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Revisão criminal pro reo de sentença absolutória

Revisão criminal pro reo de sentença absolutória

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O presente trabalho visa a analisar, do ponto de vista teórico, à luz de princípios e regras constitucionais, a viabilidade de utilização, no ordenamento jurídico brasileiro, de revisão criminal de sentença absolutória em benefício do réu.

 

 

 

 

RESUMO

O presente trabalho tem como título Revisão Criminal Pro Reo de Sentença Absolutória, o qual visa a analisar, do ponto de vista teórico, à luz de princípios e regras constitucionais, a viabilidade de utilização, no ordenamento jurídico brasileiro, de revisão criminal de sentença absolutória em benefício do réu. O estudo mostra-se de relevância devido ao fato de, na ausência de um instituto-processual com idêntica finalidade, utilizando-se da revisão criminal, em hipótese específica no caso de decreto absolutório, ser um meio hábil a evitar implicâncias, nas esferas cível, administrativa e pessoal do réu, decorrentes do fato objeto do julgamento. No que toca à metodologia do trabalho, fez-se uma revisão da literatura geral e específica a respeito da temática, a qual culminou em uma nova abordagem acerca do tema proposto, até então muito pouco explorada pela doutrina pátria e aparte de discussões no seio jurídico. Entre os autores estudados, destacam-se Arruda (2003), Lopes Júnior (2014), Mossin (1997), Rangel (2012, 2015), Sarlet (2015) e Tourinho Filho (2013). O trabalho finaliza explanando as razões da impossibilidade, no ordenamento jurídico brasileiro, de revisão criminal de sentença absolutória em desfavor do réu; e noutro giro, a viabilidade teórica de utilização do instituto em seu benefício.  

 

 

Palavras-chave: Revisão Criminal. Sentença Absolutória. (Im)Possibilidade.

 

 

1       introdução

 

O presente trabalho traz como título Revisão Criminal Pro Reo de Sentença Absolutória. Tratou-se de um estudo dirigido a analisar, à luz de princípios e regras constitucionais, a nível teórico, a viabilidade de utilização do instituto da revisão criminal contra sentença absolutória em hipótese em que, utilizando-se da revisão, em sendo a ação julgada procedente, a mesma seria em benefício do réu. Revisão criminal pro reo de sentença absolutória, portanto, decorrendo daí o título do trabalho.

O estudo partiu da seguinte problemática: a revisão criminal de sentença absolutória prolatada in dubio pro reo, como meio hábil a elidir ação civil ex delicto, procedimento administrativo e, em especial, devolver o status dignitatis ao acusado, é possível, no ordenamento jurídico brasileiro, à luz de princípios e regras constitucionais?

Partindo dessa indagação, a hipótese do trabalho foi no sentido de que, à luz de ditos princípios e regras, não há óbice, no ordenamento jurídico pátrio, à revisão criminal de sentença absolutória, quando o fito da ação seja em benefício do réu.

Como evidente, o objetivo principal do trabalho foi analisar, do ponto de vista teórico, a viabilidade de utilização, no ordenamento jurídico brasileiro, de revisão criminal, em favor do réu, de sentença absolutória, tendo sido esta prolatada com fulcro no artigo 386, incisos II, V ou VII, do Código de Processo Penal (sentença decretada in dubio pro reo), em face da superveniência de novas provas críveis hábeis a demonstrar a inexistência do fato (ou pelo menos que crime não houve) ou que o réu não foi o seu autor ou dele participou.

Objetivos outros que serviram de base ao estudo consistiram em levantar informações acerca do histórico da revisão criminal, apresentar o conceito de revisão criminal, analisar o instituto jurídico na legislação pátria e demonstrar o verdadeiro sentido da lei (mens legis ou espírito da lei) atinente à revisão criminal de sentença absolutória.

O estudo mostra-se de relevância devido ao fato de, na ausência de um instituto jurídico-processual com idêntica finalidade, utilizando-se da revisão criminal, em hipótese específica no caso de decreto absolutório, ser um meio hábil a evitar implicâncias, nas esferas cível, administrativa e pessoal do réu, decorrentes do fato objeto do julgamento, quando a sentença foi prolatada com supedâneo no artigo 386, incisos II, V ou VII, do Código de Processo Penal, sendo, nesses casos, imperativo a observância do princípio do in dubio pro reo (na dúvida, decide-se a favor do réu).

A absolvição com arrimo nos incisos II (não haver prova da existência do fato), V (não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal) ou VII (não existir prova suficiente para a condenação) não obsta a ação civil ex delicto, para fins de reparação de danos decorrentes da infração penal, nem procedimento administrativo, por exemplo, processo administrativo disciplinar instaurado para apuração e aplicação de eventuais sanções, por ilícitos administrativos, que tenham cabimento em razão da infração penal cometida.

Na esfera pessoal do réu, não há dúvida de que o simples fato de uma pessoa responder a um processo criminal a estigmatiza, com implicações diretas em seu estado de dignidade (status dignitatis), mesmo no caso de absolvição in dubio pro reo, pois, se as provas carreadas aos autos do processo não foram suficientes para formação de sua culpa, também não o foram para evidenciar sua inocência.

Assim, na atual conjuntura do ordenamento jurídico brasileiro, após o trânsito em julgado da sentença absolutória, independentemente da causa que a justificou, não há nenhum instituto jurídico-processual hábil a desconstituí-la para alterar-lhe o fundamento, na superveniência, por exemplo, de novas provas que demonstram cabalmente a inexistência do fato (artigo 386, inciso I) ou que o réu não foi o autor ou participe da infração penal (artigo 386, inciso IV). Hipóteses essas que impedem a propositura de ação civil ex delicto e/ou a instauração de procedimento administrativo ou o provimento deles, se já em andamento.

Dessa maneira, a utilização do instituto da revisão criminal, em face de princípios e regras constitucionais, como o princípio fundamental da dignidade humana, bem assim da finalidade precípua do próprio instituto, na hipótese levantada, seria a forma de a Justiça contribuir para o resgate ou, no mínimo, amenização da deterioração do estado de dignidade do réu, bem como evitar as implicâncias, nas searas cível e/ou administrativa, por um fato que não houve, ou se restar provado que ele não concorreu para a infração penal, ou ainda se presente causa excludente de ilicitude.

No tocante à metodologia do trabalho, trata-se de uma pesquisa bibliográfica descritiva, com retoque explicativo em seus pontos primordiais. Para tanto, fez-se uma revisão da literatura geral e específica a respeito da temática, a qual culminou em uma nova abordagem acerca do tema proposto, até então muito pouco explorada pela doutrina pátria e aparte das discussões no seio jurídico. Entre os autores estudados, destacam-se Arruda (2003), Lopes Júnior (2014), Mossin (1997), Rangel (2012, 2015), Sarlet (2015) e Tourinho Filho (2013).

Relativamente à estruturação do trabalho, este foi dividido em quatro capítulos, sendo o primeiro esta introdução. No segundo capítulo, procedeu-se num breve histórico acerca do instituto da revisão criminal e como a revisão está delineada no ordenamento jurídico brasileiro. No terceiro, fez-se uma análise detida sobre a vedação de revisão criminal de sentença absolutória, desde o Decreto número 848 de 1990 até a atual Constituição Federal, bem como se apresentou a hipótese em que a revisão criminal de sentença absolutória, em sendo a ação julgada procedente, seria em benefício do réu. E no quarto e último capítulo, analisou-se, teoricamente, à luz de princípios e regras constitucionais, a viabilidade de utilização de revisão criminal de sentença absolutória, quando em benefício do réu.

 

2       REVISÃO CRIMINAL

 

2.1   BREVE HISTÓRICO

 

Fazendo-se uma análise histórica pormenorizada de um instituto com características semelhantes à revisão criminal, sem embargo da escassez de fontes no que tocam à sua origem, chega-se ao consenso de não se poder precisar onde e em que época surgiu instituto com idêntica finalidade, qual seja, rever um erro judiciário incurso numa decisão contra a qual já não cabe mais recurso. O certo é que, no Direito Romano, existia um instituto muito parecido com a revisão criminal, o restitutio in integrum. Este visava a anular sentença penal, já acobertada pela coisa julgada, em casos específicos.

Cabível somente em hipóteses excepcionais e graves, o restitutio, uma vez julgada procedente a ação, extinguia os efeitos da sentença penal condenatória, além de restaurar o estado de dignidade do réu, pelo restabelecimento de sua condição de cidadão.

Não se admitia, assim, no contexto jurídico em que estava inserido o restitutio in integrum, a “revisão criminal” de sentença absolutória, pois cabível somente contra sentenças condenatórias em que se verificasse, segundo Mossin (1997, p. 28), a incompetência do órgão julgador para a ação penal, a inobservância de garantias fundamentais à defesa do réu, e nos casos de sentença iníqua, de condenação de falso testemunho e corrupto ou de condenação com a descoberta posterior da inocência do réu. Percebe-se, portanto, tratar-se de julgados inquinados de erros judiciários.

Compulsando, ainda, o histórico da revisão criminal, acha-se uma passagem interessante do instituto na França do século XVI. Por essa época, existia no país um instituto chamado proposition d’erreur, o qual, em verdade, teve sua origem de um recurso instituído por Felipe, o Belo, por meio da ordenança real de 23 de março de 1302 , lettres de grâce et de proposition d’erreur, cuja finalidade era corrigir o erro judiciário. Posteriormente, as ordenanças de Felipe de Valois de 1331 e 1344 mantiveram a proposition d’erreur, a qual foi reproduzida pela ordenança de 1539.

A proposition d’erreur, segundo Arruda (2003, p. 34), “consistia num recurso susceptível de manejo em casos de erro de fato e, uma vez aceito, revestia-se do condão de infirmar a decisão hostilizada”. Quanto à deliberação, o autor informa que, em princípio, tocava ao parlamento, com a intervenção do réu ou de um representante seu; mais tarde, a atribuição foi deslocada para o Conselho Real, e o soberano assistia à audiência, pessoalmente.

Entretanto, em 1667, ainda de acordo com Arruda (2003, p. 35), “sob o reinado de Luiz XIV, a proposition d’erreur restou abolida, sob o fundamento de aviltar a magistratura, atribuindo-lhe a ignorância e a parcialidade”. Ou seja, o instituto criava uma situação um tanto quanto embaraçosa à própria Justiça: as sentenças exaradas a ela desmoralizavam, já que eivadas de dúvidas acerca da equidade ou do desconhecimento da lei.

Em 1670, o instituto é restaurado por ordenança de Luiz XV, porém, com nova nomenclatura de lettres de révision, admitida quando se tratasse de erro de fato, sem limitações de casos dessa vez. Outra novidade é que os herdeiros do condenado falecido podiam mover a révision, que sendo em benefício do réu, era insusceptível de uso pela acusação. A nova nomenclatura decorreu de que “após o Conselho de Estado declarar a admissibilidade, expedia-se uma ordem ou carta (lettre) endereçada à mesma Corte que proferira a decisão primitiva, ao fito de ter lugar novo julgamento. Daí a denominação de lettres de révision”, diz Arruda (2003, p. 35).

Após, já durante a Revolução Francesa, o instituto deve outros momentos de cancelamento e repristinação, até o advento do Código de Instrução Criminal da França, em 1808, onde foram estatuídas, de acordo com Arruda (2003, p. 36), três situações a ensejar a révision: a) incongruência entre duas sentenças, em razão da condenação de duas pessoas, em processos distintos, pelo mesmo fato; b) aparecimento de pessoa reputada vítima de homicídio; c) ulterior condenação, por falso de testemunho, de pessoa que, antes, depusera em detrimento do réu.

Uma limitação trazida pelo Código era de o manejo da révision pelos herdeiros só se poder no caso de aparecimento da pessoa reputada morta. Isso foi alterado somente em 1867, quando se autorizou o manejo do instituto pelos herdeiros nas três situações. Uma novidade foi o julgamento da révision passar a ser de competência do Tribunal de Cassação (órgão de cúpula da jurisdição judicial na França).

Em 1895, lei incluiu ao Código Criminal Francês uma nova hipótese de manejo da révision, a qual é reproduzida na maioria das legislações modernas. Tratava-se de revisão calcada em novas provas a demonstrar a inocência do condenado.

Hodiernamente, na legislação francesa, o instituto é cabível nessas quatro hipóteses, e tratadas no Código de Procedimento Criminal da França de 1958, ainda em vigor. A legislação prevê, ainda, indenização do inocente injustamente condenado. E como bem afirma Arruda (2003, p. 38), a disciplina francesa, quanto ao tema, serviu de parâmetro à maioria das legislações de outras nações.

Institutos com características parecidas encontravam-se também em outros países europeus, com destaque para Itália, Alemanha, Áustria, Espanha, a partir do século XVII, e Portugal, antes, já no século XIV. Na América do Sul, em países como Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Venezuela, o disciplinamento do instituto é recente, reporta-se já ao século XX.

