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Análise dos conceitos de "affectio societatis" e de "ligabilidad" como elementos de caracterização das sociedades comerciais

Análise dos conceitos de "affectio societatis" e de "ligabilidad" como elementos de caracterização das sociedades comerciais

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Embora muitos considerem que se trata de um conceito antigo, pretendemos tentar demonstrar que o conceito de "affectio societatis" não deve ser encarado pela doutrina e pela jurisprudência apenas no clássico sentido de "desejo de permanecer em sociedade".

RESUMO: Trata-se de uma contribuição ao estudo do conceito de affectio societatis e sobre a possibilidade de utilizá-lo como elemento específico e essencial para a caracterização das sociedades comerciais, conjugada com o conceito de ligabilidad, proposto por Agustín Vicente y Gella, visando apurar a responsabilidade das sociedades comerciais, ainda que subsidiária, perante terceiros.

PALAVRAS-CHAVE: affectio societatis – affectio maritalis – elementos de caracterização da sociedade comercial – sociedade anônima – ligabilidad.

SUMÁRIO: 1. Introdução: 1.1. Identificação do objeto do estudo e sua seqüência; 2. Affectio societatis: evolução histórica, doutrinária e jurisprudencial; 2.1. O conceito de affectio societatis; 2.1.1. A affectio societatis no Direito Romano; 2.1.2. A proximidade do conceito de affectio societatis com o de affectio maritalis; 2.2. A ausência de expressa previsão legal ; 2.3. A affectio societatis como elemento essencial para a caracterização da sociedade; 2.4. O conceito de affectio societatis segundo um critério de ordem econômica; 2.5. A affectio societatis como critério de distinção da sociedade; 2.6. As críticas de inutilidade do conceito de affectio societatis; 3. O conceito de affectio societatis adotado pela jurisprudência brasileira; 3.1. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça; 4. A existência da affectio societatis em sociedades anônimas; 5. O conceito de "ligabilidad"; 5.1. A doutrina de Vicente y Gella; 5.2. Questionamentos sobre o conceito de "ligabilidad"; 6. Conclusões; 7. Bibliografia


1. Introdução

1.1. Identificação do objeto de estudo e sua seqüência

O presente trabalho pretende ser uma contribuição ao estudo do conceito de affectio societatis e sobre a possibilidade ou não de utilizá-lo como elemento específico e essencial para a caracterização das sociedades comerciais. Embora muitos considerem que se trata de um conceito antigo e abandonado para a compreensão das sociedades mercantis, pretendemos estimular a discussão e, ainda que de forma modesta, tentar demonstrar que o conceito de affectio societatis não deve ser encarado pela doutrina e pela jurisprudência apenas no clássico sentido de "desejo de permanecer em sociedade".

Em vista disso, procuramos delimitar o âmbito deste trabalho aos seguintes pontos: a) verificar o surgimento do contrato de sociedade no direito romano e a necessidade da expressão affectio societatis para a caracterização daquela espécie contratual, bem como compará-la com o conceito de affectio maritalis; b) realizar uma comparação crítica entre as noções de affectio societatis utilizadas pelos doutrinadores; c) verificar o entendimento adotado pela jurisprudência brasileira quanto a este conceito; d) analisar o conceito de "ligabilidad", proposto por Agustín Vicente y Gella como elemento característico e diferenciador da sociedade, ao invés do tradicional conceito de affectio societatis; e, por fim, e) apresentar as nossas conclusões sobre os temas expostos.


2. Affectio societatis: evolução históricca, doutrinária e jurisprudencial

2.1. O conceito de affectio societatis

2.1.1. A affectio societatis no Direito Romano

Para explicar o surgimento da societas no Direito Romano, Waldemar Martins Ferreira assinala que com a morte do pater familias, o conjunto de seus bens caía na propriedade indivisa dos que antes se achavam sob o seu poder, ou seja, não se abria a sucessão [1]. Tais pessoas abrigadas pelo poder do paterfamilias eram denominadas sui heredes e, segundo Max Kaser, elas somente adquiriam capacidade patrimonial com a morte daquele [2].

No entanto, com o advento Lei das XII Tábuas, permitiu-se ao herdeiro, por via da actio familiae erciscundae, pedir a partilha judicial da herança, de molde a receber cada qual a sua parte.

Ocorre que apesar da possibilidade de divisão dos bens entre os herdeiros, viram-se estes na necessidade de associarem-se, voluntária e consensualmente, a fim de poderem explorar suas propriedades com maior probabilidade de ganhos. Surgiu, assim, a societas no direito romano.

A sociedade apresentou-se sob a forma contratual e o intuito especulativo (animus lucrandi) transparecia, "embora os sentimentos afetivos e pessoais, tão peculiares aos romanos, pudessem animar o contrato, desempenhando papel saliente, senão mesmo substancial, no elaborá-lo e concluí-lo" [3].

Esses sentimentos afetivos e pessoais eram manifestados pela conventio ou acordo, considerada como elemento essencial do contrato de sociedade, e que, segundo Eduardo Volterra, consistia na vontade de todas as partes de dispor de seus bens e de dirigir suas atividades objetivando a consecução de um fim útil comum [4]. Volterra adverte, porém, que este acordo teria uma característica especial, já que não era suficiente que se manifestasse apenas inicialmente mas sim de forma contínua [5], ou seja, o vínculo obrigatório existia e era operante entre as partes desde que existisse e perdurasse o acordo entre elas [6]. Bastaria a renúncia por um dos sócios a este acordo para que o contrato de sociedade se desfizesse e findasse a relação jurídica entre as partes [7].

Portanto, como bem observa João Eunápio Borges, na societas romana não bastava o simples consensus, presente em qualquer contrato, mas sim um consentimento permanente, cuja cessação acarretaria o fim do contrato. No entanto, como a societas estava fundada sobre um estado de ânimo continuativo, a palavra consensus foi substituída por expressão ainda mais eficaz e mais significativa – affectio [8].

De conseguinte, pode-se dizer que a expressão affectio societatis surgiu para sublinhar a exigência de continuidade e de perseverança da vontade para a manutenção da sociedade, sendo, assim, diferente do conceito de conventio exigido para outros tipos de contratos consensuais.

É interessante observar, também, que a societas constituía-se intuitu personae, ou seja, "resultava de convênio, expresso ou tácito, puro ou condicional, com ou sem termo prefixo, predominando o animus contrahendae societatis", sendo que este sentimento era essencial, pois "incompreendia-se a sociedade sem o ânimo de fazê-la" [9].

Cumpre salientar, ainda, que a affectio societatis não foi utilizada pelos romanos apenas no sentido já referido, mas também foi considerada como um critério para para estabelecer se em uma comunhão de bens existia um contrato de sociedade, ou seja, se nascia a relação obrigatória entre aqueles que colocavam as coisas em comum ou se apenas existia um condomínio, isto é, uma transformação de uma propriedade individual em compropriedade [10].

2.1.2. A proximidade do conceito de affectio societatis com o de affectio maritalis

Importa sublinhar que o conceito romano de affectio societatis assemelhava-se muito ao de affectio maritalis, que consistia na "intenção e consciência de ambos os cônjuges de que a sua união é matrimônio" [11].

Com efeito, a concepção romana do matrimônio era bem diferente da moderna, inspirada no cristianismo, pois os romanos consideravam o matrimônio antes um fato social do que uma relação jurídica. De forma que o matrimônio romano "foi caracterizado como concreta comunidade de vida, sustentada pela affectio maritalis" [12].

Eduardo de Oliveira Leite aponta ser notável a abstração jurídica palpável e visível na concepção romana do casamento, se levarmos em conta a época de sua elaboração e o estádio de evolução da civilização. Revela-se, segundo ele, ainda mais impressionante pela audácia da proposição: "um casamento desvinculado de qualquer interferência estatal, jurídica ou religiosa (ainda que reconhecendo a ocorrência das cerimônias religiosas), sem imposições, sem normas preestabelecidas, em que somente a vontade, manifestada pelo consentimento, a intenção de casar e viver como marido e mulher – affectio maritalis e animus uxoris – são levados em consideração" [13].

