Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/467
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Alteração dos contratos administrativos pela teoria da imprevisão

Alteração dos contratos administrativos pela teoria da imprevisão

Publicado em . Atualizado em .

O presente comentário diz respeito a alteração dos contratos administrativos pela administração pública e a necessidade de aplicação da já consagrada teoria da imprevisão aos contratos administrativos face a eventuais mudanças no contexto em que foi realizado o contrato administrativo por fatores inesperados e alheios a atuação das partes.

Primeiramente faz-se necessário esclarecer que efetivamente os entes da administração publica tem o poder de alterarem unilateralmente as condições dos contratos administrativos, inclusive as relativas as datas de entrega de mercadorias, nos termos do artigo 57, § 1º da Lei 8.666/93:

Art. 57 -

§ 1º Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo:

I - alteração do projeto ou especificações, pela Administração;

II - superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato;

III - interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração;

IV - aumento das quantidades inicialmente previstas no contrato, nos limites permitidos por esta Lei;

V - impedimento de execução do contrato por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento contemporâneo à sua ocorrência;

VI - omissão ou atraso de providências a cargo da Administração, inclusive quanto aos pagamentos previstos de que resulte, diretamente, impedimento ou retardamento na execução do contrato, sem prejuízo das sanções legais aplicáveis aos responsáveis.

Entretanto conforme esclarecido no próprio § 1º, do artigo 57, da Lei 8.666/93, ao realizar tal alteração a administração deve promover a alteração das cláusulas relativas às suas obrigações contratuais face ao incremento da onerosidade da obrigação do contratado, tendo em vista que o equilíbrio econômico financeiro do contrato nada mais é do que a manutenção da relação entre as obrigações mútuas dantes ajustadas no tocante à sua onerosidade, conforme esclarece o artigo 58, da Lei 8.666/93:

Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

I - modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;

II - rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta lei;

(...)

§ 2° Na hipótese do inciso I deste artigo, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual.

Porém, não é apenas nestes casos que ocorre a alteração forçada dos contratos administrativos, ainda que a administração pública não realize alteração unilateral nas cláusulas contratuais o contrato pode se tornar excessivamente oneroso para uma das partes por conta de fatores extrínsecos ao contrato administrativo(1), conforme conceitua a doutrina da teoria da Imprevisão:

"No início, ela foi só uma construção. Depois elaborou-se toda uma teoria genérica, a "teoria da imprevisão", sustentada por alicerces próprios, que podem ser resumidos na seguinte idéia: radical modificação do estado de fato do momento da contratação determinada por acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, dos quais decorra onerosidade excessiva no cumprimento da obrigação e, assim, a possibilidade de revisão contratual." Carlos Alberto Bittar Filho, Teoria da Imprevisão, editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1994, pág. 31.

No caso dos contratos administrativos a teoria da imprevisão foi expressamente acolhida por nossa constituição federal, ao garantir que nestes haveriam de serem mantidas as condições efetivas da proposta:

Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte:

(...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Regulamentação deste inciso: Lei n. 8.666, de 21-6-1993.

Neste sentido, a Lei 8.883/94 alterou a Lei 8.666/93 incluindo expressamente nos contratos administrativos a hipótese de revisão contratual por elementos extrínsecos:

Art. 65. Os contratos regidos por esta lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

(...)

II - por acordo das partes:

(...)

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a atribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

Cabe salientar, que o acordo das partes apontado no inciso II, acima transcrito diz respeito apenas aos valores a serem renegociados e não a necessidade de a administração promover a renegociação, pois esta estando adstrita ao principio da legalidade tem por obrigação realizar a recuperação do equilíbrio contratual, conforme aponta Marçal Justen Filho:

"Uma vez verificado o rompimento do equilíbrio econômico-financeiro, o particular deve provocar a Administração para adoção das providências adequadas. Inexiste discricionariedade. A Administração pode recusar o restabelecimento da equação apenas mediante invocação da ausência dos pressupostos necessários. Poderá invocar:

*ausência de elevação dos encargos do particular;

* ocorrência de evento antes da formulação das propostas;

* ausência de vínculo de causalidade entre o evento ocorrido e a majoração dos encargos do contratado;

* culpa do contratado pela majoração dos seus encargos (o que inclui a previsibilidade da ocorrência do evento).

