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A instrumentalidade do processo no novo CPC

A instrumentalidade do processo no novo CPC

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A presença da instrumentalidade do processo proposta pelo professor Cândido Rangel Dinamarco em sua tese de livre docência no novo código de processo civil.

RESUMO:O trabalho identifica a presença da instrumentalidade do processo proposta pelo professor Cândido Rangel Dinamarco em sua tese de livre docência no novo código de processo civil. Para tanto, apresenta as premissas e conclusões do autor; a jurisdição, no centro do estudo, e seus três escopos: jurídico, político e social. Indica, ainda, as possíveis críticas, com ênfase nas contradições que a observação dos escopos social e político é capaz de gerar. Ao final, em uma rápida análise do texto do projeto de lei, será constatada a receptividade da obra do professor Dinamarco pela dogmática processual, tanto nos acertos, com o incentivo à auto composição e a simplificação procedimental, quando nas correções necessárias advindas das críticas apresentadas, com aumento do ônus de motivação dos magistrados.

Palavras-chave: Processo. Instrumentalidade. Código de Processo Civil.

SUMÁRIO:INTRODUÇÃO..1 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO: PREMISSAS E CONCLUSÕES ESSENCIAIS 1.1 O PONTO DE PARTIDA..1.1.1 Processo publicista. 1.1.2 A mudança metodológica que a teoria geral do processo pode provocar 1.1.3 As relações entre jurisdição e poder 2 AS CONCLUSÕES..2.1 Os escopos da jurisdição e a técnica processual 2.2 A instrumentalidade: aspecto positivo e negativo. 3 CONTRADIÇÕES ENTRE OS ESCOPOS DA JURISDIÇÃO.3.1 A POSSIBILIDADE DO MAGISTRADO DITADOR: CONTRADIÇÕES NOS ESCOPOS SOCIAL E POLÍTICO.3.1.1 O panorama da crítica. 3.1.2 As decisões do juiz "instrumentalista". 3.2 CONSTITUIÇÃO E PROCESSO: CONTRADIÇÃO NO ESCOPO JURÍDICO.3.2.1 Elementos para compreensão da crítica. 3.2.2 A arbitrariedade instrumentalista. 4 A INSTRUMENTALIDADE NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.4.1 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 4.2 PONTOS DE PRESENÇA (OU AUSÊNCIA) DA INSTRUMENTALIDADE.4.2.1 Soluções alternativas de conflito. 4.2.2 Pontos de simplificação processual . 4.2.2.1 Os embargos infringentes como técnica de julgamento. 4.2.2.2 O fim do processo cautelar 4.2.3 Os limites para a motivação das sentenças. CONSIDERAÇÕES FINAIS.. REFERÊNCIAS..ANEXO 1 – Principais alterações do Novo Código de Processo Civil - Projeto de Lei n. 8.046/2010, atualmente transformado na Lei Ordinária 13105/2015  em 16 de março de 2015. 


INTRODUÇÃO

Este trabalho trata da instrumentalidade do processo e o modo como tal teoria influenciou o sistema processual brasileiro. Mais especificamente, o texto se dedicará a demonstrar de que modo o novo código de processo civil recebe a instrumentalidade pensado pelo professor Cândido Rangel Dinamarco em sua tese de livre docência - a exposição de motivos do anteprojeto, apresentado no Senado Federal falava abertamente em instrumentalidade.

O problema enfrentado, então, refere-se à adequação da instrumentalidade do processo como uma das bases teóricas para a confecção de um novo código. A hipótese principal é que a instrumentalidade é, sim, um elemento importante para o pensamento de uma nova codificação processual no Brasil, mas não se pode fazer isso acriticamente, sob pena de se incorrer em contradições graves.

Tem-se, então, como objetivo, a delimitação dos principais conceitos tratados pela instrumentalidade do processo e incorporação deles pela dogmática. Para tanto, o trabalho se divide em três capítulos. Um primeiro, em que a obra A instrumentalidade do processo é enfrentada. A intenção delimitar com precisão quais as premissas e as conclusões essenciais.

O primeiro capítulo demonstrará que a instrumentalidade, ao narrar a publicização do processo, coloca a jurisdição no centro de estudo do processualista. Com isso, conceituando jurisdição como uma expressão do poder uno do Estado, a obra de Dinamarco conclui que a jurisdição não pode se preocupar, apenas, com seu escopo político, mas também com seu escopo social e político. Vale dizer, o processo deve se abrir aos valores.

O segundo capítulo apresenta críticas a esse pensamento, indicando duas contradições internas. Ao perseguir o escopo social ou político o magistrado poderá, em última análise, contrariar tais escopos, pois, para tanto, deverá se abrir a valores percebidos conforme sua própria consciência em detrimento da lei democraticamente confeccionada. Recorde-se: vivemos em um Estado Democrático de Direito, no qual o magistrado se submete à lei democrática, e não a suas impressões pessoas sobre os valores da sociedade.

A segunda crítica, a outra face da moeda, é que ao justificar a abertura aos valores, a obra esquece que os únicos valores que podem ser considerados são aqueles positivados, especialmente aqueles positivados na Constituição. É nessa medida que todo o fenômeno de publicização do processo descrito por Dinamarco, perpassando pelo constitucionalismo, fecha o ordenamento jurídico aos valores positivados, ao contrário do que indica a obra, que entende existiu uma abertura do processo aos escopos social e político. Em outras palavras, não há uma compreensão efetiva da normatividade da Constituição.

Feitas tais ressalvas, o terceiro capítulo demonstrará que o novo código de processo civil recepciona vários elementos da instrumentalidade do processo. Serão destacados pontos de incentivo à autocomposição e a simplificação de procedimentos (fim do processo cautelar e transformação dos embargos infringentes em técnica de julgamento).

Será observado, ainda, que as consequências das críticas apresentadas foram bem compreendidas pela dogmática, que impôs um forte ônus de motivação para os magistrados. Assim, não será possível fazer uso de valor percebido conforme uma consciência individual. Será necessário demonstrar de que modo aquele valor está positivado em nosso ordenamento jurídico e as razões pelas quais ele se aplica ao caso em análise.

Ao final do texto, pretende-se concluir que a instrumentalidade do processo foi bem recebida pela dogmática, sendo inegável a influencia que a obra do professor Dinamarco tem sobre o sistema processual brasileiro.

É exatamente por isso que este trabalho se justifica. Pesquisar um pouco mais a fundo uma das bases teóricas que influenciam o processo brasileiro, permitindo uma rápida compreensão de muitos dispositivos, bem como dando elementos para uma crítica dogmática objetiva e pertinente.


1 A INSTRUMENTALIDADE DO PROCESSO: PREMISSAS E CONCLUSÕES ESSENCIAIS

Este trabalho, que pretende analisar a instrumentalidade do processo e sua influência no Novo Código de Processo Civil (CPC)[1], inevitavelmente deve começar pelas premissas e conclusões da instrumentalidade do processo, constantes do livro do professor Cândido Rangel Dinamarco, originalmente sua tese de livre docência.[2] O enfrentamento das questões essenciais é que permitirá, nos capítulos seguintes, compreender as críticas que surgiram, bem como precisar a influência da instrumentalidade no novo CPC.

No início de 1986, o professor Dinamarco escreveu, em introdução à 1a edição d'A instrumentalidade do processo, que traria uma proposta pessoal de revisão da forma como se encarava o processo. Deixou claro que a proposta pretendia uma abertura ao pensamento publicista e solidarista vindo da política e da sociologia do direito, na tentativa de tornar o processo menos formal. Em suas palavras, traria elementos para "desmistificação das regras do processo e de suas formas e a correspondente otimização do sistema, para a busca da alcandora efetividade do processo"[3] (grifo no original).

Notadamente, a palavra chave, destacada pelo autor, inclusive, é a efetividade. Mas o que, exatamente, é efetividade do processo? A que preço e em que circunstâncias as normas processuais podem (ou devem) ser flexibilizadas? Essas perguntas, aparentemente óbvias, trazem, em si, boa parte do debate que se estabeleceu sobre a instrumentalidade do processo, cujas respostas se iniciam com a análise do ponto de partida e de chegada d'A instrumentalidade.

1.1 O PONTO DE PARTIDA

O texto traz, basicamente, três fundamentos: a) publicização do processo, demonstrando o caminho percorrido desde o sincretismo até a instrumentalidade e passando pela autonomia do processo; b) a teoria geral do processo, como "um sistema de conceitos e princípios elevados ao grau máximo de generalização útil"[4] para o exercício de um determinado poder, a jurisdição[5]; c) a jurisdição no centro da teoria processual.

Assim, passa-se a expor o modo como o autor sistematizou essas premissas.

1.1.1 Processo publicista

O Código Civil de 1916 (CC/16), revogado apenas em janeiro de 2003 e, portanto, recentíssimo diante de toda história do direito processual, afirmava em seu art. 75 que, para cada direito, havia uma ação que o socorria. Por traz de tal dispositivo, há o conceito de ações típicas; ou seja, se existem quatro direitos materiais, existem quatro ações típicas correspondentes a cada um deles; se existissem treze mil de um, existiriam treze mil da outra.

Esse conceito sincrético, que confundia direito material e processual, perdurou até o século XIX, quando deu lugar ao processo como ramo ao autônomo ao direito material. E é desse ponto que o professor Dinamarco começa a estabelecer sua posição. De fato, o texto localiza seu discurso como um pequeno passo adiante - e não um salto brusco[6] - ao debate metodológico sobre o processo.

A instrumentalidade, assim, estaria localizada logo à diante da ideia de um processo autônomo ao direito material, e teria como aporte teórico mais importante a publicização do processo.

Nessa pequena linha do tempo, bastante conhecida por aqueles que estudam processo, o ponto central é a percepção de que, apesar da virada no caminho da autonomia e, portanto, do direito público, o processo não deixou para trás elementos de um ideário privatista, caindo em contradições relevantes. A principal delas, para a obra, é a dedicação da processualística latina - leia-se, italianos - à ação e suas condições que, em última análise, significa estudar o processo sob a ótica privatista da parte e do seu direito.

É que se o importante é a verificação das condições da parte de estar em juízo em razão de determinadas exigências relativas a um direito material, a percepção do processo se dá, apenas, quanto à existência do direito material da parte. É o processo a serviço da parte e de seu direito, sem qualquer caráter publicista. A crítica, nesse ponto, é que tal postura permitiu que a jurisdição permanecesse como atividade secundária.[7]

Dinamarco aponta, então, que a jurisdição em segundo plano só tem certo sentido quando se debatem direitos disponíveis. Contudo, o caminho do processo em direção à autonomia demonstrou que existem pretensões que só podem ser satisfeitas pela jurisdição; a anulação de casamento, por exemplo.

O próximo ponto, intimamente ligado à tutela dos direitos disponíveis, é a adoção da lide como polo central da ciência do processo, nascida a partir do direito obrigacional - privatista, portanto.[8] O estudo do processo a partir da lide teve origem na Itália, mas desenvolveu-se com maior propriedade no Brasil.

Aqui, Dinamarco aponta uma contradição importante: enquanto o estudo do processo a partir da lide foi pensado em um sistema processual civil em que só se decide direito privado[9], o Brasil desenvolveu tal posição, mesmo que o nosso processo civil decida muito mais do que apenas direito privado. Vale dizer, todo nosso processo civil, que também tutela direitos constitucionais, está alicerçado sobre o conceito de lide, que possui conotações privadas.

É nessa perspectiva, denunciando o ranço privatista, que o professor Dinamarco destaca que o processo civil brasileiro "merece um tratamento mais acentuadamente publicístico e coerente com o modo pelo qual as nossas instituições processuais se inserem instrumentalmente na ordem jurídica."[10]

1.1.2 A mudança metodológica que a teoria geral do processo pode provocar

Para o professor Dinamarco, a teoria geral do processo contribui para o pensamento publicista do processo civil, em razão das influências interdisciplinares que estabelece com os outros ramos do direito processual.[11] Em outras palavras, como a teoria geral do processo cuida de todos os ramos[12], as características publicista dessas diferentes vertentes (do processo penal, por exemplo) pressionam os conceitos do processo civil. Observe-se.

Nesse sentido, a obra conceitua a teoria geral do processo como "um sistema de conceitos e princípios elevados ao grau máximo de generalização útil e condensados a partir do contorno dos direitos ramos do direito processual".[13] Nessa medida, as regras e as normas de direito positivo estão para além do seu objeto.