Como se percebe, a revisão, ou instituto com características similares, é contemplada pelas mais variadas legislações, desde países como Japão, Rússia, Cuba, México, passando por Estados Unidos da América, até países árabes e escandinavos, sem mencionar diversos outros países europeus, só para ficar nesses.

Entrando no cenário nacional, durante o Brasil Colônia, o meio hábil à revisão dos processos findos era o recurso de revista (revista e revisão, à época, eram sinônimos), oriundo da legislação portuguesa, e cuja origem adveio das Ordenações Afonsinas (coletânea de leis portuguesas que tiveram por fonte, principalmente, o Direito Romano e o Canônico). As ordenações subsequentes, Manuelinas e Filipinas, mantiveram a revista, que abrangia tanto matéria civil quanto penal.

Iniciada a fase imperial de nossa história, o recurso foi previsto na Constituição brasileira outorgada em 1824. A revista, nessa fase, a exemplo do período anterior, tinha cabimento quer em matéria civil quer em matéria criminal.

Mossin (1997, p. 43) anota que, em tema criminal, a Lei de 18 de setembro de 1828 (lei que dispunha sobre o processo do recurso de revista) estabeleceu, em seu artigo 8º (rectius 6º), os casos de admissibilidade desse recurso: “manifesta nulidade, ou injustiça notória nas sentenças proferidas em todos os juízos em última instância”.

Ainda segundo Mossin (1997, p. 44), o artigo 9º da referida lei previa à parte acusadora a interposição da revista dentro do prazo de dez dias, contados da intimação. No caso do réu condenado, não havia limitação temporal, podia ela ser interposta seja naquele prazo, seja durante a execução da pena, seja depois de executada a sentença, quando os punidos queriam mostrar sua inocência.

Depreende, assim, que, a essa época, ao lado do cabimento do recurso em relação a decisões condenatórias (revista pro reo), também admitia-se a revista contra sentenças absolutórias (revista pro societate).

O tribunal competente para julgar a revista era o Supremo Tribunal de Justiça, órgão de instância superior previsto pela Constituição de 1824 e instituído pela Lei de 18 de setembro de 1828 (o tribunal foi instinto com o advento da República, com a criação do Supremo Tribunal Federal, pelo Decreto número 848, de 11 de outubro de 1890). De acordo com Mossin (1997, p. 45), aquele colegiado podia “cassar, anular o processo ou a sentença, determinando, por conseqüência, a retificação do processo, ou julgar de novo a causa, e que destarte passa a sorte do recorrente ser melhorada pela nova sentença”.

Com o advento do Código de Processo Criminal de 1832, a orientação dada pelo artigo 6º da Lei de 1828 restou mantida no artigo 306 do Código. Posteriormente, a Lei número 261, de 3 de dezembro de 1841 (lei que reformulou o Código de Processo Criminal), manteve a revista, porém em hipóteses muito específicas, dispostas em seu artigo 89, o que foi acompanhado pelo Decreto número 5.618, de 2 de maio de 1874.

Posteriormente, com o advento da República, anota Mossin (1997, p. 46), “novas bases foram dadas à estrutura judiciária do país, e a revista desapareceu em nível civil para dar lugar ao recurso extraordinário e também se extinguiu no penal para dar surgimento à revisão criminal”.

Coube ao Decreto número 848, de 11 de outubro de 1890, que organizou a Justiça Federal, inserir a revisio, com a nomenclatura de revisão criminal, na legislação pátria ordinária, atribuindo ao Supremo Tribunal Federal (STF) competência para conhecê-la e julgá-la. Este órgão máximo da Justiça brasileira foi criado, com essa denominação, por aquele decreto. E esse mesmo decreto estabeleceu os pressupostos para a revisão. Começava aí os contornos da revisão criminal atual.

O Código Penal de 1890, instituído pelo Decreto número 847, de 11 de outubro de 1890, da revisão fazia referência em seu artigo 86, e, em nível constitucional, o instituto foi previsto na Carta Constitucional de 1891 (Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891). Esta, em seu artigo 59, manteve a competência do STF para conhecer e julgar a revisão, e, no artigo 81, dispunha: “Os processos findos, em matéria crime, poderão ser revistos a qualquer tempo, em benefício dos condenados, pelo Supremo Tribunal Federal, para reformar ou confirmar a sentença”. E no parágrafo 1º desse dispositivo: “A lei marcará os casos e a forma da revisão, que poderá ser requerida pelo sentenciado, por qualquer do povo, ou ex officio pelo Procurador-Geral da República”. 

Posteriormente, leis dispuseram sobre a forma e hipóteses de cabimento da revisão criminal, por exemplo, a Lei número 221, de 20 de novembro de 1894. Em seguida, consoante Mossin (1997, p. 48), “o Decreto nº 3.084, de 5 de novembro de 1898, que consolidou as leis da Justiça Federal, codificou os textos das disposições da Constituição Federal de 1891 e dos demais diplomas legislativos atinentes à revisão”.

O instituto também foi tratado nas Constituições de 1934 e 1946, com a nota de ser em benefício dos condenados. As Constituições de 1967 e 1969 trataram do tema, porém de forma bastante limitada e sem a referência de ser em benefício dos condenados.

A Constituição vigente não trata da revisão criminal como trataram as de 1891, 1934 e 1946. O instituto é delineado a nível infraconstitucional, disposto no Código de Processo Penal (Decreto-Lei número 3.689, de 3 de outubro de 1941), o qual, em seus termos, não há previsão de revisão de sentença absolutória.

 

2.2   A REVISÃO CRIMINAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. GENERALIDADES

 

Feito essa explanação geral do histórico desse instituto jurídico-processual, passa-se a descrevê-lo como o mesmo está concebido na legislação pátria. A começar, a definição do termo revisão. Mossin (1997, p. 49) anota que o vocábulo provém do verbo rever, que significa ver pela segunda vez ou ver de novo; examinar novamente. A revisão, em sentido jurídico lato, para o autor, “constitui-se no exame ou no estudo de alguma coisa para expurgar dela o que não estiver de acordo ou em harmonia com o direito ou a verdade” (MOSSIN, 1997, p. 49).

A revisão criminal, por sua vez, possui aplicabilidade mais restrita, facilmente percebível de sua definição jurídica, que, conforme Nucci (2007, pp. 871-872):

É uma ação penal de natureza constitutiva e sui generis, de competência originária dos tribunais, destinada a rever decisão condenatória, com trânsito em julgado, quando ocorreu erro judiciário. Trata-se de autêntica ação rescisória na esfera criminal, indevidamente colocada como recurso no Código de Processo Penal. É sui generis, pois não possui polo passivo, mas somente autor, questionando o judiciário que o vitimou. (grifo do autor)

No mesmo sentido, Lima (2013, p. 876):

[...] é a revisão criminal ação cuja competência será originária dos Tribunais, ou seja, originariamente a competência para seu julgamento é do segundo grau de jurisdição ou do Tribunal Superior, conforme o caso. Sua finalidade é a desconstituição da sentença ou acórdão condenatório, já com trânsito em julgado. Ação exclusiva da defesa, uma vez que inexiste no Brasil a revisão pro societate. (grifo do autor)

Desses dois conceitos, percebe-se, de antemão, algumas características desse instituto presente em todas as legislações do mundo civilizado, como: não se tratar de recurso; cabível somente contra sentença condenatória transitada em julgado em que incorreu erro judiciário; ser a parte legitimada para propor a ação a que sofreu a condenação; ação somente com uma parte, a que a propõe; bem assim ser de competência de órgão jurisdicional hierarquicamente superior aquele que prolatou a decisão. 

Dentre essas características, uma pode chamar a atenção daqueles que começaram a percorrer o fantástico mundo do Direito, com olhos curiosos e pensamento crítico, que é ser a revisão criminal cabível contra sentença condenatória transitada em julgado. Bem, quando uma sentença transita em julgado, não se torna ela inimpugnável, isto é, inatacável, irrevogável, inclusive, vendando que em outro qualquer juízo se instaure outro processo sobre o mesmo litígio? Sim. Entretanto, como bem afirma Tourinho Filho (2013, p. 979), “uma condenação injusta é prejudicial ao réu e à sociedade, que, com razão, passa a desconfiar da Justiça”. E completa:

Hoje, em todas as legislações do mundo civilizado, a coisa julgada penal, a despeito de necessária à ordem pública, deixa-se violentar quando um interesse mais alto a sobrepuja: uma sentença condenatória manifestamente injusta. E o remédio jurídico-processual que permite reabrir o processo, em que se cometeu a injustiça, rasgando-lhe o selo da intangibilidade, é a revisão criminal. (TOURINHO FILHO, 2013, p. 979, grifo do autor).

E o processualista português Germano Marques da Silva (1994) apud Mossin (1997, p. 56) assim se manifesta:

Com o trânsito em julgado da decisão a ordem jurídica considera em regra sanados os vícios que porventura nela existissem. Há, porém, certos casos em que o vício assume tal gravidade que faz com que a lei entenda ser insuportável a manutenção da decisão. O princípio da justiça exige que a verificação de determinadas circunstâncias anormais permita sacrificar a segurança que a intangibilidade do caso julgado exprime, quando dessas circunstâncias puder resultar um prejuízo maior do que aquele que resulta da preterição do caso julgado [...].

Explica-se: No processo penal, entregue a prestação jurisdicional, consubstanciada na sentença, preclusas as vias recursais ou estas esgotadas, aquela fica acobertada pela autoridade da coisa julgada, isto é, a decisão torna-se inatacável e o comando emergente da mesma, imutável, ressalvado a hipótese de sentença penal condenatória em que incorreu um erro judiciário, por uma questão de justiça e humanidade. No caso de sentença penal absolutória, diz-se que ela está protegida pela autoridade da coisa soberanamente julgada, ou seja, inimpugnável sem exceção. Na seara cível, para efeito de registro, o instituto equivalente à revisão criminal é a ação rescisória, com peculiaridades próprias.

Por oportuno, transcreve o posicionamento de Jorge Alberto Romeiro (1964) apud Mossin (1997, p. 57):

A decisão transitada em julgado não espelha [...], fruto que é da falível justiça humana, a verdade absoluta, real ou objetiva, mas uma verdade, uma certeza somente, a verdade relativa ou subjetiva, a verdade do juiz, em que, no fundo, se reduz a verdade judicial. Pode acontecer, contudo, e assim muito sucede, que a decisão transitada em julgado nada mais traduza do que um erro judiciário. Quando, entretanto, patenteado o erro da decisão transitada em julgado, a não-reparação das conseqüências dele se revela um mal maior que o da necessidade social da própria coisa julgada, a existência desta poderia periclitar sem aquela reparação.

Daí a necessidade de cassação, como bem aduz Mossin (1997, p. 57), da decisão que contém o erro judiciário; e porque, hoje, não se permite mais a antiga tradição do direito processual: res iudicata pro veritate accipitur (a coisa julgada é tida como verdade sabida).

Disse-se, também, que a revisão criminal não se trata de recurso, malgrado arrolada, assim como o habeas corpus, na estrutura do Código de Processo Penal no Titulo II (Dos Recursos em Geral). Afirmou Franco Cordeiro (2000) apud Lopes Júnior (2014, p. 1343) ser um típico caso de equivocada organização topográfica.

Para esclarecer a natureza jurídica da revisão, descrevem-se algumas das muitas distinções entre ela e os recursos. Optou-se pelas mais notadas a “olhos nus”. Recurso, entre nós, pressupõe a ausência, em termos de sentença de mérito, do trânsito em julgado da decisão, isto é, não se ter operado a preclusão das vias impugnativas e estas não estarem esgotadas. A revisão, ao contrário, pressupõe o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, estando esta eivada de um erro judiciário.

Outro traço distintivo entre os dois institutos é ser o recurso caracterizado pelo fato de ser uma impugnação da decisão dentro da mesma relação jurídica processual em que a decisão ocorreu, já a revisão instaura uma nova relação jurídica, visando a desconstituir a decisão daquela outra relação jurídica. Bem sugestiva é a analogia de Pontes de Miranda (1998) apud Rangel (2015, p. 1093): “A impugnativa, em vez de ser dentro, como a reclamação do soldado contra o seu cabo, é por fora, como o ataque de outra unidade àquela de que faz parte o cabo. O soldado foi pedir a atuação alienígena”.

E para alargar mais a distância entre recurso e revisão criminal, traz-se a colação, pela riqueza de seus termos, a explanação de Mossin (1997, p. 65) no tocante ao assunto:

Como é de constatação notória, todo recurso está sujeito à tempestividade, ou seja, deve ele ser interposto no prazo legal. Não o fazendo o sucumbente, haverá a preclusão das vias recursais.

Com a revisão criminal o mesmo não acontece, porquanto pode ela ser proposta, em qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após (art. 622, do CPP).

Observa-se, portanto, que a revisão criminal não é recurso. Mas, afinal, qual a sua natureza jurídica?

