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Ineficácia de medida socioeducativa.

Uma reflexão no direcionamento para prestação de serviço à comunidade

Ineficácia de medida socioeducativa. Uma reflexão no direcionamento para prestação de serviço à comunidade

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Medida socioeducativa se mostra ineficiente na ressocialização do menor infrator. Cabe observar as causas e verificar se a prestação de serviço à comunidade é instrumento capaz de realizá-la.

RESUMO:Trata da ineficácia das medidas socioeducativas enquanto promotoras da inclusão e reinserção na sociedade do menor que comete ato infracional. Averigua as limitações de sua efetivação enquanto caráter sociopedagógico na prestação de serviço à comunidade. Faz contextualização da sociedade atual permeada pela violência e criminalidade, tendo o menor infrator grande participação nessa realidade. Ressalta as concepções e a natureza das medidas socioeducativas, disposição e vigências identificando os limites da efetivação do caráter socioeducativo da medida de prestação de serviço à comunidade. Evidencia que as medidas socioeducativas configuram sanções estabelecidas no ECRIAD aplicadas aos menores em situação de conflito com a lei, de modo geral visando o atendimento socioeducativo, a redução da reincidência criminal e a prevenção da violência. Conclui que os pressupostos doutrinários não denotam consenso quanto a sua eficácia e efetividade, a grande maioria entende que a execução das medidas socioeducativas não produz os efeitos desejados, pois carece de maior atenção do Estado, investimento na capacitação de recursos humanos e no desenvolvimento de programas direcionados para reintegrar o menor infrator à vida cotidiana.


1 INTRODUÇÃO

O estudo em questão reporta-se à abordagem reflexiva da doutrina e legislação acerca das medidas socioeducativas aplicadas a menores infratores da Lei. Tem como finalidade levantar debate acerca da ineficácia dessas no âmbito da ressocialização do infrator, com ênfase no âmbito correcional direcionado para prestação de serviço a comunidade, vislumbrando o convívio social.

Nesse contexto inserem-se as medidas de proteção asseguradas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECRIAD, contudo, para fins desse estudo elege-se a de maior importância para reflexão às medidas socioeducativas, com enfoque nas mais brandas que a restrição de liberdade, que devem ser aplicadas sempre que possível, como a advertência, reparação do dano e prestação de serviço à comunidade esta última o objeto de análise, nesse artigo.

Segundo Edenilza Gobbo e Crisna Maria Muller (2009) as matérias que se ocupam de crianças e adolescentes vêm ganhando espaço de destaque na seara sociojurídica.  Destacam que a Lei Maior de 1988 inovou ao contemplar a disciplina da proteção integral, tratando menores como sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento (BRASIL, 1988). Por sua vez, o ECRIAD passou a regulamentar no país um novo ramo do Direito, assegurando direitos, com a finalidade de disciplinar as relações jurídicas da criança e do adolescente mediante ao convívio familiar, a sociedade e o Estado (BRASIL, 1990).

Contudo, as situações de riscos que envolvem a criança e o adolescente são bem mais amplas e complexas, gerando uma diversidade de problemas relegados na maioria das vezes ao descaso. Essa perspectiva remete às dificuldades encontradas na atualidade para programar de maneira plena um sistema de proteção dos direitos fundamentais, minimizando o caos de marginalidade instaurado nesse contexto, que revela concepções e atitudes ineficientes e ineficazes, que se mantém em uso. 

Evidencia-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente tanto quanto busca assegurar direitos e proteção, dispõe também sobre a responsabilização dos menores quando autores de ato infracional, aos quais são aplicadas medidas socioeducativas, objetivando propiciar a reflexão sobre suas ações, através de instrumentos pedagógicos. Logo, compreende-se que, as medidas socioeducativas devem ter papel fundamentalmente pedagógico, educativo, efetivadas por meio de programas que transforme o menor infrator sujeito do seu próprio desenvolvimento engajado no seu processo de aprendizagem e humanização (GOBBO; MULLER, 2009).