Acrescenta-se que o critério para ser objeto da teoria geral do processo é o exercício do poder. O autor explica que

Onde não há o exercício do poder, mas exteriorização da autonomia da vontade, inexistindo sujeição, fica fora de cogitações a oposição de mais destinados a conter abusos e desvios de poder. Prevalece pela liberdade formal na maioria dos casos, limitada somente quanto aos negócios em que a forma é exigida ad substantiam. Não se tem, portanto, aquele concerto de princípios e garantias, nem regras ou estruturas procedimentais voltados à participação, que em si é o freio ao exercício indiscriminado do poder.[14]

Dinamarco ressalva, contudo, que o processo também pode ser não- estatal, como o processo administrativo e, ainda, aquele havido nas "entidades intermediárias"[15], como os partidos políticos, sindicatos e associações. No caso dessas entidades, o processo é instrumento para exercício do poder sobre os inscritos nos respectivos quadros. Por óbvio, cuida-se de forma de poder diferente daquele exercido pela jurisdição estatal, mas a sujeição das partes à decisão ao final é a mesma.[16]

Nessa perspectiva, em que a teoria geral do processo oferece os conceitos e princípios básicos para o modo de exercício de um poder, a sua utilidade para o processo jurisdicional "concentra-se no compromisso do Estado a prestar o seu serviço e nas limitações postas a este exercício".[17]

Para autor, então, se os limites da teoria geral do processo vão até onde se tem atuação de poder, a Jurisdição está no centro do objeto de estudo.

1.1.3 As relações entre jurisdição e poder

A sequência natural do pensamento do autor é estabelecer uma relação direta entre jurisdição e poder. Para isso, ele explica que jurisdição é uma parte menor de um todo maior, o poder. Nessa medida, a ciência política, afeta ao estudo do poder, poderia contribuir positivamente para o estudo do processo. Ou seja, o autor imagina que os estudos de ciência política podem oferecer soluções para os problemas que o exercício da jurisdição enfrenta.[18]

A obra exemplifica esse diálogo utilizando a coisa julgada, e todas as espécies de preclusões; que seriam o “fenômeno que a ciência política chama ‘imunização ou recrudescimento’ e que, em medida menor ou maior, está presente em todos os provimentos “atos imperativos”“.[19]

Dinamarco acrescenta, ainda, que embora a jurisdição não estabeleça uma norma geral e abstrata, ela é capaz de influenciar o comportamento futuro até mesmo de quem não participou do processo. Essa capacidade é uma expressão de poder; mesmo que tenha valor menor que uma norma, possui valor maior que um conselho.[20] Para o autor, "o processo é instrumento predisposto ao exercício do poder e (...) este consiste na capacidade de decidir e impor decisões."[21]

Sempre fazendo uso de uma análise da utilidade dos conceitos e classificações, a obra aponta que, como a jurisdição é apenas uma das expressões do poder estatal, que é uno, não seria útil a busca da diferença entre ela e outras formas de poder (administração pública, legislativo, etc.). Diante do que a obra propõe, apenas o estudo das do que todas tem em comum seria útil, possibilitando a aplicação de soluções de uma em outra.

No mesmo sentido, não há razão para fazer distinção entre espécies diferentes da jurisdição (contenciosa e voluntária, por exemplo); até mesmo porque a diferença que existe entre elas, em última análise, reside nas diferentes funções que tais espécies exercem sobre um determinado direito material.[22]

Nessa relação estabelecida entre processo, poder, jurisdição e ciência política, o professor Dinamarco aponta que a legitimidade do procedimento, como integrante do conceito de processo, está na sua aptidão para "proporcionar às partes a efetividade da participação em contraditório."[23] Daí, seria possível dizer que existe um direito ao procedimento e, mais especificamente, direito à participação em contraditório. Ressalva-se, contudo, que esse direito não pode representar uma supervalorização da forma.

A legitimidade, contudo, não se dá apenas internamente, pelo procedimento. Ao estabelecer a relação com a ciência política, o autor estava criando as bases para afirmar que a legitimidade do sistema processual está na "sua compatibilidade com a carga de valores amparados pela ordem sócio-política- constitucional do país."[24]

Assim, quando se discute a legitimidade do processo, o que se debate é a legitimação de um poder; e isso extrapola a mera análise de legalidade. Deste modo, para Dinamarco, a legitimidade do sistema processual perpassa pela aceitação geral da jurisdição pela população - geral, pois não se está a falar da aceitação de determinada sentença pelos sujeitos atingidos por ela.[25]

Aqui, o autor estabeleceu a premissa para a primeira de suas conclusões: a jurisdição não possui apenas o escopo jurídico, mas também político e social.[26]


2 AS CONCLUSÕES

2.1 Os escopos da jurisdição e a técnica processual

Se o processo deve deixar para trás todo elemento privatista para se (re)construir exclusivamente a partir do direito público; se a teoria geral do processo deve se dedicar especialmente ao estudo da jurisdição enquanto expressão de poder; se a jurisdição deve buscar respostas em outras expressões do poder uno do Estado, buscando respostas na ciência política; a jurisdição deve, também, ter "objetivos que se relacionam com os fins do próprio Estado."[27]

É nesse contexto que o autor afirma que, assim como o Estado persegue o bem comum, a jurisdição deve perseguir a justiça. Nesse ponto de sua construção, Dinamarco apresenta a ideia de escopos da jurisdição:

A jurisdição não tem um escopo, mas escopos (plural); é muito pobre a fixação de um escopo exclusivamente jurídico, pois o que há de mais importante é a destinação social e política do exercício da jurisdição. Ela tem, na realidade, escopos sociais (pacificação com justiça, educação), políticos (liberdade, participação, afirmação da autoridade do Estado e do seu ordenamento) e jurídico (atuação da vontade concreto do direito).[28]

Assim, n'A instrumentalidade, a jurisdição pode e deve oferecer uma resposta para além do jurídico, estando atenta à justiça e à autoridade do Estado.[29]Dito de outra forma, todas as técnicas processuais existentes - que para o autor são neutras em si - devem buscar contemplar todos os escopos, dando prevalência aquele que for mais relevante ao caso concreto.

O autor aponta que "as explicações meramente jurídicas da destinação do processo pecam justamente por deixarem na sombra o valor humano perseguido através da jurisdição."[30] Como exemplo, o texto traz o instituto da coisa julgada que, além de seu escopo jurídico de atuação da vontade concreta da lei, contribui para a pacificação social, eis que dá estabilidade às relações que foram objeto da sentença.

Sobre o escopo político, a obra destaca, primeiro, a preservação de liberdades públicas, e aponta a evolução do entendimento jurisprudencial quanto ao cabimento do mandado de segurança e do habeas corpus. Essa evolução é, para o autor, sinal claro da compreensão de que a jurisdição deve ir para além do jurídico, atento aos interesses maiores do Estado.[31]

Cita, ainda, a criação da ação popular e da tutela de direitos ambientais como exemplos da jurisdição em seu escopo político ao criar técnicas para dar efetividade a determinados anseios do Estado e da Constituição.[32]

O escopo jurídico, por sua vez, é o único que é percebido pelos magistrados e pelos juristas em geral. Deste modo, percebe-se grande apuro técnico no estudo teórico do processo, do civil em especial, sempre preocupado com a estrita realização prática do direito material posto em análise, mas sem considerar o todo; ou seja, sem observar os escopos jurídicos e sociais.[33]

Por evidente que tais escopos podem estar em conflito; atender ao escopo social pode significar não cumprir inteiramente o escopo jurídico. Por essa razão, compete à técnica processual coordenar esses diferentes escopos para equilibrá-los. O professor Dinamarco explica que

Fala-se em exigências de "justiça e celeridade", ou de "celeridade ou ponderação", mas sempre o que se tem é isso: a necessidade de dotar o processo de meios tais que ele o mais rápido possível a proporcionar a pacificação social ao caso concreto (é seu escopo social magno), sem prejuízo da qualidade da decisão. A boa qualidade da decisão constitui, por um lado, fidelidade ao direito material (aí o escopo jurídico), mas também, acima disso, penhor da justiça das decisões. Toda a tessitura de princípios e garantias constitucionais do processo (com destaque para a do due process of law) é predisposta à efetiva fidelidade aos desígnios do direito material.[34]

É com essa estrutura de escopos (jurídico, social e político), que Dinamarco justifica a instrumentalidade como uma forma de permitir que o processo seja permeado pelos valores, e não só pelo direito.

2.2 A instrumentalidade: aspecto positivo e negativo

Até o momento, foi possível perceber que o professor Dinamarco fundamentou suas posições demonstrando que o processo civil brasileiro é instrumento de tutela de diversos direitos publicista, como as garantias constitucionais e questões de direito administrativo, mas suas bases são de direito privado.

Por se basear nos conceitos de ação e de lide - estritamente privatistas, para o autor -, o nosso processo civil está sistematicamente permeado pelo pensamento de direito privado. O autor, então, sugere que a jurisdição como centro do estudo do processo, eis que ela, como sendo um modo de exercício do poder Estatal, é essencialmente publicista.

Estando a jurisdição no centro - e, frise-se, sendo ela um tanto do poder estatal -, ela possui três escopos: o jurídico, o social e o político. Aponta que, para além das técnicas do escopo jurídico, a jurisdição exerce papel social, ao oferecer pacificação, exemplo, e também político, quando flexibiliza normas processuais para aumentar o espectros de cabimento do mandado de segurança.

Essa percepção mais publicista do processo, que deixa que ele se permeie de valores não-jurídicos, é a instrumentalidade do processo, que pode ser percebida em dois aspectos: negativo e o positivo.

O negativo "corresponde à negação do processo como valor em si mesmo e repúdio aos exageros processualísticos a que o aprimoramento da técnica pode insensivelmente conduzir." É essa percepção negativa que permite a flexibilização de procedimentos e, por isso, guarda semelhança com a instrumentalidade das formas.

O positivo se relaciona com a obtenção dos resultados esperados em razão dos três escopos da jurisdição. Para Dinamarco, "o processo deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua função sócio-política-jurídica, atingindo em toda a plenitude todos os escopos institucionais."[35]

O aspecto positivo está, então, diretamente relacionado com a problemática da efetividade do processo, que, na obra, é apresentada em quatro aspectos fundamentais: a) admissão em juízo; b) modo-de-ser do processo; c) justiça das decisões; e d) efetivação dos direitos.

No que toca à admissão em juízo, a obra elenca diversos problemas, tais como as estreitas possibilidades técnicas de postulação e defesa; o alto custo do processo, e a dificuldade dos mais pobres em participar igualmente do processo; a desinformação e descrença na justiça, que impede a busca efetiva dos direitos; e a limitação à legitimidade ativa individual, que desconsidera a dimensão supraindividual.[36]

Sobre o modo-de-ser do processo, e relacionando-o com os escopos da jurisdição, Dinamarco aponta que

A efetividade do processo está bastante ligada ao modo como se dá o curso à participação dos litigantes em contraditório e à participação inquisitiva do juiz, os primeiros sendo admitidos a produzir alegações, a recorrer, a comprovar os fatos de seu interesse e este sendo conclamado a ir tão longe quanto possível em sua curiosidade institucionalizada com aqueles. O grau participação de todos constitui fator de aprimoramento da qualidade do produto final, ou seja, fator de efetivo do processo do ponto de vista do escopo jurídico de atuação da vontade concreta do direito. Por outro lado, a celeridade em que todo procedimento deve desenvolver-se e a que constitui marca fundamental de alguns são fatores de maior efetividade no camposocial e no político, seja para pacificar logo, seja para obter enérgico repúdio aos atos ilegais do poder público.[37]

A obra conclui afirmando que, em síntese, o processo deve possui feição humana; deve oportunizar o contraditório em igualdade entre as partes; real participação do magistrado "interessado no correto exercício da jurisdição."[38]

Desenvolvido esse modo-de-ser do processo, o caminho deve desaguar na decisão, que, para o autor, é um momento valorativo. O juiz "tem na lei o seu limite, (...), mas esses limites tem valor relativo, a saber: sempre que os textos comportem mais de uma interpretação razoável, é dever do juiz optar por aquela que melhor satisfaça o sentimento social de justiça." Nesse ponto, a obra é categórica: para alcançar os escopos da jurisdição, o magistrado pode, até mesmo, contrariar solução que "as palavras da lei ou a mens legislatoris possam insinuar."[39] Esse critério deve ser aplicado, também, na apreciação de provas e fatos.

