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A greve do servidor público federal

A greve do servidor público federal

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Índice: 1. Introdução; 2 - Relação Jurídica Laboral: 2.1 – Na Iniciativa privada; 2.2 – No Serviço Público; 3 – Legalidade dos atos da Administração Pública; 4 - A Greve no serviço público; 5 - A mora regulamentar do exercício do direito 6 - Inércia do devedor – O Poder Executivo; 7 – Suspensão do salário em razão da greve; 8 – Inconstitucionalidade do Decreto 1480/95. 9 – Conclusão.


Ementa: A administração pública rege-se pelo princípio da legalidade. Não havendo lei que regule a greve, aplica-se a analogia. Greve não é faltar ao serviço, mas paralisar as suas atividades. Só a lei pode impor punição pela paralisação das atividades. A lei 8112/90 (Estatuto do Servidor Público Federal) não permite o corte de ponto, a não nos casos previstos. Corte de ponto em razão de greve não está previsto no Regime Jurídico do Servidor Público Federal. Corte de ponto é abuso de autoridade.


1. INTRODUÇÃO

A paralisação das atividades funcionais dos servidores públicos federais, chamada de greve, nos termos da constituição cidadã de 1988 deve ser concebida como uma das mais importantes conquistas do servidor sendo, porém, uma complexa manifestação coletiva produzida pela sociedade contemporânea.

A expressão GREVE foi utilizada no final do século XVIII, quando se reuniram, tanto desempregados quanto trabalhadores, numa praça em Paris chamada de "Placê de Greve" (na referida praça, acumulavam-se gravetos trazidos pelas enchentes do rio Sena, daí o termo "grève", originário de graveto) que, insatisfeitos geralmente com os baixos salários e com as jornadas excessivas, paralisavam suas atividades laborativas e reivindicavam melhores condições de trabalho.

A Constituição de 1988 reconhece expressamente a greve como direito fundamental tanto para os trabalhadores em geral (art. 9º), quanto para os servidores públicos civis (art. 37, VI e VII), sendo que estes foram também contemplados com o direito à livre sindicalização, exceto os militares.


2 - RELAÇÃO JURÍDICA LABORAL:

2.1 – NA INICIATIVA PRIVADA:

A relação jurídico laboral existente entre o empregado da iniciativa privada decorre do regime trabalhista cujo mecanismo jurídico é o CONTRATO DE TRABALHO, com as peculiaridades descritas na Consolidação das Leis do Trabalho- CLT.

Ao disciplinar a greve dos trabalhadores do setor privado, abrangendo os "servidores empregados" das sociedades de economia mista e empresas públicas, a Lei n. 7.783/89, conceituou a mesma como "suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviço a empregador" (art. 2º), arrolando os serviços considerados essenciais e fixando os requisitos para o exercício do direito;

Na iniciativa privada a suspensão temporária do trabalho é possível em razão da sua bilateralidade e simplicidade. As normas que a regem são negociadas entre as partes. A greve nesse setor causa prejuízos financeiros diretamente ao empregador (normalmente sócio-proprietário do empreendimento) e, a reposição dos dias de greve, que na realidade é a recuperação do prejuízo financeiro causado e não do efetivo exercício da atividade laboral, pode ser negociado diretamente entre as partes, diferente da relação no serviço público.

2.2 – NO SERVIÇO PÚBLICO:

Os titulares de cargos públicos, chamados de servidores pela Constituição de 1988, (O servidor público é a pessoa legalmente investida em cargo público – art. 2º da Lei 8112/90) são os servidores da Administração direta do Executivo, das entidades da Administração indireta vinculadas ao regime de Direito Público (autarquias e fundações), do Poder Judiciário, e da esfera administrativa do Poder Legislativo, cuja relação jurídica não é contratual, mas institucional, adesiva ou funcional.

Conforme o texto constitucional inscrito nos artigos 37 a 41 e 169 que tratam sobre os servidores públicos, existem os servidores titulares de cargos públicos (vínculo estatutário ou institucional), regidos pelas leis próprias de cada esfera, e os servidores ocupantes de empregos (vínculo celetista ou trabalhista), de natureza contratual, ou seja, regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (Decreto-Lei nº 5.452, de 01.5.43).

