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Auxílio-reclusão: incentivo ao crime ou um meio de garantir o princípio fundamental da dignidade humana?

Auxílio-reclusão: incentivo ao crime ou um meio de garantir o princípio fundamental da dignidade humana?

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As divergências quanto à concessão do auxílio-reclusão ocorrem, principalmente, pela falta de informação do que vem a ser este benefício, mas também pelo preconceito para com a família daqueles que cometem crimes.

Uma conduta irrepreensível consiste em manter cada um a sua dignidade sem prejudicar a liberdade alheia.

Voltaire

Resumo: Este trabalho apresenta um estudo sobre o Auxílio-Reclusão, enfatizando a sua importância na garantia da dignidade humana. Criado no Brasil na década de 60 pela Lei Orgânica da Previdência Social (Lei n. 3.807/60), o Auxílio-Reclusão é um benefício concedido pela Previdência Social, em regra, à família do individuo condenado à pena de regime fechado ou semiaberto, como forma de prover o sustento destes durante a ausência do cometedor do delito. Mister salientar que tal benefício não deverá ser concedido à família de qualquer indivíduo que venha a cometer um crime, mas apenas à daquele que esteja compreendido como um segurado. Isto é, aquele indivíduo que prestando, ou não, serviço laboral, contribuía regularmente para a previdência social antes do cometimento do crime. Demonstraremos assim, que os ataques à concessão deste benefício não passam de opiniões preconceituosas, tendo em vista que o mesmo, em hipótese alguma, serve como incentivo a perpetuação da criminalidade, mas tão somente como um meio de garantir a sobrevivência dos familiares do “segurado infrator”, já que este era o único provedor do lar. Dessa forma, partindo do pressuposto que a própria Constituição Federal vigente (art. 226) assegura que a família deverá ser protegida pelo Estado, não há porque se recriminar a concessão de um benefício que almeja apenas atender a esta determinação.

Palavra-chave: AUXÍLIO-RECLUSÃO, SEGURADO, DIGNIDADE HUMANA.

Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. AUXÍLIO-RECLUSÃO: CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E FINALIDADE. 3. DA VINGANÇA PRIVADA AO AUXÍLIO-RECLUSÃO. 4 AUXÍLIO-RECLUSÃO COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL . 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS .REFERÊNCIAS .


INTRODUÇÃO                 

A família é um bem protegido pela Constituição Federal brasileira[1], onde estão previstas normas que garantem a sua preservação. Almejando atender a esta preservação é que por meio da Lei 3.807 de 26 de agosto de 1960 foi criado o auxílio-reclusão[2] cujo intuito é assistir financeiramente os dependentes de indivíduos que cometerem crimes suscetíveis a pena de regime fechado ou semiaberto, bem como para os infratores com idade entre 16 e 18 anos que forem condenados a reclusão em estabelecimento juvenil, educacional ou similar.

Este benefício é devido, apenas, para dependentes do segurado que fora preso por ter cometido um delito, devendo para tanto, os beneficiários, apresentarem um atestado trimestral certificando que o infrator está cumprindo com o período de reclusão determinado pela justiça. Posto que a ausência desta comprovação enseja a suspensão do benefício.

Diferentemente do que é difundido por muitos nas redes sociais e nos veículos de comunicação o auxílio-reclusão não é uma medida feita para amparar o infrator pelo delito cometido, tampouco é um benefício que contribui para a perpetração da criminalidade. Tal raciocínio, poderia até receber atenção caso o benefício em voga fosse concedido a todo e qualquer cometedor de delitos, pois poderia forjar uma ideia de que o benefício serviria como um bônus ao crime cometido. Entretanto, não é o caso. É muito importante ter a consciência de que o auxílio concedido pela Previdência Social só será devido aos dependentes do segurado que vier a cometer o delito. Entende-se por segurado aquele indivíduo que exerce atividade remunerada, não importando se há ou não vínculo empregatício.