(...)

Deverá examinar-se a situação originária (à época da apresentação das propostas e a posterior. Verificar-se-á se a relação original entre encargos e remuneração foi afetada. Em caso positivo, deverá alterar-se a remuneração do contratado proporcionalmente à modificação dos encargos." Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 4ª edição, Aide Editora, Rio de Janeiro, 1996, pág. 402.

Conforme já julgado pelo Tribunal de Contas da União:

"Equilíbrio econômico-financeiro. Contrato. Teoria da Imprevisão. Alteração Contratual. A ocorrência de variáveis que tornam excessivamente onerosos os encargos do contratado, quando claramente demonstradas, autorizam a alteração do contrato, visando ao restabelecimento inicial do equilíbrio econômico financeiro, com fundamento na teoria da imprevisão, acolhida pelo Decreto-Lei 2.300/86 e pela atual Lei n.º 8.666/93. (TCU, TC-500.125/92-9, Min. Bento José Bugarin, 27/10/94, BDA n.º 12/96, Dez/96, p. 834)." Antônio Roque Citadine, Comentários e Jurisprudência sobre a Lei de licitações públicas, 2º edição, editora Max Limonad, São Paulo, 1997, pág. 380.

Bem como por nossas cortes judiciais:

Tribunal de Justiça de São Paulo

AÇÃO POPULAR - Requisitos - Ilegalidade e lesividade ao patrimônio

público - Inocorrência - Aditamento de contrato de construção, firmado

através de licitação pública - Admissibilidade - Cláusula expressa

admitindo a recomposição dos preços - Obediência, ademais, ao artigo

55, inciso II, letra "d", § 6º do Decreto Lei n. 2.300, de 1986, que impõe

o equilíbrio econômico e financeiro dos valores pactuados em empreitada

- Aplicação ao caso da teoria da imprevisão - Ação improcedente -

Recursos não providos. Não há ilegalidade, nem prejuízo para à

Administração Pública em contrato suplementar que fixa correção

monetária diária para contrato firmado através de licitação pública, diante

da exacerbada majoração da inflação. (Relator: Alfredo Migliore -

Apelação Cível n. 195.286-1 - Campinas - 05.10.93)

* FIM DO DOCUMENTO *

RT 616/89

CONTRATO MERCANTIL - Fornecimento de mercadorias - Prazo determinado - Comprador vinculado a contrato administrativo - Execução continuada – Submissão à teoria da imprevisão - Alteração na legislação federal - Repercussão nas relações negociais das partes - Necessidade de adequação destas, com redução do preço - Acordo inexistente - Suspensão dos fornecimentos - Cumprimento exigido pelo vendedor - Recusa do comprador em receber os produtos - Inexecução que se resolveria em pedido de perdas e danos - Falta de legítimo interesse para propositura de ação de cobrança - Carência (1.º TACivSP).

RT 630/176

CONTRATO - Teoria da imprevisão - Aplicabilidade - Venda a futuro de produto destinado ao consumo humano - Ajuste não aleatório - Excessiva oneração de uma das partes em razão de o preço contratado se ter tornado inferior ao mínimo oficial por força da inflação e da aplicação da tabela deflatora cruzeiro/cruzado - Revisão judicial da condição "preço", ao invés de resolução ou anulação da avença, elevando-o à igualdade com o preço mínimo de garantia, por se tratar de regra de ordem pública - Decisão mantida (TJRS).

Por estas razões, conclui-se pela necessidade de revisão das cláusulas de contratos administrativos que se tornem excessivamente onerosos para o contratante, em decorrência de modificação unilateral pela administração das condições da avença, ou pela alteração de fatores externos ao contrato administrativo, imprevisíveis e inevitáveis, que afetem a sua equação econômica a fim de restaura-la.


NOTAS

1.Como por exemplo a atual liberação da banda de flutuação cambial do Real e o aumento da disparidade entre este e as demais moedas do mundo, especialmente o dólar norte americano.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Rodrigo Alberto Correia da. Alteração dos contratos administrativos pela teoria da imprevisão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/467. Acesso em: 18 abr. 2024.