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A composição da turma recursal dos juizados especiais

A composição da turma recursal dos juizados especiais

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O artigo analisa a forma de composição das Turmas Recursais, ante as recentes decisões do CNJ.

1. Preferência a juízes do Sistema dos Juizados

Dispõe o artigo 9.° do Provimento n.° 22, da Corregedoria Nacional de Justiça, que a Turma Recursal deverá ser "integrada, preferencialmente, por juízes do Sistema dos Juizados Especiais", designados segundo os critérios de antiguidade e merecimento (§ 2.° do citado artigo 9.°).

O direito à preferência aparece várias vezes em nossa legislação e em todas quer dizer precedência. Está na Constituição Federal, no pagamento de precatórios de natureza alimentar (art. 100, § 1.°), de idosos e portadores de doenças graves (art. 100, § 2.°). Também se encontra no Código Civil, no direito à preempção ou preferência na compra em relação a terceiros (art. 513). Na Lei de Locação (art. 27 da Lei n.° 8.245/1991) onde o locatário tem preferência na aquisição do imóvel alugado, assim como no Estatuto da Terra (art. 93, § 3.°).

A preferência ainda se apresenta na cobrança de créditos trabalhistas, alimentícios, acidentários que devem ser atendidos antes dos demais, na ordem de pagamento.

Como se vê, a expressão "preferencialmente", em nossa legislação, é bastante comum e quer dizer anteposição. Então, quando o Conselho Nacional de Justiça fala em preferência, significa que os magistrados dos Juizados Especiais antecedem aos demais na composição da Turma Recursal.

O objetivo da norma é claro: incrementar as oportunidades de acesso de juízes do sistema especial, em seu órgão de julgamento recursal. A ideia subjacente, entretanto, é evitar as injustiças, detectadas no passado, resultante de aplicação indevida da legislação processual ordinária, em lugar das Leis 9.099/1995 e 12.153/2009.

Há, portanto, na forma de composição da Turma Recursal, um critério de preferência por especialização, que estabelece uma divisão entre os titulares e não titulares de Juizados Especiais.

Por isso, em importante precedente, o Conselho Nacional de Justiça assentou: "em que pese o normativo possibilitar a escolha de juiz não integrante do Sistema dos Juizados, essa opção consubstancia exceção à regra", pois "o preenchimento de vaga de Turma Recursal por juízes do Sistema dos Juizados Especiais de entrância final constitui regra a ser observada" (CNJ, PCA 0003926-62.2013.2.00.0000, Rel. Conselheiro Sandro Casali Bahia, j. 11.02.2014).

Nesse leading case, o Tribunal de Justiça havia rejeitado a indicação de magistrado do Juizado Especial, que já participava de Turma Recursal, ao argumento que era vedada a recondução e escolheu juiz não integrante do sistema especial.

O Conselho Nacional de Justiça anulou esse procedimento de composição de Turma Recursal, porque o juiz que buscava a recondução era o único integrante do Juizado Especial que concorria à vaga e, portanto, estava abrigado na exceção do § 4.° do artigo 9.° do Provimento CNJ n.° 22/2012: "É vedada a recondução, salvo quando não houver outro juiz na área de competência da Turma Recursal". Vale dizer, era o único juiz que concorria na categoria preferencial de titular de Juizado Especial e, assim, não havia óbices à sua recondução.

Na prática, esse julgado do Conselho Nacional de Justiça deixou claro que, em procedimento de composição da Turma Recursal, os magistrados dos Juizados Especiais formarão fila específica, na qual será apurada a antiguidade e o merecimento. Somente depois desses é que se faz possível a escolha de juiz não integrante do sistema.

Nessa linha, a Resolução TJRN n.° 45/2010, que dispõe sobre a composição das Turmas Recursais do Rio Grande do Norte, estabeleceu de forma tímida, a formação de lista independente, com magistrados de Juizados Especiais:

RESOLUÇÃO Nº 45/2010-TJ, DE 14 DE JULHO DE 2010.

Art. 2.° (...)

Parágrafo único. Para efeito deste artigo serão formadas listas independentes, uma contendo os candidatos titulares dos Juizados Especiais, e outra com os demais Juízes de 3.ª Entrância.

Essa Resolução do TJRN ainda está equivocada, porque garante apenas uma das três vagas, no Colégio Recursal, para magistrados de Juizados Especiais, mas inegavelmente é um avanço na forma de compreensão da composição dessas turmas.

O seguinte exemplo ilustrará o que foi dito, sobre como se dará a preferência. Suponhamos a existência de três vagas abertas para a Turma Recursal, a serem preenchidas pelos critérios de antiguidade, merecimento e antiguidade (§ 2.° do artigo 9.° do Provimento CNJ n.° 22/2012). Inscreveram-se 30 magistrados de entrância final, sendo 20 de Varas Comuns e 10 de Juizados Especiais, mais novos na carreira, ou seja, que estão atrás dos demais na antiguidade.