Para esclarecimento da natureza jurídica da revisio, traz-se à colação, de início, a posição de dois grandes doutrinadores brasileiros, José Frederico Marques (1965) e Pontes de Miranda (1987) apud Mossin (1997, pp. 61,63). Para o primeiro, “a revisão criminal não é recurso, e sim, ação penal (ação penal constitutiva), funcionando como o equivalente penal da ação rescisória civil”. O segundo a define como ação, e não recurso, “ação desconstitutiva negativa, como a ação rescisória de sentenças civis. Ambas se lançam contra a coisa julgada formal”. E complementa Pontes de Miranda (1987) apud Mossin (1997, p. 62): "Por ela, exerce-se a pretensão à desconstituição da sentença criminal, pelos fundamentos que a lei ordinária estabelece e não podem ser tais que elidam o direito e a pretensão a que as sentenças criminais injustas, ou pelo menos, as de injustiça mais gritante, sejam corrigidas".

Esta também é a posição corroborada pelo próprio Mossin (1997, p. 62) ao aduzir: “Há de se ter a revisão criminal como uma ação penal desconstitutiva negativa ou de natureza rescisória, porquanto objetiva ela, ad summam, rescindir sentença condenatória em processo findo ou desfazer seus efeitos”. Doutrinadores contemporâneos compartilham do mesmo entendimento, como Tourinho Filho (2013, p. 980), “a revisão criminal, na verdade, não passa de mera ação penal de natureza constitutiva [...] destinada ao desfazimento dos efeitos produzidos por uma sentença condenatória trânsita em julgado”, e Rangel (2015, p. 1093), “a natureza jurídica da revisão criminal é de uma ação autônoma de impugnação regida pelo processo de conhecimento, constitutiva negativa, cuja pretensão é de liberdade” (grifo do autor).

 Vislumbra-se, isto posto, que a revisão criminal se distancia bastante das características de recurso, tendo como ponto convergente somente o fato devolver ao Judiciário a prestação jurisdicional entregue por meio da sentença (no caso da revisão, sentença transitada em julgado) para novo exame da matéria. Enquanto o recurso dilata o procedimento já existente dentro de uma relação jurídica processual; a revisão instaura um novo, sendo nova a relação processual. É ação, pois, e se diz propor e não interpor (recurso).

Ultrapassada a discussão sobre a natureza jurídica da revisio, passa-se para suas hipóteses de cabimento.

O Código de Processo Penal (CPP) dispõe no artigo 621, a seguir transcrito, os casos em que se pode propor a ação de revisão criminal.

Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:

I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;

II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;

III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

Da leitura do dispositivo, extraem-se três constatações, já ditas anteriormente. A uma, somente ser possível revisão criminal contra sentença ou acórdão penal condenatório (nos incisos do artigo, onde se fala em sentença, entenda sentença e acórdão). A duas, somente ser possível o pedido revisional quando este objetivar a cassação de sentença ou acórdão condenatórios eivados de erro judiciário (erro de procedimento ou erro de julgamento, este: erro de direito e erro de fato). A três, constitui pressuposto da revisio que a sentença ou o acórdão tenham transitados em julgado. Como bem esclarece Lopes Júnior (2014, p. 1345), a expressão processos findos, descrita no caput do artigo, deve ser interpretada no sentido de existência de sentença ou acórdão condenatórios transitados em julgado.

Fora as três hipóteses elencadas nos incisos do artigo 621, para Lopes Júnior (2014, p. 1346), por força do artigo 626 do CPP, é possível, ainda, a revisão criminal sob o argumento de nulidade (absoluta) do processo, pois, segundo ele, “significa dizer que a decisão judicial é contrária ao texto expresso da lei e com esse fundamento deve ser ajuizada”. Portanto, para o autor, a existência de nulidade constitui um fundamento jurídico válido para a revisio. Ele fundamenta sua posição em face do artigo 626 permitir ao tribunal “anular” a sentença (ou acórdão) contra a qual a ação de revisão se insurge. Paulo Rangel (2015, p. 1099) é de igual entendimento. Já Mossin (1997, p. 109) afirma que há impossibilidade jurídica do pedido revisional com base na nulidade, porque o legislador não a incluiu no numerus clausus do artigo 621. Para ele, rol taxativo de hipóteses de cabimento da revisão criminal.  

Havendo uma das hipóteses permissivas da revisão criminal, o réu ou seu procurador legalmente habilitado, ou, no caso de falecimento daquele, seu cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (artigo 623 do CPP), poderá propor a revisio a qualquer tempo, antes da extinção da pena ou após (artigo 622 do CPP). Nos termos de Tourinho Filho (2013, p. 980): “A qualquer tempo. Esteja o réu cumprindo a pena, tenha esta sido cumprida, ocorrida ou não a extinção da punibilidade, tenha ele morrido”. E completa em seguida: "Não há prazo, mesmo porque a finalidade da revisão não é apenas evitar o cumprimento de uma pena imposta injustamente, mas, precipuamente, a de corrigir uma injustiça, restaurando-se, assim, com a rescisão do julgado, o status dignitatis do condenado" (grifo do autor).

Além da ação de revisão criminal não estar sujeita a prazos (limitação temporal), como esclarecido, ela pode ser proposta mais de uma vez, desde que cada pedido se funde em novas provas, conforme o parágrafo único do artigo 622 do CPP.

Em relação à competência para o julgamento da revisão criminal, esta é sempre dos tribunais. Lopes Júnior (2014, p. 1352) esclarece que podem ocorrer as seguintes situações:

  1. O réu é condenado e da sentença não há recurso, transitando em julgado. A revisão criminal será julgada pelo respectivo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal (Justiça Federal) que seria competente para o julgamento de uma eventual apelação.
  2. O réu é condenado e apela, tendo o tribunal mantido a condenação. Com o trânsito em julgado, a revisão criminal será ajuizada no mesmo tribunal que julgou a apelação, mas pelo Grupo Criminal (TJ) ou Seção Criminal (TRF), e não pela Câmara ou Turma Criminal que julgou a apelação.
  3. O réu é absolvido, tendo o Ministério Público apelado. O tribunal acolhe o recurso e condena o réu. Com o trânsito em julgado, a revisão criminal será distribuída no mesmo tribunal que proferiu o acórdão condenatório (mas para outro órgão).
  4. A revisão criminal será julgada no STF ou no STJ, quando buscar a desconstituição das decisões proferidas por esses tribunais. Mas cuidado: o fato de ter havido RESP ou REXT não significa que a revisão será para o STJ ou o STF. Isso só ocorrerá quando o fundamento da revisão criminal coincidir com aquele discutido em sede de recurso extraordinário ou especial, porque nesse caso a decisão sobre a matéria revisada foi decidida por eles. Portanto, quando o objeto do recurso especial (não acolhido), por exemplo, foi a alegação de que a decisão violou lei federal, e a revisão criminal está fundada na existência de novas provas da inocência do réu, a competência para o julgamento será do Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal que julgou a apelação (ou seja, quem por último se manifestou sobre o caso penal [mérito]).

A competência para o julgamento da ação constitutiva está delineada no artigo 624 do CPP. Dos incisos e parágrafos do artigo ainda constam os termos Tribunal Federal de Recursos e Tribunais de Alçada. Estes últimos eram órgãos de segunda instância da Justiça Estadual, paralelos aos Tribunais de Justiça, cuja extinção decorreu da reforma do Judiciário pela Emenda Constitucional número 45 de 2004. O Tribunal Federal de Recursos foi extinto com a Constituição Federal de 1988 e criados, em seu lugar, os Tribunais Regionais Federais. Trata-se de mais um caso, dentre vários e vários no Diploma Processual Penal, de falta de atualização.

Por fim, os efeitos da revisão criminal. O artigo 626 do CPP estabelece que julgando procedente a revisão criminal, o tribunal poderá: a) alterar a classificação da infração penal; b) absolver o réu; c) modificar a pena; d) anular o processo. A decisão do tribunal poderá ser por qualquer uma dessas, isto é, o tribunal não fica limitado ao pedido do autor. Não há que se falar em decisão ultra petita em sede de revisão criminal, isso porque a decisão é em favor do réu, e como bem aduz Lopes Júnior (2014, p. 1355), “o único limite intransponível é o da vedação da reformatio in pejus, contido no parágrafo único do art. 626, de modo que em nenhuma hipótese poderá ser agravada a situação jurídica do autor”.

Quando a decisão do tribunal for pela anulação do processo, na sugestiva expressão de Lopes Júnior (2014, p. 1355), “o feito com defeito deverá ser refeito”, isto é, o processo, no todo ou em parte (a extensão dependerá da contaminação, diz o autor), deverá ser repetido. Nesse caso, o tribunal não emite novo julgamento, como nas demais hipóteses, pois, se assim procedesse, haveria supressão de instância. Ele apenas rescinde a sentença, isto é, cassa-a, e baixa os autos do processo para nova tramitação e decisão.

 

3       REVISÃO CRIMINAL DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA, NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO, SOB UMA NOVA ÓTICA: VEDAÇÃO OU VISÃO UNIFOCAL?

 

3.1   DA VEDAÇÃO (?) DE REVISÃO CRIMINAL DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA

 

No capítulo anterior abordou-se o histórico do instituto da revisão criminal e como a revisão está delineada na legislação pátria. Viu-se que somente é permitido revisão criminal de sentença penal condenatória eivada por erro judiciário, cujas hipóteses de cabimento estão previstas nos incisos do artigo 621 do Código de Processo Penal (CPP). Agora, passa-se ao estudo da vedação de revisão criminal de sentença absolutória desde o Decreto número 848 de 1890, quando o instituto passou a ter essa nomenclatura (antes o instituto similar era o recurso de revista, oriundo da legislação portuguesa, como visto no capítulo anterior), até a Constituição atual.

O Decreto número 848, de 11 de outubro de 1890, que organizou a Justiça Federal no Brasil, previu a revisão criminal apenas em relação a sentenças penais condenatórias transitadas em julgado e em hipóteses específicas. O instituto foi disposto no Decreto no seu artigo 9º, inciso III, a seguir transcrito. O tribunal a que o artigo faz referência é o Supremo Tribunal Federal (STF).

Art. 9º Compete ao Tribunal:

[...]

III. Proceder á revisão dos processos criminaes em que houver sentença condemnatoria definitiva, qualquer que tenha sido o juiz ou tribunal julgador.

§ 1º Este recurso é facultado exclusivamente aos condemnados, que o interporão por si ou por seus representantes legaes nos crimes de todo genero, exceptuadas as contravenções.

§ 2º A pena poderá ser relevada ou attenuada quando a sentença revista for contraria a direito expresso ou á evidencia dos autos, mas em nenhum caso poderá ser aggravada.

§ 3º No caso de nullidade absoluta ou de pleno direito, o réo poderá ser submettido a novo julgamento.

[...]

Como dito em passagem anterior, começava aqui a delineação da revisão criminal como ela está concebida hoje. O intuito do legislador, com o Decreto, foi vedar revisão criminal de sentenças absolutórias, até então permitida por meio do recurso de revista (e diga-se que se tratava de revisão pro societate). Observe que a revisão foi concebida em benefício do condenado, haja vista, como dispõe o parágrafo 2º do dispositivo transcrito, a sua situação nunca poder ser agravada. O Diploma vedou, aqui, a reformatio in pejus na revisão criminal. O Decreto número 848 de 1890 foi revogado pelo Decreto número 11, de 18 de janeiro de 1991. 

A nível constitucional, o instituto foi previsto na Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891, a qual dispôs em seu artigo 81:

Art. 81 - Os processos findos, em matéria crime, poderão ser revistos a qualquer tempo, em beneficio dos condenados, pelo Supremo Tribunal Federal, para reformar ou confirmar a sentença.

§ 1º - A lei marcará os casos e a forma da revisão, que poderá ser requerida pelo sentenciado, por qualquer do povo, ou ex officio pelo Procurador-Geral da República.

§ 2º - Na revisão não podem ser agravadas as penas da sentença revista.

§ 3º - As disposições do presente artigo são extensivas aos processos militares.

Na Constituição, tal qual no Decreto número 848 de 1890 e no Código de Processo Penal vigente, não há vedação literal à revisão criminal de sentença absolutória; entretanto, nos artigos que dispõem sobre a matéria, nesses diplomas legais, trata-se apenas de revisão criminal de sentença condenatória, o que, por interpretação lógica, estar-se a dizer que, fora os casos ali previstos, não se admite a revisão em outras hipóteses.

Posteriormente, entrou em vigor o Decreto número 3.084, de 5 de novembro de 1898, que consolidou as leis referentes à Justiça Federal. Esse Decreto codificou os textos da Constituição de 1891 e dos demais diplomas legislativos atinentes à revisão criminal, inclusive o Decreto número 848 de 1890, passando a dispor sobre a forma e hipóteses de cabimento da revisio no seu Capítulo VI (Da revisão) do Título VI (Dos Recursos) da Parte Segunda (Processo Criminal), cujos artigos 342 e 343 transcrevem-se a seguir:

Art. 342. Os processos findos, em materia criminal, poderão ser revistos em qualquer tempo, em beneficio dos condemnados, pelo Supremo Tribunal Federal para reformar ou confirmar a sentença. Nesta disposição tambem se comprehendem os processos militares.