Não obstante a qualificação de segurado, a Previdência Social estabelece que além de ser contribuinte, o mesmo deverá ter contribuído durante um lapso mínimo de 12 (doze) meses para que seus dependentes tenham direito ao benefício em voga, bem como estar em dia com o pagamento das suas contribuições no período do ato infracional, sob pena de ter o auxílio negado.

Partindo do pressuposto que o auxílio-reclusão visa garantir a família do infrator o mínimo de condições de sobrevivência, já que estará privada da convivência do seu provedor, pode-se ter em conta que se trata de uma medida encontrada pelo Estado de salvaguardar a dignidade humana destes indivíduos.

Assim, abordado o conceito, as características e a finalidade do auxílio-reclusão, pôde-se realizar a transmutação desta realidade doutrinária para a prática. Dessa forma, em pesquisa realizada sobre a legislação, pertinente ao tema em baila, do município de Camaçari/BA, observou-se que em busca de uma maior eficiência na concessão dos benefícios estabelecido pela Previdência Social, foi criada uma legislação própria para regulamentá-los. Assim foi estabelecida a Lei nº 997/09 que regula dentre outros benefícios, a concessão e suspensão do auxílio-reclusão.


1. AUXÍLIO-RECLUSÃO: CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E FINALIDADE

O auxílio-reclusão é um benefício concedido pela previdência social aos dependentes do segurado que cometeu um crime e foi condenado a regime fechado e semifechado. Entende-se por segurado, como sendo aquele indivíduo que contribuía regularmente com a previdência social antes do fato típico, salienta-se que tal benefício não será concedido se o infrator estiver em liberdade condicional ou for condenado a pena de regime aberto. Posto que o objetivo deste benefício é assegurar o mínimo de condições de sobrevivência àqueles que tinham como provedor do lar o cometidor do crime.

Este benefício, por sua vez, não será concedido apenas com a reclusão do infrator, mas atendendo outros critérios determinados pelo Ministério da Fazenda por meio da Lei n.8.213/91– a qual prevê conceito, características e formas de concessão do benefício em voga. Dessa forma, a reclusão deverá ocorrer no período em que estiver mantida a qualidade de segurado, isto é, o segurado deverá está em dia com o pagamento da contribuição social para que no momento da reclusão seus dependentes tenham direito a concessão do auxílio-reclusão – caso contrário, o mesmo não será direito do segurado.

Outro ponto importante que deverá ser atendido é que o infrator que for preso não poderá receber qualquer tipo de auxílio concedido pela Previdência social, como: aposentadoria, auxílio-doença, no período em que estiver recluso, bem como não poderá receber remuneração de qualquer vínculo trabalhista que mantinha antes ou durante o cometimento do crime que o levou a reclusão. Assim, concedido o benefício deverá a família apresentar documento no período trimestral atestando que o infrator continua recluso – o que garante a manutenção do benefício.

Dessa forma, o benefício, ao contrário do que é difundido, não é pago proporcionalmente a quantidade de filhos que o infrator tem, mas para a família do mesmo independentemente de quantas pessoas a formam. Assim, o valor a ser recebido por seus dependentes será equivalente ao último salário de contribuição prestado pelo infrator. No entanto, este salário de contribuição não deverá ser superior a um valor determinado pela Previdência Social – o qual, em 2003 era de R$ 560,81 (quinhentos e sessenta reais e oitenta e um centavo) sendo alterado algumas vezes até se chegar ao valor registrado hoje que é de R$ 971,78 (novecentos e setenta e um reais e setenta e oito centavos) conforme tabela a baixo[3]

PERÍODO

SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO TOMADO EM SEU VALOR MENSAL