Neste contexto, destaca-se como situação problema a ser investigado o seguinte questionamento: A ineficácia das medidas socioeducativas apresenta causas e limites claros e objetivos, ou benefícios de ressocialização quando efetivado no cumprimento da prestação de serviços à comunidade – PSC?

Para responder a questão do problema são adotadas as seguintes hipóteses a serem confirmadas ou refutadas através da investigação: um programa específico de atendimento à medida de prestação de serviço à comunidade pode limitar o desenvolvimento do caráter sociopedagógico da medida, quando o menor infrator for encaminhado para entidades que não possuem a mesma finalidade e os responsáveis não têm uma devida capacitação para o acompanhamento e orientação; a medida da prestação de serviço à comunidade pode programar um Planejamento de Atendimento Socioeducativo e a construção de um programa específico, com atividades educativas e momentos formativos predefinidos, para serem desenvolvidos com menores infratores quando necessário; as medidas socioeducativa são ineficazes, em partes pela falta de ouvir as expectativas e interesses dos menores, carece de bom acompanhamento, com a disponibilização de pessoas e  profissionais capacitados e em número suficientes para que atendam a essa função, na PSC, com a realização de  trabalho diferenciado, voltado para  a qualidade dos resultados, que significativamente serão consequências dos vínculos que forem estabelecidos entre mediadores-educadores e crianças/adolescentes.

Para desenvolver a investigação proposta destaca como objetivo geral do estudo evidenciar a ineficácia das medidas socioeducativa, enquanto promotora da inclusão e ressocialização do menor infrator, visando averiguar as limitações de sua efetivação, enquanto caráter sociopedagógico na prestação de serviço à comunidade. 

Como questões que direcionam o estudo ressaltam-se os objetivos específicos, voltados para contextualizar a sociedade atual permeada pela violência e criminalidade, tendo o menor infrator grande participação nessa realidade; Evidenciar as  concepções de criança e adolescente,  seus direitos, identificando o ato infracional  e a natureza das medidas socioeducativas;  Apurar a concepção, disposição e vigências da medida socioeducativa; e identificar os limites da efetivação do caráter socioeducativo da medida de prestação  de serviço à comunidade.

De acordo com Cláudia Costa e Simone Assis, na prática as medidas socioeducativas tem sido ineficazes para a promoção de condições efetivas de desenvolvimento do menor em situação de risco, no que se refere à socioeducação e a superação da prática infracional. Tal pressuposto fundamenta a justificativa para realização desse estudo que propõe uma reflexão sobre a temática, buscando evidenciar as fraquezas e benefícios inerentes deste contexto, na sociedade atual  (COSTA; ASSIS, 2006).

Por sua vez, Solange Rubim de Pinho (2008) atribui a ineficácia da medida socioeducativa, em partes ao sentimento de impotência que se apodera de  uma grande parcela de profissionais, que verificam a limitação  dos serviços públicos. Trata-se, pois, da insuficiência do sistema que faz com que ao final da implementação da medida socioeducativa, o menor continue do mesmo modo como entrou, com poucas chances, instalando um círculo vicioso, resultando numa  taxa de reincidência significativa,  essencialmente, pelo fato de não  ter se consolidado, atendimentos básicos de suporte às medidas socioeducativas, como é expresso no ECRIAD. Portanto, tais argumentos embora diferenciados de Costa e Assis (2006) e Pinho (2008), justificam sobremaneira a elaboração do presente estudo. 

Em termos de metodologia utilizou-se a pesquisa bibliográfica, pois se trata de pesquisa qualitativa, conforme método de revisão de literatura classificado por Sylvia Constant Vergara (2007), dissertada em capítulos conforme tópicos estruturados por uma sequência lógica conceitual, busca detalhar a medida socioeducativa de prestação de serviços à comunidade.