Art. 343. Tem logar a revisão:

a) quando a sentença condemnatoria for contraria ao texto expresso da lei penal;

b) quando no processo, em que foi proferida a sentença condemnatoria, não se guardarem as formalidades substanciaes do processo;

c) quando a sentença condemnatoria tiver sido proferida por juiz incompetente, suspeito, peitado ou subornado, ou quando se fundar em depoimento, instrumento ou exame julgado falso;

d) quando a sentença condemnatoria estiver em formal contradicção com outra, na qual foram condemnados como autores do mesmo crime outros réos;

e) quando a sentença condemnatoria tiver sido proferida na supposição de homicidio, que posteriormente verificou-se não ser real, por estar viva a pessoa que era tida por assassinada;

f) quando a sentença condemnatoria for contraria á evidencia dos autos;

g) quando depois da sentença condemnatoria se descobrirem novas e irrecusaveis provas da innocencia do condemnado.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 dispôs a matéria em seu artigo 76, item 3, assim descrito:

Art 76 - A Corte Suprema compete: 

[...]

3) rever, em benefício dos condenados, nos casos e pela forma que a lei determinar, os processos findos em matéria criminal, inclusive os militares e eleitorais, a requerimento do réu, do Ministério Público ou de qualquer pessoa. 

[...]

A alteração que aqui se verifica, em relação à Constituição anterior, é a previsão da revisão, em favor do réu, tratando-se de matéria crime no âmbito eleitoral. Outrossim, ampliou-se a legitimidade para a ação do Procurador-Geral da República para o Ministério Público de forma geral.

Repare que as duas Constituições não trataram da forma e das hipóteses de cabimento da revisão criminal, reportando-se a lei ordinária. Até a entrada em vigor do Código de Processo Penal (Decreto número 3.689, de 3 de outubro de 1941), em 1º de janeiro de 1942, a ação de revisão somente poderia ser proposta naquelas hipóteses elencadas no Decreto número 3.084 de 1898 (diploma revogado pelo Decreto número 11, de 18 de janeiro de 1991). A partir da entrada em vigor do diploma processual, o instituto passou por este a ser disciplinado. Reporta-se o leitor ao capítulo anterior no que toca à revisão criminal no Código de Processo Penal de 1941.

Na Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, o instituto veio disposto no artigo 101, inciso IV, o qual descreve: “Art. 101. Ao Supremo Tribunal Federal compete: [...]; IV – rever, em benefício dos condenados, as suas decisões criminais em processos findos. [...]”.

Aqui, haja vista a disposição da revisão criminal no Código de Processo Penal de 1941 – até hoje vigente –, a Constituição limitou-se a dispor sobre o instituto referindo-se somente a revisão, em benefício do réu, das ações originárias de competência do STF. A atual Constituição seguiu uma linha muito parecida com esta.

A Constituição que se seguiu foi a de 1967, que, para alguns doutrinadores, ela e a de 1969 tratam-se apenas de uma Constituição; para outros, como Dirley da Cunha Júnior e José Afonso da Silva, teórica e tecnicamente, de duas constituições. Para o primeiro, a Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967, que entrou em vigor em 15 de março daquele ano, foi fruto de um governo arbitrário, explanando:

Ela foi uma Carta igualmente arbitrária, aproximando-se muito da Carta de 1937, cujos traços gerais absolveu. Cumpre sublinhar que, embora “promulgada” pelo Congresso Nacional, a Carta de 67 foi outorgada pelo Executivo através do Congresso, que só fez cumprir a vontade autoritária daquele poder.

[...]

A Constituição de 67, porém, teve duração efêmera. Logo no ano seguinte foi editado o Ato Institucional nº 05, de 13 de dezembro de 1968, que rompeu com a ordem constitucional, estabelecendo uma série de poderes discricionários para o Presidente da República, que expediu o Ato Complementar nº 38, de 13 de dezembro de 1968, decretando o recesso do Congresso Nacional. Em razão de problemas de saúde, o Presidente Costa e Silva foi afastado da presidência pelo Ato Institucional nº 12, de 31 de agosto de 1969, que atribuiu o exercício das funções presidenciais aos Ministros da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar. Reunidos sob forma de Junta Militar, os Ministros das três forças prepararam um novo texto constitucional, que foi outorgado, em 17 de outubro de 1969, como EC 01 à Constituição de 1967, que entrou em vigor em 30 de outubro de 1969. (CUNHA JÚNIOR, 2013, pp. 508-509, grifo do autor)

E conclui o autor: “A rigor, a chamada Emenda Constitucional nº 01, que pretendeu, com essa designação, ‘reformar’ a Constituição de 1967, impôs ao País, inegavelmente, uma nova Constituição” (CUNHA JÚNIOR, 2013, p. 509).

No mesmo sentido, José Afonso da Silva (1999) apud Cunha Júnior (2013, p. 509):

Teórica e tecnicamente, não se tratou de emenda, mas de nova constituição. A emenda só serviu como mecanismo de outorga, uma vez que verdadeiramente se promulgou texto integralmente reformulado, a começar pela denominação que se lhe deu: Constituição da República Federativa do Brasil, enquanto a de 1967 se chamava apenas Constituição do Brasil. (sic)

O certo é que os dois textos trataram da revisão criminal, entretanto, seguindo uma linha bastante parecida com a Carta de 1946, para somente atribuir a competência à Suprema Corte para o processo e julgamento de revisão criminal de seus próprios julgados. O texto constitucional de 1967 a dispôs no artigo 114, inciso I, alínea m, nos seguintes termos:

Art. 114 - Compete ao Supremo Tribunal Federal:      (Redação dada pelo Ato Institucional nº 6, de 1969)

I - processar e julgar originariamente:

[...];

 m) as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados;

[...].

E o texto constitucional de 1969, no artigo 119, inciso I, alínea m, nos exatos termos do anterior. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – Constituição vigente –, seguiu as duas anteriores, dispondo o instituto no artigo 102, inciso I, alínea j. Ou seja, as três últimas Constituições somente dispuseram sobre a revisão criminal no sentido de estabelecer a competência para o processo e julgamento da revisão dos julgados do STF a este próprio.

Todavia, a Constituição Federal de 1988, por força do disposto no artigo 5º, parágrafo 2º, traz uma novidade sobre a temática. Prescreve o dispositivo:

Art. 5º. [...]

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

O Brasil promulgou, por meio do Decreto número 678, de 06 de novembro de 1992, importante tratado de direitos humanos assinado em 22 de novembro de 1969, na cidade de San José, Capital da Costa Rica, conhecido por Pacto de San José da Costa Rica (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS, 1969), o qual foi ratificado pelo Brasil em 25 de setembro de 1992.

A convenção internacional, segundo informações constantes do sítio do STF (stf.jus.br), “procura consolidar entre os países americanos um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito aos direitos humanos essenciais, independentemente do país onde a pessoa resida ou tenha nascido”. Ainda conforme as informações do sítio, o Pacto, uma vez baseado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, compreende também, dessa maneira, ideais incorporados nesta, como ser humano livre, isento do temor e da miséria, bem como sob condições as quais lhe permitam gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, assim também dos direitos civis e políticos.

Em 2004, por meio da Emenda Constitucional número 45, que reformou o Poder Judiciário, foi acrescido ao artigo 5º da Constituição Federal o parágrafo 3º, o qual estabelece que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Diante da norma, pergunta-se: com que hierarquia normativa o Pacto de San José da Costa Rica, ratificado e promulgado pelo Brasil antes do advento do mencionado dispositivo constitucional, ingressou no ordenamento jurídico brasileiro?

Em 2008, o STF, no julgamento do Recurso Extraordinário número 349.703-1/RS, que envolvia prisão civil de depositário infiel, decidiu pela “supralegalidade” do Pacto de San José da Costa Rica, isto é, a Suprema Corte lhe conferiu caráter de norma “supralegal”, que significa abaixo das normas constitucionais e acima da legislação infraconstitucional. Desse modo, toda e qualquer legislação interna que seja incompatível com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos é inaplicável, inclusive preceito constitucional, como é o caso da própria previsão de prisão civil do depositário infiel (artigo 5º, inciso LXVII). Em decorrência, a Suprema Corte editou, em 16 de dezembro de 2009, a Súmula Vinculante número 25, a qual estabelece que é ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. A seguir, a ementa do acórdão relativo ao Recurso Extraordinário referido:

PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO INFIEL EM FACE DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INTERPRETAÇÃO DA PARTE FINAL DO INCISO LXVII DO ART. 5O DA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA DE 1988. POSIÇÃO HIERÁRQUICO-NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim ocorreu com o art. 1.287 do Código Civil de 1916 e com o Decreto-Lei n° 911/69, assim como em relação ao art. 652 do Novo Código Civil (Lei n° 10.406/2002). ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DECRETO-LEI N° 911/69. EQUIPAÇÃO DO DEVEDOR-FIDUCIANTE AO DEPOSITÁRIO. PRISÃO CIVIL DO DEVEDOR-FIDUCIANTE EM FACE DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. A prisão civil do devedor-fiduciante no âmbito do contrato de alienação fiduciária em garantia viola o princípio da proporcionalidade, visto que: a) o ordenamento jurídico prevê outros meios processuais-executórios postos à disposição do credor-fiduciário para a garantia do crédito, de forma que a prisão civil, como medida extrema de coerção do devedor inadimplente, não passa no exame da proporcionalidade como proibição de excesso, em sua tríplice configuração: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito; e b) o Decreto-Lei n° 911/69, ao instituir uma ficção jurídica, equiparando o devedor-fiduciante ao depositário, para todos os efeitos previstos nas leis civis e penais, criou uma figura atípica de depósito, transbordando os limites do conteúdo semântico da expressão "depositário infiel" insculpida no art. 5º, inciso LXVII, da Constituição e, dessa forma, desfigurando o instituto do depósito em sua conformação constitucional, o que perfaz a violação ao princípio da reserva legal proporcional. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
(RE 349703, Relator(a):  Min. CARLOS BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL-02363-04 PP-00675)

Assim, estando a Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica –, numa posição hierárquico-normativa singular no ordenamento jurídico brasileiro, afastando a aplicabilidade de toda e qualquer norma infraconstitucional, bem como de preceito constitucional, conflitante com seu texto, no que tange ao objeto de estudo deste trabalho, a Convenção estabelece, em seu artigo 8º, item 4: “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”.

Diante de uma leitura açodada do texto, ou melhor, de uma interpretação pouco dada às nuances de hermenêutica, dir-se-ia que a Convenção veda expressamente revisão criminal de sentença absolutória; e realmente veda, porém é perfeitamente cabível uma pergunta. Entretanto, antes desta, faz-se necessário abordar um tipo de revisão criminal de sentença absolutória chamada revisão criminal pro societate.

A revisão criminal pro societate, como a própria expressão em latim sugere, é um reexame do caso criminal em prol da sociedade e em detrimento do réu. No caso dos julgados absolutórios, é a revisão da sentença (transitada em julgado) em hipóteses, por exemplo, em que, para a absolvição, embasou-se numa falsa prova (depoimento, documento, perícia etc), ou até mesmo resultante de crime cometido pelo juiz ou tribunal que ditou a decisão a rever. Ou seja, a sentença, objeto desse tipo de revisão, também incorreu em erro judiciário.

Há doutrinadores que defendem a revisão criminal pro societate e outros há que a refutam. Assim, pela clareza da explanação e riqueza dos termos e argumentos, trazem-se à colação as posições de João Barbalho (1924) apud Mossin (1997, pp. 76-77) e de Frederico Marques (1965) apud Arruda (2003, p. 121). Explana o primeiro:

O erro judiciário tanto se pode verificar na condenação como na absolvição e – se no primeiro caso a reforma da sentença é um indispensável direito da inocência sacrificada e umas das mais imperiosas obrigações da justiça oficial, força será convir, quanto ao segundo, que esta está no seu direito se reconhecendo que tem escapado à merecida punição um criminoso, que o magistrado absolveu por falsa prova, reformar essa injusta absolvição. Justiça é, sim, mandar em paz o inocente perseguido, mas é também castigar o culpado reconhecido como tal. E se este em dados casos, previstos na lei, poderá ser isento de pena, não o deve, entretanto, ficar se iludiu a justiça ou se ela enganou-se ao absolvê-lo. A punição dos criminosos é condição da segurança geral e a autoridade pública trai a sua missão e compromete os mais altos interesses e deveres da sociedade, quando tem contemplações com o crime. Num caso, proclamado inocente o injustamente condenado, a sociedade o reabilita e paga-lhe uma dívida; no outro, fazendo recair a pena legal sobre o criminoso falsamente considerado inocente, a sociedade desafronta a justiça e defende outros inocentes, os demais membros da comunhão, que nela descansam, na confiança de serem protegidos contra os criminosos.

Frederico Marques (1965) apud Arruda (2003, p. 121), igualmente brilhante e de forma sintética, aduz: "... melhor atende aos interesses do bem comum a manutenção da sentença errada proferida em prol do réu do que a instabilidade e a insegurança às quais ficaria sujeito o réu absolvido, se o pronunciamento absolutório pudesse ser objeto de revisão".

