurídica-base instituída entre as mesmas ou com a parte contrária.

Os interesses individuais homogêneos, que são conduzidos coletivamente por força de origem comum, cada membro do grupo é titular de direitos subjetivos clássicos, divisíveis, sendo que cada um pode levar a juízo sua demanda individual, sendo que no processo coletivo a decisão seria a mesma para todos, sendo que cada qual poderia ver sua demanda acolhida ou rejeitada por circunstâncias pessoais.

A ideologia das ações que tutelam direitos transindividuais está inserida no movimento pelo acesso à justiça, no qual passou-se a pensar o direito processual mais perto do direito substancial e da realidade social. Toma-se a consciência de que o processo não serve apenas para dirimir querelas do tipo individualístico e egoístico, mas a tutela de interesses conflitantes de massas e grupos, decorrentes das transformações ocorridas na sociedade nos últimos tempos, como o avanço da tecnologia, novas formas de cultivo, desmatamentos, crescimento desordenado do meio urbano, entre outros.

Atualmente pode-se afirmar que os processos coletivos integram a práxis judiciária, e, de certa forma, transformaram no Brasil todo o processo civil, hoje aderente à realidade social e política subjacente e às controvérsias que constituem seu objeto, conduzindo-o pela via de eficácia e da efetividade [59]. E, finalizando com as palavras da Prof. Ada Pellegrini Grinover, cremos que "por intermédio dos processos coletivos, a sociedade brasileira vem podendo afirmar, de maneira mais articulada e eficaz, seus direitos de cidadania".


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Notas

01. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 100.

02. Segundo MIRANDA, Jorge. Democracia participativa. In: A Constituição de 1976. Lisboa, 1978, p. 459, citado por MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Op. Cit. P. 111 temos que "efetivamente, não é difícil constatar que, hoje, o exercício democrático pelo só meio dos mandatários políticos é insuficiente, seja pela extrema variedade de anseios populares, seja pela rapidez com que eles apresentam e se modificam, seja, no caso dos interesses difusos, pela própria fluidez do seu conteúdo. Por isso, hoje se reclama uma democracia participativa, aberta e liberal, compreendendo todo um conjunto de formas e instancias de participação permanente, ou com vocação de permanência, umas ligadas a direitos políticos dos cidadãos, outras, a organizações diversificadas de interesses setoriais da sociedade civil".

03. "Embora a distinção entre interesses difusos e interesses coletivos seja muito sutil – por se referirem a situações em diversos aspectos análogos – tem-se que o principal divisor de águas está na titularidade, certo que os primeiros pertencem a uma série indeterminada e indeterminável de sujeitos, enquanto os últimos se relacionam a uma parcela também indeterminada, mas determinável de pessoas. Funda-se também, no vínculo associativo entre os diversos titulares, que é típico de interesses coletivos ausente nos interesses difusos". MILARÉ, Edis. A Ação Civil Pública na Nova Ordem Constitucional. Saraiva, 1990. p. 27-28.

04. MOREIRA, José Carlos Barbosa. A Legitimação para a Defesa dos Interesses Difusos no Direito Brasileiro. In: Temas de Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 183-184.

05. Op. Cit., p. 73 e 74.

06. Op. Cit. p. 74.

07. "O estudo dos interesses coletivos ou difusos surgiu e floresceu na Itália nos anos setenta. Denti, Cappelletti, Proto Pisani, Vigoriti, Trocker, anteciparam o Congresso de Pavia de 1974, que discutiu seus aspectos fundamentais, destacando com precisão as características que os distinguem: indeterminados pela titularidade, indivisíveis com relação ao objeto, colocados a meio caminho entre os interesses públicos e os privados, próprios de uma sociedade de massa e resultado de conflitos de massa, carregados de relevância política e capazes de transformar conceitos jurídicos estratificados, como a responsabilidade civil pelos danos causados no lugar da responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos, como a legitimação, a coisa julgada, os poderes e a responsabilidade do juiz e do Ministério Público, o próprio sentido da jurisdição, da ação, do processo (...). Nesse sentido, de um modelo processual individualista a um modelo social, de esquemas abstratos a esquemas concretos, do plano estático ao plano dinâmico, o processo transformou-se de individual em coletivo, ora inspirando-se ao sistema das class actions da common law, ora estruturando novas técnicas, mais aderentes à realidade social e política subjacente". GRINOVER, Ada Pellegrini. Significado Social, Político e Jurídico da Tutela dos Interesses Difusos. Revista de Processo, ano 25, nº97, janeiro-março de 2000. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 09.

08. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1988. p. 49-50.

09. BELINETTI, Luiz Fernando. Ações Coletivas – Um Tema a Ser Ainda Enfrentado na Reforma do Processo Civil Brasileiro – A Relação Jurídica e as Condições da Ação nos Interesses Coletivos. In: Revista de Processo, ano 25, nº98, abril/junho de 2000. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. p. 125.

10. Op. Cit. P. 119 e 120.

11. Op. Cit. p. 79.

12. BASTOS, Ribeiro Celso. A Tutela dos interesses difusos no direito constitucional brasileiro. RePro 23/39. São Paulo: Revista dos Tribunais, julho/setembro, 1981. Citado por MANCUSO, op. Cit. P. 82.

13. Citado por MANCUSO, op. Cit. P.83.

14. ARNAUD, André-Jean... (et al). Dicionário Enciclopédico de Teoria e de Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1999. p.420.

15. Op. Cit. p.420.

16. MANCUSO, op. cit. p 112.

17. MOREIRA, José Carlos Barbosa. A proteção Jurisdicional dos Interesses Coletivos ou Difusos. Conferência proferida aos 20/08/82, Rio de Janeiro.

18. Op. Cit.

19. Importante lembrar que a ação cível pública nos termos da CF art. 129, deve ser entendida em sentido lato, englobando também a ação cível pública em sentido estrito e a ação coletiva, pois em 1988, quando da promulgação daquele documento, ainda não se falava em ação coletiva e nem em direito individual homogêneo.

20. Vide Constituição Federal de 1988, art. 153, parágrafo 31 e Lei 4.717 de 29 de junho de 1965.

21. A Lei 1.533 de 31/12/1951, art. 1º, parágrafo 2º dispõe que "quando o direito ameaçado ou violado couber a várias pessoas, qualquer delas poderá requerer o mandado de segurança".

22. Conforme súmula 365 STF: "pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular".

23. Entre os autores pode-se ressaltar BARROSO (2001), GRINOVER (1991) e MORAES (1998).

24. BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas – limites e possibilidades da constituição brasileira. 5 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

25. MOREIRA, José Carlos Barbosa. A proteção Jurisdicional dos Interesses Coletivos ou Difusos. Conferência proferida aos 20/08/82, Rio de Janeiro.

26. Op. Cit.

27. Op. Cit.

28. Op. Cit.

29. PINHO, Humberto Dalla Bernardina. A natureza jurídica do direito individual homogêneo e sua tutela pelo Ministério Público como forma de acesso à justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

30. MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. São Paulo: Saraiva, 1996.

31. Op. Cit.

32. Op. Cit.

33. Op. Cit.

34. Op. Cit.

35. PINHO, Humberto Dalla Bernardina. A natureza jurídica do direito individual homogêneo e sua tutela pelo Ministério Público como forma de acesso à justiça. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

36. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos – conceito e legitimação para agir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. Pág. 110-111.

37. BARROSO Luis Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. 5 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p 129-142.

38. BARROSO, op. cit. p. 131.

39. Idem, p. 114.

40. Idem, ibidem.

41. Sobre o pós-positivismo e suas implicações ver GARCIA AMADO, Juan Antonio. Tópica, retórica y la argumentación jurídica, www.geocities.com, capturado em 13 de novembro de 2000, às 14:00 horas.

42. Apud MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

43. TÁCITO, Caio. O abuso do poder administrativo no Brasil. In: Temas de direito público – estudos e pareceres. 1 v. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. p 34.