Por fim, dada a decisão com fundamentos em tais critérios, ela precisa ser efetiva. Ou seja, o sistema processual tem de ser capaz de produzir "as situações de justiça desejadas pela ordem social, política e jurídica". N'A instrumentalidade do processo, o alcance da efetividade passa pelas tutelas específicas, execuções em espécie, obtenção de resultado por sentenças constitutivas, bem como o uso das medidas urgentes.


3 CONTRADIÇÕES ENTRE OS ESCOPOS DA JURISDIÇÃO

O capítulo anterior trouxe os elementos essenciais para a compreensão da instrumentalidade do processo. Assentaram-se as bases de tal proposta na existência de três escopos da jurisdição: o jurídico, o social e o político. Os dois últimos possibilitariam certa humanização do processo, atento aos anseios sociais e aos objetos do Estado.

Ocorre que existem duas contradições importantes em tais afirmações. Primeiro, as possibilidades trazidas pelos escopos jurídico e social, que segundo o autor permite que o processo se abra aos valores, encontra resistência dentro desses mesmos escopos. É que tal abertura deverá ser concretizada pelo magistrado que poderá decidir a questão conforme os valores que mais lhe agradem, ou seja, conforme sua própria consciência.

Inegavelmente, há a possibilidade de arbitrariedade nas decisões ao se permitir que o magistrado, para atender ao escopo social ou político, possa flexibilizar procedimento, coisa julgada ou alterar a condução da instrução do processo. Tais adequações só poderiam ocorrer em razão de lei - o escopo jurídico sob pena de que se tenha um magistrado-ditador, em afronta à democracia e ao Estado de Direito - vale lembrar que, segundo Dinamarco, o processo é um modelo menor de Estado.

A segunda contradição está em um conflito ignorado escopo jurídico. Quando a obra foi escrita, não havia no Brasil um efetivo debate sobre nosso direito constitucional, que veio a se instaurar de forma profunda após a Constituição de 1988 (CF/88). Mas mesmo sem esse debate já era possível constatar que a abertura natural do processo à norma constitucional significa respeitar rigidamente o texto constitucional, e não a abertura do processo a valores sociais e políticos não contemplados na Constituição.

Vale dizer, a proposta contida n'A instrumentalidade do processo ignora a normatividade do texto Constitucional, interpretando-a como fato de abertura do sistema, e não de fechamento. Isso, por óbvio, também deságua na possibilidade de decisões arbitrárias e para além do direito - o ativismo judicial.

Assim, no presente capítulo serão apresentadas essas duas contradições: a possibilidade do magistrado-ditador, que está em conflito com a ideia do Estado Democrático de Direito; e a utilização da Constituição como texto que possibilita a abertura e não o fechamento do sistema jurídico, que está em desacordo o escopo jurídico da jurisdição. Observe-se.

3.1 A POSSIBILIDADE DO MAGISTRADO DITADOR: CONTRADIÇÕES NOS ESCOPOS SOCIAL E POLÍTICO

3.1.1 O panorama da crítica

O processo, como instrumento de exercício da jurisdição[40], é, também, instrumento para exercício de poder do Estado. O processo é, nessa medida, o modo correto pela qual o poder enquanto jurisdição deve se manifestar. Em outras palavras, o processo é contenção do arbítrio. Sobre esse ponto, o professor Calmon de Passos coloca que

Antes de o produto condicionar o processo, é o processo que condiciona o produto. A nível macro, a norma jurídica de caráter geral é algo determinado pelo processo de sua produção, um processo de natureza política. É esse processo que reclama rigorosa disciplina, em todos os seus aspectos - agentes, organização e procedimento - sob pena de privilegiar o arbítrio dos decisores.[41]

E Dinamarco não nega essa característica do processo. Segundo ele, processo é a "disciplina do exercício do poder mediante atos imperativos; ele inclui a nível constitucional e legal, os compromissos e limitações ditados quanto a esse exercício, pelo Estado-de-direito."[42]

Apesar disso, o mesmo professor Dinamarco diz que a "instrumentalidade é a porta mestra para o ingresso dos valores no sistema processual".[43] O ponto central de tal afirmação é a definição de quais valores podem ingressar no sistema processual.

O professor Calmon de Passos fez crítica contundente quanto às reformas havidas sob a influência da instrumentalidade do processo. Para ele, o equilíbrio processual foi quebrado com a hipertrofia do papel do magistrado - deu-se mais poder a quem já tinha todo o poder existente dentro da relação processual.

Além disso, o autor foi favorecido demasiadamente - possibilitou-se a inversão do ônus da prova sem que a existência de provas impossíveis fosse aventada.

Ainda segundo Calmon de Passos, apesar da boa intenção, as reformas "instrumentalistas" fizeram da "legalidade, dogmática, teoria jurídica, ciência do direito (...) perda de tempo e elucubração para o nada." O professor baiano arremata afirmando que jamais se fez a pergunta correta (qual a origem dos problemas?), para se dedicar, apenas, a formas de se livrar de processos e recursos o mais rápido possível.[44]

As críticas acertadas do professor Calmon de Passos podem ser analisados sob a perspectiva da contradição havida internamente no escopo político e social da jurisdição na forma como proposta por Dinamarco. Tal contradição está na possibilidade do escopo político ou social permitir uma alteração na conduta do processo conforme a consciência o magistrado ao arrepio do que havia sido previamente estabelecido.

Essa violação ou mitigação das normas previamente estabelecidas quebra o equilíbrio de poderes dentro do Estado de Direito. Em comparação talvez exagerada, mas que mostra a quebra de equilíbrio, Nelson Nery Júnior trata da flexibilização da coisa julgada e relembra do Reich nazista:

Adolf Hitler assinou, em 15.07.1941, a lei para a Intervenção do Ministério Público no Processo Civil, dando poderes ao parquet para dizer se a sentença seria justa ou não, se atendia aos fundamentos do Reich alemão e aos anseios do provo alemão. (... ) interpretar a coisa julgada, se justa ou injusta, se ocorreu ou não, é instrumento do totalitarismo, de esquerda ou de direita, nada tendo a ver com democracia, com Estado Democrático de direito. Desconsiderar a coisa julgada é ofender a Carta Magna, deixando de dar aplicação ao principio fundamental do Estado Democrático de Direito (CF, 1°, caput).[45]

Por óbvio, não se está aqui afirmando que A instrumentalidade do processo é um plano articulado para implantação de um Estado totalitário. O que se está fazendo é apenas um alerta de que a abertura proposta por Dinamarco ao apontar a existência dos escopos sociais e políticos pode criar situação favorável à violação de normas estabelecidas. Vale dizer, ao supostamente perseguir os escopos políticos e sociais o magistrado pode está, na verdade, ignorando-os por completo.

A compreensão de tal crítica passa, assim, pela percepção do que é o Estado de Direito (e qual o seu verdadeiro escopo) e, na sequência, pela sua relação com a decisão judicial.

O Professor José Afonso da Silva traz lição de Carl Schimitt que ensina que a expressão "Estado de Direito" pode muitos significados distintos; tantos significados quanto o que se pode entender por Estado e tantos significados pelo que se pode entender por Direito.[46] Tradicionalmente, contudo, "Estado de Direito" remete ao conceito tipicamente liberal, marcada pela submissão à Lei, divisão de poderes e a garantia dos direitos individuais.[47]

Na sequência, sobreveio o Estado Social de Direito, que incorporou direitos sociais e econômicos, trazendo traços claros de que deve perseguir a justiça social. Entretanto, é possível notar que tal conceito ainda abarca estados totalitários, com a Alemanha nazista, a Itália fascista e o Brasil de Vargas.[48]

Surge, então, novo aporte teórico à teoria do Estado, trazendo o elemento democrático ao conceito. José Afonso da Silva define que

A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (CF/88, art. 3°, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1°, parágrafo único); participativa, por envolve a participação crescente do povo no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade;

Como se observa, está na essência do Estado Democrático de Direito (EDD) o respeito ao poder exercido pelo povo de forma democrática - no caso do Brasil, através de representantes eleitos. A participação do povo no processo decisório, mesmo que de forma indireta pela representação no poder legislativo, é, então, marco central do EDD. É esse modo de exercício de poder que normatiza o exercício de outra parcela de poder: a jurisdição. Assim, o poder legislativo, exercido pelo povo, estabelece as normas pelas quais todos se submeterão à jurisdição. Tem-se, então, as normas processuais.

Nessa perspectiva, fica evidente que o Estado Democrático de Direito possui um modo próprio de permitir o exercício de poder. Um, a democracia; dois, o cumprimento das regras do jogo, a legalidade.[49] O processo, então, que é instituído democraticamente e por lei, deve ser respeitado, sob pena de se violar pontos basilares do Estado Democrático de Direito.

O processo, então, pode ser visto como a organização do exercício da jurisdição, dando previsibilidade a todo o procedimento. Evita-se, assim, que o litígio se desenvolva em uma disputa desordenada, sem garantias e limites para as partes; evita-se, acima de tudo, a arbitrariedade ou parcialidade do órgão judicial.[50]

3.1.2 As decisões do juiz "instrumentalista"

Para Dinamarco, as leis estabelecem âmbito claro e abstrato de aplicação fática para quem a confecciona, mas a realidade, contudo, apresenta complexidade muito maior do que o legislador é capaz de imaginar. No enfrentamento desses fatos complexos, que não se aderem perfeitamente às normas, o magistrado deve fazer uso de suas convicções sócio-políticas, que devem refletir os anseios da sociedade. Acrescenta que o juiz não pode confundir imparcialidade com indiferença.[51]

Na sequência, o autor afirma que sempre houve distância entre a lei e os sentimentos da nação, "muito profunda e insuperável", a lei perde sua legitimidade e os magistrados podem prolatar sentenças contrariando tais dispositivos.[52]

Será mesmo que a suposta discordância da nação com determinada lei pode revogar dispositivos sem qualquer processo democrático? Mais: será que essa constatação de concordância pode ser constatada por um magistrado isoladamente, que vai deixar de aplicar lei democraticamente posta?

Ao que parece, não. Como já se demonstrou, a jurisdição é meio de exercício de poder, e o processo impõe as regras para tal exercício.[53] Dentro do Estado Democrático de Direito, o poder é exercido essencialmente de forma democrática,[54] sendo que o processo, então, deve respeitar as condições democraticamente estabelecidas. Ignorar isso possibilita que o magistrado escolha conforme sua conveniência o valor lhe for mais conveniente, ao arrepio do valor democraticamente positivado.

Tome-se, como exemplo, a coisa julgada. Segundo o art. 467, do Código de Processo Civil (CPC), "denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário." O professor Federico Marques esclarece que a coisa julgada é qualidade dos efeitos da prestação jurisdicional que torna a decisão imutável para as partes.[55] Eduardo Couture vai mais a fundo, e esclarece que nenhuma outra atividade do ordenamento jurídico (ou seja, nenhuma outra forma de exercício de poder) é irreversível, imutável e possui coercibilidade.[56]

Essas são as características mais básicas do conceito da coisa julgada que nos servem bem para análise que se propõe agora. Frise-se que Dinamarco não discorda da importância do respeita à coisa julgada:

É essencial à mecânica do poder, contudo, a imunização das decisões: assegurada a participação na gestação do ato, quando este se realiza e com isso é exercida a capacidade de decidir, tem-se 'a afirmação de uma decisão, isto é, o recrudescimento de um sistema que toma a decisão de não consentir na chegada de novas informações que possam levar a uma modificação da decisão'."[57]

O mesmo Dinamarco, contudo, afirma recentemente que cabe a "todos os graus jurisdicionais a tarefa de descoberta das extraodinariedades que devam conduzir a flexibilizar a garantia da coisa julgada."[58] Observa-se nessa postura de Dinamarco um conflito grave com os escopos político e social da jurisdição.

É que, primeiro, o sistema político baseado em um Estado Democrático de Direito jamais terá a pretensão de que um magistrado - em qualquer grau de jurisdição, conforme afirma o texto d'A instrumentalidade - possa relativizar os efeitos da coisa julgada - que, conforme se viu, é imutável por opção do sistema. A decisão dada ao final do processo, com fundamento nos dispositivos legais aplicados, seguiu estritamente as "regras do jogo" que foram democraticamente confeccionadas; permitir que o magistrado possa, conforme sua consciência, relativizar os efeitos e eficácia de tal decisão é permitir que o magistrado contrarie a opção democrática. É o magistrado-ditador.