Dessa forma, não adentrando no mérito da discussão, o certo é que muitas legislações alienígenas, em hipóteses delineadas em cada, admitem a revisão criminal pro societate de sentença absolutória. São exemplos: Alemanha, Áustria, Rússia, Portugal, a maioria dos Cantões suíços, os países escandinavos (Noruega, Dinamarca e Suécia), e na América do Sul, citam-se Colômbia e Equador. Na França, Espanha e Argentina, por exemplo, não se acolhe esse tipo de revisão criminal.

Nos Estados Unidos, o caso é um tanto peculiar, em razão de a quinta emenda à Constituição norte-americana estabelecer que “any person be subject for the same offence to be twince put in jeopardy of life or limb”. Arruda (2003, pp. 106-107), em tradução livre, “ninguém poderá pelo mesmo crime ser duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde”, afirma consubstanciar-se aí a cláusula do double jeopardy, enraizada no sistema de jurisprudência anglo-americano e que coíbe a subsunção a novo julgamento, pelo mesmo fato, de quem foi absolvido uma vez.

No entanto, como nos Estados Unidos um mesmo fato criminoso pode infringir leis federais e estaduais, este, na prática, sem embargo da cláusula do double jeopardy, pode ser objeto de reexame mesmo após o trânsito em julgado de uma sentença absolutória, bastando que os julgamentos sejam em sedes distintas. Esse é o entendimento da Suprema Corte norte-americana. Um caso concreto trazido por Arruda (2003, pp.107-108) ajuda a compreender a situação:

Em 1992, num caso de projeção nacional, quatro policiais de Los Angeles, mercê do cometimento de infração de trânsito, determinaram ao motorista afro-americano Rodney King que estacasse o veículo. Desobedecida a ordem, puseram-se a persegui-lo pelas ruas daquela cidade. Quando lograram pará-lo, espancaram-no com violência, cena filmada e televisada nacionalmente. O júri do Estado da Califórnia os absolveu, por considerar que o motorista ultrajara os policiais e que ele causara distúrbios em larga escala pela cidade. Sem embargo do decreto absolutório no Estado, o Governo Federal empunhou nova acusação, agora por ulceração aos direitos civis. Esgrimindo a garantia do double jeopardy e a Quinta Emenda, os réus tentaram obviar a acusação federal. Porém, a Corte Distrital dos Estados Unidos arredou a argumentação, entendendo não se cuidar de repetição ou imitação (“cover”) da primitiva persecução. Em abril de 1993, submetidos a novo julgamento perante a Corte Federal, dois dos quatro policiais foram condenados (United States v. Koon, 9th Cir. 1994). (grifo do autor)

Conclui Arruda (2003, p. 108) dizendo: "Lá, portanto, a conduta ensejadora de absolvição é suscetível de, noutra jurisdição e sob capitulação jurídica diversa, novo julgamento, donde pode advir condenação. Desenganadamente, o fato, em si, é reexaminado".

Já na Itália, não obstante, por tradição, nunca se ter tolerado o reexame dos julgados absolutórios, de acordo com Arruda (2003, p. 111), o artigo 69 do vigente Código de Processo Penal daquela nação prescreve a admissibilidade de ação penal, contra a mesma pessoa e pelo mesmo fato, quando, depois da decisão extintiva de punibilidade, em razão de morte, constatar-se a falsidade do passamento. Para Manzini (1951) apud Arruda (2003, p. 111), a sentença, na espécie, é reputada inexistente; assim, por conseguinte, é viável o prosseguimento do processo. Já para Arruda (2013, p. 112), o caso é mesmo de revisão pro societate.

No Brasil, foi visto que, desde o Decreto número 848 de 1890, não se permite revisão criminal de sentença absolutória, e mais recentemente, em virtude do Pacto de San José da Costa Rica, ratificado e promulgado pelo Brasil em 1992, em princípio, não haveria possibilidade de norma válida, no ordenamento jurídico brasileiro, permissiva de tal revisão. Entretanto, faz-se agora a pergunta induzida algumas linhas atrás: os diplomas legais, desde o Decreto número 848 de 1890, que não previram hipótese de revisão criminal de sentença absolutória, bem assim o artigo 8º, item 4, do Pacto de San José da Costa Rica, que estabelece que o acusado absolvido por sentença transitada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos, estão a vedar todo e qualquer tipo de revisão criminal de sentença absolutória, ou um tipo específico, qual seja, a revisão criminal pro societate?

Antes da análise da indagação feita, é sugestivo perguntar se toda revisão criminal de sentença absolutória seria pro societate, ou não, haveria hipótese de, revendo um decreto absolutório, o julgamento ser em benefício do réu. Pois bem, a seguir é apresenta uma hipótese em que se utilizando do instituto jurídico-processual da revisão criminal, em a ação sendo julgada procedente, a revisio seria pro reo, isto é, a favor do réu.

 

3.2   REVISÃO CRIMINAL DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA COMO INSTRUMENTO JURÍDICO-PROCESSUAL EM BENEFÍCIO DO RÉU

 

Antes de se falar da hipótese em que, utilizando-se do instituto da revisão criminal para desconstituir sentença absolutória, o julgado ser a favor do réu, apresenta-se, primeiramente, as causas que podem ensejar um decreto absolutório.

Uma sentença penal absolutória, a que rechaça a pretensão punitiva do Estado, dá-se em razão de uma das causas elencadas nos incisos do artigo 386 do CPP, a seguir descritos:

Art. 386.  O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

I - estar provada a inexistência do fato;

II - não haver prova da existência do fato;

III - não constituir o fato infração penal;

IV –  estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;

V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;

VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1o do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência; 

VII – não existir prova suficiente para a condenação.

Todavia, a depender em que causa se fundamentou a sentença absolutória, seus efeitos são diversos, notadamente nas esferas cível e administrativa.

De acordo com Tourinho Filho (2013, p. 262), “em regra, quando alguém transgride a norma penal, surgem duas pretensões: a civil, objetivando a satisfação do dano, e a penal, que enseja a ação penal”. Diz-se em regra porque há infrações penais que originam somente a última, como no exemplo trazido pelo autor, na hipótese de alguém estar fazendo uso de tóxico ou mesmo traficando.

A ação civil, que visa à satisfação de danos produzidos pela infração penal, é denominada actio civilis ex delicto, haja vista, justamente, sua causa de pedir decorrer do fato criminoso. Essa ação pode ser proposta mesmo diante de uma sentença penal absolutória, o que ficará a depender do fundamento da absolvição. Ou seja, o réu, ainda que absolvido na esfera penal, poderá vir a ser condenado, na esfera cível, a indenizar a vítima da infração penal cometida.

São causas elencadas nos incisos do artigo anteriormente transcrito que obstam a propositura da ação civil ex delicto: a) a inexistência do fato (inciso I), incidindo, nesse caso, o disposto no artigo 66 do CPP; b) o réu não ter concorrido para a infração penal (inciso IV). A decisão absolutória com base em um desses incisos faz coisa julgada na esfera cível, não cabendo mais discussão do caso noutra seara do Direito. E as razões são muito lógicas, como bem explana Lopes Júnior (2014, pp. 437,438):

“... um fato (fato natural, não o fato jurídico) não pode, categoricamente, não existir e existir ao mesmo tempo. Logo, a afirmação de sua inexistência produz coisa julgada na esfera cível para não permitir mais a discussão sobre isso. A busca aqui é pela coerência, lógica e credibilidade do sistema jurídico, impedindo decisões com tamanha contrariedade.

[...]

Trata-se, entre outros, de um argumento de lógica jurídica e credibilidade das decisões judiciais: como alguém pode não ser – categoricamente – o autor de um fato para o juiz penal e, na esfera cível, ser considerado o autor (do mesmo fato)?

Quando a absolvição é com base no inciso VI, em regra, é incabível a propositura de ação indenizatória na esfera cível, em virtude do disposto no artigo 65 do CPP. Entretanto, a regra possui duas exceções: o estado de necessidade agressivo e a legitima defesa real; nesta última, ocorrendo erro na execução (aberratio ictus). Lopes Júnior (2014, p. 439), exemplifica as duas hipóteses:

a) estado de necessidade agressivo (arts. 929 e 930 do CCB): trata-se de uma situação de perigo, em que é sacrificado o bem de um terceiro, diverso daquele causador do perigo. Como exemplo de estado de necessidade agressivo, podemos pensar numa situação em que “A”, para defender-se de uma situação de perigo causada por “B”, acaba sacrificando um bem de “C”. Logo, poderá ser absolvido no processo penal e condenado na esfera cível (ação de indenização), tendo, porém, direito regressivo contra “B”;

b) legítima defesa real e aberratio ictus (art. 73 do CP). É o caso em que “A” agride injustamente “B”, que para se defender atira e vem a ferir “C”. Nesse caso “B” poderá ser absolvido na esfera penal, mas isso não impede a ação indenizatória a ser ajuizada por “C”, cabendo, em caso de condenação, direito de regresso contra “A”. (grifo do autor)

Dessa maneira, quando o réu é absolvido com base nos incisos II, V ou VII, quando imperativo a observância do princípio do in dubio pro reo, a decisão penal não faz coisa julgada noutra seara do Direito, e a pretensão indenizatória pode, nesse caso, ser postulada no juízo cível. Da mesma forma, quando a absolvição se dá com supedâneo em um desses incisos, a decisão penal não faz coisa julgada na esfera administrativa (somente o faz nos casos prescritos no artigo 126 da Lei número 8.112/1990), podendo a Administração Pública instaurar, ou dar continuidade, a procedimento administrativo, por exemplo, um processo administrativo disciplinar, com o fito de apurar e punir o servidor público que cometeu o ilícito penal e administrativo (a punição diz respeito a sanções de caráter administrativo, como demissão, destituição de cargo em comissão etc.).

Ao lado dessas implicâncias extrapenais, decorrentes da absolvição com arrimo nos incisos II, V ou VII (in dubio pro reo), existe uma outra que se pode dizer até de maior gravidade que as duas anteriores, qual seja, a estigmatização da pessoa no que se refere ao seu estado de dignidade (status dignitatis), em razão de ter respondido a um processo criminal no qual, se não havia provas suficientes para um decreto condenatório, provando-se culpado, pois, o réu; não havia, também, provas carreadas aos autos a demonstrar a sua inocência.

Assim, o simples fato de a pessoa responder a um processo criminal gera, em regra, depreciação considerável em sua imagem perante a sociedade, com repercussões diretas em seu estado de dignidade, mesmo no caso de absolvição, ressalvadas as hipóteses de inexistência do fato, não ser o réu o autor ou partícipe da infração penal, não constituir o fato infração penal, ou presente uma causa excludente da ilicitude.

Explanadas as implicâncias jurídicas e morais decorrentes de absolvição com fundamento nos incisos II, V ou VII do artigo 386 do CPP, indaga-se o que o réu poderia fazer em face de novas provas críveis hábeis a demonstrar, por exemplo, que o réu não foi o autor da infração penal ou que ele agiu amparado por uma excludente de ilicitude com condão de sustar a ação civil ex delicto e/ou o procedimento administrativo?

Desdobrando a hipótese em dois momentos distintos – antes do trânsito em julgado da sentença absolutória e após seu trânsito em julgado –, as respostam são opostas. Antes, o réu dispõe de meios jurídico-processuais a serem usados com o fito de mudar o fundamento da sentença. E após o trânsito em julgado do decreto absolutório? Nesse caso, a resposta é negativa. Na atual conjuntura do ordenamento jurídico brasileiro, não há nenhum instituto hábil a desconstituir a sentença absolutória, com transito em julgado, para mudar o seu fundamento, mesmo diante da superveniência de novas provas, como as mencionadas anteriormente.  No entanto, isso se dá muito em razão da visão unifocal que se tem do instituto da revisão criminal, quando pensada em relação a sentenças absolutórias, em virtude do princípio da coisa soberanamente julgada, e, por conseguinte, da regra da segurança jurídica, ambos com sede constitucional.

Em processos em geral, e aqui se refere especialmente ao processo penal, após o juiz prolatar a sentença, as partes da lide têm a possibilidade de recorrer da decisão, caso não se conformem com ela. Diz-se, em termos técnicos, impugnação da decisão, e uma outra instância, em regra, um outro órgão jurisdicional, fará um reexame da matéria, cujo julgamento poderá ser no mesmo sentido da decisão de primeira instância ou noutro sentido. Entretanto, chegará um momento em que todas as instâncias se esgotaram e aquela decisão, objeto de inconformismo para umas das partes, ou para ambas, não mais poderá ser atacada. Não poderá ser igualmente impugnada aquela se as partes deixarem precluir os prazos para a interposição dos recursos. A decisão, diz-se aí, transitada em julgado. Nas palavras de Tourinho Filho (2013, p. 979):

O ato jurisdicional torna-se irrecorrível, e a sentença, justa ou injusta, é considerada inatacável e irrevogável. Torna-se ela, então, inimpugnável (coisa julgada formal), impedindo, também, que em outro qualquer juízo se instaure outro processo sobre o mesmo litígio (coisa julgada material).