Segundo José dos Santos Carvalho Filho o "Regime estatutário é o conjunto de regras que regulam a relação funcional entre o servidor estatutário e o Estado. Esse conjunto normativo (...) se encontra no estatuto funcional da pessoa federativa", sendo que as regras estatutárias básicas devem estar contidas em lei. (grifo nosso) (1)

Os artigos 39 a 41 da Constituição da República que trata sobre "Servidores Públicos", específica algumas características inerentes aos servidores estatutários bem distintas dos servidores empregados.

Sobre esse regime, Celso Antônio Bandeira de Mello comenta:

"Tal regime, atributivo de proteções peculiares aos providos em cargo público, almeja, para benefício de uma ação impessoal do Estado – o que é uma garantia para todos os administrados –, ensejar aos servidores condições propícias a um desempenho técnico isento, imparcial e obediente tão-só a diretrizes político-administrativo inspiradas no interesse público, embargando, destarte, o perigo de que, por falta de segurança, os agentes administrativos possam ser manejados pelos transitórios governantes em proveito de objetivos pessoais, sectários ou políticos-partidários – que é, notoriamente, a inclinação habitual dos que ocupam a direção superior do País. A estabilidade para os concursados, após três anos de exercício, a reintegração (quando a demissão haja sido ilegal), a disponibilidade remunerada (no caso de extinção do cargo) e a peculiar aposentadoria que se lhes defere consistem em benefícios outorgados aos titulares dos cargos, mas não para regalo destes e sim para propiciar, em". favor do interesse público e dos administrados, uma atuação impessoal do Poder Público." (2)

Sobre as características do regime estatutário, José Carlos Carvalho dos Santos concluí que esse regime não pode incluir normas que denunciem a existência da figura contratual:

"Duas são as características do regime estatutário. A primeira é a da pluralidade normativa, indicando que os estatutos funcionais são múltiplos. Cada pessoa da federação, desde que adote o regime estatutário para os seus servidores precisa ter a lei estatutária para que possa identificar a disciplina da relação jurídica funcional entre as partes. Há, pois, estatutos funcionais federal, estaduais, distritais e municipais, cada um deles autônomo em relação aos demais, porquanto a autonomia dessas pessoas federativas implica, necessariamente, o poder de organizar seus serviços e seus servidores. (...)".

A outra característica concernente à natureza da relação jurídica estatutária. Essa relação não tem natureza contratual, ou seja, inexiste contrato entre o Poder Público e o servidor estatutário." (grifo nosso) (3)

Alerta Caio Tácito que "na função pública – e este é um ponto geralmente obscurecido – nenhum dos dois sujeitos da relação jurídica determina as respectivas condições: nem à administração, nem ao funcionário cabe ditar o regime da função pública; ele resulta da lei e por ela é alterado". (nosso grifo) (4)

Não é o contrato nem o ato administrativo que forma e rege o vínculo do Servidor Público com o Estado, mas o ato legislativo em sentido formal. Duguit Hauriu e D’Alessio, frisam o fato de não ser a Administração que fixa ou ajusta as condições de desempenho de serviços, pagamentos de remuneração e relação de trabalho de seus servidores, mas quem o faz é o próprio Estado, sob critérios políticos-administrativos, de modo que o interesse público esteja atendido antes e acima de tudo. A lei é que diz o que pode ou não ser feito pela Administração Pública.


3 – LEGALIDADE DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA:

Como se sabe, por disposição constitucional, todos os atos da Administração Pública, de qualquer poder ou esfera, estão adstritos ao princípio da legalidade, devendo ser praticados em consonância com o que determinar a lei e nunca ao seu arrepio.

Celso Antônio Bandeira de Meio com muita propriedade, assim preleciona:

"Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente autorize. Donde, administrar é prover os interesses públicos assim caracterizados em lei, fazendo-o na conformidade dos meios e formas nela estabelecidos ou particularizados segundo suas disposições.". (nosso grifo) (5)

Na mesma linha de entendimento são os ensinamentos do ilustre Alexandre de Moraes "verbis":

"O tradicional princípio da legalidade, previsto no art. 5º, II, da Constituição Federal e anteriormente estudado, aplica-se normalmente na Administração, porém de forma mais rigorosa e especial, pois o administrador público somente poderá fazer o que estiver expressamente autorizada em lei e nas demais espécie normativa, inexistindo, pois, incidência de sua vontade subjetiva, pois na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza, diferentemente da esfera particular, onde será permitida a realização de tudo o que a lei não proíba". (nosso grifo) (6)


4 - A GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO:

Quanto ao servidor público civil da Administração direta, autárquica e fundacional, o art. 16 da Lei 7783 dispõe expressamente que:

"Para os fins previstos no art. 37, VII, da Constituição, lei complementar definirá os termos e os limites em que o direito de greve poderá ser exercido".

