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Os juros moratórios na anulação da novação

Os juros moratórios na anulação da novação

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Novação: Conceito e seus Efeitos. Anulação da Novação. O presente artigo demonstra as possíveis interpretações da anulação da novação e suas consequências na contagem dos juros moratórios.

"Já não nos satisfaz, a nós, homens contemporâneos, a justiça transcendental das teocracias, nem, tão-pouco, a justiça abstrata, vaga, irreal, da filosofia racionalista, que chegou ao auge na Revolução e inundou o mundo. Porque esta é vazia como os princípios em que se funda e pode encher-se do bem e do mal, do justo e do injusto, indiferentemente.
Queremos nós justiça concreta, social, verificável e conferível como fato, a justiça que se prove com os números das estatísticas e com as realidades da Vida. E a esta sòmente se chega pelo caminho das verdades científicas - penosamente, é certo, mas a passos firmes e de mãos agarradas aos arbustos da escarpa, para os esforços do avanço e a segurança da escalada."

Pontes de Miranda

 

1 Introdução:

 

    O objetivo do presente texto é demonstrar as possíveis interpretações da anulação da novação e suas consequências na contagem dos juros moratórios. 

 

   Primeiramente, devemos entender que a questão dos juros moratórios na anulação da novação é algo bem delicado, capaz de enriquecer ilicitamente alguma das partes litigantes caso a lei seja aplicada sem uma devida reflexão sobre o instituto da novação e de uma interpretação sistemática do nosso ordenamento jurídico. 

 

   Destarte, procuramos neste artigo a melhor construção jurídica com escopo de alcançar a justiça na anulação (nulidade relativa) da novação. 

 

2 Novação:

 

   Novação é uma forma de extinção das obrigações, sejam estas jurídicas ou naturais (na doutrina há controvérsias sobre a possibilidade da novação de uma obrigação natural, mas a entendemos como passível de novação).

 

  A novação existe desde o período romano e é entendida como uma nova obrigação que extingue a anterior.

 

  No período romano, para que ocorresse a novação era necessário seguir a via da stipulatio (estipulação). A stipulatio era uma forma solene de contratar verbalmente que consistia na interrogatio et responsio congruae (pergunta e resposta). Ou seja, uma espécie de demonstração do animus de contratar ou novar. 

 

   Assim, de acordo com Orlando Gomes, são pressupostos da novação:

1- Existência de uma obrigação anterior (obligatio novanda);

2- Constituição de uma nova obrigação (aliquid novi);

3- Animus Novandi.

 

   Nesse diapasão, a novação (extinção de uma obrigação por uma nova obrigação) pode ser classificada em: novação objetiva ou novação subjetiva.

 

   Caso a novação se dê pela troca do objeto da obrigação, teremos a novação objetiva, por exemplo: Juca devia 5 (cinco) maças para José. Juca e José resolvem novar (animus novandi), extinguindo a obrigação de dar 5 (cinco) maças e contraindo uma nova, na qual Juca deve 1 (uma) melancia para José. 

 

   Lembre-se que a novação extingue a obrigação anterior, logo, se não houver qualquer vício na estipulação da novação, José não poderá cobrar as 5 (cinco) maças. Somente poderá cobrar 1 (uma) melancia.

 

   Já no caso da novação com troca de sujeitos da obrigação, estaremos diante de uma novação subjetiva, por exemplo: Juca deve 2 (duas) batatas para José. Juca, Abelardo e José resolvem novar, extinguindo a obrigação anterior e contraindo uma nova obrigação, na qual somente Abelardo passa a dever 2 (duas) batatas para José. 

 

   Ou seja, veja que Juca foi excluído da segunda obrigação e Abelardo passou a ocupar seu lugar no polo devedor. 

 

   Assim sendo, frise-se, José não poderá cobrar 2 (duas) batatas de Juca, pois essa obrigação fora extinta. Somente poderá cobrar 2 (duas) batatas de Abelardo. 

 

  Com base em todo o exposto, entraremos agora em um estudo mais aprofundado da novação, que tem como objetivo entender em quais casos realmente ocorre a extinção da obrigação anterior pela novação e em quais casos não ocorre.

 

 

3 Anulação da Novação:

 

    Até aqui, entendemos que para efetivamente ocorrer a novação são necessários três pressupostos:

1- Existência de uma obrigação anterior (obligatio novanda);

2- Constituição de uma nova obrigação (aliquid novi);

3- Animus Novandi.