O casamento romano não estava, portanto, sujeito a formalidades especiais, mas sim era preciso que a affectio maritalis fosse contínua e duradoura, pois quando ausente tal intenção findava-se o matrimônio.

Não havia um vínculo jurídico e tampouco se assemelhava a um contrato, razão pela qual a sua dissolução prescindia da intervenção judicial, ou seja, poderia cessar pela simples separação voluntária e definitiva ou, nos dizeres de D’ors, "qualquer um dos cônjuges podia repudiar o outro sem necessidade de formalidades judiciais" [14].

Para Juan Iglesias este sentimento resulta claramente dos conhecidos aforismos: nuptias non concubitus, sed consensus facit (o matrimônio não nasce da coabitação, mas sim do consentimento) e non coitus matrimonium facit, sed maritalis affectio (não é a união carnal que determina o matrimônio, mas sim a afeição matrimonial) [15].

Tanto é assim que nem era necessária uma convivência efetiva, pois, de acordo com Juan Iglesias, "o matrimônio existe ainda que os cônjuges não habitem na mesma casa e sempre quando um e outro guardem a consideração e o respeito devidos – honor matrimonii".

Outra prova de que a convivência não se interpreta no sentido material, mas sim ético, é o fato de que "o matrimônio pode ser contraído na ausência do marido, entrando a mulher na casa deste – deductio in domun mariti – e dando assim começo à vida em comum" [16].

Pode-se dizer, a grosso modo, que a exigência de continuidade e de perseverança da vontade dos cônjuges para a manutenção do casamento é a mesma exigida para a manutenção de uma societas, razão pela qual os conceitos de affectio societatis e de affectio maritalis são muito semelhantes em sua essência.

2.2. Ausência de expressa previsão legal

Necessário se faz esclarecer, preliminarmente, que o conceito de affectio societatis, no sentido de que esta consiste na intenção dos sócios de constituir uma sociedade, não encontra-se expressamente previsto como elemento específico para a caracterização das sociedades nas atuais legislações codificadas do Brasil [17], Portugal [18], França, Itália, Alemanha, Espanha, Argentina e México, tampouco em países do sistema da common law. No entanto, Pupo Correia, em Portugal, e Rubens Requião, no Brasil, acreditam que o legislador, ainda que de forma indireta, adotou o conceito de affectio societatis como elemento caracterizador das sociedades.

Para Pupo Correia, o conceito de affectio societatis estaria aflorado no artigo 36º, 1, do Código das Sociedades Comerciais, que cria um regime diferenciado para a chamada sociedade aparente, na qual dois ou mais indivíduos criam a ficção externa de uma sociedade que nem sequer pretenderam constituir. Isso significa que a lei conferiu uma "relevância jurídica indirecta à vontade dos sócios de constituírem uma sociedade como ente institucional diferenciado. Se assim não fosse, não haveria motivo para dar àquela situação um tratamento diferenciado do que é dado à falta de formalização do contrato de sociedade (art. 36º, 2 [19])" [20] [21].

Após assinalar que a affectio societatis é "um elemento característico do contrato societário", Requião afirma que o seu conceito foi utilizado pelo Código Comercial Brasileiro "quando enumera, no artigo 305, os fatos aparentes que exteriorizam a intenção de formar a sociedade" [22] [23].

2.3. A affectio societatis como elemento essencial para a caracterização da sociedade

A grande maioria dos doutrinadores considera que a affectio societatis é um elemento específico e essencial das sociedades, divergindo, porém, quanto à sua definição.

Após colocar a affectio societatis ao lado da pluralidade de sócios, do patrimônio próprio e da finalidade mercantil como elementos caracterizadores das sociedades, Azeredo Santos a define como sendo "a contribuição para o capital visando fim comum, através do esforço coletivo" [24].

Fran Martins igualmente compartilha desse conceito, definindo a affectio societatis como sendo "o desejo de estarem os sócios juntos para a realização do objeto social" [25], enquanto que Houpin et Bosvieux a definem como a "vontade de trabalhar em comum visando um interesse econômico" [26].

Todavia, vários autores criticam essa identificação da affectio societatis com a intenção de formar a sociedade porque conduz a uma tautologia, já que seria o mesmo que identificá-la com o requisito do consentimento dos contratos [27].

Carvalho de Mendonça entende que não há precisão nessa fórmula, pois "o elemento intencional, o consentimento dos contractantes sobre certo objecto é condição da essencia de todos os contratos" [28].

José Tavares também sustenta que essa intenção de formar a sociedade, embora verdadeira, "não carece de ser individualmente mencionada, por estar compreendida nas condições gerais e essenciais dos contratos". A affectio societatis não poderia, portanto, ser considerada como condição especial ou elemento natural do contrato de sociedade, mas tão somente "uma designação especial da manifestação de vontade, elemento essencial dos contratos" [29].

Embora compartilhe desse entendimento, Luís da Câmara Pinto Coelho não vê obstáculos em se recorrer àquele conceito de affectio societatis para caracterizar uma sociedade: "O intérprete deve recorrer a todos os elementos possíveis para ajuizar. Assim, não pode ser indiferente que as partes tenham ou não tido a intenção de realizar uma sociedade, e, portanto, de obter lucros; mas é igualmente apreciável o meio que tiveram em vista, ou seja, o uso normal, natural, sem risco, digamos, ou o disfrutamento activo, especulativo, produto dos elementos naturais trabalhados pela indústria dos sócios. Nem vejo inconveniente em chamar a esta intenção, mais ou menos complexa, affectio societatis, pois a sociedade pode ser tudo isso ou só parte desses elementos, conforme as circunstâncias" [30].

Em resenha, como bem salienta João Eunápio Borges, se por affectio societatis se compreende o consentimento dos contratantes, que é imprescindível à formação de qualquer contrato, é evidente que para constituir uma sociedade as partes deverão necessariamente ter a intenção de formá-la [31].

Entretanto, mesmo sendo necessária a intenção das partes, devemos atentar para a observação de Joaquin Rodriguez Rodriguez, quando este adverte que não se pode averiguar esta intenção tão somente nas declarações das partes, pois as declarações podem não existir, como também podem não ser reveladas ou até mesmo serem ocultas as verdadeiras intenções dos interessados. Por essa razão, Rodriguez sustenta que o motivo ou fim do contrato de sociedade é a participação nos benefícios e nas perdas. Este sim seria um elemento essencial para a caracterização da sociedade, ao passo que a affectio societatis seria um "puro aspecto del consentimiento en el contrato de sociedade" [32].

Cumpre ressaltar, ainda, que o próprio Fran Martins, que fundamenta a sua definição na intenção dos sócios em formar uma sociedade, adverte que a affectio societatis apenas se encontra nas sociedades contratuais ou de pessoas e não nas sociedades institucionais ou de capitais, pois "quando uma pessoa entra para uma dessas sociedades pode ignorar quais sejam os outros sócios, não havendo, assim, nenhum elo pessoal a ligá-los", ou seja, os sócios não são escolhidos de comum acordo visando realizar um objetivo comum [33].

2.4. O conceito de affectio societatis segundo um critério de ordem econômica

Diante da criticada insuficiência do conceito de affectio societatis baseado na condição de se verificar a intenção das partes, Paul Pic passou a sugerir para seu conteúdo um critério de ordem essencialmente econômica: a vontade, bem determinada, por parte de todos os sócios, de cooperar ativamente na realização da obra comum.

Para este autor, "todo contrato de sociedade pressupõe não somente a intenção de realizar benefícios por uma reunião de capitais, intenção que se pode descobrir num simples empréstimo, acompanhado de uma cláusula de participação, mas a vontade bem determinada, da parte de todos os sócios, de cooperar ativamente na obra comum. Discerne-se, em outros termos, em qualquer sociedade, um pensamento de cooperação econômica (Ripert) ou, mais exatamente, uma vontade de colaboração ativa (Thaller), em vista de um fim comum, que é a realização de um enriquecimento pela comunhão dos capitais e da atividade dos sócios" [34].