A contradição com o escopo social é igualmente relevante. Segundo o próprio Dinamarco, "a autoridade da coisa julgada guarda relação com o escopo social, uma vez que a definitiva pacificação não se obtém enquanto não conseguida a 'imunização' das decisões judiciais."[59] A coisa julgada, então, mantém íntima relação com a capacidade da jurisdição de promover e manter a paz social; e a razão é simples, na medida em que se uma decisão ainda pode ser alterada, não qualquer segurança.

Nessa perspectiva, fica evidente que a afirmação de que o magistrado em todo grau de jurisdição deve estar atento às possibilidades de se relativizar a coisa julgada colide com o escopo social perseguido pela jurisdição. Por óbvio, um grupo ou uma pessoa específica pode estar descontente com o conteúdo de determinada decisão transitada em julgado, mas a sociedade, como um todo, confia que tal decisão será cumprida e seu conteúdo não será alterado.

Assim, em uma só penada de um magistrado singular, pode-se comprometer a confiança e, portanto, a imperatividade das decisões,[60] bem como abalando a segurança jurídica quanto àquela relação estabelecida.

3.2 CONSTITUIÇÃO E PROCESSO: CONTRADIÇÃO NO ESCOPO JURÍDICO

A contradição a ser aqui apontada e as apontadas anteriormente são duas faces da mesma moeda. Os conflitos entre os escopos sociais e políticos podem ser enfrentados, em última análise, como uma baixa compreensão do que significa o Constitucionalismo Contemporâneo e o modo que ela flui pelo ordenamento jurídico[61] - ao contrário do acredito o autor, a Constituição fechou as possibilidades de intepretação do direito.

3.2.1 Elementos para compreensão da crítica

O surgimento da Constituição trouxe uma nova estrutura para o ordenamento jurídico e deslocou toda teoria do Direito. A regra, antes fonte e pressuposto do sistema, precisa se acomodar aos textos constitucionais do Estado Democrático de Direito.[62] Tem-se, assim, a constituição como base de todo ordenamento jurídico.[63]

O processo está inserido no contexto descrito acima. É na Constituição que se estabelece o devido processo legal. Nelson Nery Junior afirma, inclusive, que bastaria a Constituição ter consagrado o devido processo legal para que todos os outros princípios e direitos fundamentais dele decorressem.[64] A nota essencial desse fato é que a Constituição obrigou que a processualística fosse repensada, de forma a construir uma teoria da disciplina fundada também nos direitos fundamentais.[65]

Mas de que modo, exatamente, tais direitos fundamentais e o texto constitucional devem ser tratados dentro do ordenamento jurídico? A compreensão dos direitos fundamentais envolve o conhecimento sobre o modo e localização em que eles foram introduzidos nos ordenamentos jurídicos. O ponto de partida na constatação de tal modo é a evolução teórica do Direito no período entre guerras e, claro, sua continuidade no pós-guerra.

As questões políticas e sociais no início do século XX repercutiram no Direito para superar a concepção da lei estéril ao mundo e aos fatos, introduzindo um tanto de valores ao debate da ciência(s) jurídica(s). Esses valores foram, então, sendo introduzidos às Constituições do pós-guerra, e teorias próprias foram criadas para explicar esse fenômeno.[66]

Todo esse caminho percorrido é demasiadamente longo para este singelo trabalho, mas, como noticiado acima, é também essencial para compreender o lugar que os direitos fundamentais ocupam em um determinado ordenamento jurídico - especialmente no ordenamento brasileiro. Assim, para permitir o andamento natural do texto, o estado da arte sobre os aspectos mais relevantes será apresentando, dando-se conta de elementos históricos mínimos para permitir que a identificação do lugar da fala.

O elemento mais claro do Constitucionalismo Contemporâneo é a prevalência da Constituição sobre as demais normas. Desde Konrad Hesse e a sua Força Normativa da Constituição[67] não há mais (ou, ao menos, não se deveria) que se falar em normas constitucionais meramente programáticas ou com normatividade limitada.[68] O texto constitucional (e os direitos fundamentais ali contidos) é norma como todas as outras e hierarquicamente superior.

Os direitos fundamentais, então, deixaram de ser normas meramente programática ou de ter normatividade limitada, e foram foram questionados: são verdadeiros direitos subjetivos? Conforme bem observou Martin Borowski, o conceito de direito subjetivo é bastante debatido, mas não há consenso algum. O professor alemão, então, para responder ao questionamento lançado, ensina que direito subjetivo, antes de tudo, é uma posição jurídica. Em outras palavras: se o sujeito, caso tenha um direito descumprido ou violado, pode requerer o cumprimento ou a restauração de tal direito perante um magistrado. Nesse contexto, se a Constituição possui força normativa, e se essa força protege determinadas posições jurídicas, parece ser seguro afirmar que direito fundamentais são, sim, direitos subjetivos[69].

A mudança da normatividade do texto constitucional trouxe outro debate relevante para a teoria do Direito e para este artigo: a aplicação do texto constitucional como regra ou como princípio. Mais especificamente o debate se estabeleceu sobre o modo como aquele texto que continha apenas um objetivo a ser alcançado, mas nunca exigível, seria agora aplicável, já que não continha uma conduta específica.

Segundo o professor Virgílio Afonso da Silva, as regras garantem direitos definitivos enquanto que os princípios garantem direitos prima facie. Vale dizer, enquanto as regras deverão ser realizadas totalmente se aplicadas, os princípios podem possuir aplicação parcial. Há, no caso dos princípios, uma diferença entre a garantia prima facie e a garantia definitiva.[70]

Dworkin, quase no mesmo sentido, utilizou a expressão all-or-nothing para dizer que as regras aplicam-se no todo ou não se aplicam. Para os princípios, falou em dimensions of weight, ou seja, uma dimensão de peso na aplicação do princípio em um caso concreto; um princípio é tanto aplicado quanto seu peso no caso de uma colisão. As regras, por outro lado, ao se colidirem, excluem a validade de uma delas.[71]

O debate sobre regras e princípios poderia ainda se estender por longas páginas, enfrentando-se as inescapáveis lições de Robert Alexy,[72] bem como as críticas do professor Humberto Ávila.[73] O texto, contudo, precisa avançar.

A aplicação da teoria dos princípios aos direitos fundamentais criou uma dúvida teoricamente relevante e central. Quando dois direitos fundamentais colidem e o texto constitucional em objeto é aplicado como princípio, qual o limite para a restrição? A restrição ao direito fundamental pode ser total ou há um conteúdo essencial que não pode ser violado?

Antes mesmo de adentrar no debate sobre a teoria dos princípios, o professor José Afonso da Silva trazia conceitos de eficácia plena, contida ou indireta.[74] A solução do professor José Afonso traz elementos que precisavam ser superados, especialmente por considerar que alguns direitos fundamentais poderiam não ser concretizados simplesmente pela falta de uma lei infraconstitucional reguladora. Vale dizer, aquele direito teria aplicação limitada em si, e não limitado por outro direito fundamental.

O professor Virgílio Afonso da Silva, filho de José Afonso, tratou o tema com precisão e profundidade em sua tese de doutoramento, e superou a posição do pai. A obra publicada com o título "Direitos fundamentos: conteúdo essencial, restrições e eficácia" produziu conclusões importantes.

Virgílio adotou um modelo fundado em duas premissas. A primeira é de que é preciso separar os direitos fundamentais de suas restrições; ou seja, a restrição não é um elemento externo à estrutura dos direitos fundamentais.[75]Claramente, houve uma opção pela teoria externa, em detrimento da teoria interna.

Feita essa complementação, a segunda premissa é que o suporte fático de um direito fundamental não pode ser limitado prima facie. Deste modo, nenhuma conduta, estado ou posição jurídica pode ser excluída da proteção do direito fundamental.

3.2.2 A arbitrariedade instrumentalista

O tópico anterior deu um panorama singelo quanto à normatividade da Constituição e o objeto de suas normas. A normatividade de Constituição, os direitos fundamentais como direitos subjetivos (e não mais como meras previsões programáticas) e a inafastabilidade da proteção dos direitos fundamentais foram trazidas à evidência. Falta, contudo, explicar o que isso tem a ver com este trabalho.

Ao contrário do que se tentou demonstrar, Dinamarco acredita que a Constituição trouxe elementos de abertura para a jurisdição; dito de outro modo, o autor acredita que há na Constituição novos escopos sociais e políticos a serem perseguidos pela jurisdição. O magistrado, ao interpretar a Constituição, somente canalizaria a síntese axiológica da nação. E esses juízos axiológicos teriam o condão de causar mutação na Constituição.[76]

Como se observa, mais uma vez ao longo do texto, o modo que Dinamarco encara a jurisdição permite que dispositivos da qualquer lei, até mesmo da Constituição, possam ser relevados para que os escopos social e jurídico sejam alcançados.

O professor Lênio Streck faz constatação pertinente sobre esse comportamento:

Ainda hoje presenciamos defesas vibrantes de ativismos judiciais para 'implementar' e 'concretizar' os direitos fundamentais, tudo isso sempre retornando ao mesmo ponto: a ideia de que, no momento da decisão, o juiz tem um espaço discricionário no qual pode moldar sua 'vontade'.[77]

N'A instrumentalidade, o espaço discricionário e o molde da vontade constam dos escopos social e político. Vale dizer, o magistrado, conforme seu suposto conhecimento dos anseios sociais e políticos exercerá a jurisdição, que é poder, como já demonstrado, sem qualquer respaldo em lei - apenas fundado em suas convicções e impressões pessoais. Não é preciso lembrar que a percepção das exigências de tais escopos podem ser resultados exclusivos das opções ideológicas do magistrado. Em outras palavras, a ideologia particular de alguém pode alterar aquilo que está positivado em nossa Constituição.

É preciso que fique claro que nosso sistema jurídico, pautado em legislação produzida democraticamente, com dependência fundamental da Constituição (que possui normatividade, como demonstrado), não delega ao magistrado nenhum grau de liberdade para lidar com tais leis.[78]

Daí a contradição havida no escopo jurídico d'A instrumentalidade do processo: a força normativa da Constituição não permite o uso dos escopos social e política dê margem discricionária para atuação dos magistrados.


4 A INSTRUMENTALIDADE NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 

4.1 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Os dois capítulos anteriores trouxeram os elementos essenciais da instrumentalidade do processo, conforme proposta por Dinamarco, bem como apresentou as críticas possíveis. Basicamente, tentou-se demonstrar a guinada à jurisdição e de que modo isso significou poderes demais para os magistrados; incluindo-se, aí, o ativismo judicial e a relativização da coisa julgada.

Este capítulo pretende, então, analisar criticamente alguns dispositivos do Novo Código de Processo Civil (PL n. 8.046, de 2010, atualmente transformado na Lei Ordinária 13105/2015 em 16 de março de 2015)[79] que trazem (ou não) elementos dessa instrumentalidade que valoriza demais a jurisdição e que cria desequilíbrio entre as partes e o estado.

Destaca-se que o Anteprojeto do novo CPC trazia exposição de motivos que falava abertamente da instrumentalidade, principalmente para tratar de efetividade das decisões judiciais e da flexibilização procedimental. A análise a ser feita neste capítulo, contudo, será guiada pelas observações de Dinamarco, que, ao final da obra, indicou sete pontos que considera essencial para o desenvolvimento do processo conforme as posições d'A instrumentalidade que foram apresentadas:

a) a legitimidade ad causam; b) a assistência jurídico-judiciária; c) os meios alternativos para a solução de conflitos; d) a simplificação processual; e) o juiz participativo, em diálogo com as partes; f) o direito à prova; g) a atuação do juiz, sobre os textos legais, amoldando-os às necessidades da justiça, segundo os valores reconhecidos; h) a propagação da tutela coletiva e abrangente, mais a extensão da eficácia dos julgados.[80]

Desses pontos, foi possível notar no novo código evoluções: a) incentivo às soluções alternativas de conflitos, b) alguns pontos de simplificação processual; c) um freio à possibilidade do magistrado aplicar valores conforme sua consciência (em certa medida, em razão das críticas lançados no capítulo anterior).

Esses são os tópicos a serem analisados.