A partir de 1º/01/2013

R$ 971,78 – Portaria nº 15, de 10/01/2013

A partir de 1º/01/2012

R$ 915,05 – Portaria nº 02, de 06/01/2012

A partir de 15/07/2011

R$ 862,60 – Portaria nº 407, de 14/07/2011

A partir de 1º/01/2011

R$ 862,11 – Portaria nº 568, de 31/12/2010

A partir de 1º/01/2010

R$ 810,18 – Portaria nº 333, de 29/06/2010

A partir de 1º/01/2010

R$ 798,30 – Portaria nº 350, de 30/12/2009

De 1º/2/2009 a 31/12/2009

R$ 752,12 – Portaria nº 48, de 12/2/2009

De 1º/3/2008 a 31/1/2009

R$ 710,08 – Portaria nº 77, de 11/3/2008

De 1º/4/2007 a 29/2/2008

R$ 676,27 - Portaria nº 142, de 11/4/2007

De 1º/4/2006 a 31/3/2007

R$ 654,61 - Portaria nº 119, de 18/4/2006

De 1º/5/2005 a 31/3/2006

R$ 623,44 - Portaria nº 822, de 11/5/2005

De 1º/5/2004 a 30/4/2005

R$ 586,19 - Portaria nº 479, de 7/5/2004

De 1º/6/2003 a 31/4/2004

R$ 560,81 - Portaria nº 727, de 30/5/2003

Por sua vez, entende-se por salário de contribuição como sendo a porcentagem retirada pela Previdência Social da remuneração do trabalhador com o fulcro de garantir futuros benefícios. Esta porcentagem, por sua vez, irá variar de acordo com o montante da remuneração percebida, podendo assim ser de 8%, 9% ou 11%.

Mister salientar que não apenas os dependentes dos indivíduos condenados a penas de regime fechado e semiaberto terão direito a concessão a este benefício, mas também, segundo o Ministério da Fazenda, indivíduos entre 16 e 18 anos que foram condenados a reclusão em instituições de auxílio a menores infratores, que são arrimos de família, terão o direito de seus dependentes recebam o auxílio-reclusão.

Noutro ponto é importante observar que o direito a este beneficio não é ilimitado, podendo ser suspenso caso não seja atendido os requisitos previstos no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse diapasão preceitua o decreto nº 3.048/99, art. 17:

A perda da qualidade de dependente ocorre:

I - para o cônjuge, pela separação judicial ou divórcio, enquanto não lhe for assegurada a prestação de alimentos, pela anulação do casamento, pelo óbito ou por sentença judicial transitada em julgado;

II - para a companheira ou companheiro, pela cessação da união estável com o segurado ou segurada, enquanto não lhe for garantida a prestação de alimentos;

III - para o filho e o irmão, de qualquer condição, ao completarem vinte e um anos de idade, salvo se inválidos, desde que a invalidez tenha ocorrido antes:

a) de completarem vinte e um anos de idade; 

b) do casamento; 

c) do início do exercício de emprego público efetivo; 

d) da constituição de estabelecimento civil ou comercial ou da existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria; ou 

e) da concessão de emancipação, pelos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos; e 

 IV - para os dependentes em geral:

 a) pela cessação da invalidez; ou

 b) pelo falecimento.

 Não obstante o conteúdo aludido, é necessário evidenciar que o auxílio-reclusão apresenta outra forma de ser suspenso; contudo não há um desamparo a família e/ou dependentes do autor do crime. Assim, no caso de morte do contribuinte que se encontra recluso, o auxílio-reclusão concedido aos seus dependentes será convertido em auxílio por morte. Afinal, este benefício, embora por circunstâncias opostas, também prevê a assistência aos dependentes dos contribuintes presos com o intuito de salvaguardar a dignidade humana destes. E no que concerne a dignidade da pessoa humana Sidney Guerra e Lilian Márcia Balmant Emerique citando Wolfgang Sarlet prelecionam que:

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos (2006, p. 382).

Leciona também nesse sentido Eduardo Ramalho Rabenhorst:

O termo dignidade, do latim dignitas, designa tudo aquilo que merece respeito, consideração mérito ou estima. Apesar de a língua portuguesa permitir o uso tanto do substantivo dignidade como do adjetivo digno para falar das coisas (quando dizemos, por exemplo, que uma moradia é digna), a dignidade é acima de tudo uma categoria moral que se relaciona com a própria representação que fazemos da condição humana, ou seja, ela é a qualidade ou valor particular que atribuímos aos seres humanos em função da posição que eles ocupam na escala dos seres.(2001, p.15)

Assim, pode ser entendido o auxílio-reclusão como um direito fundamental garantido a todos aqueles dependentes dos indivíduos que forem condenados a pena de reclusão e que eram até o mento do crime, os responsáveis pelo sustento destes beneficiários (MORAES, 2004, p. 60-61).