Ao invés da affectio societatis, Pic propõe como caráter específico da sociedade a "colaboração ativa, consciente e igualitária de todos os contratantes, para a obtenção de um lucro a partilhar" [35].

Essa idéia de colaboração ativa e igualitária foi compartilhada por vários outros autores franceses como Vuillermet et Hureau [36] e Juglart et Ippolito [37], tendo, ainda, sido adotada integralmente por Carvalho de Mendonça [38].

E embora não tenha expressamente admitido o conceito de Pic, o mexicano Mantilla Molina salienta ainda mais a necessidade de igualdade, afirmando que a expressão latina affectio societatis deve ser entendida como "a existência de uma igualdade tal entre as partes, que as constitua em verdadeiros sócios", pois, segundo ele, "quando falta a affectio societatis assim entendida, quando nem todos os sócios estão colocados em um mesmo plano, quando alguns mandam e outros obedecem, ou alguns se aventuram no campo do comércio correndo os conseqüentes riscos, em troca da possibilidade de ótimos ganhos, ao passo que outros nem estão dispostos aquilo ou não têm possibilidade daquilo, então falta uma verdadeira comunidade de fins: uns pretendem realizar uma empreitada econômica, enquanto outros se contentam em obter uma renda de seu capital ou uma remuneração de seu trabalho. Falta o fim comum e isso traz como conseqüência que falte a affectio societatis" [39].

O argentino Horacio Fargosi também afasta o conceito de affectio societatis como sendo simplesmente a vontade ou intenção de associar-se e propõe um conceito muito similar ao de Paul Pic, ao afirmar que ela consiste na vontade de cada sócio de adequar sua conduta e seus interesses pessoais, egoístas e não coincidentes às necessidades da sociedade, a fim de que esta possa cumprir o seu objetivo.

Fargosi acompanha a idéia de Molina ao assinalar que durante a vida da sociedade deve prevalecer uma situação de igualdade e equivalência entre os sócios, de modo que cada um deles e todos em conjunto observem um conduta na qual prevalece o interesse comum, que seria, na verdade, o modo de realização de seus interesses pessoais [40].

No entanto, essas fórmulas fundadas na colaboração ativa dos sócios não resistem ao argumento de João Eunápio Borges, no sentido de que existem sociedades "em que somente um dos sócios trabalha efetivamente para o fim social, limitando-se os demais a entrar com a sua cota para a formação do fundo social" [41].

Solá Cañizares também critica a noção de colaboração ativa e igualitária, asseverando ser evidente que ela não existe nos acionistas das grandes sociedades anônimas. Tampouco existiria a vontade de união e de cooperação, aceitando deliberadamente riscos comuns, nos acionistas das grandes sociedades anônimas que compram ações para obter uma renda e, menos ainda, para aqueles que compram os títulos com a finalidade de especular na Bolsa de Valores [42].

2.5. A affectio societatis como critério de distinção da sociedade

De outra parte, existem autores, como José Tavares, que apenas consideram a affectio societatis como um elemento de distinção entre a sociedade e outros estados jurídicos semelhantes. Em sua opinião, a affectio societatis seria um elemento intencional utilizado como último recurso de diferenciação para investigar o verdadeiro caráter jurídico do contrato de sociedade.

Ele exemplifica o seu raciocínio assinalando que a repartição de lucros na proporção de metade, a exigência de acordo comum das partes para a realização de operações a efetuar, os poderes de intervenção das partes na marcha dos negócios, bem como a situação de igualdade entre sócio e não de subordinação do empregado em relação aos patrões, são alguns elementos que podem determinar a existência de affectio societatis e, desse maneira, distinguir a sociedade de outros contratos [43].

Rubens Requião chega a dizer que a finalidade prática da affectio societatis consiste em "distinguir a sociedade de outros tipos de contrato, que tendem a se confundir, aparentemente, com a sociedade de fato ou presumida" [44]. Este também é o entendimento adotado por Houpin et Bosvieux [45], Rodrigo Uría [46] e Pinto Furtado [47].

Entretanto, se considerarmos, por exemplo, a exigência do artigo 980 do Código Civil Português, de que a atividade econômica de uma sociedade seja exercida "em comum" e não seja "de mera fruição", verificamos que o legislador já estabeleceu um elemento objetivo de distinção da sociedade e de outros tipos contratuais como, v.g., o de comunhão, sendo, assim, desnecessária a utilização da affectio societatis apenas como critério de distinção.

No caso do ordenamento brasileiro, não se justifica a utilização desse critério de distinção pois em se tratando de sociedades de fato, o artigo 305 do Código Comercial estabelece a presunção de que "existe ou existiu sociedade, sempre que alguém exercita atos próprios de sociedade, e que regularmente se não costumam praticar sem a qualidade social".

2.6. As críticas de inutilidade do conceito de affectio societatis

Parte da doutrina desconsidera totalmente o conceito de affectio societatis, alegando, entre outros motivos, a sua absoluta inutilidade prática para a caracterização das sociedades comerciais.

Solá Cañizares afirma que a affectio societatis é uma noção desconhecida pelas legislações e pela maioria dos autores e que as distintas teorias formuladas tem nenhuma utilidade prática. Acrescenta, ainda, que a affectio societatis não é um elemento específico essencial da sociedade e que é melhor abandonar definitivamente esta noção, pois não tem utilidade alguma e serve unicamente para provocar discussões doutrinárias [48].

José de Oliveira Ascensão assevera que as doutrinas subjetivistas que tentaram dar "uma pedra de toque da verificação do substrato social" das sociedades são todas "supérfluas" e que "não há nenhum animus que seja necessário comprovar para que exista a sociedade. Bastam os elementos objectivos que ficam enunciados. Fora deles, só ficam os clássicos princípios integradores, como o da fraude à lei, que também eles próprios são cada vez mais apresentados a uma luz objectivista, e não subjectivista" [49].

Pinto Coelho também rejeita a noção de affectio societatis, argumentando que ela "visa apenas o aspecto interno da vontade individual, que é, como sabemos, irrelevante para o direito" e que "o traço característico da sociedade deve respeitar necessariamente a um aspecto externo".

Cita, ainda, os ensinamentos de Navarrini, no sentido de que a affectio societatis é supérflua para a análise do juiz, uma vez que em qualquer relação jurídica sobre a qual tenha que se pronunciar, ele deverá averiguar a natureza jurídica do ato em questão, olhando para isso a vontade das partes.

Em outras palavras, sempre terá de averiguar qual foi a intenção das partes ao praticar um determinado ato produtivo de efeitos de direito, sendo, assim, desnecessário o conceito da affectio societatis para a caracterização da sociedade [50].


3. O conceito de affectio societatis adotado pela jurisprudência brasileira

3.1. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça

A jurisprudência brasileira vem adotando o conceito de affectio societatis no sentido de intenção dos sócios de formar a sociedade, apesar das inúmeras críticas feitas pelos doutrinadores quanto a esse conceito.

Porém, não nos cabe, neste momento, tentar explicar a razão da discrepância entre as orientações doutrinárias e o conceito adotado pela jurisprudência. Afinal de contas, não são raros os casos em que os entendimentos jurisprudenciais destoam dos pareceres dos jurisconsultos e mesmo da sociedade, o que talvez tenha motivado o astuto Shylock, no "Mercador de Veneza", a dizer que mais valia conhecer as opiniões do juiz do que aquilo que se encontrava prescrito na lei [51].

O Superior Tribunal de Justiça, a quem cabe, pelo texto constitucional vigente [52], dizer a última palavra sobre a interpretação da lei federal no país, expressamente reconheceu a affectio societatis como um "elemento específico do contrato de sociedade", que se caracteriza "como uma vontade de união e aceitação das aleas comuns do negócio", sendo perfeitamente possível a dissolução parcial da sociedade quando a affectio societatis não mais existe em relação a algum dos sócios [53].

Observamos, portanto, que esta Colenda Corte não adotou um critério de ordem econômica, mas tão somente o de considerar a affectio societatis como uma mera vontade dos sócios permanecerem na sociedade.