2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 A MENORIDADE CONTEMPORÂNEA E O ECRIAD

A partir da década de 1980 foram criados procedimentos visando minimizar a arbitrariedade na efetivação de medidas aos praticantes de atos infratores do segmento infanto-juvenil. Como consequência dessa articulação foi promulgada a Lei do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECRIAD), o intervencionismo popular nas políticas assistenciais, estruturando direcionamento as políticas de atendimento, por intermédio da criação de conselhos das três instâncias, quer sejam: município, estado e união, voltados para os direitos do público infanto-juvenil; assim como órgãos que deliberam e controlam as ações em seus diversos níveis, garantindo a participação popular por pares através dos organismos representativos, em conformidade com as leis federal, estadual e  municipal.

Portanto, iniciou-se nova fase, com características de desinstitucionalização, através da efetivação da política inovadora ampliando de maneira quanti-qualitativamente a interação da sociedade, enquanto partícipe na estruturação, elaboração, construção, deliberação, administração, fiscalização e controle de políticas voltadas para o público infanto-juvenil, o que é essencial para assegurar a execução e efetivação da Lei, considerado um grande avanço na conquista de constituição nesse cenário (BRASIL, 1990).

Lygia Santa Maria Ayres (2002) considera que os pressupostos respaldados pela cientificidade acabam por conceber uma essência aos meios alternativos de vivência familiar, em virtude do deslocamento da atenção das questões sociais para os interesses e fatores individualistas. Os aspectos sociais se apresentam descontextualizados, uma vez que, os debates e pressupostos de especialistas fragmentalizam o sujeito em dois extremos diferenciados, embora tangentes, quais sejam: indivíduo e sociedade. Dessa maneira se sustenta a prática que, em determinados instrumentos teóricos, criam a naturalização da perda do elo familiar em arranjos familiares pobres.

Os saberes são entendidos como disposições políticas articuladas com as estruturas sociais. As consequências de realidade não podem ser percebidas dissociadas do poder e dos mecanismos disponibilizados pelo poder, visto que, como alerta Michel Foucault (2003), esses mecanismos tanto possibilitam as criações de verdade, tanto quanto possuem impactos de poder, entrelaçando, desse modo, saber/poder, verdade/poder. 

Entende-se que, embora o ECRIAD incorpore uma diversidade de indagações acerca das políticas de cunho social para a infância/adolescência, pode-se dizer que perdura uma noção compensatória, no que se refere às  crianças e adolescentes menos favorecidos, os quais são percebidos como sujeitos carentes considerados em permanente situação de risco. Nesse contexto, se constrói uma infância concebida como “normal' em contraponto a uma infância de risco, entrelaçando-se com a percepção da essência infanto-juvenil, concebida como natural. Logo, estática e imutável. E nesse cenário que se tem na medida a pretensão de igualar as infâncias desiguais (ARAUJO; OLIVEIRA, 2010).

As finalidades protetivas da referida legislação parecem serem exercidas por intermédio da amplitude do controle social, no entanto, somente quando há visibilidade. Nessa perspectiva, mesmo dirigida às crianças em geral, acredita-se que somente as das parcelas mais pobres da população chegam ao conselho tutelar vitimadas de ações de maus-tratos e negligência familiar. Tal pressuposto permite considerar que, na inexistência de carência material, não se oportuniza visibilidade a esta questão.  Mesmo que o ECRIAD assegure que o menor não pode ser retirado da sua família em consequência de questões socioeconômicas, ainda na rotina cotidiana o quesito de pobreza estabelece a motivação de abrigamento (ARAUJO, OLIVEIRA, 2010).

Mediante o exposto até o momento, associado a esse cenário, depara-se com o adolescente infrator que se constitui naquele indivíduo que pertence a um grupo social específico, oriundo das favelas e periferias. Por outro lado, ao passo que o infanto-juvenil localizado na pirâmide social de classe média ou alta, ao cometer atos infracionais, tem desfecho singular, tanto em se tratando à cobertura da mídia a respeito do acontecido, como em relação à efetivação da aplicação das penas.