O Tribunal deverá formar duas filas, uma preferencial (com os juízes de Juizados) e outra ordinária (com os demais magistrados). Dessa forma, a antiguidade e o merecimento serão apurados entre os integrantes do sistema especial, ainda que mais novos na carreira e mesmo que não integrem a primeira quinta parte da lista de antiguidade da entrância. Outra forma de interpretar essa questão transformaria a preferência em letra morta.

Vejamos outro exemplo, 10 magistrados inscritos para a turma, apenas 1 deles é de Juizado Especial, buscando a recondução. Como concorrerá sozinho, em fila própria, deverá ser reconduzido, nos termos do artigo 9.° do Provimento CNJ n.° 22/2012 (CNJ, PCA 0003926-62.2013.2.00.0000, Rel. Conselheiro Sandro Casali Bahia, j. 11.02.2014). As outras vagas serão preenchidas pelas demais juízes de jurisdição ordinária, segundo os critérios legais.

Como se vê, as vagas na Turma Recursal somente serão preenchidas por juízes de fora do sistema especial, quando não houver magistrado de juizado inscrito ou quando for recusado nas hipóteses legais.

2. .Legislação aplicável para composição de Turma Recursal

O Conselho Nacional de Justiça assentou mais de uma vez de que os Tribunais de Justiça não estão obrigados "a aplicar na indicação de membros para integrar as Turmas Recursais os critérios da Resolução n.° 106/CNJ, uma vez que não se trata de promoção por merecimento e sim designação para exercer função jurisdicional interina", mas isso não autoriza a "deliberar sem explicitar os critérios objetivos de escolha" (PCA 0003755-76.2011.2.00.0000 e 0003926-62.2013.2.00.0000).

Assim sendo, assegurada a preferência dos juízes integrantes do sistema especial, cada Corte deverá disciplinar a forma de composição de sua turma, sem a necessária vinculação à Resolução CNJ n.° 106, mas segundo critérios objetivos de escolha, previamente definidos.

Na prática, isso significa que não há obrigatoriedade de que, para a inscrição na Turma Recursal, o juiz de Juizado conte com no mínimo dois anos de efetivo exercício no cargo ou na entrância (art. 3.°, I, da Res. CNJ n.° 106) ou que figure na primeira quinta parte da lista de antiguidade (art. 3.°, II, da Res. CNJ n.° 106).

Haverá hipóteses, em que nenhum dos magistrados de juizado (integrantes da fila preferencial) figurará na primeira parte da lista de antiguidade. E isso não terá importância, pois o critério principal é a especialização (participar do Sistema dos Juizados Especiais).

O seguinte precedente, bem define a questão:

Entretanto, para não desrespeitar o Provimento nº. 22/2012 do CNJ, quanto à determinação de que as Turmas Recursais deverão ser compostas, preferencialmente, por integrantes do Sistema dos Juizados Especiais, não é possível aplicar, em parte, a Resolução nº. 106/2010 do CNJ, a qual determina que os inscritos devem fazer parte da primeira quinta parte da lista de antiguidade e ter dois anos na entrância. (TJRR, Procedimento Administrativo nº. 956/2016 para composição da Turma Recursal Única de Roraima, Des. Almiro Padilha- Presidente do TJRR, DJe 5775, 06/07/2016).

Como se vê, o relevante é participar do Sistema dos Juizados Especiais, pouco importando se o magistrado integra ou não a primeira quinta parte da lista de antiguidade, porque não se trata de promoção "e sim designação para exercer função jurisdicional interina" (PCA 0003755-76.2011.2.00.0000 e 0003926-62.2013.2.00.0000).

3. Conclusões

1. Os magistrados integrantes do Sistema dos Juizados Especiais antecedem aos demais no procedimento de composição da Turma Recursal (art. 9.° do Provimento n.° 22, da Corregedoria Nacional de Justiça) e deverão formar fila específica, na qual será apurada a antiguidade e o merecimento. Somente depois destes é que se faz possível a escolha de juiz não integrante do sistema.

2. O relevante é assegurar a preferência dos juízes do sistema especial, pouco importando se integram ou não a primeira quinta parte da lista de antiguidade, porque não se trata de promoção "e sim designação para exercer função jurisdicional interina" (PCA 0003755-76.2011.2.00.0000 e 0003926-62.2013.2.00.0000), ou seja não ha vinculação à Resolução CNJ n.° 106.



Autor

  • Erick Linhares

    Doutor em relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), Pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra, Professor-doutor da Universidade Estadual de Roraima (UERR), Juiz de Direito no Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR)

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