Todavia, embora o Superior Tribunal de Justiça reconheça a importância da affectio societatis para a continuidade da sociedade, fixou o entendimento de que não é cabível a oponibilidade da affectio societatis em caso de penhora de quotas de sociedade de responsabilidade limitada, ainda que o estatuto social proíba a entrada de sócios estranhos ao ajuste originário, pois uma vez que não há vedação legal para tanto, o contrato não pode impor vedação que a lei não criou.

Além disso, a a sociedade dispõe de mecanismos de defesa, quais sejam, a faculdade de remir a execução ou o bem, ou, ainda, de assegurar a ela e aos demais sócios, o direito de preferência na aquisição das quotas [54].


4. A existência da affectio societatis em sociedades anônimas

Grande parte da doutrina, assim como quase a totalidade da jurisprudência, rejeita a possibilidade de utilização do conceito de affectio societatis em se tratando de sociedades anônimas. Essa rejeição pode ser verificada, por exemplo, nos casos de dissolução parcial das sociedades anônimas.

Cumpre salientar que a dissolução parcial da sociedade por quotas de responsabilidade limitada tem sido amplamente admitida pela jurisprudência em casos de quebra da affectio societatis. Inspirou-se a jurisprudência no preceito de preservação da empresa como ente produtivo, gerador de empregos e tributos.

Esse entendimento, porém, não se aplica quando se trata de sociedades anônimas, uma vez que a natureza institucional desse tipo societário afasta o elemento pessoal nas relações entre os sócios. Nesse caso, a affectio societatis, entendida como a intenção de formar a sociedade, não seria considerada como um elemento determinante para a constituição ou continuação da empresa, razão pela qual seria incabível o pedido de dissolução parcial da sociedade anônima em face da ausência de affectio societatis [55]. Entretanto, a dissolução parcial da sociedade anônima por quebra da affectio societatis não pode ser descartada de pronto.

Com efeito, conforme leciona Fábio Konder Comparato, por mais que se considere estranho, o conceito de affectio societatis é perfeitamente aplicável às sociedades de capitais, tanto que "nas sociedades de sociedades, o que se procura na pessoa jurídica sócia, ou o que dela se espera, não é apenas uma contribuição de capital, absolutamente anônima e fungível, mas, antes de tudo, uma experiência tecnológica acumulada, a tradição comercial, a capacidade gerencial, o fato de o controlador ter a nacionalidade do país em que se vai atuar, e assim por diante. Daí ser possível falar, escusado o neologismo jurídico, em ‘sociedades anônimas de pessoas’, ao lado de ‘sociedades anônimas de capitais’, sublinhando-se, pela contradição da primeira dessas expressões, a importância do intuitus personae como pressuposto integrativo do pacto societário" [56].

Uinie Caminha também assevera que na grande maioria das companhias fechadas brasileiras o intuitu personae ainda é muito importante, pois "a maioria dessas sociedades são constituídas com uma base familiar muito forte, e, embora se trate supostamente de uma sociedade de capitais, a quebra do vínculo de affectio societatis constitui forte empecilho à prosperidade da empresa, e um grande desconforto para os sócios".

Caminha conclui, em seguida, que somente "deve-se considerar uma sociedade como sendo de pessoas ou de capitais se o elemento pessoal for relevante na gestão da empresa ou não. Deve-se evitar a presunção errônea de que a sociedade anônima é sempre alheia ao intuitu personae e à affectio societatis". E, mais adiante assevera: "Uma vez que se constate que uma sociedade, mesmo sob a forma de anônima, pode ter sido constituída com base no intuitu personae, deve-se levar em conta que o conteúdo desse elemento passa a integrar as bases do negócio jurídico. O consentimento que está na base da relação societária está fundado na confiança mútua e na vontade dos sócios de cooperarem em conjunto para a obtenção de determinados benefícios" [57].

Fábio Konder Comparato vai ainda mais além, dizendo que nos ordenamentos romano-germânicos a possibilidade jurídica da "sociedade anônima de pessoas" está ligada "à mais larga admissão da validade jurídica e da execução específica de estipulações de acordos de acionistas, como é o caso da nossa Lei 6.404, de 15.12.76. Essa possibilidade jurídica prende-se, também, ao reconhecimento de que os acionistas podem ter, para com a companhia, obrigações de prestação acessória, além da normal responsabilidade capitalística pelo pagamento das ações subscritas ou adquiridas". Uma dessas obrigações de prestação acessórias seria a proibição dos acionistas de concorrerem com a sociedade, nos mesmos moldes das regras próprias das sociedades não-acionárias [58].

De conseguinte, os mesmos fundamentos utilizados para a dissolução parcial das sociedades por quotas de responsabilidade limitada por quebra da affectio societatis podem ser aplicados para a dissolução parcial das sociedades anônimas.


5. O conceito de ligabilidad

5.1. A doutrina de Vicente y Gella

Passa-se agora a analisar o conceito de ligabilidad, proposto por Agustín Vicente y Gella como elemento característico e diferenciador da sociedade, ao invés do tradicional conceito de affectio societatis.

Vicente y Gella, em sua obra Introducción al Derecho Mercantil Comparado, assinala que o conceito generalizado de sociedade, no sentido de que esta seria uma união de pessoas e bens com ânimo de lucro, é muito pobre, pois a vida nos mostra uma série de situações em que, apesar de presentes os elementos contidos naquele conceito, dificilmente poderíamos atribuir-lhes a condição de sociedades [59]. Exemplifica a sua assertiva com as seguintes situações: a) duas pessoas compram mercadorias com a intenção de revendê-las e dividir os ganhos obtidos; b) um proprietário arrenda seu teatro a uma companhia que se propõe a dar várias apresentações dramáticas, dando em pagamento pela locação do imóvel uma porcentagem da bilheteria; c) um comerciante contrata um agente comercial dando-lhe um prêmio por cada produto colocado no mercado; d) um capitalista entrega uma soma de dinheiro a título de empréstimo a um industrial para que leve adiante seu negócio, com a condição de dar-lhe uma participação determinada nos benefícios que venha obter.

Em todos esses casos, afirma Vicente y Gella, não obstante encontrem-se presentes os elementos da união de pessoas e do intuito de lucro, não nos encontramos frente a uma sociedade civil nem mercantil. Na realidade, a sociedade seria uma relação, uma relação entre pessoas, porém necessário se faz determinar qual é a essência dessa relação.Em seguida, passa a criticar a posição de Houpin et Bosvieux, para quem o contrato de sociedade supõe a reunião de vários elementos e um deles seria a affectio societatis ou a intenção de formar a sociedade.

Sustenta Vicente y Gella que essa relação não pode constituir em uma affectio ou intenção, pois se trata de um aspecto interno da vontade individual, que não interessa ao Direito. Ao contrário, a relação de sociedade deve ter um aspecto externo, social, com uma característica diferencial, que ele denomina de ligabilidad, isto é, "en la responsabilidade directa de los socios frente a tercero por los actos en que consiste la gestión social" [60].

Para explicar o seu conceito, retorna ao exemplo anteriormente citado, relativo ao proprietário que arrenda seu teatro em troca de uma porcentagem da bilheteria. Argumenta que o proprietário não tem responsabilidade perante terceiros pelos atos de gestão de negócio do arrendatário, tampouco perante os funcionários deste em caso de não pagamento dos salários. Muito embora ele tenha interesse no sucesso do empreendimento, a sua missão se limita em retirar a participação que lhe é devida. Semelhante situação também sucede nos demais exemplos por ele arrolados.

Ao contrário, afirma que em qualquer tipo de sociedade o sócio responde, no limite de seu aporte ou mesmo fora deste (no caso das sociedades de responsabilidade ilimitada), por todos os atos de quem legitimamente dirige a exploração do negócio.