2. DA VINGANÇA PRIVADA AO AUXÍLIO-RECLUSÃO

O auxílio-reclusão é um benefício concedido após a condenação do contribuinte por ter praticado um crime. É sabido que todo crime é suscetível de uma sanção, podendo esta sanção ser uma pena – a qual se caracteriza por determinar a restrição de um bem jurídico do autor do crime. A doutrina penalista entende que tal sanção poderá servir como uma prevenção, isto é, como uma forma de evitar que outros delitos sejam cometidos; como um meio de ressocialização, pois o infrator quando recluso teria a oportunidade de se “regenerar”; ou ainda, como uma punição ao crime realizado (GRECO, 2006, p. 524-525).  No entanto nem sempre o jus puniendi se caracterizou dessa forma (LOPES, 2008, p. 264-265).

Na antiguidade, os povos não detinham de uma instituição política organizada como o Estado, tampouco detinham de um arcabouço jurídico limitador e norteador das condutas humanas – o que beneficiava a perpetuação da prática do olho por olho dente por dente previsto na lei do Talião, com o fulcro de retribuir o mal realizado na mesma intensidade em que foi cometido (MONTESQUIEU, 2010, p.105). A realização da punição com as próprias mãos é conhecida como vingança privada, cuja ideia era vingança imediata e proporcional a gravidade do delito cometido, bem como a extensão da punição às famílias do autor do crime. Nesse sentido aduz Maércio Falcão Dutra:

“Na denominada fase da vingança privada, cometido um crime, ocorria a reação da vítima, dos parentes e até do grupo social (tribo), que agiam sem proporção a ofensa, atingindo não só o ofensor, como todo o seu grupo. A inexistência de um limite (falta de proporcionalidade) no revide à agressão, bem como a vingança de sangue foi um dos períodos em que a vingança privada constituiu-se a mais freqüente forma de punição, adotada pelos povos primitivos.”[4]

Com a formação do Estado, surgiram normas com intuito de assegurar que caberia ao Estado a punição somente à pessoa do infrator, sendo que jamais a punição poderia ser estendida à família do criminoso, que em nada contribuiu para o cometimento do delito. Assim, o ordenamento jurídico brasileiro, passou a proteger aqueles que não concorreram para o crime, principalmente a família do infrator, salvaguardado seus direitos a liberdade, a vida, entre outros. Nesse diapasão a Constituição Federal de 1988 prevê em seu Art. 5º, XLV:

“Nenhuma pena passará da pessoa condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”

Nessa perspectiva é que a Lei Orgânica da Previdência Social criada, na década de 60, e o texto Constitucional de 1988 abordam o chamado Auxílio-Reclusão com o manifesto propósito de garantir a subsistência da família do segurado, detento ou recluso, fazendo com que a família deste não seja atingida pelo delito por ele cometido.

Dessa forma, não obstante existir inúmeras críticas acerca do auxílio-reclusão, o fundamento do benefício em comento está na necessidade de amparo à família do segurado preso, a qual se fragiliza com a perda temporária de sua fonte de subsistência. Nessa esteira preceitua abalizada doutrina do jurista Russomano, em sua obra “Curso de previdência social” (2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983; p. 294-5):

“O detento ou recluso, por árdua que seja sua posição pessoal, está ao abrigo das necessidades fundamentais e vive as expensas do Estado. Seus dependentes, não. Estes se vêem, de um momento para o outro, sem o arrimo que os mantinha e, não raro, sem perspectiva de subsistência”

Diante disso, é justificável à preocupação acadêmica com o tema, pois busca despertar os protagonistas do Direito, bem como toda sociedade civil para a importância social da matéria, evitando-se as combatidas situações de injustiça, e a extensão dos efeitos da pena ou da prisão aos familiares do preso.