4.2 PONTOS DE PRESENÇA (OU AUSÊNCIA) DA INSTRUMENTALIDADE

4.2.1 Soluções alternativas de conflito

Logo no artigo 3°, o novo CPC estabelece a inafastabilidade da jurisdição, mas ressalva que "a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial."

No artigo 139, em que as incumbências do juiz são estabelecidas, o inciso V prescreve que o magistrado verá "promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais". O artigo 149, inclusive, que trata dos auxiliares da justiça, incluem o mediador e conciliador em tal rol.

Dando coerência a esse sistema de incentivo à conciliação, o artigo 154 estabelece que o oficial de justiça deverá certificar proposta de conciliação no momento em que for praticar qualquer ato de comunicação, da qual a parte contrária será intimada para se manifestar em 5 dias.

Os artigos 166[81] e seguintes é que trazem os maiores avanços. Segundo tais dispositivos, os tribunais deverão criar centros judiciários de solução consensual de conflitos, que será responsável pela realização de audiências de conciliação e mediação. Além disso, tais centros deverão desenvolver programas que estimulem a autocomposição.

Nos termos do artigo 168[82], os tribunais manterão os cadastros de mediadores e conciliadores, bem como de câmaras privadas. Esse cadastro terá informações como o número de causas, a taxa de sucesso e a matéria envolvida de cada um dos inscritos. Diante desses dados, as partes poderão, inclusive, escolher de comum acordo o conciliador ou mediador que entenderem mais adequados - que, aliás, não precisa fazer parte do quadro do tribunal.[83]

Em paralelo ao sistema dos tribunais, "a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo", conforme determina o artigo 175.

De volta ao processo judicial, o artigo 335 estabelece a necessidade de audiência de conciliação em todos os litígios, salvo se ambas as partes manifestarem a impossibilidade de composição, ou se a natureza da causa não permitir - havendo litisconsorte o desinteresse deverá ser de todos, nos termos do §6° do artigo 335.

O §8° do mesmo artigo arremata que o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.

Notadamente, todo o sistema do código pretende estimular a composição. Observa-se que todos aqueles envolvidos na condução do processo estão obrigados a incentivar o acordo, sendo que os tribunais deverão, inclusive, criar todo um aparato específico para esse fim.

Aqui, pode-se constatar que a instrumentalidade do processo, e sua preocupação com o escopo social (a pacificação social, em última análise), foi ouvida por esses novos dispositivos, que pretendem criar uma nova cultura de autocomposição. Dinamarco já afirmava que

O poder de pacificação é muito grande na conciliação, pois além de encontrar o ponto de equilíbrio aceito para os termos de dois interesses conflitantes, geralmente logra também levar a paz ao próprio espírito das pessoas: a ideia até vulgar de que 'vale mais um mau acordo do que uma boa demanda' é uma realidade no sentimento popular e as soluções concordadas pelas partes mostram-se capazes de eliminar a situação conflituosa e desafogar as incertezas e angústias que caracterizam as insatisfações de efeito antissocial. Por isso é que a conciliação é o 'substituto generoso da Justiça', ainda quando conduzida por esta ou por seus auxiliares.[84]

Assim, é inegável que ao estimular a conciliação o Novo Código de Processo Civil seguiu muito do que afirmou Dinamarco n'A instrumentalidade do processo.

4.2.2 Pontos de simplificação processual

Este tópico poderia se alongar por páginas e páginas, mas um corte é necessário. Diante disso, foram escolhidos dois pontos. Primeiro, a transformação dos embargos infringentes em técnica de julgamento. Segundo, o fim do processo cautelar.

4.2.2.1 Os embargos infringentes como técnica de julgamento

A técnica de julgamento projetada para o novo CPC tenta resolver a problemática história dos embargos infringentes, especialmente as polêmicas quanto ao seu cabimento. É proposta é extinguir os embargos infringentes como recurso, mas mantendo-os como procedimento inerente aos julgamentos, tanto na apelação quanto na ação rescisória e - novidade - no agravo de instrumento que reforme decisão interlocutória a respeito do mérito.

Segundo dispõe o art. 955 do Substitutivo aprovado na Comissão Especial destinada a analisar o Projeto do Novo CPC, em seu atual estágio, antes de ser aprovado pelo plenário daquela casa:

Art. 955. Quando o resultado da apelação for, por decisão não unânime, no sentido de reformar sentença de mérito, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, a serem convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores. § 1° Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.

§ 2° Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.

§ 3° A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:

- ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença; neste caso, deve o seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;

- agravo de instrumento, quando o resultado for a reforma da decisão interlocutória de mérito.

§ 4° Não se aplica o disposto neste artigo no julgamento do incidente de assunção de competência e no de resolução de demandas repetitivas. § 5° Também não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento da remessa necessária.

§ 6° Nos tribunais em que o órgão que proferiu o julgamento não unânime for o plenário ou a corte especial, não se aplica o disposto neste artigo. Dessa forma, no Novo CPC os embargos infringentes se tornarão um incidente, tendo as suas hipóteses de incidência não apenas estendidas, mas também garantidas por determinação legal.

Observa-se da leitura do dispositivo, que apesar da perda do recurso, o sistema de julgamento nos tribunais impõe a aplicação de técnica de julgamento que garante um maior debate sobre a divergência havida. Percebe-se, então, interesse na manutenção do procedimento correspondente aos infringentes - ainda que mediante a extinção do recurso - não é apenas das partes, mas também público, dada a uniformização e a amplitude da discussão que possibilita junto aos julgados não unânimes que reformam sentença de mérito.

Além da transformação a respeito da natureza do procedimento - incidente ao invés de recurso - o novo texto acaba por proporcionar, também, uma extensão das hipóteses de cabimento desta técnica. O § 3° do artigo 955 prevê que tal técnica de complementação de julgamento será aplicada igualmente, tanto às decisões colegiadas não unânimes em recurso de apelação quanto às decisões colegiadas não unânimes em ação rescisória, bem como em recurso de agravo de instrumento que reforme decisão interlocutória de mérito, conceito esse melhor resolvido para o novo CPC.

Na prática, é possível perceber que o projeto do novo CPC aumentou o espectro de possibilidades dos embargos de infringentes, mas com ganho na simplicidade procedimental. Notadamente, deixam-se de lado os debates entre os limites objetivos e subjetivos dos atuais embargos infringentes, para privilegiar o julgamento com um colegiado maior, sempre que houver sinais de possível divergência.

É exatamente esse tipo de interesse perseguido pel'A instrumentalidade do processo: simplificação procedimental, mas sem perder de vista os escopos social, político e jurídico.

4.2.2.2 O fim do processo cautelar

O projeto do novo código de processo civil (PL 8.046/10 atualmente transformado na Lei Ordinária 13105/2015 em 16 de março de 2015) altera o sistema de tutela de urgência no direito brasileiro. A técnica cautelar deixa de possuir processo e procedimento próprio, e se alinha à tutela antecipada em procedimento unificado, constante da parte geral do novo código.

A mudança, inegavelmente, simplifica o modo de se tutelar a urgência, mas a compreensão de sua repercussão remete ao debate antigo estabelecido desde a promulgação do CPC de 1973.

O CPC de 73, redigido pelo Professor Buzzaid sob a influência das lições de Liebman, fez opção ideológica pela ordinarização de todo o sistema processual - a velha ideia de que o embricamento perfeito de determinados atos garantem a sentença perfeita; e quanto mais atos, mais perfeição. Por isso o processo cautelar, tratado em Livro em separado no código, com direito a procedimento e sentença própria.

Apesar da velocidade procedimental que se tentou conferir ao processo cautelar, com a possibilidade de concessão de medidas liminares e prazos curtos, o modo ordinarizado de se tutelar a urgência logo entrou em conflito com a realidade. Externamente, essa tensão nasce, primeiro, da evolução da modernização da nossa sociedade, que evoluiu cada vez mais rápido e, com isso, cria conflitos nunca imaginados que exigem respostas expressas - o mundo é, de fato, expresso.

Internamente, a tensão decorre das opções do código. Os três processos existentes são classificados em razão de sua função de conhecimento, de execução e o cautelar, que deveria conhecer e executar ao mesmo tempo. Essa divisão, claramente, possui uma inconsistência teórica; e esse descompasso atrapalhou a sua boa prática, na medida em que o processo cautelar não conhecia e nem executava adequadamente.[85]

Fora essas tensões, o mundo real exigia mais. Em boa parte dos casos era necessário mais do que acautelar uma situação de perigo ao direito de alguém. Era preciso que os efeitos práticos da sentença surtissem desde logo, sob pena de perder o sentido de ser tutelado ao final do processo.

Começou-se, então, a usar o processo cautelar (inadequadamente, sob o ponto de vista técnico-teórico) para se conseguir essas tutelas antecipadas, pois o processo de conhecimento podia apenas conhecer e, jamais, executar (conceder efeitos práticos imediatos). Vale dizer, a extrema ordinarização do sistema, com separação estanque entre conhecimento e execução, levou a solução quase que natural de se utilizar o processo cautelar como instrumento de antecipação de tutela, aumentando bastante o uso do Livro III.

Sobre esse ponto, os comentários do Professor Ovídio Baptista são precisos:

A expansão do processo cautelar (não necessariamente da tutela cautelar) explica-se, portanto, em virtude da lógica imanente ao próprio sistema seguido pelo direito brasileiro. Se o juiz não puder conceder jamais medidas liminares porque o processo de conhecimento, por definição, não contém execução simultâneo com a cognição, então, o modo como os juristas práticos conseguem a dificuldade, "desordinarizando" o emperrado procedimento ordinário, fica reduzido exclusivamente ao emprego do processo cautelar, como via alternativa de sumarização das demandas satisfativas que exijam tratamento urgente, incompatível com a ordinariedade.[86]

Diante desses conflitos práticos e teóricos o CPC de 73 passou a ser reformado. De fato, as primeiras reformas dão conta dos primeiros meses do código, mas, para o momento, importa a Lei 8.952, de 13.12.94, que o instituto da antecipação de tutela, alterando o art. 273, caput e §§ 1° ao 5°, conforme se conhece até hoje.

Com a Lei 8.952, tais tutelas ganharam instrumento próprio, nos moldes do art. 273. Ocorre que, em razão da confusão histórica entre as duas tutelas urgentes (satisfativa e cautelar), a reforma de 1994 trouxe ainda mais confusão para a prática jurídica.

Houve, por exemplo, sempre em razão da escolha ideológica do código de separar conhecimento e execução e ordinarizar tanto quanto fosse possível, quem entendesse que a cautelar inominada teria perdido espaço em nosso ordenamento:

Nem é outro, aliás, o motivo da perplexidade que tomou conta da doutrina brasileira, ao ver a inclusão no sistema das medidas antecipatórias genéricas, que passaram a dividir com as medidas cautelares o campo das tutelas de urgência, circunstância com a qual os seguidores de CALAMANDREI não poderão conviver em paz, pois o mestre de Florença definia a cautelaridade pelo sentido antecipatório do provimento, característica, segundo ele, presente no grupo mais importante dessa espécie de tutela, o que torna o caráter antecipatório atribuído às cautelares o ponto central de sua doutrina.

É compreensível que os juristas que reproduzem a doutrina do mestre florentino afirmem, como fez TEORI A. ZAVASCKI, ao escrever, em sua magnífica contribuição ao tema relativo à tutela antecipatória, que o "processo cautelar" - leia-se "provvedimenti d'urgenza" do direito italiano, que corresponde apenas à nossa cautelar inominada - perdera "espaço no sistema de processo" (Antecipação de tutela, p. 70). Claro, sendo, como afirma TOMMASEO, sempre antecipatórias as cautelares inominadas, é compreensível a confusão da doutrina brasileira causada pela introdução das medidas antecipatórias, sem que o legislador haja excluído do sistema os arts. 798-799, cuja vocação, como se sabe, sempre foi para a produção de tutela antecipada.[87]

Para corrigir o rumo da reforma, sobreveio a chamada reforma da reforma, nos anos de 2001 e 2002, sendo editada a Lei 10.444, de 07.05.02, a qual modificou o parágrafo §3°, do art. 273, bem como introduziu os §§ 6° e 7°, nos seguintes termos:

Art.273. (...)

§ 3o A efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4o e 5o, e 461-A. (...)

§ 6o A tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. § 7o Se o autor, a título de antecipação de tutela, requerer providência de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental do processo ajuizado.