João Eunápio Borges, que acolheu integralmente o conceito de "ligabilidad" proposto por Vicente y Gella, acrescenta que até mesmo nas sociedades anônimas, em que a responsabilidade dos sócios é limitada ao valor das suas ações, a repercussão em seu patrimônio é inerente, pois são forçados a integralizar ações para atender às obrigações assumidas pelos diretores ou a reduzir-lhes o valor real em virtude da diminuição do patrimônio resultante de atos infelizes da gestão social [61].

Em suma, a essência da sociedade consiste na responsabilidade, ou, como o próprio Vicente y Gella prefere salientar, na relação de ligabilidad, pela qual a atividade da empresa repercute de uma maneira direta no patrimônio individual daqueles que a formam. Esta responsabilidade algumas vezes alcança o patrimônio total do sócio (responsabilidade ilimitada), outras se limita à sua quota (responsabilidade limitada), porém, em todo caso, é uma responsabilidade direta que o obriga frente a terceiro pelo resultado dos negócios sociais.

Com este elemento, Vicente y Gella conceitua a sociedade como sendo "a união de várias pessoas para a exploração de um negócio, cuja gestão produz, em relação a cada uma delas, uma responsabilidade direta perante terceiros" [62].

Segundo João Eunápio Borges, essa noção sugerida por Vicente y Gella é a única apta a distinguir perfeitamente a sociedade das situações e relação com as quais a perigo de confundi-lá [63].

Esse, porém, não foi o entendimento de Pinto Coelho, para quem a doutrina da ligabilidad pode conduzir a equívocos e que o seu defeito consiste "em estar formulada de maneira que parece esquecer a existência do ente colectivo, e que na sociedade (na sociedade comercial, pelo menos, por ser revestida de personalidade jurídica, como sabemos) surge da união dos sócios um novo sujeito de direito, sendo que em nome dêle que se realizam tôdas as operações em que se desenvolve a gestão social, e sendo portanto dêsse sujeito de direito a responsabilidade directa por todos os actos da sociedade, perante terceiros" [64].

Embora admita que nas operações sociais os resultados dos negócios da sociedade sempre reflitam em última análise no patrimônio dos sócios, aumentando-o com os lucros distribuídos, ou desfalcando-o com a diminuição ou perda da parte social, Pinto Coelho sustenta que o reflexo ou a repercussão dos atos da gestão social no patrimônio dos sócios devem ser considerados indiretos e nunca diretos.

Finaliza que a idéia essencial que se deduz da doutrina de Vicente y Gella é "a de que os resultados da gestão social se repercutem, e da mesma forma ou com o mesmo ângulo, nos patrimónios individuais dos sócios" e que essa doutrina se aplica inclusive quanto aos sócios de mera indústria, pois embora esse não tenha perda de bens materiais ou corpóreos, já que entrou apenas com a sua indústria, "a verdade é que, com as perdas sociais da sociedade diminui sempre um valor ou elemento do seu patrimônio – a sua parte social ou o seu direito social" [65].

5.2. Questionamentos sobre o conceito de ligabilidad

Embora seja indiscutível o interesse e a exatidão da doutrina de Vicente y Gella, ousa-se apresentar os seguintes questionamentos.

Em todas as hipóteses elencadas pelo pré-citado autor, v.g., a do proprietário que arrenda o seu teatro para uma companhia dramática em troca de uma porcentagem da bilheteria da apresentação de uma peça, bem como a do capitalista que entrega uma soma de dinheiro a um industrial em troca de uma participação em ganhos futuros, ele admite expressamente que aquelas pessoas têm interesse no sucesso do empreendimento, embora a sua missão esteja limitada à retirada na participação que lhes é devida.

No entanto, Vicente y Gella nega a existência de uma relação de sociedade entre essas pessoas porque não existiria a responsabilidade do proprietário do teatro ou do capitalista pelos atos de gestão da companhia dramática e do industrial.

Ocorre que existem situações em que o objetivo das pessoas é exatamente se isentar de todo e qualquer tipo de responsabilidade. A vida mostra inúmeros casos dessa jaez. Imagine-se a seguinte hipótese com relação ao exemplo do proprietário que arrenda o seu teatro para uma companhia dramática: suponha-se que tivesse sido fixado um percentual sobre a bilheteria, porém o proprietário tenha exigido e recebido uma parte antecipada da quantia que iria receber ao final. Após vender todos os ingressos para a apresentação, a companhia, por motivos injustificados, deixa de apresentar a peça e não devolve o pagamento dos ingressos para os espectadores. Pergunta-se: tem o proprietário que recebeu a parte adiantada do aluguel o dever de devolver o dinheiro para os espectadores?

E se o proprietário do teatro, ao invés de receber o aludido adiantamento, tivesse, na perspectiva de auferir maiores lucros, se encarregado da publicidade nos meios de comunicação social da peça e esta, também por motivos injustificados, não fosse apresentada? Pelo fato de ter feito a publicidade da peça, teria ele o dever de indenizar os espectadores que pagaram antecipadamente pelo ingresso?

Veja-se, ainda, o caso do capitalista que entrega o seu dinheiro ao industrial, objetivando uma participação determinada nos lucros que este venha auferir. Segundo Vicente y Gella, não teria o capitalista nenhuma responsabilidade pelos atos de gestão do industrial. O capitalista, repita-se, apenas iria se beneficiar em caso de lucro do industrial.

Se a questão for analisada apenas sob o ponto de vista da "ligabilidad", sem aprofundar quanto a verdadeira intenção do capitalista ao entregar o seu dinheiro, de que maneira poder-se-ia resolver o problema da responsabilidade perante terceiros das sociedades dirigidas por "testas de ferro"? Se for desconsiderada, como propõe Vicente y Gella, a intenção do agente, de que maneira poder-se-ia descobrir quem é o verdadeiro responsável pelo empreendimento?

Nessas situações hipotéticas, onde deve ser questionado quem deve arcar com a responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros, a noção de "ligabilidad" não é suficiente para determinar se existe ou não uma relação de sociedade entre as partes envolvidas. Para se determinar a responsabilidade, necessariamente deve ser levado em consideração o princípio de que não é lícito apenas se beneficiar com os lucros da atividade, mas também arcar com os riscos inerentes ao empreendimento.

De forma que a análise desse elemento subjetivo, qual seja, a intenção do agente em formar a sociedade, não pode ser simplesmente descartada. Não se quer com isso afirmar que o conceito de ligabilidad não possa ser utilizado como elemento característico e diferenciador da sociedade, mas sim que ele, por si só, não é suficiente para se determinar o titular da responsabilidade pelos atos de gestão social perante terceiros.

Não há dúvida quanto ao fato de que a responsabilidade perante terceiros é um traço fundamental para caracterização da sociedade. No entanto, é imprescindível que se indague a respeito da verdadeira intenção do agente. E muito embora essa análise da intenção seja subjetiva, pois depende de aspectos internos do sujeito, existem diversos elementos exteriores a indicar se as atitudes do agente podem ser enquadradas como a de um verdadeiro sócio.

Os exemplos mencionados por José Tavares para determinar a existência de affectio societatis, quais sejam, a repartição de lucros na proporção de metade, a exigência de acordo comum das partes para a realização de operações a efetuar, os poderes de intervenção das partes na marcha dos negócios, bem como a situação de igualdade entre sócio e não de subordinação do empregado em relação aos patrões, são perfeitamente aplicáveis ao nosso raciocínio [66].

Acrescente-se, ainda, que é desnecessária a participação ativa e igualitária de todos os contratantes. Pouco importa se apenas um dos contratantes é quem efetivamente pratica os atos de gestão. Basta que o agente possibilite o início ou a continuidade do empreendimento, cedendo bens ou garantindo o aporte financeiro, em troca de uma participação nos ganhos futuros, para que seja considerado responsável por danos causados contra terceiros. Não pode o agente simplesmente se beneficiar com os lucros da atividade, mas deve suportar os riscos do empreendimento. Caso contrário, deverá, nos exemplos citados, realizar um contrato de empréstimo em troca de uma remuneração pelo capital ou fixar o valor da locação do imóvel. Ao se beneficiar com uma parcela dos lucros, seja o proprietário do teatro, seja o capitalista, devem arcar com a responsabilidade, pois, sem as suas participações, os empreendimentos não teriam sido realizados.