Ademais, além da preocupação científica, social, jurídico-legal, não se pode deixar de advertir que pelos Princípios da “Personalidade” e “Individualização das Penas”, previstos no art. 5º, respectivamente nos incisos XLV e XLVI, da Constituição da República 1988, nenhuma pena passará da pessoa do condenado, ou seja, o cumprimento é personalíssimo, seja qual for sua natureza.

A título de ressalva, insta consignar que não se tem notícia da existência em outro país de benefício equivalente ao auxílio–reclusão, instituído, pioneiramente, pelo extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos – IAPM, seguindo-se, após breve lapso de tempo, pelo também extinto Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários – IAPB, e generalizado pela Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS (Lei nº 3.807, de 26 de agosto de 1960). Hodiernamente o "auxílio-reclusão" constitui benefício da Previdência Social e é regulado pela Lei n.8.213, de 24 de junho de 1991, além de ter sua previsão na Carta Magna de 1988, senão vejamos:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

[...]

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

Além disso, do ponto de vista do “Princípio Constitucional da Legalidade”, atualmente, as regras gerais sobre o benefício em estudo encontram-se amparadas, também, pelo art. 80 da Lei 8.213/91, e nos arts. 116 a 119, do Decreto 3.048/99.

No entanto, somente a partir de 1998, o INSS implantou a rotina mensal de controle automático de renovação da declaração do cárcere, o que gerou maior controle na concessão e manutenção do auxílio-reclusão, deixando-o menos susceptível a fraudes. Anteriormente, esse controle era feito manualmente, ou seja, se o segurado não apresentasse a devida declaração, o sistema não bloqueava o pagamento do benefício.

A reforma constitucional previdenciária, consubstanciada na EC nº 20/98, vedou a utilização dos recursos provenientes das contribuições previdenciárias para a realização de despesas distintas do pagamento de benefícios do Regime Geral de Previdência Social (RGPS); mudou o conceito de tempo de serviço para tempo de contribuição; introduziu mudanças nas regras de concessão de benefícios e na alocação de receitas previdenciárias; vedou a utilização de contagem de tempo de contribuição fictício; introduziu o pagamento seletivo do salário-família e do auxílio-reclusão para os segurados de baixa renda.

Todas essas medidas foram tomadas com o intuito de resgatar o caráter contributivo da Previdência Social, tornando-a financeiramente sustentável, como forma de garantir o pagamento dos benefícios às próximas gerações. Posto que antes da EC nº 20/98, não havia previsão para a concessão do auxílio-reclusão, apenas, aos dependentes do segurado de baixa renda, a Lei autorizava a concessão do auxílio-reclusão aos dependentes do segurado recolhido à prisão, independentemente do valor do seu último salário de contribuição.

Assim, pode-se dizer que ocorreu um retrocesso nos direitos do segurado previdenciário, quanto ao auxílio-reclusão, diante da promulgação da EC nº 20/98, por ter limitado o recebimento do benefício aos segurados de baixa renda.[5]


3. AUXÍLIO-RECLUSÃO COMO UM DIREITO FUNDAMENTAL

O deputado federal Fernando Franchischini (PR) elaborou a PEC 30/2011 objetivando limitar a concessão do auxílio-reclusão. A proposta prevê que nos crimes de estupro, tráfico de drogas e homicídio o benefício não deverá ser concedido. Há aqui uma grande inversão da finalidade deste benefício. Pois tal proposta atrela à concessão do auxílio-reclusão a gravidade do crime cometido – o que de forma alguma deve ser levado em consideração, até por que o mesmo não é devido ao autor do delito e sim aos seus dependentes – os quais nada tem haver com o crime praticado.

Se tentarmos punir o autor do crime através da suspensão do auxílio a seus beneficiários, estaremos retornando ao período da vingança privada, onde a sanção não estava restrita a figura do autor da infração, mas a todo aquele que tivesse ligação com este. Diante disso, partindo do pressuposto que o ordenamento penal proíbe que terceiros sejam punidos por crimes que não cometeram, não há por que se levar em conta uma proposta que é fundamentada nesta diretriz.