O STF, em diversas oportunidades, considerou que o inciso VII do art. 37 da CF, em sua redação original, encerraria norma de eficácia limitada, sendo certo que a exigência da lei complementar para o exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis impediria a aplicação analógica da Lei n. 7783/89, mormente em virtude da expressa determinação impeditiva nela contida (art. 16).

Além disso, forte na literalidade do art. 37, VII, da Constituição e do art. 16 da Lei 7783/89, o STF, no julgamento do MI 20-DF, realizado em 1º de maio de 1994, considerou a existência de lacuna técnica decorrente da mora do Congresso Nacional em regulamentar o direito de greve do servidor público civil. Lamentavelmente, porém, a Corte Suprema, ao invés de criar uma norma específica para o caso concreto, o que seria da própria essência do mandado de injunção, limitou-se simplesmente a comunicar a decisão ao Congresso para que este tomasse as providências necessárias à edição de lei complementar indispensável ao exercício do direito de greve pelos servidores públicos civis. Até hoje, o Congresso Nacional não deu a mínima importância à decisão injuntiva do STF.

Em 4 de junho de 1998, o Congresso promulgou a Emenda Constitucional n. 19, que deu nova redação ao art. 37, inciso VII, da CF, não mais exigindo a edição de uma lei complementar para regular o exercício do direito de greve para o servidor público civil, mas, tão-somente, de uma "lei específica".

Numa demanda jurídica pode-se encontrar o seguinte questionamento: Até que seja editada a "lei específica" constante do novel inciso VII do art. 37 da CF pode o juiz aplicar, analogicamente, os princípios e as normas da Lei n. 7783/89?


5 - A MORA REGULAMENTAR DO EXERCÍCIO DO DIREITO

A existência mora "legislatoris" em regulamentar o inciso VII do art. 37 da Constituição, no âmbito da Administração Pública direta, autárquica e fundacional, não há como negar que a têm suscitado grandes discussões doutrinárias e jurisprudenciais.

Duas correntes se manifestam antagonicamente, de forma cristalina:

Uma sustenta a eficácia contida do preceito constitucional, sendo possível o exercício do direito antes mesmo da edição da lei, e na sua ausência, que seja aplicada no que couber, por analogia, a Lei 7783/89.

A outra entende que tal dispositivo não se executa por si mesmo, e que tal direito do servidor somente poderá ser exercido após norma infraconstitucional, que antes da emenda nº 19/98, deveria ser por lei complementar, mas agora por lei "lei específica" ou ordinária.

O STF, quando vigia a redação original do inciso VII do art. 37 da CF, adotou a segunda corrente, mas que está a exigir mudança em seu posicionamento, em razão da mora legislativa e, em função da EC 19/89, que não mais exige lei complementar, mas, e tão-somente, "lei específica", o que implica na sua ausência a aplicação de lei correlata por analogia, pois o direito não admite lacuna.

Os Tribunais Regionais Federais e o Superior Tribunal de Justiça tem reconhecido, sistematicamente, o direito de greve dos servidores públicos, numa demonstração clara de que os desmandos da Administração Pública, aliados ao descaso e conivência do Poder Legislativo, encontram no Poder Judiciário uma barreira a resguardar a segurança do nosso ordenamento jurídico e os direitos inerentes à coletividade.


6 - INÉRCIA DO DEVEDOR – O PODER EXECUTIVO

Diante da lacuna fomentada pela inércia do Poder Executivo que tem a exclusividade no encaminhamento de leis que se referem ao servidor público e, considerando o fenômeno da recepção da atual Lei de Greve pela nova Emenda Constitucional n. 19, cabe ao intérprete, pelo menos até que sobrevenha lei específica, dar a máxima efetividade à norma constitucional mediante a integração do sistema pela interpretação analógica, pois se trata de direito constitucional fundamental que não pode ser postergado ou negado pela mora do devedor ou por violação de direitos constitucionais fundada na falta de norma regulamentadora.