Apesar da intenção de estabelecer coerência ao sistema da antecipação de tutela, a Lei 10.444, em especial o art. 273, § 7°, acabou por trazer maior confusão entre as técnicas de tutela de urgência. De fato, a possibilidade de se conceder uma dessas técnicas como se fosse outra, foi entendida, ao menos, de três formas diferentes.

A primeira, de que o §7° só poderia ser utilizado em caso de dúvida. A segunda, de que a cautelar poderia ser concedida sempre, e sempre, que fosse requerida internamente ao processo de conhecimento. Por fim, houve quem entendeu que não só a cautelar poderia ser concedida quando requerida como antecipação de tutela, mas que o inverso também poderia acontecer.

Essas posições diferentes causaram grandes transtornos às partes que dependeram de tutela de urgência no final da década de 90, pois, a depender do entendimento do magistrado, a tutela poderia ser indeferida conforme a técnica escolhida. Mesmo que em menor escala, esse quadro perdura até hoje[88], e daí a preocupação do novo CPC em simplificar e sistematizar a tutela de urgência.

Feita a contextualização, parte-se para o projeto. O Livro V, da Parte Geral, do PL 8.046/10 (atualmente Transformado na Lei Ordinária 13105/2015 em 16 de março de 2015), trata da tutela antecipada. Tem-se, ali, na verdade o tratamento dado à tutela de urgência, sendo que o art. 295 estipula que a tutela "antecipada" poderá ser satisfativa ou cautelar. Cabe, então, pequeno reparo de conceito, para o capítulo trate de tutela de urgência em suas diferentes técnicas, antecipatória ou cautelar.

Ao que parece, o novo código tenta adotar nomenclatura capaz de incluir entre as espécies a evidência que não é tutela de urgência - o parágrafo único do art. 295 é claro nesse sentido. Essa opção, contudo, contraria nossa tradição de tratar a técnica antecipatória como uma forma da tutela de urgência, ao lado da técnica cautelar.

Feito esse pequeno comentário sobre a nomenclatura adotada, observa- se que o novo código foi efetivo na simplificação do procedimento para a tutela de urgência. O capitulo "Tutela de Urgência" trata, efetivamente, tanto da técnica cautelar quanto da técnica antecipatória. Adiante, no capitulo que trata da "Tutela Cautelar Antecedente", há previsão para que, caso o magistrado entenda que o pedido seja satisfativo, deverá ser observado procedimento próprio da "Tutela de Urgência".

Em outras palavras, o procedimento é ora idêntico, quando se fala em "Tutela de Urgência", ora semelhante, podendo ser corrigido. Por isso, pode-se afirmar que a simplificação procedimental proposta pelo novo código tende a eliminar as classificações estanques entre cautelar e antecipação, permitindo que o magistrado faça a adequação procedimental que entender necessário, sem, contudo, negar a tutela requerida.

Sem dúvida, a opção do Novo Código de Processo Civil se adequa ao pensamento instrumental de Dinamarco, que em comentários à reforma da reforma, afirmava que

Os operadores do direito, ainda pouco familiarizados com o instituto da antecipação, relutam em transpor a ele os preceitos explícitos que o Livro III do Código de Processo Civil contém, sem se aperceberem de que ali está uma verdadeira disciplina geral da tutela jurisdicional de urgência e não, particularmente, de tutela cautelar. Esse é o ponto mais frágil da disciplina da antecipação tutelar, em seu modelo brasileiro.[89]

4.2.3 Os limites para a motivação das sentenças

Entre tantas, há uma frase bastante perigosa na obra analisada: "a atuação do juiz, sobre os textos legais, amoldando-os às necessidades da justiça, segundo os valores reconhecidos."[90] Essa frase resume bem as duas críticas lançadas no capítulo anterior.

Quem define as necessidades da justiça? Quais são os valores reconhecidos? Por óbvio, em um Estado Democrático de Direito, as necessidades da justiça e os valores reconhecidos constam das leis democraticamente produzidas - exatamente como demonstrado no item 3.1.1. Apesar dessa suposta obviedade, não é bem isso que se observa.

O fenômeno de abertura do direito aos valores[91] tem relação íntima com o desenvolvimento da teoria do direito no pós-guerra, conforme se demonstrou no item 3.2. Desenvolveu-se debate intenso sobre a incorporação dos valores no ordenamento jurídico, especialmente nas constituições desse período. Acrescenta- se ao debate os direitos fundamentais e as diferentes teorias quanto às regras e princípios.

A incorporação dessas teorias ao direito brasileiro foi implacável. A incapacidade do Estado de oferecer tudo aquilo que a Constituição prometia criou a falsa impressão que o Poder Judiciário poderia resolver o problema. A política foi judicializada e abriu-se espaço para decisões com solução não jurídicas. Vale dizer, magistrados, supostamente, atendem aos escopos social e político e praticam o ativismo judicial.[92]

Em regra, tais decisões se baseiam naquilo que Lênio Streck passou a chamar de "pan-principialismo"[93], em que o uso do texto constitucional como princípios, desacompanhados de qualquer rigor na aplicação, justifica absolutamente tudo aquilo que o magistrado quiser decidir.

Em resumo: o magistrado tem uma impressão prima facie sobreo caso e já conhece a sentença desde logo; para justificá-la minimamente, faz uso dos escopos político e social da jurisdição e lança mão de algum princípio, sem qualquer motivação pertinente. Soma-se a esse contexto, o congestionamento de processos nos tribunais que desaguam em decisões genéricas, superficiais e sem motivação.

Observando tais problemas na motivação das decisões, o Novo Código de Processo Civil dispõe o seguinte:

§ 1° Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limita a indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo;

II - empregue conceitos jurídicos indeterminados sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invoque motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limita a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Como se observa, o novo CPC impõe ao magistrado, como condição de exercício da jurisdição, que ele expresse os motivos de sua decisão, que deverá estar de acordo com as normas aplicáveis ao caso, explicando, sempre e sempre, de que modo os princípios e os conceitos indeterminados se aplicam concretamente.

Há, assim, um freio ao simples uso dos escopos social e político. O uso desses supostos escopos deve ser pautado em lei, democraticamente confeccionada, e acompanhado da respectiva fundamentação. Em outras palavras, valores só podem fundamentar decisão se tais valores constarem de lei, e, em especial, da Constituição,

Deste modo, percebe-se que, ao menos nesse sentido, o Novo Código de Processo Civil limita à possibilidade de atuação da jurisdição, vinculando-a a lei e à motivação suficiente. Nesse ponto, há um afastamento do conceito de jurisdição e seus escopos formulados por Dinamarco.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pretensão deste texto era demonstrar a importância d'A instrumentalidade do processo para o direito brasileiro, com as ressalvas devidas, e demonstrar que o Novo Código de Processo Civil foi influenciado pela obra do professor Dinamarco - seja acatando as ideias, seja acatando as críticas.

O primeiro passo para se alcançar tal objetivo foi dado no capítulo 1. Ali foram apresentadas as premissas e as conclusões da obra, sem quais seriam impossível compreender as críticas e perceber a influência no novo CPC.

Na essência, a ideia da instrumentalidade do processo começa pela publicização do processo e o centro do estudo na jurisdição. O autor rememora a evolução da ciência do processo: desde o sincretismo, passando pela autonomia do processo e chegando à instrumentalidade.

Como bem constatou o professor Dinamarco, a vinculação dos conceitos processuais aos conceitos de direito privado permaneceram existentes em todas as fases da evolução. Vale dizer, mesmo com o processo sendo autônomo ao direito material e estabelecendo-se certo consenso quanto à relação processual ser de direito público, o processo ainda era estudado sob a ótica do direito privado.

Como exemplo dessa situação, a obra indica que mesmo depois da autonomia, processualista baseavam seus estudos essencialmente no conceito de ação e suas condições. Vale dizer, no modo de agir do particular. Uma preocupação evidentemente privatista. No Brasil, a crítica foi ainda mais pontual, pois nosso sistema adota com elemento central o conceito de lide, que nasce do direito obrigacional; nada mais privatista para o autor.

Essa incongruência causa tensão interna ao sistema. Mas também se tem fatores externos ao processo. Efetivamente, no período pós-guerra, o direito passou a ser pressionado para que certos valores fossem levados em conta. Acompanhando todo o ordenamento jurídico, o processo precisou se abrir junto. Aí é que Dinamarco indica a publicização do processo, para que o exercício da jurisdição pudesse dar vazão às pressões da sociedade.

A jurisdição, nessa perspectiva, ganha importância para ser o centro do estudo do processo. Segundo Dinamarco, "a preponderância metodológica da jurisdição, ao contrário do que se passa com a preferência pela ação ou pelo processo, corresponde à preconizada visão publicista do sistema, como instrumento do Estado, que ele usa para o cumprimento de objetivos seus."[94]

Assim, n'A instrumentalidade, o Estado canaliza os desejos da sociedade, faz da jurisdição instrumento para exercício de poder com o objetivo de saciar tais desejos. Daí a relação entre jurisdição e poder: jurisdição é, na obra, instrumento que permite que o Estado exerça uma porção de seu poder uno.

Ao centrar o processo na jurisdição, e determinar a jurisdição como instrumento de poder, Dinamarco passa a argumentar que a jurisdição possui mais dois escopos além do jurídico, o social e o jurídico. Para ele, se a jurisdição é expressão do poder uno do Estado, ela deve perseguir os desejos sociais e políticos de desse Estado.

Assim, a coisa julgada, por exemplo, e todo o sistema de preclusões contribui para a pacificação social. Ou seja, a imutabilidade das decisões atende também ao escopo social, dando estabilidade para que a sociedade estabeleça suas relações que tenha repercussão jurídica.

Na mesma medida, o escopo político pode ser percebido, segundo o autor, na evolução da jurisprudência de nossos tribunais ao aumentar as possibilidades de cabimento de mandado de segurança e habeas corpus. Vale dizer, os valores políticos podem alterar o conteúdo do texto da norma.

O escopo jurídico, por fim, é o mais óbvio e se dedica ao desenvolvimento da técnica. O professor Dinamarco aponta que por ser o escopo mais óbvio, ele acaba sendo percebido como o único e isso causa graves distorções da aplicação direito (para o autor, é impensável o exercício da jurisdição sem que os escopos sociais e políticos sejam considerados). Em outras palavras, a análise pura e simples do escopo jurídico pode levar a decisões havidas como injusta segundo a ótica d'A instrumentalidade.

A instrumentalidade, nessa perspectiva pode ser percebida em dois aspectos: negativo e positivo. O negativo se dá com a compreensão que o processo não possui valor em si, a não ser como instrumento do direito material, racionalizando o aprimoramento da técnica para evitar exageros formais.

O positivo se estabelece com medidas proativas da jurisdição. A preocupação com a legitimidade para estar em juízo, o modo-de-ser do processo, os critérios de julgamento e a efetivação das decisões constituem essa percepção positiva da instrumentalidade.

A boa intenção e influência que causou no ordenamento jurídico brasileiro não significam que a instrumentalidade do processo não possui incoerências. O capítulo 1 se dedicou a duas delas. A primeira demonstrou que sempre que o magistrado ir além dos limites da lei, sob o pretexto de dar ouvidos aos escopos social e político, ele estará entrando em contradições com tais escopos.

É que, politicamente, nosso ordenamento se estrutura como um Estado Democrático de Direito, em que a lei posta de forma democrática deve prevalecer. Essa foi a escolha da sociedade. Quanto, contudo, um magistrado vai além do que a lei permite, ele está tomando uma decisão individual contrariando aqui que democraticamente se estabeleceu. Vale dizer, o escopo político é violado, por essa decisão não é democrática, e o escopo social é violado, porque não se respeitou a opção da sociedade em se organizar a partir da democracia.

A segunda contradição é jurídica. Dinamarco entende que a instrumentalidade abre o processo aos valores. Mas quais valores? A obra não enfrenta a necessidade de se respeitar a normatividade da Constituição, e confunde direitos fundamentais com liberdade para atuação dos magistrados. E isso significa dizer que o magistrado instrumentalista que aplica valores (e não leis) está sempre contrariam a Constituição, seja por falta de fundamentação, seja por não compreender a normatividade do texto constitucional.

Todos esses elementos desaguaram no novo código de processo civil. Como objeto de análises, foram escolhidos três exemplos. Primeiro, tratou-se do incentivo que o nosso código da autocomposição, inclusive obrigado à criação de estrutura própria para tanto. Nesse ponto, percepção que o que Dinamarco escreveu na década de oitenta influenciou o legislador trinta anos depois.