Então o fato de o auxilio em questão tentar garantir a dignidade humana dos dependentes do preso segurado, não o coloca em situação superior e/ou privilegiada em relação à vitima ou seus familiares, apenas garante a proteção prevista na Constituição Federal brasileira. Assim, aduz Daniel Mourgues Cogoy[6]:

“De fato, cabe ao condenado arcar com as consequências de seu delito. Porém esta responsabilidade não se estende aos seus familiares. Ora, não bastasse o sofrimento da família em ser alijada do convívio do recluso, em razão de evento para o qual não concorreu, a prisão do segurado pode gerar toda uma série de consequências econômicas para seus dependentes. Cabe ao Estado o dever de zelar pela minimização de tais prejuízos”[7]

Destarte, preceitua Ribeiro (2008, p. 241): “o amparo que o auxílio-reclusão fornece aos seus dependentes tem caráter alimentar, e destinação aos dependentes do segurado de baixa renda”. Sendo assim, configura-se como um direito fundamental de suma importância para os beneficiários, contribuindo para uma melhor distribuição de renda. Nesse sentindo, verifica-se que o papel da previdência social é diminuir as desigualdades sociais e econômicas.

Deste modo, ratifica-se a idéia de que a Seguridade Social tem a solidariedade social como um princípio basilar de atuação. Isto porque, as circunstâncias que atingem a um indivíduo necessitado, acabam consequentemente afligindo a toda a sociedade. Assim quem detém maiores condições financeira para custear a seguridade social, contribuem relativamente a sua capacidade.

O auxílio-reclusão tem natureza jurídica de prestação pecuniária que só é aprovada quando preenchido os requisitos legais, atrelada a cláusula suspensiva quando não mais convier seu pagamento com intuito do provimento familiar. O benefício tem tabém, fundamento constitucional com intuito de promover a proteção da família, não penalizando os dependentes do preso, porém respeitando a individualização da pena. É um benefício de prestação continuada, devido somente aos dependentes do segurado preso que contribui com a previdência.

Desta maneira, segundo os últimos dados fornecidos pelo INSS cerca de 46.000 (quarenta e sei mil) dependentes foram beneficiados pela concessão do auxílio-reclusão no país – o que evidencia que, embora muito criticado, o auxílio em questão, está ajudando milhares de famílias. Afinal caso este não fosse outorgado a essas pessoas, estas certamente não teriam meios para sobreviver, visto que o responsável pelo sustento delas, ao cometer o crime, estaria privado de cumprir com seu dever[8].

Por conseguinte, no que tange a Cidade de Camaçari na Bahia a concessão dos benefícios previdenciários é vista como extremamente eficiente, visto que possui uma legislação previdenciária própria – o que facilita a concessão destes direitos ao cidadão.

Nessa esteira, observa-se a Lei nº 997 de 25 de agosto de 2009 – a qual, estabelece em seu art. 27, § 1º e ss. e art. 28, § 1º e ss, a outorga do benefício do auxílio-reclusão, bem como os critérios para que este seja concedido. Deste modo, a elaboração de um código previdenciário próprio contribui muito para a melhoria do sistema previdenciário de cada região, hodiernamente apenas 33 dos 417 municípios baianos possuem um arcabouço previdenciário próprio[9].


CONSIDERAÇÕES FINAIS

As divergências quanto à concessão do auxílio-reclusão ocorrem, principalmente, pela falta de informação do que vem a ser este benefício, mas também pelo preconceito para com a família daqueles que cometem crimes.

As condutas manifestadas em redes sociais de retaliação a outorga deste benefício acabam por ser uma tentativa de impossibilitar que o Estado continue amparando os dependentes dos infratores condenados a pena de reclusão – que na maioria das vezes são familiares – o que denota um esforço em punir não apenas o autor do delito, mas também todos aqueles que possuem intima relação com este. 

Essa perspectiva além de ser inadmissível na seara jurídica, posto que infringe normas constitucionais que asseguram o direito à família, como também o dever do Estado em protege-las, vai de encontro ao princípio da dignidade humana - o qual defende o direito a todos ao respeito e a condições mínimas de sobrevivência.