Nos estudos de lvani Contini Bramante, podemos colher o oportuno entendimento de que:

"Visitando o ordenamento, verifica-se que já existe no mundo jurídico uma lei ordinária federal que regula, especificamente, o direito de greve, as atividades essenciais e o atendimento às necessidades inadiáveis da comunidade: a lei 7.783, de 28 de junho de 1989". (7)

Cumpre verificar que o art. 16, da lei 7.783/89, está revogado em razão da eficácia revogativa ou eficácia negativa, que também é desobstrutiva, pois a norma constitucional traçou novo esquema dependente para a sua atuação, ou seja, a exigência de uma lei ordinária normativa, diferente do sistema anterior o qual remetia à lei complementar, implicando dizer que, enquanto não for editada lei específica que regule a greve no setor público, o direito de exercê-la é livre e soberana esbarrando-se apenas nos excessos não permitido por lei correlata.

Desse comento pode-se afirmar que a Lei 7.783/89 foi recepcionada em parte podendo ser aplicada, no que couber, aos servidores públicos porque está em perfeita compatibilidade vertical-formal-material com o texto Constitucional. Operou-se o chamado fenômeno da eficácia construtiva da norma constitucional visto que a Lei 7.783/89, que trata do direito de greve na iniciativa privada, recebeu da Carta Política um novo elemento revigorador que a valoriza para a ordem jurídica nascente.

Dispensável o apelo de futura interferência do legislador para a elaboração urgente ou o aperfeiçoamento da aplicabilidade da norma constitucional que consagra o direito de greve pelo servidor público. Não havendo lei ordinária reguladora, especifica, da greve dos servidores públicos civis opera-se o instituto da analogia para os limites do direito de greve e, até mesmo sua proibição em certos casos, para algumas categorias específicas de funcionários públicos, justificados não em razão do status do servidor, mas em decorrência da natureza dos serviços prestados que são públicas, essenciais, inadiáveis, imantados pelo princípio da predominância do interesse geral.

É sabido que os serviços essenciais à comunidade, tanto podem ser prestados pelos trabalhadores do setor privado quanto do setor público, cuja abstenção não pode causar aos outros interesses tutelados constitucionalmente, como aqueles possuidores de caráter de segurança, saúde, vida, integridade física e liberdades dos indivíduos, prejuízos. Não se justifica, assim, o tratamento diferenciado ou separado. Onde há a mesma razão igual deve ser a regulamentação e solução.


7 – SUSPENSÃO DO SALÁRIO EM RAZÃO DA GREVE:

Pelo princípio de que a Administração só pode fazer o que a lei determina (principio da legalidade, impessoalidade e publicidade) nem mais nem menos, quando de movimentos de paralisação das atividades funcionais de uma repartição pública (greve), estando o Poder Público em mora com a edição de lei de greve específica para o setor público, como já declarado pelo Supremo Tribunal Federal em Ação de Injunção já comentada, não se pode falar em corte ou suspensão de pagamento de salários dos servidores que, efetivamente, participem dos movimentos, pela cristalina falta de amparo no ordenamento jurídico legal.

A lei 8112/90, que se transformou no regime jurídico do servidor público federal, quando trata da questão do corte de ponto do servidor, com a conseqüente suspensão de pagamento pecuniário, o faz no art. 44, onde diz que o servidor perderá a remuneração dos dias em que faltar ao serviço ou nos casos de atrasos na chegada, ausências ou saídas antecipadas iguais ou superiores há 60 minutos. "In verbis":

Art. 44. O servidor perderá:

I - a remuneração do dia em que faltar ao serviço, sem motivo justificado; (Redação dada pela L-009.527-1997)

II -a parcela de remuneração diária, proporcional aos atrasos, ausências justificadas, ressalvadas as concessões de que trata o art. 97, e saídas antecipadas, salvo na hipótese de compensação de horário, até o mês subseqüente ao da ocorrência, a ser estabelecida pela chefia imediata. (Redação dada pela L-009.527-1997)

Parágrafo único.  As faltas justificadas decorrentes de caso fortuito ou de força maior poderão ser compensadas a critério da chefia imediata, sendo assim consideradas como efetivo exercício. (Incluído pela L-009.527-1997)

Art. 45. Salvo por imposição legal, ou mandado judicial, nenhum desconto incidirá sobre a remuneração ou provento.

Parágrafo único. Mediante autorização do servidor, poderá haver consignação em folha de pagamento a favor de terceiros, a critério da administração e com reposição de custos, na forma definida em regulamento.

Na interpretação literal do termo "FALTAR AO SERVIÇO... ATRASOS, SAÍDAS ANTECIPADAS", o legislador quis dizer que se trata da ausência física no local de trabalho, entendendo-se por local de trabalho o ambiente da repartição onde o servidor presta sua atuação laboral. É o instituto da assiduidade como dever funcional.