A decisão, dessa forma, fica protegida pela coisa julgada, isto é, aquela não mais poderá ser reexaminada no mesmo processo, nem o mesmo litígio, entre as mesmas partes, poderá ser renovado em qualquer outro juízo. Tratando-se de sentença absolutória, fala-se em coisa soberanamente julgada. Todavia, malgrado a coisa julgada, esclarece Tourinho Filho (2013, p. 865) que, quando se tratar de sentença condenatória transitada em julgado, esta não é intangível, inalterável, haja vista poder ser objeto de habeas corpus ou revisão criminal, e, por meio dessas ações, ser a mesma desconstituída. Sendo absolutória a sentença, ela é, nos termos do autor, “absolutamente inimpugnável”, após seu trânsito em julgado, isto é, o ordenamento não prevê nenhum instituto hábil a rasgar o selo de intangibilidade de uma sentença absolutória, seja em que hipótese for.

Sobre o fundamento político da coisa julgada, Tourinho Filho (2013, p. 866) diz que este descansa na necessidade da paz social, com a consequente manutenção e segurança jurídicas.  Para Lopes Júnior (2014, p. 1146), a coisa julgada “é uma garantia individual, prevista no art. 5º, XXXVI, da Constituição, estabelecida para assegurar o ne bis in idem, ou seja, a garantia de que ninguém será julgado novamente pelo mesmo fato”. E, na página seguinte, o autor complementa afirmando que, no processo penal, a coisa julgada está posta a serviço do réu, sendo, portanto, uma garantia do cidadão submetido ao processo penal.

Do explanado pelos dois autores, depreende-se que a coisa soberanamente julgada é uma construção do Direito em benefício do réu, que, por conseguinte, desemboca e mantém a segurança jurídica no que tange aos julgados absolutórios, evitando-se, assim, que o absolvido por sentença transitada em julgado seja submetido a novo julgamento pelo mesmo fato.

Todavia, não permitir a relativização da coisa soberanamente julgada em prol da manutenção da segurança jurídica, independentemente de qual hipótese for, seria algo posto a favor do réu ou constituiria um impedimento de ordem constitucional de melhoramento de sua situação processual?

Viu-se, até o momento, uma hipótese em que se admitindo a relativização da coisa soberanamente julgada, para um novo exame da matéria criminal, o julgado ser a favor do réu. Trata-se, como dito, de reexame de sentença absolutória, transitada em julgado, prolatada com supedâneo nos incisos II, V ou VII do artigo 386 do CPP, em face da superveniência de novas provas com condão de mudar o fundamento da sentença para os incisos I, IV ou VI do mesmo artigo, e, desse modo, obstar implicâncias extrapenais para o réu e, principalmente, restaurar o seu estado de dignidade.

Assim, diante do problema levantado, analisar-se-á, no próximo capítulo, a viabilidade teórica, à luz da Constituição Federal, de utilização do instituto da revisão criminal como meio hábil a desconstituir, em prol do réu, a sentença absolutória transitada em julgado. 

 

4       REVISÃO CRIMINAL PRO REO DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DESDOBRAMENTOS

 

Foi visto no capítulo anterior que o Pacto de San José da Costa Rica, em seu artigo 8º, item 4, veda expressamente revisão criminal de sentença absolutória ao dispor: “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”. Entretanto, toda e qualquer norma jurídica não deve ser lida, menos ainda aplicada à espécie, prescindindo-se de interpretação.

Um tipo de revisão criminal que resta claro e evidente que essa norma supralegal abarca é a revisão criminal pro societate (explicada anteriormente). Esse tipo de revisão criminal, além de encontrar embargo na norma supralegal, o que, por si só, constitui óbice, por se tratar de norma de caráter internacional incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro com respaldo constitucional, verifica-se que a norma está plenamente em consonância com o próprio princípio da coisa julgada, que, na seara penal, está posta em benefício do réu, bem assim da regra da segurança jurídica.

Nesse viés, traduz-se, dessa forma, a norma: uma vez transitada em julgado a sentença penal absolutória, não mais se permite, em hipótese alguma, a reabertura do processo para nova análise do fato.

Todavia, disse-se que toda e qualquer norma jurídica não deve ser lida, ou aplicada à espécie, prescindindo-se de interpretação. Nesse sentido, resta analisar se a citada norma do Pacto de San José da Costa Rica veda a revisão criminal de sentença absolutória quando a mesma é proposta com o fito de beneficiar o réu, como na hipótese levantada neste trabalho. Para tanto, passa-se a explanar sobre qual interpretação deve-se fazer do texto da lei, se a revisão criminal proposta encontra verdadeiro embargo no princípio da coisa soberanamente julgada e na regra da segurança jurídica, e quais princípios e regras constitucionais podem respaldar a reabertura do processo em que se busca a rescisão do julgado absolutório, quando em benefício do réu.

Não obstante, uma vez prolatada a sentença penal, preclusas as vias impugnativas, seja por se ter percorrido todas as instâncias, seja por escoado o prazo legal para a interposição do recurso adequado, ela ficar acobertada pela autoridade da coisa julgada, a sua intangibilidade não é absoluta. No caso de sentença penal condenatória transitada em julgado eivada de erro judiciário, nas hipóteses do artigo 621 do CPP, ela pode ser objeto de revisão criminal, não se permitindo, porém, em hipótese alguma, agravamento da situação do réu em decorrência do julgado da ação rescindenda. Essa relativização da coisa julgada é, pois, somente em benefício do réu.

No que tange à sentença penal absolutória, uma vez transitada em julgado, diz-se que ela está acobertada pela coisa soberanamente julgada, e, em decorrência, ela é absolutamente inimpugnável. O ordenamento jurídico brasileiro não prevê nenhuma hipótese de rescisão de seu julgado.

Lopes Júnior (2014, p. 1147) aduz que a coisa julgada atua em uma dupla dimensão: uma constitucional, como garantia individual, e outra processual, preclusão e imutabilidade da decisão. Que, em qualquer dessas, no processo penal, “a coisa julgada está posta a serviço do réu, ou seja, uma garantia do cidadão submetido ao processo penal”, diz o autor. E completa:

Portanto, sublinhe-se: qualquer mitigação dos efeitos da coisa julgada somente poder ser feita em favor da defesa. Por isso, somente a sentença absolutória faz coisa “soberanamente” julgada, na medida em que a sentença condenatória pode ser, a qualquer momento, revista, através da revisão criminal. (LOPES JÚNIOR, 2014, p. 1147)

Infere-se do posicionamento do autor que, se a coisa julgada (“uma garantia do cidadão submetida ao processo penal”) é relativizada, no caso de sentença condenatória, para favorecer o réu, e que é absolutamente inadmissível a sua relativização referente à sentença absolutória, parte-se do pressuposto que a rescisão do decreto absolutório somente seria contemplado com vista a prejudicar o réu, o que constitui uma visão unifocal da hipótese.

A coisa julgada, como “construção artificial do Direito”, nos termos de Lopes Júnior (2014, p. 1147), é essencial para manutenção e segurança jurídicas, tendo seu fundamento político, segundo Tourinho Filho (2013, p. 866), na necessidade da paz social, e, segundo Rangel (2012, p. 114), “na necessidade de aplicar e assegurar a ordem jurídica estabelecida pelas leis do Estado, sempre como instrumento de garantia do indivíduo”. Ambos os autores convergem, tanto o é que só se admite a relativização da coisa julgada quando operada pro reo, o que, hoje, só é previsto em se tratando de sentença penal condenatória.

Nesse sentido, a coisa soberanamente julgada, ao constituir impedimento à rescisão da sentença absolutória operada pro societate, está plenamente em sintonia com a finalidade para a qual foi criada, manter a segurança jurídica, com a estabilidade dos julgados. Entretanto, opor a mesma intransponibilidade à rescisão do decreto absolutório operada pro reo, é tratar situações idênticas de maneiras diversas. Diz um brocardo latino bem conhecido “ubi eadem ratio ibi idem jus” (onde há a mesma razão, deve haver o mesmo direito).

Se a coisa julgada está posta a serviço do réu, se ela constitui uma garantia fundamental do cidadão submetido ao processo penal, que evita que o réu responda a novo processo pelo mesmo fato já analisado em outro cuja decisão transitou em julgado, aquela não pode constituir entrave para melhoramento de sua situação processual, tanto é assim que a coisa julgada é relativizada, por norma expressa, no caso de sentença penal condenatória (para beneficiar o réu), sem que isso constitua ofensa à regra da segurança jurídica, que tem abrigo constitucional (artigo 5º, inciso XXXVI), e constitui, igualmente, garantia do réu no âmbito do processo penal.

Estabelece o preceito constitucional que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Algo somente é prejudicado se, uma vez alterado, decorrer-lhe algum gravame. Nessa linha, lei não pode prevê hipótese de rescisão de sentença transitada em julgado com o fito de prejudicar o réu, sob pena de conflitar com a norma constitucional e, por conseguinte, ser declarada inválida. Diga-se, outrossim, que a lei violaria a própria garantia fundamental da coisa julgada, que tem a mesma sede constitucional e protegida pela cláusula pétrea (artigo 60, parágrafo 4º), irremovível, inclusive, por emenda constitucional.

A segurança jurídica, como umas das expressões máximas do Estado de Direito, para Rangel (2012, p. 15), consiste:

No conjunto de condições que torna possível às pessoas o conhecimento prévio e reflexivo das consequências diretas e imediatas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida, criando para elas uma relativa certeza de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída por outra.

Assim, por intelecção, induz-se que a segurança jurídica, dito de maneira simples, consiste em não se admitir que norma posterior, de alguma forma, agrave situação já decida por norma anterior.

Nesse viés, a lei penal que prevê hipótese de rescisão do julgado em benefício do réu, como nas hipóteses hoje admitidas, não conflita com o mandamento constitucional da segurança jurídica, pois não ofende a coisa julgada, nem decorre instabilidade ou insegurança na ordem jurídica, ou intranquilidade no seio social.

Nem se diga que, por a garantia da coisa julgada estar protegida pela cláusula pétrea e a revisão criminal, de acordo com Rangel (2012, p. 128), ser a extensão dessa garantia, não haveria possibilidade de alteração do regramento da ação rescindenda para abarcar sentenças absolutórias. O legislador constituinte derivado ordinário somente é impedido de diminuir o alcance do preceito constitucional, o que verificar-se-ia na hipótese de previsão de revisão criminal de sentença absolutória pro societate. Entretanto, está aquele apto a alargar a proteção do preceito, o que dar-se-ia tanto com a previsão de mais hipóteses contemplativas de revisão criminal de sentença condenatória, quanto com a previsão de revisão de sentença absolutória, quando a favor do réu (revisão pro reo). No tocante, manifesta Rangel (2012, p. 129): "O caso julgado, em sendo direito fundamental do indivíduo, com patamar constitucional, não pode ter seu alcance diminuído ou suprimido e, consequentemente, sua garantia que é a revisão criminal somente poderá sê-lo em favor do condenado".

A passagem ficaria mais completa se substituída a última palavra, condenado, por réu; pois, assim, não se ficaria limitado à visão unifocal que a revisão criminal de sentença absolutória só é pensada para prejudicar o réu.

Pelo exposto até o momento, mostrado que a revisão criminal de sentença absolutória pro societate encontra vedação expressa na norma supralegal do Pacto de San José da Costa Rica, bem assim, em virtude do princípio da coisa julgada e da regra da segurança jurídica, ambos com sede constitucional, o que, na esteira de Rangel (2012, p. 130), estando a lei ordinária adstrita ao que estabelece a Constituição, razão pela qual, hodiernamente, não se poderá adotar a revisão criminal pro societate porque não foi essa a ideia do legislador constituinte de 1988, havendo, inclusive, limitação material ao poder reformador, não podendo ser alterada por emenda à Constituição, uma vez tratar-se de garantia fundamental do cidadão protegida pela cláusula pétrea (artigo 5º, inciso XXXVI, combinado com o artigo 60, parágrafo 4º), focar-se-á, a partir de agora, somente no outro lado da moeda, qual seja, na revisão criminal de sentença absolutória pro reo. Para tanto, antes, algumas palavras sobre uma garantia constitucional, por ser de importância para o entendimento da questão, no trabalho, versada.

Àquele a quem o Estado-administração iniciou a persecução penal, em virtude de uma eventual infração penal, deve-lhe ser assegurado a garantia do devido processo legal para que possa, formada sua culpa, o Estado-juiz lhe infligir a pena correspondente.

O postulado tem suas raízes na Idade Média, especificamente na Inglaterra durante o reinado do monarca João Sem Terra (limiar do século XIII). Inserido na Magna Carta inglesa, conforme Rangel (2012, p. 18), para assegurar aos homens livres (os barões e os proprietários de terra) a inviolabilidade dos seus direitos, como vida, liberdade e propriedade, que somente poderiam ser suprimidos pela lei da terra (per legem terrae), e concebido para limitar as ações reais, “tornou-se a suprema garantia das liberdades fundamentais do cidadão, e da sociedade de um modo geral, em face do Poder Público”.