Deste modo, o auxílio-reclusão jamais pode ser entendido como um meio de incentivo a criminalidade no país, haja vista se tratar de um direito do contribuinte, pelos valores pagos à previdência social enquanto realizava serviço remunerado. E sendo um direito do contribuinte, mesmo que venha a cometer um crime, não há por que ter questionada a validade da sua outorga aos seus dependentes.

Conclui-se dessa forma, que em uma sociedade democrática não devem prevalecer essas práticas infundadas e de ordem preconceituosa, alimentadas, apenas, pelo ideal de vingança. Afinal, para que se alcance os ideais referentes a dignidade da pessoa humana, é necessário que haja o respeito aos direitos previstos em lei para que não ocorra um retrocesso aos tempos da vingança privada onde a justiça era feita pelas próprias mãos e estendida a todos aqueles que estavam ligados aos infratores.


REFERÊNCIAS

COGOY, Daniel Mourgues. O Benefício de Auxílio-Reclusão e sua interpretação segundo a Constituição Federal. Disponível em http://www.dpu.gov.br/pdf/artigos/artigo_interpretacao_daniel.pdf > Acesso em 28/05/2013.

DUARTE, Maércio Falcão. Evolução Histórica do Direito Penal. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/932/evolucao-historica-do-direito-penal> Acesso em 27/05/2013.

EDUARDO, Ramalho Rabenhorst. Dignidade Humana e Moralidade Democrática. Brasília:Brasília Jurídica, 2001.

EMERIQUE, Lilian Márcia Balmant; GUERRA, Sidney. O princípio da dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial. Disponível em <http://fdc.br/Arquivos/Mestrado/Revistas/Revista09/Artigos/Sidney.pdf> Acesso em 17/06/13.

FAZENDA,Ministério.Disponívelem<http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=22> Acesso em 26/05/2013.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 6º ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. 3º ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MONTESQUIEU. Do Espírito das Leis. 2º ed. São Paulo: Martin Claret, 2010.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 16º ed. São Paulo: editora Atlas S.A, 2004.


Notas

[1] “Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

[2] “Art. 22 – As prestações asseguradas pela previdência social consistem em benefícios e serviços, a saber:

II - quantos aos dependentes:

b) auxílio-reclusão”.

[3] Disponível em < http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=22>.

[4] DUARTE, Maércio Falcão. Evolução Histórica do Direito Penal. Disponível em <http://jus.com.br/revista/texto/932/evolucao-historica-do-direito-penal> Acesso em 27/05/2013).

[5] Art. 1º - A Constituição Federal passa a vigorar com as seguintes alterações:

[...]

Art. 201 - A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

[...]

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

[...]

Art. 2º - A Constituição Federal, nas Disposições Constitucionais Gerais, é acrescida dos seguintes artigos:

[...]

 Art. 13 - Até que a lei discipline o acesso ao salário-família e auxílio-reclusão para os servidores, segurados e seus dependentes, esses benefícios serão concedidos apenas àqueles que tenham renda bruta mensal igual ou inferior a R$ 360,00 (trezentos e sessenta reais), que, até a publicação da lei, serão corrigidos pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.

[6] Defensor Público da União, Professor de Direito Civil da Fundação Escola Superior da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul e Professor de Direito Civil da Faculdade Atlântico Sul em Pelotas/RS.):

[7]  COGOY, Daniel Mourgues. O Benefício de Auxílio-Reclusão e sua interpretação segundo a Constituição Federal. Disponível em http://www.dpu.gov.br/pdf/artigos/artigo_interpretacao_daniel.pdf Acesso em 28/05/2013.

[8] Disponível em < http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/09/21/em-agosto-mais-de-45-mil-dependentes-de-presos-receberam-auxilio-reclusao>

[9] Disponível em < http://www.camacari.com.br/detalhe_noticia.php?cod_noticia=11576# >



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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FARIAS, Emily Rosas Souza Farias; ROLIM, Adriel et al. Auxílio-reclusão: incentivo ao crime ou um meio de garantir o princípio fundamental da dignidade humana?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4726, 9 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49580. Acesso em: 18 maio 2024.