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Não é o Ministro. Na verdade, alguém fez o Ministro.

Não é o Ministro. Na verdade, alguém fez o Ministro.

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Ensaio que critica a dominação dos juristas pela mídia.

Este ensaio trata de uma questão que, a mim, parece importante; o motivo pelo qual estamos, ainda, discutindo a flexibilização, terceirização, desregulamentação dos direitos trabalhistas. Não vou tecer muitas considerações sobre estes fenômenos. Meu interesse é outro: por que ainda discutimos isso.

Não é muito relevante o fato de o presidente do TST, dias atrás, ter feito infelizes referências no Globo a respeito da flexibilização e da terceirização. O que é de fato relevante é o motivo que o levou a fazê-las. Ora, é sabido, como bem relata a juíza Lygia Maria Godoy Batista Cavalcanti, em texto ainda no prelo, que a flexibilização não apenas em países de capitalismo tardio mas em países desenvolvidos ocasionou precarização, menos renda e maior desemprego. Então, por que o presidente do TST defende estes fenômenos?

É evidente que o sr. Ministro tem estas informações. E tem muitas outras. Mas por que não se posiciona de forma diversa? Aliás, porque a maioria da comunidade jurídica não se posiciona de forma diversa?

O problema vem não da formação intelectual ordinária. Vem, isto sim, do poder que a propaganda e a mídia exerce sobre a mente da grande maioria das pessoas, incluídos ministros de estado e autoridades. Ora, é praticamente corrente o problema da precarização e flexibilização. Mas ainda assim, os defensores destes fenômenos conseguem, diuturnamente, aprovar medidas e elaborar palestras justificando estes fenômenos. Não é o fato de determinada pessoa exercer algum cargo importante dentro da administração pública que evitará a contaminação pelo jornalismo de baixo. Pela má propaganda ou pelo deboche aos mais humildes. A desigualdade aumenta. Os meios de comunicação noticiam isso as avessas e, na maioria das vezes, a população adquire sem raciocínio crítico, estas informações mal dadas. E por que não seria diferente com um Ministro de tribunal superior?

Ora, se ele tem os dados, como pode dar uma declaração como aquela? Creio que o efeito da propaganda e da dominação pelo discurso corrente da mídia, discurso este privatista, elitista, anti-democrático e excludente exerce mais peso que os dados concretos levantados por profissionais altamente competentes. E é interessante que boa parte dos poderes da república (ver relatório do deputado Ricardo Barros do PP/PR) e também de ministros de estado, de tribunais superiores e magistrados em geral endossam este discurso de forma contundente.

O déficit de opinião ou a repetição da opinião corrente e conservadora, opinião esta elaborada e distribuídas pelas elites dominantes[1] busca justificar a concentração de renda, exclusão e baixos salários, a fim de permitir pagamento de juros exorbitantes a seus clientes e/ou empresas. Este discurso muitas vezes maquiado por juristas de boa reputação e vinculados inclusive a instituições públicas de ensino superior, coloniza o mundo da vida e torna-se o discurso da maioria (ou da grande maioria). A grande maioria repete o discurso, mas não participa da renda. Pelo visto ministros e altos agentes de poder são colonizados por este discurso, da mesma forma que os trabalhadores e pessoas mais humildes e com menor formação técnica ordinária.

Mas o que fazer, se os Falcons  “están volviendo a la calle”?[2].

Não creio que tentar convencer algum agente de poder tenha significativa importância ou efeito. Este texto busca a formação daqueles que estão por vir. Educar os filhos, sobrinhos, amigos e colegas. Ler além do capital e das linhas cegas da imprensa corrente. Não acessar apenas os sítios mais comuns e populares de fofocas e entretenimento que mostram BBB ou a temperatura em Porto Alegre. Há várias formas de se formar um juízo crítico diverso daquele repetido todas as noites entre 20h e 21h na televisão. Dá trabalho, mas é perfeitamente possível e, confesso, liberta e faz muito, mas muito bem para a alma.


[1] Conceito de elites dominantes: grandes quadros de empresas privadas, na maioria das vezes economistas de instituições financeiras, e empresários 

[2] Falcon era um veículo da Ford utilizado pela ditadura Argentina para recolher opositores ao regime ditatorial.


Autor

  • Rafael da Silva Marques

    Juiz do Trabalho titular da Quarta Vara do Trabalho de Caxias do Sul;<br>Especialista em direito do trabalho, processo do trabalho e previdenciário pela Unisc;<br>Mestre em Direito pela Unisc;<br>Doutor em Direito pela Universidade de Burgos (UBU), Espanha;<br>Membro da Associação Juízes para a Democracia

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