Segundo Hebe Signorini Gonçalves (2003) a doutrina que visa assegurar a integral proteção à criança/adolescente, se mostra direcionada e clara em relação a seu fim, porém não demonstra a mesma clareza  em relação ao sua metodologia, nem a sua objetividade, ou seja, de que modo e o por que agir. Dessa maneira, entende-se que é possível evidenciar certa ambiguidade na Lei que cria o estatuto, uma vez que, paralelamente concebe a criança e o adolescente, enquanto sujeitos de direito, pressupondo ênfase na autonomia, porém, fundamenta-se em uma premissa com foco intervencionista, tutelar.

Nesta análise realizada, muitos questionamentos podem ser levantados, pois diferentes práticas envolvem elementos sempre diversificados, imprimindo a necessidade de desnaturalizar qualquer que sejam as noções totalizantes com relação à infância, cuja pretensão continua e universal, promovam, dessa forma, uma permanente indagação sobre as relações que permeiam saber, poder  e verdade. Compreende-se que quando se definem o cenário das intervenções como uma área onde as lutas são cotidianas, deve-se apostar na proposta da transdisciplinaridade, em que se possibilite a associação entre outros saberes, criando outras oportunidades, e outras "verdades", compreendendo-se aqui que em termos de verdades, estas sempre se mostram provisórias. 

Érika Piedade da Silva Santos (2004) salienta que a criminalização do adolescente em  conflito com a lei, contribui na cristalização da medida de internação  como um dos principais recursos  socioeducativos punitivos utilizados. Embora o ECRIAD tenha nascido com a finalidade de regulamentar os direitos sociais de crianças e adolescentes, em corresponsabilidade do Estado e da sociedade civil, orienta-se  pelo paradigma da proteção, preocupando-se com o desenvolvimento global de todos, mas especialmente daqueles que se   encontram em situação de risco social  ou pessoal.

Nesse contexto, o ECRIAD se adequadamente efetivado, apresenta bons resultados, associado às políticas sociais que realmente possuem potencial para reduzir o envolvimento dos adolescentes com a violência. Na contramão com argumentos favoráveis estão doutrinadores, políticos e grande parcela da sociedade civil argumentando que se vivem atualmente momentos cruciais em relação aos direitos da infância e da juventude, necessitando de releitura e inovação, o momento é de caos social, onde impera alto índice  de criminalidade e violência praticada  por jovens e adolescentes, que consolida a cada dia a sensação de impunidade para esses infratores em virtude da idade e a falência do sistema, gerando ampliação  da criminalidade e da violência.

2.2 MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

O artigo 112 do ECRIAD apresenta uma listagem de medidas socioeducativas a que ficam sujeitos o público infanto-juvenil que cometem atos infracionais. São elas:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I - advertência;

II - obrigação de reparar o dano;

III - prestação de serviços à comunidade;

IV - liberdade assistida;

V - inserção em regime de semi-liberdade;

VI - internação em estabelecimento educacional;

VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI (BRASIL, 1990).

Gobbo e Muller (2009) asseveram que ao ato infracional se aplica uma medida socioeducativa e não uma pena. Trata-se de medida que tem como finalidade oportunizar aos menores infratores a reflexão a respeito de seus atos.  No entanto mesmo na perspectiva dessa premissa, diversos autores consideram que seu caráter arraiga traços sancionatórios.

Nesse sentido, João Batista Costa Saraiva leciona em uma percepção jurídica a medida:

A aplicação de medidas socioeducativas, que são as sanções a que se submete o adolescente autor de ato infracional, tem como pressuposto que o agir infracional do adolescente, cujo sancionamento reclama o Ministério Público, mesmo que se considere seu caráter exemplarmente educativo, seja um agir típico, antijurídico e culpável (SARAIVA, 2006, p. 77).

Segundo o referido autor, a medida é aplicada de maneira diferenciada, em detrimento a gravidade do delito cometido, assim como de acordo com cada situação vivenciada pelo menor infrator.