Ainda segundo o autor, a expressão due process of law, como o instituto é conhecido no direito inglês, apareceu pela primeira vez numa emenda à Constituição americana tempos depois. A expressão utilizada na Magna Carta inglesa foi redigida em latim, idioma oficial da época, per legem terrae (artigo 39 da Magna Carta), pois, sendo criado por pressão dos barões feudais e proprietários de terra, para servir de garantia para estes próprios, “a idéia de se redigir em latim era para que o povo não entendesse nada mesmo”, diz Rangel (2012, p. 19), o qual afirma que o instituto tem previsão em todas as constituições democráticas do mundo.

Para efeito de registro, a Carta inglesa, de acordo com Tourinho Filho (2013, p. 70), foi promulgada em 1215, reeditada em 1225, e teve a primeira versão em inglês em 1354, já com a expressão due process of law.

O postulado está previsto na Constituição Federal no artigo 5º, inciso LIV, o qual estabelece: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

Assim, pode se dizer que o devido processo legal trata-se de uma garantia fundamental do cidadão de que não haverá privação ou restrição em sua liberdade, da mesma forma de seus bens, por parte do Estado, sem que para isso deva este respeitar todas as formalidades dispostas em lei.

No âmbito penal, Rangel (2012, p. 20) assevera:

O devido processo penal traz em seu bojo a segurança que todo cidadão tem de que, ante a eventualidade de sofrer uma penalidade, necessária se faz a existência de um processo regular, isto é, processo instaurado nos exatos limites da lei constitucional. Não há a menor possibilidade de se proferir um decreto constritivo da liberdade senão através de um regular processo. O processo passa a ter um valor instrumental em si mesmo, já que a pena, ou a privação preventiva da liberdade, não poderá ser imposta, senão através dele.

Dessa maneira, percebe-se, facilmente, tratar-se de uma garantia dada ao cidadão frente ao Estado, que só poderá privá-lo de sua liberdade, ou de seus bens, através de processo desenvolvido regularmente segundo a lei.

Muitos doutrinadores de renome erigem o instituto do devido processo legal a categoria de princípio. Entretanto, para Robert Alexy (2008) apud Rangel (2012, p. 20), o devido processo legal:

Trata-se de uma regra e não de um princípio, isto é, ou se faz da forma que a Constituição diz para ser feito ou violado estará o mandamento constitucional. Ou se respeita o devido processo legal para que possa privar alguém da liberdade ou dos seus bens ou não se poderá privar quem quer que seja. Trata-se de um mandamento, de uma ordem expressa.

Sobre a diferencia entre norma-regra e norma-princípio, Robert Alexy (2008) apud Rangel (2012, p. 10) preleciona:

Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas.

Já as regras são normas que são sempre ou satisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais nem menos. Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma regra ou um princípio.

Sendo norma-regra ou norma-princípio, o devido processo legal abarca outros princípios e/ou regras, direitos e garantias constitucionais, como presunção de inocência, juiz natural, ampla defesa, contraditório, juiz natural, imparcialidade do julgador, proibição de reforma para pior (reformatio in pejus), respeito à coisa julgada (ne bis in idem), dignidade humana, entre outros. Desses, já feita a exposição em torno da coisa julgada, agora se traz ao cerne do trabalho, por transcender as linhas demarcatórias do processo penal e irradiar-se por todo o sistema jurídico, bem assim ser inerente aos motivos da revisão criminal, a dignidade (da pessoa) humana.

Entretanto, abordar o tema da dignidade da pessoa não é das tarefas mais fáceis, ao contrário, parece ser uma das mais árduas, não à toa, diz Sarlet (2015, p. 48) sobre a dificuldade de abordagem de seu significado e conteúdo:

Não há como negar, de outra parte, que uma conceituação clara do que efetivamente seja esta dignidade, inclusive para efeitos de definição do seu âmbito de proteção como norma jurídica fundamental, revela-se no mínimo difícil de ser obtida, isso sem falar na questionável (e questionada) viabilidade de se alcançar algum conceito satisfatório do que, afinal de contas, é e significa a dignidade da pessoa humana hoje.

Na mesma linha, José de Melo Alexandrino (2008) apud Sarlet (2015, p. 49): “O princípio da dignidade da pessoa humana parece pertencer àquele lote de realidades particularmente avessas à claridade, chegando a dar a impressão de se obscurecer na razão directa do esforço despendido para o clarificar”. E completa o último: “Com efeito, não é à toa que já se afirmou até mesmo ser mais fácil desvendar e dizer o que a dignidade não é do que expressar o que ela é” (SARLET, 2015, pp. 49-50).

Nessa linha bem sugestiva, qual seja, de explorar a periferia da dignidade humana, sem ir diretamente ao seu centro, Sarlet (2015, p. 51) nos traz informações essenciais sobre a mesma, dizendo:

A dignidade, como qualidade intrínseca da pessoa humana, é irrenunciável e inalienável, constituindo elemento que qualifica o ser humano como tal e dele não pode ser destacado, de tal sorte que não se pode cogitar na possibilidade de determinada pessoa ser titular de uma pretensão a que lhe seja concedida a dignidade. Nessa trilha, compreendida como qualidade integrante e irrenunciável da própria condição humana, a dignidade pode (e deve) ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida, não podendo, contudo (no sentido ora empregado) ser criada, concedida ou retirada (embora possa ser violada), já que reconhecida e atribuída a cada ser humano como algo que lhe é inerente.

Observe dessa passagem de Sarlet a essência das linhas externas da dignidade humana, ela é uma qualidade intrínseca da pessoa, irrenunciável e inalienável, que deve ser reconhecida, respeitada, promovida e protegida.

Na trilha para uma definição da dignidade humana, Sarlet (2015, pp. 67-68) assevera:

Reduzir a uma fórmula abstrata e genérica tudo aquilo que constitui o conteúdo da dignidade da pessoa humana, em outras palavras, a definição do seu âmbito de proteção ou de incidência (em se considerando sua condição de norma jurídica), não parece ser possível, o que, por sua vez, não significa que não se possa ou deva buscar uma definição, que, todavia, acabará alcançando pleno sentido e operacionalidade em face do caso concreto. Com efeito, para além dos aspectos ventilados, a busca de uma definição necessariamente aberta mas minimamente objetiva impõe-se justamente em face da exigência de um certo grau de segurança e estabilidade jurídica, bem como para evitar que a dignidade continue a justificar o seu contrário.

Dessa maneira, Sarlet, não tendo a pretensão de chegar a uma definição inquestionável, haja vista o próprio ser ciente da dificuldade de se propor um simples conceito, e aduzindo que definir dignidade é sempre de algum modo lhe impor limites, assim a define, com a ressalva de ser uma proposta em processo de reconstrução:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida. (SARLET, 2015, pp. 70-71, grifo do autor).

Para um melhor esclarecimento do conceito dado de dignidade humana, colaciona-se outra passagem do autor, a qual ajuda a entender a definição. Diz Sarlet (2015, p. 69):

O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física e moral do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde não houver limitação do poder, enfim, onde a liberdade e a autonomia, a igualdade (em direitos e dignidade) e os direitos fundamentais não forem reconhecidos e minimamente assegurados, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana, e esta (a pessoa), por sua vez, poderá não passar de mero objeto de arbítrio e injustiças.

Percebe-se, pois, que a dignidade humana não reclama somente um conjunto mínimo de direitos e garantias positivados com o intuito de assegurar à pessoa condições mínimas existenciais para desenvolver e manter uma vida saudável, exige-se, antes, ações positivas, e outras negativas, por parte do Estado para lhe assegurar esse mínimo existencial. E com vista ao trabalho, frise-se: respeito à integridade moral do cidadão.

Explanada a definição da dignidade humana, centra-se agora na discussão sobre a sua natureza (princípio ou regra).

A norma da dignidade humana está prevista na Constituição Federal no artigo 1º, inciso III. Sobre a localização da norma no texto constitucional afirma Sarlet (2015, p. 79): “O constituinte de 1988 preferiu não incluir a dignidade da pessoa humana no rol dos direitos e garantias fundamentais, guinando-a, pela primeira vez [...] à condição de princípio (e valor) fundamental”. E, em outra passagem, aduz: “Antes de assumir a forma (jurídico-normativa) de princípio e/ou regra, a dignidade da pessoa humana assume a condição de valor superior (e fundamental) da ordem jurídica brasileira” (SARLET, 2015, pp. 82-83).

Do exposto por Sarlet, percebe-se, assim, que tão intensa é a densidade jurídica da dignidade humana, no sistema jurídico como um todo, que não são poucos os que afirmam que esse princípio e/ou regra está no topo da hierarquia das normas. Entretanto, essa posição não é a corroborada por Sarlet (2015, p. 111), que diz:

A despeito de a dignidade da pessoa humana integrar o seleto elenco dos valores superiores e dos princípios fundamentais de nossa ordem constitucional, com isso não se lhe está a atribuir uma posição hierárquica superior (e absolutamente preferente) do ponto de vista jurídico-formal.

Esse é o mesmo pensamento de Barroso (2014, pp. 64, 66-67), ao afirmar:

A dignidade humana [...] é um valor fundamental, mas não deve ser tomada como absoluta. [...] como regra geral, no direito não há espaço para absolutos. Embora seja razoável afirmar que a dignidade humana normalmente deve prevalecer, existem situações inevitáveis em que ela terá de ceder, ao menos parcialmente. [...] o que pode ser dito é que a dignidade humana, como um princípio e valor fundamental, deve ter precedência na maior parte dos casos, mas não necessariamente em todos.

Para Robert Alexy (1997) apud Sarlet (2015, p. 85) a dignidade humana também não tem caráter absoluto, e somente a título de conhecimento, pois os limites do trabalho não comporta debruçar-se sobre a temática tratada em sua obra Teoria dos Direitos Fundamentais, para aquele a dignidade humana apresenta uma dupla dimensão, ou estrutura, no que se refere ao tipo de sua norma-jurídica: dimensão de princípio e regra. Todavia, para este trabalho, adotar-se-á a posição da maioria dos doutrinadores, reconhecendo a norma da dignidade humana como princípio.

Foi tido linhas atrás que a dignidade humana é inerente aos motivos da revisão criminal, isto é, que aquela está como que ligada umbilicalmente a esta, justamente pelo fato de que a finalidade precípua da revisão é restaurar o estado de dignidade do réu, se é que restaurar é possível, mas pelo menos amenizar o gravame provocado pela sentença eivada por um erro judiciário. Nesse sentido, são as lições de Tourinho Filho e de Rangel:

A finalidade da revisão não é apenas evitar o cumprimento de uma pena imposta injustamente, mas, precipuamente, a de corrigir uma injustiça, restaurando-se, assim, com a rescisão do julgado, o status dignitatis do condenado. (TOURINHO FILHO, 2013, p. 980, grifo do autor)

A revisão criminal é o instrumento colocado à disposição do indivíduo para que ele possa resgatar seu status dignitatis, ou seja, sua dignidade enquanto pessoa. Assim, vivendo em um Estado Democrático de Direito, o indivíduo somente poderá perder a sua liberdade se forem respeitados todos os procedimentos previstos em lei, sob pena de não lhe garantirmos um princípio constitucional fundamental: o princípio da dignidade da pessoa humana.

Assim, o objeto da revisão criminal é exatamente a dignidade do indivíduo que, se atacada por um erro judiciário, deve ser restabelecida. (RANGEL, 2015, p. 1094, grifo do autor)

Embora as explanações tenham como plano de fundo a violação da dignidade humana decorrente da não observância do devido processo legal, notadamente de erro judiciário incurso numa sentença condenatória, não resta dúvida que, no caso de sentença absolutória prolatada com fundamento no princípio do in dubio pro reo, também há violação da dignidade humana, pelo menos para os cidadãos de bem, haja vista, como já dito, se, nos autos do processo criminal, não havia provas suficientes para a formação da culpa do réu, culminando, por conseguinte, no decreto condenatório, também não havia provas a evidenciar sua inocência, o que resulta, em regra, na desconfiança, por parte da sociedade, da inocência daquele. Não à toa que Rangel (2012, p. 27), referindo-se ao processo penal, disse que este, por si só, já se constitui numa cerimônia fúnebre.

Assim, o princípio da dignidade humana pode e deve ser usado como fundamento para desconstituição de sentença absolutória ante a superveniência de novas provas críveis a demonstrar a inexistência do fato (ou pelo menos que crime não houve) ou que não foi o réu o seu autor ou dele participou, possibilitando, dessa forma, a alteração do fundamento da sentença, devolvendo-lhe o seu status dignitatis, bem assim fechando as portas do cível e/ou administrativo para consequências correlatas.