Em suma: o conceito de ligabilidad, isto é, a "responsabilidade direta dos sócios perante terceiros quanto aos atos em que se desenvolve a gestão social" depende, necessariamente, da análise da intenção do contratante de formar a sociedade. E essa intenção não depende de sua participação ativa ou igualitária na sociedade, mas tão somente da constatação de que o agente proporcionou a formação ou a continuidade do empreendimento, em troca de uma participação nos ganhos futuros. Existindo essa intenção de exploração de um negócio, o contratante obrigatoriamente terá uma responsabilidade perante terceiros pela gestão social.

Em outras palavras: para se estabelecer a responsabilidade da sociedade perante terceiros é imprescindível averiguar se existe ou não a intenção dos sócios e outras pessoas de explorarem aquele negócio, ainda que indiretamente.

Cumpre salientar, todavia, que essa responsabilidade, ao contrário do que afirma Vicente y Gella, não pode ser direta, pois a legislação brasileira expressamente determina que os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei [67], salvo se o sócio praticou ato com excesso de poderes ou infração da lei, do contrato social ou dos estatutos. Porém, caberá ao credor-exeqüente a prova da conduta faltosa do sócio e a este a de que integralizou a sua cota.

De conseguinte, a responsabilidade dos sócios e de outras pessoas que também estão explorando a sociedade não pode ser considerada "direta", mas sim subsidiária.

De todo o exposto pode-se concluir que tanto a affectio societatis quanto a ligabilidad não são, isoladamente, suficientes como elementos de caracterização da sociedade.

Todavia, a interação entre esses conceitos é perfeitamente cabível, ou seja, um não exclui o outro. Ao invés disso, ambos se complementam e podem, de uma forma conjugada, ser utilizados para a configuração de uma sociedade e, via de conseqüência, para apurar a responsabilidade desta, ainda que subsidiária, perante terceiros.


6. CONCLUSÕES

6.1. A expressão affectio societatis surgiu no Direito Romano para sublinhar a exigência de continuidade e de perseverança da vontade para a manutenção da societas, sendo, assim, diferente do conceito de conventio exigido para outros tipos de contratos consensuais.

6.2. A exigência de continuidade e de perseverança da vontade dos cônjuges para a manutenção do casamento no Direito Romano é a mesma exigida para a manutenção de uma societas, razão pela qual os conceitos de affectio societatis e de affectio maritalis são muito semelhantes em sua essência.

6.3. O conceito de affectio societatis, no sentido de que esta consiste na intenção dos sócios de constituir uma sociedade, não encontra-se expressamente previsto como elemento específico para a caracterização das sociedades nas atuais legislações codificadas do Brasil, Portugal, França, Itália, Alemanha, Espanha, Argentina e México, tampouco em países do sistema da common law, embora existam autores no Brasil e em Portugal que acreditem que o legislador, ainda que de forma indireta, adotou o conceito de affectio societatis como elemento caracterizador das sociedades.

6.4. A grande maioria dos doutrinadores considera que a affectio societatis é um elemento específico e essencial das sociedades, definindo-a como a intenção de formar uma sociedade. Entretanto, este conceito já foi duramente criticado porque se por affectio societatis se compreende o consentimento dos contratantes, que é imprescindível à formação de qualquer contrato, é evidente que para constituir uma sociedade as partes deverão necessariamente ter a intenção de formá-la.

6.5. Ao invés da affectio societatis, outros autores, apoiados na doutrina de Paul Pic, propõem como caráter específico da sociedade a "colaboração ativa, consciente e igualitária de todos os contratantes, para a obtenção de um lucro a partilhar". No entanto, essa fórmula baseada na colaboração ativa dos sócios não se coaduna com o fato de que em algumas sociedades somente um dos sócios trabalha efetivamente para o fim social, limitando-se os demais a entrar com a sua cota para a formação do fundo social. Além disso, não se pode dizer que exista colaboração ativa e igualitária nos acionistas das grandes sociedades anônimas e tampouco nos investidores de ações em Bolsa de Valores.

6.6. De outra parte, existem autores que apenas consideram a affectio societatis como um elemento de distinção entre a sociedade e outros estados jurídicos semelhantes que tendem a se confundir, aparentemente, com a sociedade de fato ou presumida. Ocorre que o legislador brasileiro, bem como o português, já estabeleceu outros elementos objetivos de distinção da sociedade e de outros tipos contratuais.

6.7. Há quem afirme que a affectio societatis não é um elemento específico essencial da sociedade e que é melhor abandonar definitivamente esta noção, pois não tem utilidade alguma e serve unicamente para provocar discussões doutrinárias.

6.8. O Superior Tribunal de Justiça vem reiteradamente reconhecendo a affectio societatis como um "elemento específico do contrato de sociedade", que se caracteriza "como uma vontade de união e aceitação das aleas comuns do negócio", sendo perfeitamente possível a dissolução parcial da sociedade quando a affectio societatis não mais existe em relação a algum dos sócios. A Colenda Corte não adotou um critério de ordem econômica, mas tão somente o de considerar a affectio societatis como uma mera vontade dos sócios permanecerem na sociedade.

6.9. Os mesmos fundamentos utilizados para a dissolução parcial das sociedades por quotas de responsabilidade limitada por quebra da affectio societatis podem ser aplicados para a dissolução parcial das sociedades anônimas.

6.10. Segundo Agustín Vicente y Gella, a essência da sociedade consiste na responsabilidade, ou, como ele próprio prefere salientar, na relação de ligabilidad, pela qual a atividade da empresa repercute de uma maneira direta no patrimônio individual daqueles que a formam. Com este elemento, Vicente y Gella conceitua a sociedade como sendo "a união de várias pessoas para a exploração de um negócio, cuja gestão produz, em relação a cada uma delas, uma responsabilidade direta perante terceiros".

6.11. Em determinadas situações hipotéticas, onde deve ser questionado quem deve arcar com a responsabilidade pelos prejuízos causados a terceiros, a noção de ligabilidad não é suficiente para determinar se existe ou não uma relação de sociedade entre as partes envolvidas. A responsabilidade, em tais casos, está implícitamente ligada ao princípio de que não é lícito apenas se beneficiar com os lucros da atividade, mas também arcar com os riscos inerentes ao empreendimento. De forma que a análise desse elemento subjetivo, qual seja, a intenção do agente em formar a sociedade, não pode ser simplesmente descartada.

6.12. A responsabilidade perante terceiros é um traço fundamental para caracterização da sociedade. No entanto, é imprescindível que se indague a respeito da verdadeira intenção do agente. E essa intenção não depende de sua participação ativa ou igualitária na sociedade, mas tão somente da constatação de que o agente proporcionou a formação ou a continuidade do empreendimento, em troca de uma participação nos ganhos futuros.

6.13. Existindo essa intenção de exploração de um negócio, o contratante obrigatoriamente terá uma responsabilidade perante terceiros pela gestão social, estando, assim, devidamente caracterizada a sociedade.

6.14. Ao contrário do que afirma Vicente y Gella, a responsabilidade dos sócios não pode ser direta, pois a legislação brasileira expressamente determina que os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei, salvo se o sócio praticou ato com excesso de poderes ou infração da lei, do contrato social ou dos estatutos.

6.15. A affectio societatis e a ligabilidad não são, isoladamente, suficientes como elementos de caracterização da sociedade. Todavia, a interação entre esses conceitos é perfeitamente cabível, ou seja, um não exclui o outro. Ao invés disso, ambos se complementam e podem, de uma forma conjugada, ser utilizados para a configuração de uma sociedade e, via de conseqüência, para apurar a responsabilidade desta, ainda que subsidiária, perante terceiros.


NOTAS

01. FERREIRA, Waldemar Martins. Tratado de Sociedades Mercantis. 4ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos S/A, 1952, p. 45-46.

02. KASER, Max. Direito Privado Romano. Tradução de Samuel Rodrigues e Ferdinand Hammerle do original alemão intitulado: Romisches Privatrecht. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1999, p. 255.