 

   Portanto, se esses três pressupostos forem verificados, estaremos diante de uma novação válida. Mas, como seria no caso de uma novação inválida?

 

   Para anular a novação é necessário que algum vício no Animus Novandi tenha ocorrido.

 

   Por se tratar de anulação, seus efeitos serão ex nunc. Ou seja, os efeitos dessa obrigação correrão normalmente até que esta seja anulada judicialmente. 

 

   Desse modo, lembre-se que existem dois tipos de nulidade: nulidade absoluta (nulo), que possui efeitos ex tunc, ou seja, retroagem à data que ocorreu o vício; e nulidade relativa (anulável), cujos efeitos são ex nunc, ou seja, que param de correr somente após a data da decisão. 

 

   Vale mencionar que, de acordo com o Código Civil de 2002, os defeitos dos negócios jurídicos são igualmente aplicáveis ao instituto da novação. Por exemplo, pode ocorrer uma coação (art. 151), erro ou ignorância (art. 138), dolo (art. 145) ou estado de perigo (art. 156) no momento da novação. 

 

   Caso isso ocorra, a nova obrigação estará inquinada com algum desses vícios, podendo ser anulada.  

 

4 Efeitos da Anulação da Novação:

 

   Primeiramente, não se pode confundir a anulação da novação com a anulação de uma obrigação única. Ou seja, na novação temos duas obrigações (uma anterior e a novação). Já na obrigação única, se ocorrer sua anulação, não restará qualquer negócio jurídico.

 

   Vimos que quando uma obrigação única é anulada, seus efeitos não retroagem. Ou seja, seus efeitos são ex nunc.

 

  Embora na anulação da novação os efeitos também sejam ex nunc, quando a nova obrigação é anulada, deve se retornar à primeira obrigação (obrigação anterior). Isso ocorre porque se tem duas obrigações (uma que sempre esteve em vigor e outra que foi anulada). 

 

   Assim, não há a extinção da primeira obrigação por causa da invalidez da segunda obrigação (a novação). 

 

   Não nos aventuramos em afirmar que a novação inválida extinguiria a obrigação anterior pelo período que vigorou seus efeitos por que tal afirmação daria margem ao enriquecimento ilícito de uma das partes. 

 

   Sabendo que os negócios jurídicos e a novação podem ser anulados se houver algum vício, vejamos qual seria a consequência dos juros de mora se entendermos que a novação inválida extinguiria a obrigação anterior pelo período que seus efeitos vigoraram. 

 

   Antes de demonstrarmos o primeiro caso hipotético, devemos compreender o que seriam os juros moratórios:

Os juros moratórios são juros devidos em decorrência de um atraso no cumprimento de uma obrigação, servindo como uma espécie de pena pelo atraso.

    

    Desta maneira, tendo em vista que a taxa de juros comumente aplicada é de 1% (um por cento) ao mês, conforme o Enunciado nº 20 da I Jornada de Direito Civil, organizado pelo Conselho de Justiça Federal e também diversas decisões emanadas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), vejamos como ficariam os juros de mora da primeira obrigação após a anulação da novação. 

5 Juros de Mora na Anulação da Novação

 

Caso Hipotético 1:

Vício no Animus Novandi por Coação feita pelo Devedor

 

   Juca deve R$ 100.000,00 (cem mil) reais ao seu credor Alfredo. Estabeleceram em um contrato que, no caso de atraso no cumprimento da obrigação, os juros de mora seriam de 1% (um por cento) ao mês a contar do vencimento, no dia 7 de março de 2015.   

 

   Imaginemos que Juca pratique uma coação em Alfredo obrigando-o a novar. Na nova obrigação, em vez de Juca dever R$ 100.000,00 (cem mil) reais, passará a dever somente R$ 10.000,00 (dez mil) reais.

 

   Passam-se alguns meses, Alfredo tenta executar seu crédito de R$ 100.000,00 (cem mil) reais em face de Juca e este, por meio de embargos à execução, apresenta o contrato da novação como defesa, demonstrando que somente deveria pagar R$ 10.000,00 (dez mil) reais. 

 

   Abre-se um processo incidental de conhecimento até que, por fim, revela-se que Juca coagira Alfredo a novar, anulando-se a novação e retornando à primeira obrigação (R$ 100.000,00), como disposto na sentença que extingue o processo incidental de conhecimento publicada 10 (dez) meses após o dia 7 de março de 2015 (dia do vencimento da obrigação anterior). 