Na concepção de Mário Volpi (2002), evidencia-se que a fundamentação deve ater-se não somente às características da infração, em se tratando de aplicar as medidas é relevante levar em conta as especificidades e circunstâncias  sociofamiliares do adolescente, o seu entorno, bem como, a disponibilidade de programas e serviços no cenário municipal, regional  e estadual, para atendê-lo.

Giuliano D’Andrea (2005) atenta-se que ao fixar a medida devem-se observar as capacidades individuais do menor infrator para o cumprimento de determinadas atividades requeridas pela medida, não se pode admitir trabalho forçado, penoso ou que ultrapassem sua capacidade, de modo que sejam tais medidas isentas de atividades vexatórias e discriminatórias, buscando a todo o momento fortalecer o vínculo familiar e a participação do adolescente na vida social. Ressalta ainda que em casos que se tratar de menores portadores de algum tipo de doença ou deficiência mental, o mesmo terá direito a atendimento individual e especializado.

De acordo com Mário Luiz Ramidoff (2006) a aplicação das medidas socioeducativas deverá propiciar condições mínimas que oportunizem uma resposta diferenciada e adequada para a reconstrução de um projeto de vida digna, responsável através do qual o menor infrator se sinta motivado a ressocialização e se comprometa com tal objetivo.

Complementando a concepção exposta, Volpi chama a atenção para o preparo dos profissionais na aplicação e execução das medidas, ou seja: “[...] os programas socioeducativos deverão, obrigatoriamente prever a formação permanente dos trabalhadores, tanto funcionários quanto voluntários” (VOLPI, 2002, p. 21).

Já Ramidoff se coloca a favor da posição diversa no que se refere ao caráter sancionatório da medida socioeducativa, lecionando que:

Considerando-se o caráter educativo-pedagógico, pode-se legitimamente afirmar que a medida socioeducativa não se constitui numa sanção, vale dizer, não possui caráter, essência ou mesmo conteúdo sancionatória, ainda, que, apenas declarativamente normativo; art 2, da proposta de lei e diretrizes socioeducativas, enquanto forma normativa que busque uma maior vinculação dos operadores jurídicos e mais construtores sociais (RAMIDOFF, 2006, p. 80).

Em se tratando da competência para julgamento das medidas socioeducativas, evidencia-se as disposições da Súmula 108 do STJ que proporciona competência exclusiva ao Juiz para aplicação das medidas  socioeducativas,  tanto de privação de liberdade, quanto  às demais executadas em liberdade (BRASIL, 1994).

Saraiva (2006) destaca que em se tratando do magistrado julgar a situação de lesão pequena ao direito, deverá aplicar ao adolescente a advertência, em audiência marcada para esta finalidade, em que o menor infrator será intimado a comparecer acompanhado de seu representante legal. Na referida audiência o juiz irá impor limites ao adolescente, através de conteúdo pedagógico, configurando-se essa em medida mais branda aplicada.  Observa-se que na maioria dos casos  extingue-se o processo após tal audiência.

A aplicação desta medida contempla previsão no artigo 114 do ECRIAD, dispondo que apenas quando houver fortes indícios de  autoria do menor,  e em conformidade com: “as formalidades  legais de audiência admonitória, com a  presença do juiz, do representante  do Ministério Público, do adolescente  devidamente acompanhado de seus pais ou responsável”  (LIBERATI, 2009, p.98).

2.3 MEDIDAS SOCIEDUCATIVAS E O ATO INFRACIONAL

É válido destacar que de acordo com Michelle Cristina Taborda (2010), em se tratando de conflito com a Lei no Direito Penal comum o que se denomina crime, atribui-se nesse contexto das medidas a terminologia de ato infracional, que semelhante ao crime, somente ocorrerá se for ato típico, antijurídico e culpável.