44. Não examinaremos detalhadamente aqui tal diferença, remetemos nossos leitores ao livro de KARL ENGISCH. Introdução ao pensamento jurídico. 6º ed. Lisboa: Fundação Caloute Gulbenkian, 1983.

45. Ver Luis Roberto Barroso, entre outros.

46. Não desenvolveremos neste estudo, pressupondo que os leitores já tenham conhecimento, acerca da teoria dos princípios, ou seja, a teoria desenvolvida pelo pós-positivismo que divide a norma jurídica em duas espécies: regras e princípios. A partir desta teoria, os princípios jurídicos deixam de ter caráter secundário e subsidiário e passam a ser tratados como normas de plena efetividade.

47. "Antes de serem instituições penais ou fábricas de cadáveres, o Gulag soviético e o Lager nazista foram gigantescas máquinas de despersonalização de seres humanos". COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999. p 22.

48. Neste contexto, os juristas não podem ser ingênuos e distantes da realidade a ponto de se esquecerem da velha máxima econômica: "há necessidades e desejos ilimitados e recursos limitados".

49. COMPARATO, op. cit. p 48.

50. BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. "o chamado mínimo existencial, formado pelas condições materiais básicas para a existência, corresponde a uma fração nuclear da dignidade da pessoa humana à qual se deve reconhecer a eficácia jurídica positiva ou simétrica". P. 248. Segundo Ana Paula, o mínimo existencial é composto de quatro elementos: educação fundamental, a saúde básica, a assistência aos desamparados e o acesso à justiça. (p. 258) Particularmente, não achamos conveniente delimitar tão taxativamente quais os elementos do mínimo existencial, pois eles poderão variar de acordo com as necessidade e possibilidades sociais.

51. Não ignoramos que é de suma importância levar em consideração a escassez de recursos (reserva do possível). No entanto, o mínimo existencial deve ser enfrentado pelo judiciário. O que não pode é que a "reserva do possível" se transforme num argumento absoluto que impeça o avanço da sindicabilidade do núcleo essencial dos direitos sociais. Várias vezes, utilizando este argumento e alertando para um possível terror econômico, o Executivo cuidava de reservar ao Judiciário o papel de vilão nacional, caso determinada decisões fossem tomadas. Isso foi o que aconteceu no julgamento dos expurgos do FGTS, quando se afirmou que a economia brasileira simplesmente seria conduzida à falência total caso o pedido dos empregados fosse julgado procedente. Dados de Ana Paula de Barcellos, op. cit. p 235.

52. Por exemplo, supondo que o direito à proteção da saúde pública preventiva faça parte do mínimo existencial; se em determinado Município não houver campanha de vacinação, poderá o indivíduo pleitear em juízo que tenha seu direito resguardado. Sem dúvida, há aqui uma zona cinzenta referente à questão de se delimitar quais os direitos serão abarcados pelo mínimo existencial e quais não serão e como será efetivada a prestação destes direitos quando pleiteados (serão feitos por meio de empenho imediato feito pelo judiciário, será por meio de obrigação de fazer, será através de cumprimento por um particular que ficará a mercê do precatório ou de compensação tributária). Enfim, esta ainda é uma questão complicadíssima, que não pode ficar esquecida, ao contrário, deve ser enfrentada com atenção e responsabilidade.

53. CAPPELLETTI, Mauro. Juizes legisladores? Porto Alegre: SAFe, 1999. p 61.

54. Neste aspecto, Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales; Ronald Dworkin, Uma questão de princípio..

55. Voto citado por Ada Pellegrini Grinover, Código de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6° ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000. p 815.

56. Idem, p 818.

57. BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas – limites e possibilidades da constituição brasileira. 5° ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p 239.

58. GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit. p. 823.

59. GRINOVER, Ada Pellegrini. Significado Social, Político e Jurídico da Tutela dos Interesses Difusos. Revista de Processo, ano 25, nº97, janeiro-março de 2000. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. p. 15.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DORNELAS, Henrique Lopes. A ideologia das ações que tutelam direitos transindividuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 178, 31 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4612. Acesso em: 18 abr. 2024.