03. FERREIRA, Waldemar Martins. Tratado. .., p. 48.

04 VOLTERRA, Eduardo. Instituciones de Derecho Privado Romano. Madrid: Civitas S/A, 1986, p. 519-520.

05 Para diferenciar o contrato de sociedade de outros contratos consensuais, VOLTERRA assinala que nestes, da manifestação inicial da vontade surge a relação obrigacional que, uma vez existente, se mantém e segue tendo valor entre as partes, independentemente que continue ou não a vontade das partes. Exemplifica o seu raciocínio citando o contrato de compra e venda, no qual as obrigações recíprocas do comprador e do vendedor surgem no momento em que eles estão de acordo sobre a coisa e sobre o preço. Tais obrigações continuam sobre os sujeitos da relação e pode ser exigido seu cumprimento, mesmo que em uma das partes tenha desaparecido a vontade respectiva de dar o preço para receber a coisa que é objeto da compra e venda ou de dar a coisa para receber o preço (Instituciones. .., p. 520).

06 Esse também é o entendimento de Alfredo di Pietro: "o contrato de sociedade é consensual porque se constitui pelo mero consentimento e dura enquanto este perdure entre as partes" (Derecho Privado Romano. Buenos Aires: Depalma, 1996, p. 253). Max Kaser igualmente assevera que "a sociedade baseia-se no consenso permanente e subsiste apenas pelo período em que os sócios mantiverem essa vontade comum" (Direito. .., p. 256).

07 VOLTERRA assevera que essa idéia teria sido expressada de forma sintética por GAYO (3, 151): manet autem societas eo usque, donec in eodem consensu perseverat, tendo mais tarde sido repetida por DIOCLECIANO (C. 4, 37, 5): tandiu societas durat, quamdiu consensus partium integer perseverat (Instituciones. .., p. 520)

08 BORGES, João Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1964, p. 242.

09 FERREIRA, Waldemar Martins, Tratado. .., p. 48.

10 VOLTERRA, Eduardo. Instituciones. .., p. 520.

11 KASER, MAX. Direito. .., p. 317.

12 KASER, Max. Direito. .., p. 317.

13 LEITE, Eduardo de Oliveira. "A Affectio Maritalis e a União Livre: Atualidade do Direito Romano". Revista de Informação Legislativa, ano 27, n. 105, Jan/Mar/1990, p. 247.

14 D’ORS. J. A. Elementos de Derecho Privado Romano. 3ª ed. Pamplona: Universidad de Navarra, 1992, p. 67.

15 IGLESIAS, Juan. Derecho Romano. 12ª ed. Barcelona: Ariel, 1999, p. 339.

16 IGLESIAS, Juan. Derecho. .., p. 339.

17 Encontramos na obra de José Xavier Carvalho de Mendonça uma referência ao Decreto n. 434, de 04 de julho de 1891, que ao estabelecer os requisitos da escritura pública de organização das sociedades anônimas, exigiu, em seu artigo 72, a declaração da vontade de formar a sociedade (Tratado de Direito Commercial Brazileiro. Volume III, livro II. São Paulo: Duprat & Comp., 1914, p. 17, nota 3).

18 Em seus comentários ao artigo 980 do Código Civil, Pires de Lima e Antunes Varela apontam três requisitos referidos naquele artigo para a caracterização do contrato de sociedade: a contribuição dos sócios, o exercício em comum de certa atividade econômica, que não seja de mera fruição, e a repartição dos lucros. Em seguida, discorrem sobre cada um dos elementos supra mencionados, sem, porém, fazerem qualquer menção sobre a affectio societatis (Código Civil Anotado: Artigos 762 a 1250. Coimbra: Coimbra Editora Lda., 1968, p. 225-227)

19 Código das Sociedades Comercias, artigo 36º, 2: "Se for acordada a constituição de uma sociedade comercial, mas, antes da celebração da escritura pública, os sócios iniciarem a sua actividade, são aplicáveis às relações estabelecidas entre eles e com terceiros as disposições sobre a sociedades civis."

20 CORREIA, Miguel J. A. Pupo, Direito Comercial. 6ª ed. Lisboa: Ediforum, 1999, p. 387-388.

21 Código das Sociedades Comercias, artigo 36º, 1: "Se dois ou mais indivíduos, quer pelo uso de uma firma comum quer por qualquer outro meio, criarem a falsa aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade responderão solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas nesses termos por qualquer deles."

22 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. V. 1, 8ª ed. São Paulo: Saraiva, 1977, 276.

23 Código Comercial Brasileiro, Art. 305: "Presume-se que existe ou existiu sociedade, sempre que alguém exercita atos próprios de sociedade, e que regularmente se não costumam praticar sem a qualidade social. Desta natureza são especialmente: 1 - Negociação promíscua e comum. 2 - Aquisição, alheação, permutação, ou pagamento comum. 3 - Se um dos associados se confessa sócio, e os outros o não contradizem por uma forma pública. 4 - Se duas ou mais pessoas propõem um administrador ou gerente comum. 5 - A dissolução da associação como sociedade. 6 - O emprego do pronome nós ou nosso nas cartas de correspondência, livros, fatura, contas e mais papéis comerciais. 7 - O fato de receber ou responder cartas endereçadas ao nome ou firma social. 8 - O uso de marca comum nas fazendas ou volumes. 9 - O uso de nome com a adição - e companhia. A responsabilidade dos sócios ocultos é pessoal e solidária, como se fossem sócios ostensivos (art. 316)."

24 SANTOS, Theophilo de Azeredo. Manual de Direito Comercial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1965, p. 197.

25 MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial. 15ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 212.

26 HOUPIN, C., BOSVIEUX. H. Traité Général des Sociétés. v. I., 7ª ed. Paris: Librairie Recueil Sirey, 1935 p. 68. Todavia, conforme veremos adiante, embora afirmem que a affectio societatis é um elemento essencial para a caracterização da sociedade, sustentam que tal conceito apenas tem a função de distinguir o contrato de sociedade de outros tipos de contrato.

27 SOLÁ CAÑIZARES, Felipe de. Tratado de Derecho Comercial Comparado. Tomo III. Barcelona: Montaner y Simón S/A, 1963, p. 67.

28 MENDONÇA, J. X. Carvalho de. Tratado. .., p. 17, nota 3.

29 TAVARES, José. Sociedades e Empresas Comerciais. 2ª ed. Coimbra: Coimbra Editora Lda, 1924, p. 22.

30 Da Compropriedade no Direito Português. Lisboa, Dissertação de Doutoramento em Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 1939, p. 168-169.

31 BORGES, João Eunápio. Curso. .., p. 16.

32 RODRIGUEZ RODRIGUEZ, Joaquin. Tratado das Sociedades Mercantiles. Mexico: Editorial Porrua S/A, 1947, p. 58.

33 MARTINS, Fran. Curso. .., p. 212.

34 PIC, Paul. Traité Général de Droit Commercial: Des Sociétés Commerciales. 10ª ed. Paris: Librairie Arthur Rousseau, 1925, p. 70-71.

35 PIC, Paul. Traité. .., p. 71.

36 Consideram que a affectio societatis é um elemento específico do contrato de sociedade, uma característica intencional, definindo-a nos seguintes termos: "a vontade efetiva e sincera de todos os sócios de colaborar juntos e em verdadeira igualdade objetivando atingir um fim comum" (VUILLERMET, G., HUREAU, G. Droit des Sociètès Commerciales: Nouvelle Législation. Paris: Dunod, 1969, p. 26).

37 Afirmam que "a intenção de formar uma sociedade", por eles denominada de affectio societatis, é um elemento essencial para a caracterização da sociedade comercial ou civil. Essa intenção consiste na "vontade de vários sócios de colaborar no empreendimento de uma maneira ativa e juntos em pé de igualdade" (JUGLART, Michel de., IPPOLITO, Benjamin. Cours de Droit Commercial: Les Sociètès Commerciales. 4ª ed., 10º v. Paris: Éditions Montchrestien, 1971, p. 57 e 67).