Por sua vez o artigo 103 do ECRIAD define ato infracional como uma conduta considerada crime ou contravenção (BRASIL, 1990). Contrariamente, Ramidoff se coloca em postura desfavorável a igualar o ato infracional ao crime, justificando sua posição nas seguintes concepções:

O legislador equiparou o ato infracional ao crime, não sendo válida tal equiparação, considerando que a diferença entre eles não está somente na nomealogia e nas conseqüências jurídicas, mas também no conteúdo normativo, o âmbito de aplicação, a metodologia e estratégias teórico-pragmáticas, assim como, as medidas socioeducativas e as sanções penais, pois aquelas possuem caráter sócio-pedagógico e estas para evitar a dessocialização (RAMIDOFF, 2006, p. 70).

Ainda na análise de Ramidoff (2006) observa-se que ao se levar em consideração o desenvolvimento psicológico dos adolescentes, é possível asseverar que, a prática de um ato infracional é resultante de uma ação inconsciente, acreditando que os menores infratores, ou a maior parcela desses não possuem consciência de seus atos, quando agem em situações de conflito com a Lei. 

Cabe, portanto, nesse contexto retomar as reflexões de Saraiva (2005) quando se reporta à temática, com propriedade discursa que:

Não se pode ignorar que o Estatuto da Criança e do Adolescente institui no país um sistema que pode ser definido como Direito Penal  Juvenil. Estabelece um mecanismo de sancionamento, de caráter pedagógico em sua concepção e conteúdo, mas evidentemente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal e de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado no Direito Penal Mínimo (SARAIVA, 2005, p. 85).

Nota-se que a apuração do ato infracional, contempla previsão legal nos artigos 171 a 190 do ECRIAD sendo que o artigo 152 faz referência ao processo penal. Portanto, assim, como no crime, o agente do ato infracional também possui suas garantias processuais previstas, entre elas, no artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal e artigos 110 e 111 do ECRIAD.

Segundo Ramidoff, as referidas garantias são compreendidas como o mínimo que o Estado pode propiciar ao adolescente infrator, sendo este vítima da situação, conforme explicita:

Todo aquele adolescente que se encontra envolvido num evento tido como infracional, na verdade, já se encontra vitimizado pelas condições anteriores, risco pessoal, que o levaram a praticar uma conduta (ação ou omissão) conflitante com a lei, risco social (RAMIDOFF, 2006, p. 77).

As possibilidades de aplicação da medida de proteção dispostas no artigo 101 do ECRIAD, serão implementada  nos casos em que se identificarem  as possibilidades do artigo 98 da referida Lei, isto é, quando ocorrer  violação ou ameaça de direitos, por   ação ou omissão dos responsáveis,  da sociedade ou do Estado, ou mesmo pela conduta do próprio adolescente. As medidas serão aplicadas não apenas ao infrator com menos de 12 anos, mas também aos que se encontrarem na faixa etária de 12 a 18 anos e tiverem seus direitos ameaçados ou violados.

Desse modo, cabe expressar as principais formas de medidas de proteção que podem ser aplicadas, em acordo com as expressões dispostas no artigo 101 do ECRIAD:

Art.101.  Verificada qualquer das hipóteses previstas no art.98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:

I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;

II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;

III - matrícula e frequência obrigatória em estabelecimento oficial de ensino fundamental;

IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;

V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;

VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;

VII - abrigo em entidade;

VIII - colocação em família substituta (BRASIL, 1990).

De acordo com o que pressupõe Conceição Mousnier (2006) na maior parte das vezes, medidas socioeducativas, tais como  orientação,  apoio e acompanhamento temporário, apenas surtirão eficácia quando aplicadas todas de maneira associadas, juntas, levando-se em conta que não raras vezes, são solicitadas pelo próprio responsável legal, declarando naquele momento, incapacidade de disciplinar, orientar ou cuidar sozinho do adolescente infrator.

De acordo com Liberati (2009, p. 99) dentre todas as mediadas elencadas, a prestação de serviço à comunidade compreende a medida mais satisfatória tanto para o adolescente infrator, quanto para a sociedade, uma vez que, oportuniza ao menor infrator uma experiência e aprendizado de valores e compromissos sociais, por sua vez, para a sociedade propicia a participação direta nesse  desenvolvimento. Portanto, não deve ser aplicado contra a vontade do adolescente, evitando a atividade de trabalho forçado.