A falta de assiduidade, que pode ser conceituada como o comparecimento à repartição ou local de trabalho para o desempenho de suas funções relativas á sua competência, que a lei permite punição com a suspensão dos estipêndios relativos aos dias faltosos.

Não se pode falar em greve ou paralisação dos serviços públicos pela ausência do servidor do seu local de trabalho, pois ai não se teria à greve, mas a falta ao trabalho, este punido como já mencionado.

Na atividade de paralisação, o servidor comparece (é assíduo) e permanece durante todo o tempo destinado ao labor no recinto da repartição deixando, no entanto, de praticar qualquer ato de execução de suas tarefas rotineiras.

A inexecução das tarefas rotineiras, nos termos da Lei 8112/90, art. 117, inciso XV, pode ser conceituada como "proceder de forma desidiosa", sendo esta uma proibição legal, mas, para cuja punição se faz necessário à apuração pelo processo disciplinar, nos termos do art. 143 do mesmo diploma legal.

A Lei 8112/90, em seu art. 116, que trata dos deveres, e o art. 117, que trata das proibições não impõe nenhuma sanção, de forma direta e sem o devido processo legal, que puna o servidor que participar de movimento de paralisação de atividades funcionais, em busca de direitos legítimos e melhores condições de trabalho.

O inciso I do Art. 45, é cristalino na sua concepção de que a remuneração será suspensa quando se faltar ao serviço sem motivo justificado. Havendo justificativa para a falta, está haverá de ser relevada ou compensada.

Caso o servidor em greve, por ordem de sua entidade sindical ou comando de greve, tenha que se ausentar do seu local de trabalho, deslocando-se para um outro ponto, objetivando uma melhor pressão política com o intuído de pressionar o Administrador Público a uma solução mais rápida para os motivos que ensejaram a deflagração do movimento paredista, estará justificada sua ausência, não podendo haver nenhuma punição pecuniária, podendo ser aplicado o dispositivo do parágrafo único do mesmo art. 45, após o término do momento.

Além do que, como já dito, a relação de trabalho do servidor com o Estado é institucional, não operando a quebra de contrato de trabalho ou sua rescisão (demissão ou exoneração no serviço público) sem o devido processo administrativo. O ato de afastamento é formal necessitando do instituto legal para sua efetivação, seja decreto ou portaria de demissão ou exoneração. Também, o prejuízo causado com a paralisação das atividades não afeta o empregador, considerando-o como sendo a Administração Pública, mas a comunidade que dele depende segundo as normais legais.

Diferente da iniciativa privada, os serviços acumulados resultante da paralisação hão de ser reparados e colocados em dia com o trabalho extra do servidor, aliás, um dos ônus da paralisação das atividades públicas é a "colocação do expediente em dia", sem nenhuma remuneração extra, operando-se, com já mencionado, os preceitos do parágrafo único do art. 45 da lei 8112/90.


8 – INCONSTITUCIONALIDADE DO DECRETO 1480/95.

O Presidente da República editou o Decreto n. 1.480, de 03.05.1995 (DOU 04.05.1995), que disciplina as faltas do servidor público federal decorrentes da sua participação nos movimentos de paralisação.

Tal decreto, que se reveste de regulamento de greve no serviço público, determina que, em nenhuma hipótese, poderão ser objeto de abono, compensação ou cômputo para fins de contagem de tempo de serviço ou de qualquer vantagem que o tenha por base o salário. Na realidade é um decreto que regulamenta uma lei inexistente - a lei de greve no serviço público, cuja mora é do próprio Poder Executivo.

O equívoco é tamanho que as autoridades governamentais estabeleceram sérias restrições e até sanções aos servidores que participarem de greve, o que é incompatível com o fundamento dessa espécie de direito fundamental do trabalhador brasileiro.

Eivados de vícios insanáveis, esse Decreto é de duvidosa constitucionalidade, pois determina até mesmo a exoneração ou dispensa de servidores, discriminando os ocupantes de cargos em comissão e os que percebam função gratificada.

A Constituição cidadã de 1988 não fez qualquer distinção entre os servidores públicos civis efetivos e os servidores ocupantes de cargos em comissão, sendo certo que as funções de confiança devem ser, por força da Emenda Constitucional n. 19/98, ocupadas, exclusivamente, por servidores ocupantes de cargos efetivos o que, também, não vem ocorrendo no seio da Administração Pública, desgraçadamente, ocupados por estranhos à própria administração.

A Constituição Federal de 1988 não admite ser regulamentada por decreto, daí poder-se afirmar que tal decreto é inconstitucional.