38 Fundamenta o seu apoio a Paul Pic sustentando que o mais exato "será dizer que os sócios devem manifestar a vontade de cooperar activamente para o resultado que proccuram obter, reunindo capitaes e collocando-se na mesma situação de egualdade. É indispensável à sociedade a identidade de interesses, a cooperação economica, na phrase de Rippert, ou a vontade da collaboração activa dos socios, na expressão de Thaller, tendo estes sempre em vista o fim comum, a realização de um enriquecimento pelo concurso de seus capitaes e da sua actividade" (Tratado. .., p. 18).

39 MANTILLA MOLINA, Roberto L. Derecho Mercantil: Introducción y Conceptos Fundamentales. Sociedades. 15ª ed. México, DF: Editorial Porrua S.A., 1975. p. 173.

40 Horacio Fargosi assim define a affectio societatis: "... se revelaría como la conducta de los socios destinada a adecuar sus interesses personales y egoístas com el objeto social, de modo de hacer possible su realización, posponiendo aquéllos a lo que comúnmente see denomina interés social" (La Affectio Societatis, Buenos Aires: Libreria Jurídica, 1938, p. 88).

41 BORGES, João Eunápio. Curso. .., p. 243.

42 SOLÁ CAÑIZARES, Felipe de. Tratado. .., p. 67.

43 TAVARES, José. Sociedades. .., p. 22-23 e 40.

44 REQUIÃO, Rubens. Curso. .., p. 276.

45 Eles não concordam com a posição de alguns autores que consideram a affectio societatis como um elemento de ordem intencional ou psicológica, sem qualquer influência na natureza jurídica do contrato de sociedade. Pelo contrário, afirmam que a affectio societatis é um elemento essencial, pois permite distinguir o contrato de sociedade de vários outros contratos (HOUPIN, C., BOSVIEUX. H. Traité. .., p. 68).

46 Uría afirma que a empresa tem uma finalidade comum e isto supõe que todos os sócios, em maior ou menor grau, podem e devem colaborar na marcha dos assuntos sociais e na consecução do fim comum. Salienta que esta idéia de colaboração, por ele denominada de ius fraternitatis ou affectio societatis, na qual repousa toda sociedade, é um dos dados mais importantes para distinguir essa figura jurídica de outras similares (URÍA, Rodrigo. Derecho Mercantil. 19ª ed. Madrid: Marcial Pons Ediciones Juridicas S/A, 1992, p. 164-165).

47 Assevara que doutrinadores mais antigos, como Pinto Coelho e Garrigues, têm afirmado que a affectio societatis não constitui um verdadeiro elemento de contrato de sociedade e, ao perscrutar-se a vontade das partes, em ordem a determinar se elas quiseram efectivamente fundar uma sociedade, o juiz nada mais faz, afinal, do que o que em todos os casos deve fazer para determinar a especial estrutura organizada pelas partes. Pinto Furtado sustenta que a affectio societatis é "útil na caracterização do conceito de sociedade, distinguindo-o de figuras vizinhas como a indivisão, comunhão ou compropriedade" (FURTADO, J. Pinto. Código Comercial Anotado. v. 1. Coimbra: Livraria Almedina, 1975, p. 217).

48 SOLÁ CAÑIZARES, Felipe de. Tratado. .., p. 68.

49 ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Comercial: Sociedades Comerciais. Parte Geral. Vol. IV. Lisboa, 2000, p. 36.

50 COELHO, José Gabriel Pinto. Lições de Direito Comercial: Obrigações Mercantis – Sociedades Comerciais. Lisboa: Martins Souto, 1946, p. 185.

51 SHAKESPEARE, William. The Merchant of Venice, acto IV, cena I.

52 Constituição Federal, art. 105, inciso III, "a"

53 À guisa de exemplo, colaciona-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: "DIREITO COMERCIAL. SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. FIM DA AFFECTIO SOCIETATIS. DISSOLUÇÃO PARCIAL. POSSIBILIDADE. I – A affectio societatis, elemento específico do contrato de sociedade comercial, caracteriza-se como uma vontade de união e aceitação das aleas comuns do negócio. Quando este elemento não mais existe em relação a algum dos sócios, causando a impossibilidade da consecução do fim social, plenamente possível a dissolução parcial, com fundamento no art. 336, I, do CCO., permitindo a continuação da sociedade com relação aos sócios remanescentes. II – Agravo Regimental improvido" (STJ, 3ª T., Rel. Min. Cláudio Santos, AGA 90995/RS, DJ 15/04/96, p. 11531). Também nesse sentido: RESP 60823-SP, Rel. Min. Waldemar Zveiter; RESP 65439-MG, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira e RESP 38160-SP, Rel. Min Waldemar Zveiter.

54 Neste sentido: "CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO. EXECUÇÃO. PENHORA. SOCIEDADE POR COTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. POSSIBILIDADE. 1 – É possível a penhora de cotas de sociedade limitada, porquanto prevalece o princípio de ordem pública, segundo o qual o devedor responde por suas dívidas com todos os seus bens presentes e futuros, não sendo, por isso mesmo, de se acolher a oponibilidade da affectio societatis. É que, ainda que o estatuto social proíba ou restrinja a entrada de sócios estranhos ao ajuste originário é de se facultar à sociedade (pessoa jurídica) remir a execução ou o bem, ou, ainda, assegurar a ela e aos demais sócios, o direito de preferência na aquisição a tanto por tanto. 2 – Recurso conhecido mas improvido." (STJ, 6ª T., RESP 201181-SP, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ 02/05/2000, p. 189); e, "PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS POR DÍVIDAS TRIBUTÁRIAS DA EMPRESA. PENHORABILIDADE DAS QUOTAS DE SÓCIO DE LIMITADA. O não recolhimento de tributo devido pela pessoa jurídica constitui infração à lei, o que enseja responsabilidade dos sócios-gerentes. São penhoráveis, em execução, as quotas do sócio-gerente de sociedade por quotas de responsabilidade limitada e tal penhorabilidade não atenta contra o princípio da affectio societatis. Recurso improvido" (STJ, 1ª T., RESP 211842-MG, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 06/09/1999, p. 60). Também nesse sentido: RESP 7387-PR; RESP 36176-SP; RESP 4412-RJ; RESP 62301-SP; RESP 16540-PR; RESP 36692-SP.

55 Neste sentido: STJ, 3ª T., MC 3438/SP, Rel. Min. Menezes Direito, DJ 9.4.2001, p. 349.

56 COMPARATO, Fábio Konder. "Restrições à Circulação de Ações em Companhia Fechada: ‘Nova et Vetera’". In: Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 36, ano XVIII (nova série), out/dez/79, São Paulo: RT, p. 65.

57 CAMINHA, Uinie. "Dissolução Parcial de S/A. Quebra da affectio societatis. Apuração de Haveres". Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, n. 114, ano XXXVII (nova série), abril-junho/99, São Paulo: Malheiros, p. 174-182.

58 COMPARATO, Fábio Konder. Restrições. .., p. 66.

59 VICENTE Y GELLA, Agustín. Introducción al Derecho Mercantil Comparado. Barcelona – Buenos Aires: Editorial Labor S/A, 1929, p. 88-92.

60 VICENTE Y GELLA, Agustín. Introducción. .., p. 91.

61 BORGES, João Eunápio. Curso. .., p. 243.

62 VICENTE Y GELLA, Agustín. Introducción. .., p. 92.

63 BORGES, João Eunápio. Curso. .., p. 244.

64 COELHO, José Gabriel Pinto. Lições. .., p. 190.

65 COELHO, José Gabriel Pinto. Lições. .., p. 191.

66 Sociedades. .., p. 40.

67 CPC, art. 596: "Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro excutidos os bens da sociedade".


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RODRIGUES JUNIOR, Álvaro. Análise dos conceitos de "affectio societatis" e de "ligabilidad" como elementos de caracterização das sociedades comerciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 236, 29 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4905. Acesso em: 23 abr. 2024.