Contudo, o artigo 117 do ECRIAD traz alguns limites a essa medida entre elas, que a prestação de serviço não pode exceder a 8 horas semanais, no prazo máximo de 06 meses.


3 CARACTERIZAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE

No estudo de Gobbo e Muller (2009) destaca-se que entre as medidas socioeducativas voltadas para os adolescentes que cometem ato infracional, insere-se a prestação de serviço à comunidade, disposta no artigo 117 e parágrafo único, ambos do ECRIAD, nos seguintes termos:

A prestação de serviços comunitários constitui-se da realização de atividades gratuitas de interesse geral, por período que não exceda há um semestre, efetivadas em instituições assistenciais, hospitais, escolas e demais estabelecimentos similares, assim como em programas comunitários ou governamentais. Em seu parágrafo único evidencia que as tarefas deverão ser atribuídas de acordo com as aptidões do menor, cujo cumprimento deverá ser no decorrer de jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de maneira que não cause prejuízo na frequência escolar ou à jornada laboral normal  (BRASIL, 1990).

A referida medida configura-se na execução de atividades sem remuneração às instituições que prestam serviços ou assistência a comunidade em geral, como por exemplo, ONG e entidades que desenvolvem filantropia. O menor infrator não é privado da liberdade e nem tampouco é excluído das suas atividades habituais, porém busca-se uma maior aproximação com a sociedade.

Segundo Martins, quando se trata de prestação de serviços à comunidade requer do menor infrator, a obrigatoriedade do cumprimento das atividades proposta em caráter coletivo, cuja finalidade volta-se para interesses e bens comuns, ou seja:

Trabalhar gratuitamente coloca o adolescente frente à possibilidade de adquirir valores sociais positivos através da vivência de relações de solidariedade e entre-ajuda, presentes na ética comunitária. É um atendimento personalizado que requer a participação efetiva da família, da comunidade e do poder público, garantindo a promoção social do adolescente através de orientação, manutenção dos vínculos familiares e comunitários, escolarização, inserção no mercado de trabalho e/ou cursos profissionalizantes e formativos (MARTINS, 2000, p. 7).

Atenta-se para certos cuidados levados em consideração pelos ditames do ECRIAD ao se aplicar a medida, de acordo com o que versa o § 2º do artigo 112, ressaltando que em hipótese nenhuma, seja qual for o pretexto será admissível a prestação de serviço forçado. E, ainda refere-se ao tempo de vigência da medida limitando-o em dois sentidos, isto é, não pode ultrapassar a seis meses e a jornada semanal máxima não deverá exceder a oito horas, sem prejudicar o horário escolar ou profissional, conforme expressa artigo 117 e parágrafo único do mesmo estatuto  (BRASIL, 1990).

O Estatuto em comento, ainda assevera o respeito à capacidade de o adolescente realizar a medida, às circunstâncias, à gravidade da  infração, bem como,  quanto às necessidades pedagógicas  do menor em optar pela medida, preferencialmente  aquelas que tem como finalidade fortalecer os vínculos da família e comunidades, de  acordo com o que expressam os artigos  100, 112, § 1º, e 112, § 3º, do ECRIAD (BRASIL, 1990).

Portanto, na aplicação da medida não se leva em conta somente o fato acontecido, a extensão de sua gravidade e circunstâncias, porém considera-se ainda todo o conjunto que envolve o contexto, ou seja, a pessoa do adolescente, suas características e especificidades, uma vez que, os serviços serão distribuídos em conformidade com as suas aptidões.

De acordo com Liberati (2009) a prestação de serviço configura-se em medida que atinge ao menor que comete ato infracional, impactando na mesma proporção à comunidade. Tal premissa corrobora com o pressuposto encontrado no discurso de Bitencourt (2001) quando se refere que a aplicação da medida de prestação de serviços à comunidade depende de modo significativo do apoio que a comunidade dispensar à autoridade jurídica. Atentando, para o fato de que o trabalho desenvolvido pelo menor infrator em benefício da comunidade deve  revestir-se como  características essenciais a gratuidade,  a aceitação por parte do menor que comete o ato infracional e demonstrar real utilidade social.