Depois, tratou-se de simplificações processuais, citando-se a transformação dos embargos infringentes em técnica de julgamento e o fim do processo cautelar. Mais uma vez, há tanto de instrumentalidade nessas alterações.

Por fim, verificou-se que o artigo 499 do código (atualmente transformado na Lei Ordinária 13105/2015 em 16 de março de 2015) limita as possibilidades de fundamentação dos magistrados, de modo que a utilização dos escopos social e político serão mitigados, privilegiando-se a lei - o que é certo, enquanto estivermos em um Estado Democrático de Direito. Aqui, claramente, os ensinamentos d'A instrumentalidade foram aperfeiçoados.

Tudo considerado, o sistema processual brasileiro não seria o mesmo sem a instrumentalidade do processo. A influência é tal grande que, quase três décadas depois, a obra do professor Dinamarco influencia a produção de normas processuais e proporciona debates acadêmicos pertinentes.


REFERÊNCIAS

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WATANABE, Kazuo. Cognição no processo civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.


ANEXO 1 – Principais alterações do Novo Código de Processo Civil - Projeto de Lei n. 8.046/2010, atualmente transformado na Lei Ordinária 13105/2015 em 16 de março de 2015.

Resumo das alterações, segundo Oliveira[95] (2015, p. 1):

Foro

Art. 25. Não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional, arguida pelo réu na contestação.

Não existe artigo em paralelo a este no Código de Processo Cívil de 1973

Art. 46.  A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será proposta, em regra, no foro de domicílio do réu.

§ 1o Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer deles.

§ 2o Sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, ele poderá ser demandado onde for encontrado ou no foro de domicílio do autor.

§ 3o Quando o réu não tiver domicílio ou residência no Brasil, a ação será proposta no foro de domicílio do autor, e, se este também residir fora do Brasil, a ação será proposta em qualquer foro.

§ 4o Havendo 2 (dois) ou mais réus com diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor.

§ 5o A execução fiscal será proposta no foro de domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado.

Em paralelo podemos analisar o artigo 94 no Código de Processo Civil de 1973:

Art. 94. A ação fundada em direito pessoal e a ação fundada em direito real sobre bens móveis serão propostas, em regra, no foro do domicílio do réu.

§ 1o Tendo mais de um domicílio, o réu será demandado no foro de qualquer deles.

§ 2o Sendo incerto ou desconhecido o domicílio do réu, ele será demandado onde for encontrado ou no foro do domicílio do autor.

§ 3o Quando o réu não tiver domicílio nem residência no Brasil, a ação será proposta no foro do domicílio do autor. Se este também residir fora do Brasil, a ação será proposta em qualquer foro.

§ 4o Havendo dois ou mais réus, com diferentes domicílios, serão demandados no foro de qualquer deles, à escolha do autor.

O texto se manteve idêntico, apenas foi acrescentado o parágrafo 5° no Novo código de Processo Civil, sendo expresso no caso de execução fiscal o foro de domicílio será o do réu, onde ele resida ou ainda onde quer que ele esteja.

Novo Código de Processo Civil:

Art. 47.  Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação da coisa.

§ 1o O autor pode optar pelo foro de domicílio do réu ou pelo foro de eleição se o litígio não recair sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de terras e de nunciação de obra nova.

§ 2o A ação possessória imobiliária será proposta no foro de situação da coisa, cujo juízo tem competência absoluta.

O Código de Processo Civil de 1973, já tratava de tal matéria em seu artigo 95:

Art. 95. Nas ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro da situação da coisa. Pode o autor, entretanto, optar pelo foro do domicílio ou de eleição, não recaindo o litígio sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, posse, divisão e demarcação de terras e nunciação de obra nova.

Foi acrescentado o parágrafo 2º no Novo Código de Processo Civil, ressaltando nos casos de ação possessória,  além do foro ser da situação da coisa, a necessidade da competência absoluta.

Novo Código de Processo Civil:

Art. 48.  O foro de domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade, a impugnação ou anulação de partilha extrajudicial e para todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro.

Parágrafo único.  Se o autor da herança não possuía domicílio certo, é competente:

I - o foro de situação dos bens imóveis;

II - havendo bens imóveis em foros diferentes, qualquer destes;

III - não havendo bens imóveis, o foro do local de qualquer dos bens do espólio.

Tal artigo é previsto no Código de Processo Civil de 1973 em seu artigo 96:

Art. 96. O foro do domicílio do autor da herança, no Brasil, é o competente para o inventário, a partilha, a arrecadação, o cumprimento de disposições de última vontade e todas as ações em que o espólio for réu, ainda que o óbito tenha ocorrido no estrangeiro.

Parágrafo único. É, porém, competente o foro:

I - da situação dos bens, se o autor da herança não possuía domicílio certo;

II - do lugar em que ocorreu o óbito se o autor da herança não tinha domicílio certo e possuía bens em lugares diferentes.

A inovação trazida pelo Novo Código de Processo Civil está presente em seu inciso II do artigo 48, no qual admite havendo bens em foros diferentes, poderá ser proposta a ação em qualquer um deles.

Novo Código de Processo Civil:

Art. 49.  A ação em que o ausente for réu será proposta no foro de seu último domicílio, também competente para a arrecadação, o inventário, a partilha e o cumprimento de disposições testamentárias.

É tratado no artigo 97 do Código de Processo Civil de 1973:

Art. 97. As ações em que o ausente for réu correm no foro de seu último domicílio, que é também o competente para a arrecadação, o inventário, a partilha e o cumprimento de disposições testamentárias.

Nenhuma modificação processual, apenas uma breve alteração no texto, o que não muda seu entendimento.

Novo Código de Processo Civil:

Art. 50.  A ação em que o incapaz for réu será proposta no foro de domicílio de seu representante ou assistente.

É tratado no artigo 98  do Código de Processo Civil de 1973:

Art. 98. A ação em que o incapaz for réu se processará no foro do domicílio de seu representante.

A inovação foi a apresentação no texto da figura do assistente, o  absolutamente incapaz  (menor de 16 anos)  é representado enquanto os relativamente capazes ( maiores de 16 e menores de 18) são assitidos.

Novo Código de Processo Civil:

Art. 51.  É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autora a União.

Parágrafo único.  Se a União for a demandada, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou no Distrito Federal.

[...]

Art. 52.  É competente o foro de domicílio do réu para as causas em que seja autor Estado ou o Distrito Federal.

Parágrafo único.  Se Estado ou o Distrito Federal for o demandado, a ação poderá ser proposta no foro de domicílio do autor, no de ocorrência do ato ou fato que originou a demanda, no de situação da coisa ou na capital do respectivo ente federado.

[...]

Art. 53.  É competente o foro:

I - para a ação de divórcio, separação, anulação de casamento e reconhecimento ou dissolução de união estável:

a) de domicílio do guardião de filho incapaz;

b) do último domicílio do casal, caso não haja filho incapaz;

c) de domicílio do réu, se nenhuma das partes residir no antigo domicílio do casal;

II - de domicílio ou residência do alimentando, para a ação em que se pedem alimentos;

III - do lugar:

a) onde está a sede, para a ação em que for ré pessoa jurídica;

b) onde se acha agência ou sucursal, quanto às obrigações que a pessoa jurídica contraiu;

c) onde exerce suas atividades, para a ação em que for ré sociedade ou associação sem personalidade jurídica;

d) onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se lhe exigir o cumprimento;

e) de residência do idoso, para a causa que verse sobre direito previsto no respectivo estatuto;

f) da sede da serventia notarial ou de registro, para a ação de reparação de dano por ato praticado em razão do ofício;

IV - do lugar do ato ou fato para a ação:

a) de reparação de dano;

b) em que for réu administrador ou gestor de negócios alheios;

V - de domicílio do autor ou do local do fato, para a ação de reparação de dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, inclusive aeronaves.

Os artigos 51 ao 53, estão previstos no Código de Processo Civil de 1973 nos artigos 99 e 100, e ainda, o artigo 52 não possui artigo correpondente no CPC/73.

Art. 99. O foro da Capital do Estado ou do Território é competente:

I - para as causas em que a União for autora, ré ou interveniente;

II - para as causas em que o Território for autor, réu ou interveniente.

Parágrafo único. Correndo o processo perante outro juiz, serão os autos remetidos ao juiz competente da Capital do Estado ou Território, tanto que neles intervenha uma das entidades mencionadas neste artigo.

Excetuam-se:

I - o processo de insolvência;

II - os casos previstos em lei.

Art. 100. É competente o foro:

I - da residência da mulher, para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e para a anulação de casamento;         (Redação dada pela Lei nº 6.515, de 26.12.1977)

II - do domicílio ou da residência do alimentando, para a ação em que se pedem alimentos;

III - do domicílio do devedor, para a ação de anulação de títulos extraviados ou destruídos;

IV - do lugar:

a) onde está a sede, para a ação em que for ré a pessoa jurídica;

b) onde se acha a agência ou sucursal, quanto às obrigações que ela contraiu;

c) onde exerce a sua atividade principal, para a ação em que for ré a sociedade, que carece de personalidade jurídica;

d) onde a obrigação deve ser satisfeita, para a ação em que se Ihe exigir o cumprimento;

V - do lugar do ato ou fato:

a) para a ação de reparação do dano;

b) para a ação em que for réu o administrador ou gestor de negócios alheios.

Parágrafo único. Nas ações de reparação do dano sofrido em razão de delito ou acidente de veículos, será competente o foro do domicílio do autor ou do local do fato.

Novo Código de Processo Civil

Contratos, Prazos e Datas

Art. 190.  Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único.  De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Em paralelo existe o artigo 181 do Código de Processo Civil 1973:

Art. 181. Podem as partes, de comum acordo, reduzir ou prorrogar o prazo dilatório; a convenção, porém, só tem eficácia se, requerida antes do vencimento do prazo, se fundar em motivo legítimo.

§ 1o O juiz fixará o dia do vencimento do prazo da prorrogação.

§ 2o As custas acrescidas ficarão a cargo da parte em favor de quem foi concedida a prorrogação.

Entretanto o Código de 1973 admitia apenas a convenção para dilação de prazos, no Novo Código de Processo Civil entretanto, é permitido as partes em comum acordo, estabelecerem ajustes que julguem mais adequados a sua causa, convencionando sobre seus poderes, ônus, faculdades e deveres processuais. Deste modo a liberdade de contratar se estende processualmente, sendo possível as partes convencionarem até mesmo questões processuais.

Contudo o parágrafo único estabelece os limites e a intervenção do Juiz, caso exista abuso ou prejuízo claro a uma das partes nessa convenção.

Art. 543. Se o objeto da prestação for coisa indeterminada e a escolha couber ao credor, será este citado para exercer o direito dentro de 5 (cinco) dias, se outro prazo não constar de lei ou do contrato, ou para aceitar que o devedor a faça, devendo o juiz, ao despachar a peti- ção inicial, fixar lugar, dia e hora em que se fará a entrega, sob pena de depósito.

Neste artigo é clara a liberdade das partes para estabelecer o prazo, tendo como padrão 5 dias, entretanto, caso as partes já acordaram um prazo diverso, este se manterá. Tal previsão já se encontrava no Art. 894 do CPC/73

Art. 800. Nas obrigações alternativas, quando a escolha couber ao devedor, esse será citado para exercer a opção e realizar a prestação dentro de 10 (dez) dias, se outro prazo não lhe foi determinado em lei ou em contrato.

 § 1º Devolver-se-á ao credor a opção, se o devedor não a exercer no prazo determinado.

§ 2º A escolha será indicada na petição inicial da execução quando couber ao credor exercê-la.

Novamente neste artigo, é expresso o cumprimento do prazo padrão, ou o prazo estabelecido em contrato. Tal previsão é presente no Art. 571 do CPC/73


Notas

[1]   O texto analisado é o aprovado pela comissão especial da Câmara dos Deputados. É importante lembrar que o Anteprojeto original tramitou, primeiro, no Senado Federal, onde aprovado e enviado à Câmara dos Deputados, onde, então, foi aprovado com uma série de modificações o texto que ora se analisa. Frise-se, contudo, que não se cuida do texto final da lei, que vem sendo analisado de forma fracionada pelo plenário da Câmara dos Deputados e sofrendo algumas alterações. Assim, para que fique claro, o texto analisado é aquele constante do PL n. 8.046, de 2010, aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados em outubro de 2013.