9 - CONCLUSÃO:

Conclui-se que, enquanto não existir lei que regulamente o art. 37 especificamente quanto à relação institucional da greve no serviço público, visto que a mora está no poder público representado pelo Poder Executivo Federal, o servidor que participar de paralisação (greve) de suas atividades funcionais, desde que, devidamente convocados pelas entidades sindicais representativas, por analogia à lei de greve existente, não poderá sofrer nenhuma penalidade pecuniária, seja multa ou descontos dos dias em que deixou de exercer suas funções laborais.

Deixar de executar suas atividades sem se ausentar do seu local de trabalho ou, quando tiver que se fazê-lo, mediante deslocamento a local de concentração para pressão ao próprio Poder Público na solução mais rápida dos motivos que ensejaram a greve, não são passíveis de sansão administrativa por inexistir norma legal que permita a Administração tal desiderato.

Qualquer punição, sob pena de nulidade absoluta, só poderá ocorrer mediante o competente processo disciplinar administrativo, com a liturgia do devido processo legal e o contraditório, conforme amparo constitucional esculpido no art. 5º, inciso LV, da Carta Magna de 1988.

O ônus maior de quem participa ativamente de um movimento de greve no Serviço Público é, ao fim do movimento, exercitar sua atividade funcional, de forma extraordinária, de modo a colocar em dia todas as tarefas pertinentes a sua rotina de trabalho normal, sem a percepção pecuniária extra por isso.

Caso venha a sofrer penalidade, pelo desconto pecuniário pelos dias de greve, não poderá ser compelido a trabalhar extraordinariamente, para colocar o serviço em dia, pois há vedação legal para o pagamento de horas extras no serviço público. A norma, neste caso, autoriza a reposição nos termos do parágrafo único do art. 45 da lei 8112/90.

Assim, deve ser praxe nesses movimentos, que o servidor cumpra, fielmente, os horários de trabalho tanto na entrada como na saída, bem como, que assinem o ponto de presença, seja o oficial, da própria repartição, seja o paralelo, ofertado pela entidade organizadora do evento, pois, para uma eventual demanda administrativa ou judicial haverá de ser comprovado que o servidor compareceu ao serviço deixando, apenas, de executar suas atividades laborais pertinentes, pois estava à disposição de sua entidade sindical em movimento de reivindicação por melhores condições de trabalho, cujo direito está, ampla e devidamente, amparado pela Carta Constitucional Cidadã de 1988.


NOTAS

  1. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 6ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 436.
  2. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 13ª edição. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 239.
  3. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 6ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 436.
  4. 12 TÁCITO, Caio. Temas de direito público. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 1487.
  5. In Curso de Direito Administrativo, 10ª Ed. Ed. Malheiros editores, 1998, São Paulo, pg 63
  6. In Direito Constitucional, 7ª ed. Ed. Atlas, 2000, São Paulo, pg. 279
  7. Cf. Arnaldo Süssekind, Direito Constitucional do Trabalho, Rio de Janeiro, Renovar, 1999, p. 434-435. Nesse sentido decidiu a 6ª Turma do STJ no ROMS 4531/SC (1994/0018896-0), Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, j. 22.8.95

BIBLIOGRAFIA:

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A liberdade sindical / trad. Edilson Alkmim Cunha. Brasília, DF: Organização Internacional do Trabalho; São Paulo: LTr, 1994,

Arnaldo Süssekind, Direito Constitucional do Trabalho, Rio de Janeiro, Renovar, 1999,

Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 6ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000,

Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, 12ª edição. São Paulo: Atlas, 2000

Friede, Roy Reis, Curso de Direito Administrativo, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1993

Laranjeiras, Aline Daniela Florêncio. Direito de greve no serviço público. Jus Navigandi, n. 63, mar. 2003.

Leite, Carlos Henrique Bezerra. A greve do servidor público civil e os direitos humanos. Jus Navigandi, n. 54, fev. 2002.

Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 25ª edição. São Paulo: Malheiros, 2000, (atualizada por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burlem Filho).

Mello, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 13ª edição. São Paulo: Malheiros, 2001,

Mozart Victor Russomano, Princípios gerais de direito sindical, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1997,

Souto, Marcos Juruena Villela. Desestatização – privatização, concessões e terceirizações, 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000, p. 283.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

JORGE, Carlos Augusto. A greve do servidor público federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 266, 30 mar. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5018. Acesso em: 19 abr. 2024.