 

    Assim sendo, deixaríamos de contar os juros moratórios do tempo que se passou até a anulação da novação? Haveria efeitos? Teria sido extinta a primeira obrigação por 10 (dez) meses (efeito ex nunc da sentença)?

 

   Entendemos que, se a primeira obrigação for considerada sem efeito durante o tempo do tramite processual, haveria enriquecimento ilícito de Juca, pois este deixaria de pagar 10% (dez por cento) de juros sobre o valor do débito, aproveitando-se de sua própria torpeza.

 

   Isto posto, não se deve pensar em extinção temporária da obrigação anterior pela novação. A novação inválida deve ser considerada como se nunca tivesse extinguido a primeira, pois houve um vício em um de seus requisitos essenciais: o animus novandi.

 

    Pensamos que, para melhor aplicação do direito ao caso demonstrado, o juiz deve aferir quem deu causa à mora. Ou seja, se o causador da mora foi o credor ou o devedor. 

 

   Se o devedor deu causa a mora, como no exemplo de Juca e Alfredo, os juros deverão ser computados normalmente, sem qualquer suspensão, assim como dispõe o art. 395 do Código Civil de 2002:

 

"Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos…"

 

   Dessa maneira, Juca deu causa à mora quando coagiu Alfredo a novar, substituindo o contrato de R$ 100.000,00 (cem mil) reais pelo de R$ 10.000,00 (dez mil) reais. Desse modo, Juca deve pagar os R$ 100.000,00 (cem mil) reais acrescidos dos 10% (dez por cento) dos juros de mora, mesmo se tratando de uma anulação de uma novação, cujos efeitos são ex nunc

 

    Ou seja, retorna-se à primeira obrigação (com vencimento no dia 7 de março de 2015) e, como o devedor deu causa à mora, coagindo o credor, computam-se os juros desde o vencimento até a sentença de anulação da novação, que ocorreu 10 (dez) meses depois. 

 

Vício no Animus Novandi por Coação feita pelo Credor.

 

    Por outro lado, se tivermos o credor como o vilão do caso hipotético (coagindo o devedor a novar por algo prejudicial a este), o credor que dará causa à mora. Logo, não haveria a contagem dos juros de mora quando se anulasse a novação e retornasse à primeira obrigação, pois o credor não pode se beneficiar de sua própria torpeza. 

 

    Portanto, aplicaríamos o artigo 396 do Código Civil de 2002:

 

"Art. 396. Não havendo fato ou omissão imputável ao devedor, não incorre este em mora."

 

    E também o artigo 400 do CC de 2002:

 

"Art. 400. A mora do credor subtrai o devedor isento de dolo à responsabilidade pela conservação da coisa, obriga o credor a ressarcir as despesas empregadas em conservá-la, e sujeita-o a recebê-la pela estimação mais favorável ao devedor, se o seu valor oscilar entre o dia estabelecido para o pagamento e o da sua efetivação."

 

   Ou seja, retornaríamos à primeira obrigação, mas não computaríamos os juros de mora de 10 (dez) meses até a anulação da sentença no caso de coação feita pelo credor, pois o devedor não teria culpa pela mora.

 

6 Conclusão

 

   Embora seja um caso de anulação da novação, deve-se tomar cuidado na pontuação dos efeitos de cada obrigação, não devendo se considerar que a obrigação anterior seria extinta temporariamente pela obrigação nova (posteriormente anulada), deixando-se de contar os juros de mora da primeira obrigação.

 

   Assim, quando se anula a nova obrigação, sempre se retorna à primeira. Ou seja, mesmo que seja um caso de anulação, não devemos confundir os efeitos ex nunc com o fato de se retornar à primeira obrigação.

 

   Destarte, deve-se aferir quem deu causa à mora e ao vício que inquina a nova obrigação. Dependendo de qual polo (devedor ou credor) for o culpado pela mora, saberemos se computaremos os juros moratórios ou não. Em outras palavras, se verificarmos que o devedor seja o culpado pela mora, computaremos os juros desde o vencimento da primeira obrigação. Por outro lado, se constatarmos que o credor seja o culpado pela mora, não deverão ser computados os juros de mora, conforme ensina o art. 396 e 400, do CC de 2002. 

 

7 Referências

GOMES, Orlando. Obrigações. 13ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1994

VIANA, Rui Geraldo Camargo. A novação.1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro - Vol. 1 - Parte Geral. Editora Saraiva, 2014



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