[2]   DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 341.

[3]   Ibidem, p. 11-12

[4]    Ibidem, p. 59

[5]    Ibidem, p. 75-76

[6]    Ibidem, p. 11

[7]    Ibidem, p. 45-47

[8]    Ibidem, p. 47-48.

[9]   Na Itália, o processo civil não se aplica ao direito administrativo, tributário ou constitucional.

[10]    Ibidem, p. 50.

[11] Ibidem, p. 313

[12]   Essa é uma posição de Dinamarco, mas diversos autores afirmam que a teoria geral do processo civil não é a mesma teoria geral do processo penal.

[13]   Ibidem, p. 59

[14]   Ibidem, p. 76

[15]   Conceito utilizado por Dinamarco ao longo de toda obra

[16]   Ibidem, p. 66

[17]   Ibidem, p. 314

[18]    Ibidem, p. 314

[19]    Ibidem, p. 315 e p. 91-95

[20]   Ibidem, p. 108-112

[21]   Ibidem, p. 179

[22]  Ibidem, p. 315.

[23]   Ibidem, p. 315.

[24]   Ibidem, p.316

[25]   Ibidem, p. 137-148

[26]   Ao falar do escopo jurídico e técnica processual, Dinamarco faz uso de lição de Cappelletti para afirmar que "a instrumentalidade é a porta-mestra para o ingresso de valores no sistema processual." Ibidem, p. 219

[27]   Ibidem, p. 316

[28]   Ibidem, p. 317

[29]   Frise-se que essa é a posição extraída do texto, com a qual não concordamos e que será objeto de crítica no Capítulo 2 deste trabalho.

[30]   Ibidem, p. 164

[31]   Ibidem, p. 172.

[32]   Ibidem, p. 173

[33]   Ibidem, p. 219.

[34]   Ibidem, p. 318

[35]    Ibidem, p. 319

[36]  Ibidem, p. 274-282

[37]    Ibidem, p. 293

[38]    Ou seja, no atendimento a todos os escopos: jurídico, social e político. Ibidem, p. 319-320 .

[39]    Ibidem, p. 320

[40]    DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. V. II. 5a ed. São Paulo: Malheiros. p. 23-25

[41]    PASSOS, J. J. Calmon de. Instrumentalidade do Processo e Devido Processo Legal. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. 1, n°. 1, 2001. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>.

[42]  DINAMARCO. A instrumentalidade .... p. 82

[43]    Ibidem, p. 219.

[44]   PASSOS, J. J. Calmon de. Instrumentalidade ... p.12-13

[45]   NERY JUNIOR, Nelson. Teoria geral dos recursos. 6. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 509-510.

[46]   SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 113 citando SCHMIT, Carl. Legalidad y legitimidade. Madrid: Aguilar, 1971. Trad. De José Díaz García.

[47]   SILVA, José Afonso da. Curso ... p. 112-113

[48]   Ibidem, p. 116

[49]    SILVA, José Afonso da. Curso ... p. 121.

[50]  ALVARO DE OLIVEIRA. Carlos Alberto. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. In Leituras complementares de Processo Civil. Org. Fredie Didier Jr. 6. Ed. Salvador: JusPodvim, 2008. p. 367.368.

[51]  DINAMARCO. A instrumentalidade .... p. 196.

[52]    Ibidem, p. 199.

[53]    Ibidem, p. 82

[54]    SILVA, José Afonso da. Curso ... p. 121

[55]    MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil: Volume IV. Campinas: Millennium, 1999. p. 343

[56]    No original: "La cosa juzgada es el atributo de la jurisdición. Ninguna outra actividad del orden jurídico tiene la virtude de reunir los caracteres arriba mencionados: la irrevisibilidad, la inmutabilidad y la coercibilidad. Ni la legislácion ni la administración pueden expedir actos com estas modalides, ya que, por su própria natureza, las leyes se derogan con otras leyes y los actos administrativos se revocan o modifican com otros actos." COUTURE, Eduardo. Fundamentos del derecho procesal civil. 3. ed. Buenos Aires: Depalma, 1993. p. 411-412.

[57]  DINAMARCO. A instrumentalidade .... p. 92.

[58]    DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. Revista de Processo, Rio de Janeiro, v. 28, p.9-38, jun. 2003.

[59]  DINAMARCO. A instrumentalidade .... p. 167.

[60]    Ibidem, p. 95.

[61]    Utiliza-se aqui a expressão "Constitucionalimo Contemporâneo" no sentido cunhado pelo professor Lênio Streck: uma referência "a construção de um direito democraticamente produzido, sob o signo de uma Constituição normativa e da integridade da Jurisdição." O conceito, então, abarca o "o movimento que desagou nas Constituções do segundo pós-guerra e que ainda está presente em nosso contexto atual (...)". Trechos contidos em STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 37.

[62]   STRECK, op. cit., p. 59

[63]   NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal. 10. ed. São Paulo: RT, 2010. p.38.

[64]   NERY JUNIOR, op. cit., p. 79.

[65]   RODRIGUES, Horácio Wanderlei; LAMY, Eduardo de Avelar. Teoria geral do processo. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. p. 57.

[66]      Vários obras podem ser citadas como representantes desse debate teórico havido: HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Safe, 1991. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes, Robert Alexy, MULLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. São Paulo: RT, 2011, DWORKIN, Ronaldo. Levando os direitos a sério. 3. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. No Brasil, em que o debate quanto à Constituição é muito mais recente, podem ser citadas: SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2012 e STRECK, Lênio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[67]    HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Safe, 1991. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes.

[68]     É claro que o reconhecimento da normatividade da Constituição não se deu com um ruptura imediata. Tanto que "(...) na Constituição Imperial de Weimar (...) as numerosas garantias sociais pormenorizadas prometiam mais do que podiam cumprir e permaneceram como simples princípios programáticos.", conforme PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 67. Tradução de Antônio Francisco Sousa.

[69]       BOROWSKI, Martin. La estructura de los derechos fundamentales. Bogotá: Universidade Externado de Colombia. Tradução de Carlos Bernal Pulido. p. 47.

[70]    SILVA, Virgílio Afonso da. Direitos fundamentais: conteúdo essencial, restrições e eficácia. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 45.

[71]    DWORKIN, Ronald. Levando dos direitos a sério. 3. ed. São Paulo: Wmf Martins Fontes, 2010. p. 39-46. Trradução de Nelson Boeira.

[72]   ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2001.

[73]    ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2012. p. 215.

[74]    SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 180.

[75]   SILVA, Virgílio Afonso da. Ob. Cit.. p. 252.

[76]  DINAMARCO. A instrumentalidade ..., p. 42.

[77]   STRECK. Ob. Cit., p. 38.

[78]   Ibidem, p. 39.

[79]    O texto analisado é o aprovado pela comissão especial da Câmara dos Deputados. É importante lembrar que o Anteprojeto original tramitou, primeiro, no Senado Federal, onde aprovado e enviado à Câmara dos Deputados, onde, então, foi aprovado com uma série de modificações o texto que ora se analisa. Frise-se, contudo, que não se cuida do texto final da lei, que vem sendo analisado de forma fracionada pelo plenário da Câmara dos Deputados e sofrendo algumas alterações. Assim, para que fique claro, o texto analisado é aquele constante do PL n. 8.046, de 2010, aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados em outubro de 2013.

[80]    DINAMARCO. A instrumentalidade ..., p. 306-307.

[81] Art. 166. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.

§ 1° A composição e a organização do centro serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.

§ 2° Em casos excepcionais, as audiências ou sessões de conciliação e mediação poderão realizar- se nos próprios juízos, desde que conduzidas por conciliadores e mediadores. § 3° O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não tiver havido vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.

§ 4° O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que tiver havido vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.

[82]   Art. 168. Os tribunais manterão cadastro de conciliadores e mediadores e das câmaras privadas de conciliação e mediação, que conterá o registro dos habilitados, com indicação de sua área profissional.

§ 1° Preenchendo os requisitos exigidos pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo tribunal, entre os quais, necessariamente, está a capacitação mínima, por meio de curso realizado por entidade credenciada ou pelo próprio tribunal, conforme parâmetro curricular mínimo definido pelo Conselho Nacional de Justiça, o conciliador ou o mediador, com o respectivo certificado, poderá requerer sua inscrição no cadastro do tribunal.

§ 2° Efetivado o registro, que poderá ser precedido de concurso público, o tribunal remeterá ao diretor do foro da comarca, seção ou subseção judiciária onde atuará o conciliador ou o mediador os dados necessários para que seu nome passe a constar da respectiva lista, para efeito de distribuição alternada e aleatória, observado o princípio da igualdade dentro da mesma área de atuação profissional.

§ 3° Do credenciamento das câmaras e do cadastro de conciliadores e mediadores constarão todos os dados relevantes para a sua atuação, tais como o número de causas de que participou, o sucesso ou insucesso da atividade, a matéria sobre a qual versou a controvérsia, bem como outros dados que o tribunal julgar relevantes.

§ 4° Os dados colhidos na forma do § 3° serão classificados sistematicamente pelo tribunal, que os publicará, ao menos anualmente, para conhecimento da população e fins estatísticos, e para o fim de avaliação da conciliação, da mediação, das câmaras privadas de conciliação e de mediação, dos conciliadores e dos mediadores.

§ 5° Os conciliadores e mediadores cadastrados na forma do caput, se advogados, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que exerçam suas funções.

§ 6° O tribunal poderá optar pela criação de quadro próprio de conciliadores e mediadores, a ser preenchido por concurso público de provas e títulos, observadas as disposições deste Capítulo.

[83]  Em paralelo com a Lei da Arbitragem, n. 9.307/96, segundo a qual as partes envolvidas podem escolher o árbitro (artigo 9°).

[84] DINAMARCO. A instrumentalidade ..., p. 282.

[85]   SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil: Processo Cautelar (Tutela de Urgência). 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 10.

[86]   Ibidem. p. 10-13.

[87] Ibidem. p.16-17.

[88] Como exemplo, cite-se precedente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE SEPARAÇÃO. PEDIDO DE AFASTAMENTO DO CÔNJUGE VARÃO DA ADMINISTRAÇÃO DA EMPRESA PERTENCENTE AO CASAL LITIGANTE. MEDIDA DE NATUREZA EMINENTEMENTE CAUTELAR. IMPOSSIBILIDADE DE DEDUÇÃO DO PLEITO NO ÂMBITO DE ANTECIPAÇÃO DA TUTELA NA AÇÃO PRINCIPAL. NÃO CONHECIMENTO. PEDIDO DE FIXAÇÃO DE ALIMENTOS PROVISÓRIOS. NECESSIDADE DE PERCEPÇÃO DA VERBA NÃO DEMONSTRADA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 2010.014493-2, de Lages, rel. Des. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt Schaefer, j. 23-07-2012)

[89]   DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 91.

[90]   DINAMARCO. A instrumentalidade ..., p.307.

[91]   Para Dinamarco, a instrumentalidade é a abertura do processo aos valores.

[92]    Para aprofundar a questão: TASSINARI, Clarissa. Ativismo judicial: uma análise da atuação do Judiciário nas experiências brasileira e norte-americana. 2012. 139 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Departamento de Programa de Pós-graduação em Direito, Unisinos, São Leopoldo, 2012.

[93]   A completa compreensão de toda a crítica de Lênio Streck demanda um aprofundamento teórico inadequado para este trabalho. Contudo, as obras seguintes devem ser consultadas para aprofundamento na temática: STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 639 p. e STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) Crise. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 420.

[94] DINAMARCO. A instrumentalidade ..., p. 81.

[95] OLIVEIRA, Ramon. Principais alterações no Novo Código de Processo Civil, com ênfase no foro, prazos, datas e a repercussão nos contratos. 2016. Disponível em: <http://uniaojuridica.blogspot.com.br/2015/05/principais-alteracoes-no-novo-codigo-de.html>.


Autor

  • Alessandro Marinho Guedes

    Advogado. Membro Efetivo no Instituto dos Advogados do Brasil (Outubro/2018 a atual). Membro da Comissão de Estudos em Processo Civil na OAB/RJ (Junho/2019 a Novembro/2021) e IAB (Outubro/2018 a atual). Defensor Dativo no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ (Julho/2019 a Novembro/2021). Delegado na Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas na OAB/RJ (Janeiro/2016 a Dezembro/2018).

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