Não se adentrará na questão de colisão entre princípios, no caso o da dignidade da pessoa humana com o princípio da coisa soberanamente julgada, pois foi explanado anteriormente que, na hipótese levantada, não haveria ofensa alguma ao princípio da coisa soberanamente julgada. Todavia, em todo caso, na colisão entre os dois, o primeiro haveria de prevalecer sobre o segundo, pois, na hipótese, teria maior peso.

Agora, volta-se ao que se disse no começo deste capítulo, que toda e qualquer norma jurídica não deve ser lida, menos ainda aplicada à espécie, prescindindo-se de interpretação.

Interpretar uma lei, consoante Pasquale Fiore (1927) apud França (2014, p. 19), consiste numa operação que tem por fim “fixar uma determinada relação jurídica, mediante a percepção clara e exata da norma estabelecida pelo legislador”.

Nesse sentindo, com vista ao melhor entendimento das normas jurídicas, nos livros dedicados à hermenêutica jurídica, a interpretação delas, quanto a sua natureza, é classificada em gramatical, lógica, histórica e sistemática.

A interpretação gramatical ou literal, de acordo com Tourinho Filho (2013, p. 100), “é a que se inspira no próprio significado das palavras”. Embora importante e, digamos, seja o ponto de partida de qualquer interpretação, ela, muitas vezes, é insuficiente para se inferir o espírito da lei (mens legis) e/ou a intenção do legislador (mens legislatoris).

Quanto à interpretação lógica, Tourinho Filho (2013, p. 101) aduz: "Quando o intérprete se serve das regras gerais do raciocínio para compreender o espírito da lei e a intenção do legislador, fala-se de interpretação lógica ou teleológica, porquanto visa a precisar a genuína finalidade da lei, a vontade nela manifesta" (grifo do autor).

Sobre a interpretação sistemática, diz Tourinho Filho (2013, p. 101):

Recorre-se a esse tipo de interpretação quando a dúvida não recai sobre o sentido de uma expressão ou de uma fórmula da lei, mas sim sobre a regulamentação do fato ou da relação sobre que se deve julgar. Aqui o intérprete deve colocar a norma em relação com o conjunto de todo o Direito vigente e com as regras particulares de Direito que têm pertinência com ela.

Quanto à última, França (2014, p. 24) assevera: “Chama-se interpretação histórica aquela que indaga das condições de meio e momento da elaboração da norma legal, bem assim das causas pretéritas da solução dada pelo legislador” (grifo do autor).

Dito as espécies, verifica-se que a norma descrita no artigo 8º, item 4, do Pacto de San José da Costa Rica, para aclaramento de seu verdadeiro sentido, como de resto toda norma jurídica, necessita ser interpretada usando uma ou mais dessas espécies. Prescreve a norma: “O acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos”.

Assim, numa leitura açodada, ou mesmo fazendo-se uso somente da interpretação gramatical, dir-se-ia que a norma já é clara em seu enunciado, o qual vedaria a revisão criminal de sentença absolutória, simples assim. Entretanto, nenhuma norma jurídica é clara o suficiente que não necessite de interpretação. E aquela é um desses casos.

Diga-se, de já, que a interpretação gramatical não é a adequada para se alcançar o verdadeiro sentido na norma, pois ela conduziria a uma conclusão de vedação de revisão de sentença absolutória sem exceção (a qual não está expressa nela), muito provavelmente em razão da visão unilateral que a maioria tem sobre uma eventual revisão criminal de sentença absolutória.

Dessa maneira, a norma em questão reclama uma interpretação lógica, aquela, como disse Tourinho Filho (2013, p. 101), em que o intérprete se serve das regras gerais do raciocínio para compreender o espírito da lei e a intenção do legislador. E faz-se uma ressalva ao pensamento do autor: mesmo que não tenha sido a intenção do legislador, mas que seja o espírito da lei.

A regra do artigo 8º, item 4, como todo o restante do Pacto, trata-se de normas protetivas do ser humano, isto é, normas reunidas num texto com a finalidade de resguardar o ser humano de abusos que podem decorrer tanto de particulares quanto do próprio Estado.

 Já não bastasse isso, a norma em questão está inclusa no artigo 8º, cujo título é Garantias Judiciais. A norma, em verdade, veda que a pessoa seja submetida a novo processo (ou ao mesmo) pelo mesmo fato, o qual já foi objeto de julgado, o que constitui o chamado bis in idem. Trata-se, assim, de norma que a protege de um possível gravame que provavelmente decorreria do novo julgamento. Com acerto, Rangel (2012, p. 27) diz:

A possibilidade, mesmo que eventual, de ter sobre si decretada uma prisão cautelar ou quiçá uma condenação, mesmo que a pena mínima, de sentar, novamente, no banco dos réus, de ter que se submeter ao trâmite de outro processo pelo mesmo fato, isso por si só ofende, gravemente, sua dignidade como pessoa.

Verifica-se, portanto, que a norma supralegal visa a proteger os mesmos bens jurídicos que o princípio da coisa soberanamente julgada já protege a nível constitucional, quais sejam, a liberdade do cidadão (status libertatis) e a dignidade humana (status dignitatis).

Algo que é criado e usado para proteger alguém não pode nem deve constituir barreira de impedimento de melhoramento de sua situação, pois, afinal, foi criado para protegê-lo, não para prejudicá-lo.

Nesse viés, a norma supralegal veda, em verdade, somente a revisão criminal de sentença absolutória pro societate, como já a veda o princípio da coisa soberanamente julgada, mas nem aquela nem este constituem obstáculo para a revisão criminal de sentença absolutória pro reo, em virtude de um princípio de maior grandeza chamado princípio da dignidade da pessoa humana, bem assim por a rescisão do julgado absolutório, nesse caso, não implicar instabilidade ou insegurança jurídica.

Acatando-se esse posicionamento, enquanto o legislador não positive essa hipótese permissiva, poder-se-ia fazer uso da interpretação extensiva do artigo 621, inciso III, do CPP, que dispõe:

Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:

[...]

III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

O dispositivo legal permite a revisão criminal quando, após a sentença, descobrem-se novas provas de inocência do condenado. Em vista de todo o exposto, perfeitamente cabível a interpretação extensiva dessa parte do dispositivo legal. Explica França (2014, p. 26) esse tipo de interpretação:

Extensiva, também chamada ampliativa, diz-se a interpretação segundo a qual a fórmula legal é menos ampla do que a mens legislatoris deduzida. Mas não apenas isso.

Com a devida vênia dos autores que assim a conceituam, temos para nós ser extensiva também aquela que, tendo deduzido a mens legislatoris dentro de limites moderados e cientificamente plausíveis, adapta essa intenção do fautor da norma às novas exigências da realidade social. (grifo do autor)

Assim, nesse viés, com observância do princípio constitucional fundamental da dignidade humana, poder-se-ia fazer a interpretação extensiva do dispositivo em comento para, em vez de se ler novas provas de inocência do condenado, o que permite somente revisão criminal de sentença condenatória, entender novas provas de inocência do réu, pois, assim procedendo, abarcaria, além das já sentenças condenatórias, também sentenças absolutórias na hipótese levantada e especificada no trabalho, continuando vedada, por conseguinte, a revisão criminal de sentença absolutória pro societate, em vista do princípio da coisa soberanamente julgada, artigo 8º, item 4, do Pacto de San José da Costa Rica, e de um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, o princípio (e valor) fundamental da dignidade humana.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A título de encerramento, diga-se que a abordagem da questão versada – revisão criminal de sentença absolutória em benefício do réu –, trata-se de tema instigante, muito pouco explorado pelos doutrinadores brasileiros, além de propiciar um olhar diferenciado para algo que é percebido, quase que por completo, somente por um lado.

Abordar a problemática atinente à revisão criminal de sentença absolutória, não somente de forma superficial, mas aprofundada, como um trabalho científico exige, lançou desafios e metas, os quais, à medida que foram sendo estas alcançadas e aqueles vencidos, a hipótese desenvolvida no trabalho mostrou-se de tamanha importância que se espera que ela seja objeto de novos estudos para vir a fazer parte de discussões no seio jurídico, e, dessa forma, amadurecer o tema para, no futuro, eventuais decisões judiciais no sentido, bem assim reforma na lei, com inclusão de previsão da espécie no nosso ordenamento jurídico.

Não tratou o estudo da praticidade de utilização do instituto para obstar ou negar provimento à ação civil ex delicto e/ou ao procedimento administrativo, mesmo porque a ampla defesa, como um dos princípios norteadores do devido processo legal, é de observância obrigatória também nessas searas do Direito, mas sim da viabilidade teórica de utilização da revisão criminal na espécie ventilada, até porque a finalidade precípua da revisão é restaurar o status dignitatis do réu, o que somente é possível voltando ao lugar em que ele foi maculado, no processo criminal. Dessa forma, rasga-se o selo de intangibilidade da coisa soberanamente julgada para a reparação do estado de dignidade do réu e ainda fecham-se as portas das searas cível e administrativa para eventuais gravames a este.  

Assim, diante do problema proposto, qual seja, se a revisão criminal de sentença absolutória prolatada in dubio pro reo, como meio hábil a elidir ação civil ex delicto, procedimento administrativo e, em especial, devolver o status dignitatis ao acusado, seria possível, no ordenamento jurídico brasileiro, à luz de princípios e regras constitucionais, o estudo mostrou tendência positiva.

No que diz respeito aos objetivos postos no trabalho, tanto o geral quanto os específicos restaram plenamente satisfeitos, haja vista terem sido levantadas informações acerca do histórico da revisão criminal, apresentado o conceito do instituto jurídico, analisado este na legislação pátria, e demonstrado o verdadeiro sentido da mens legis (espírito da lei) tocante à revisão criminal de sentença absolutória, bem como procedido a análise, do ponto de vista teórico, da viabilidade de utilização, no ordenamento jurídico brasileiro, de revisão criminal de sentença absolutória prolatada com fulcro nos incisos II, V ou VII do artigo 386 do Código de Processo Penal, no que o estudo indicou positivamente, vindo a confirmar, dessa maneira, a hipótese deduzida.

O cerne do trabalho girou em torno de saber se, diante de novas provas críveis hábeis a demonstrar a inexistência do fato (ou pelo menos que crime não houve) ou que o réu não foi o seu autor ou dele participou, seria possível, à luz de princípios e regras constitucionais, notadamente o da dignidade humana, a revisão criminal para mudar o fundamento da sentença absolutória, com o fito de impedir consequências, advindas do fato, nas searas cível e/ou administrativa, e, principalmente, resgatar o estado de dignidade do réu, uma vez evidente sua inocência, isso tudo sem embargo da coisa soberanamente julgada e de norma proibitiva de revisão criminal de sentença absolutória (artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição Federal, combinado com o artigo 8º, item 4, do Pacto de San José da Costa Rica).

Nesse viés, o estudo mostrou que a revisão criminal, na hipótese, não ofende o princípio da coisa soberanamente julgada, não decorrendo, em consequência, instabilidade ou insegurança jurídica, sendo possível, portanto, a sua relativização, assim como ocorre com a relativização da coisa julgada no caso de sentença condenatória, e diga-se, a razão que toca esta é a mesma que toca aquela, e é bem conhecido o brocardo latino que diz “ubi eadem ratio ibi idem jus” (onde há a mesma razão, deve haver o mesmo direito). E qual a razão? Devolver o status dignitatis à pessoa, maculado em virtude de um erro judiciário.

Mostrou-se, também, que a norma supralegal do artigo 8º, item 4, do Pacto de San José da Costa Rica, não constitui óbice à revisão criminal na espécie levantada, haja vista ser o espírito da lei a vedação de revisão criminal de sentença absolutória com o fito de prejudicar o réu, levando-o novamente ao banco dos réus para reexame do fato, o qual já foi objeto de julgamento. Revisão esta conhecida como revisão criminal pro societate.

Assim, não havendo ofensa ao princípio da coisa soberanamente julgada, não decorrendo daí instabilidade e insegurança jurídicas, não sendo o espírito da lei a vedação de revisão criminal em benefício do réu (revisão pro reo) e maculado o estado de dignidade deste, em virtude de erro judiciário incurso na sentença, perfeitamente cabível a invocação do princípio constitucional da dignidade humana como fundamento para a revisão criminal da sentença absolutória, quando o fito da ação é beneficiar o réu.

Não há razão plausível para se vedar a revisão criminal de sentença absolutória quando a mesma poderia ser proposta para beneficiar o réu, pois seria um contrassenso impedir a possibilidade de o réu resgatar justamente aquilo que os institutos usados para justificar a vedação protegem: a dignidade humana.

Ler os textos atinentes à revisão criminal e interpretá-los como vedação de todo e qualquer tipo de sentença absolutória é ter uma visão unifocal da situação e operar o Direito em blocos herméticos, e não entendê-lo como um todo harmônico e sistemático. O oposto, isto é, entender o verdadeiro sentido da norma é ter em mente que não é razoável que algo criado e usado para proteger o cidadão possa servir de impedimento de melhoramento de sua própria situação. Entender isso é proceder imbuído do senso de justiça, fim primeiro que todo operador do Direito deve ou pelo menos deveria buscar.

 

REFERÊNCIAS

 

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