Portanto, mediante tais premissas, bem como, o que já foi exposto nesse referencial, entende-se que, a medida de prestação de serviço prevê objetivamente o envolvimento da comunidade, em detrimento a realização de convênios entre juizados ou os agentes executantes das referidas medidas com as demais entidades governamentais ou comunitárias. Desse modo, as atividades devem ter como ênfase na promoção da cidadania, sendo imprescindível que as entidades se encontrem preparadas e comprometidas com as determinações, objetivos e finalidades da proposta socioeducativa a ser implementada.  

Por sua vez, D’Andrea (2005) compreende que a medida de prestação de serviço à comunidade precisa ser executada pessoalmente pelo menor infrator, não pode em nenhuma hipótese ser realizada pelos pais, como exemplo, evidencia, tal ocorrência, muitas vezes em que a medida passa a ser realizada com a entrega de certa quantidade de cestas básicas a entidades. Salienta ainda a impossibilidade de sua conversão em multa, para seja mantida a natureza da medida, que é a de executar plena e efetivamente alguma atividade, de prestação de serviço à coletividade.


4 POLÊMICAS E DIVERGÊNCIAS ACERCA DAS MEDIDAS DE PRESTAÇÃO DE SER­VIÇO À COMUNIDADE

São diversificadas e divergentes as opiniões e os discursos referentes a natureza da  medida de prestação de serviço à  comunidade, direcionadas a aplicação ao menor  em situações de conflito com a Lei.  Segundo Gobbo e Muller (2009) levantam-se fortes discussões sobre a presença ou não do caráter punitivo e/ou pedagógico no cenário das medidas socioeducativas. 

Para Meneses (2008), seguindo as premissas dispostas nas diretrizes do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE deve-se levar em conta que o menor infrator ao qual lhe é imputado executar a medida socioeducativa, é merecedor de sanção, assim como também possui o direito de obter educação.  Portanto, se faz necessário que o referido menor, ao ser sentenciado ao cumprimento da medida socioeducativa, seja levado a compreender que a referida medida compõe uma parcela de um processo que dirimi normas e regras de convivência e respeito, se essa conscientização não for trabalhada com o menor infrator, não surtirá efeito desejado, ao contrário o mesmo terá a referida medida apenas como um meio de punição pela prática de um delito, que o colocou em situação de conflito com lei.

O contexto é avaliado por Bitencourt como:

A prestação de serviços à comunidade é um ônus que se impõe ao condenado como consequência jurídico-penal da violação da norma jurídica. Não é um emprego. Tampouco um privilégio, apesar da existência de milhares de desempregados; aliás, por isto a recomendação de utilizar somente as entidades referidas e em atividades em que não se elimine a criação de empregos [...] usufruem seu período de descanso gera aborrecimentos, angústia e aflição.  Esses sentimentos são inerentes à sanção penal e integram seu sentido retributivo.  Ao mesmo tempo, o condenado, ao realizar essa atividade comunitária, sente-se útil ao perceber que empresta uma parcela de contribuição e recebe, muitas vezes, o reconhecimento da comunidade pelo trabalho realizado. Essa circunstância leva naturalmente o sentenciado à reflexão sobre o seu ato ilícito, a sanção sofrida, o trabalho realizado, a aceitação pela comunidade e a escala de valores comumente aceita pela mesma comunidade, reflexão que facilita o propósito pessoal de ressocializar-se, fator indispensável no aperfeiçoamento do ser humano. Essa sanção representa uma das grandes esperanças penológicas, ao manter o estado normal do sujeito e permitir, ao mesmo tempo, o tratamento ressocializador mínimo, sem prejuízo de suas atividades normais (BITENCOURT, 2001, p. 317).

Konzen (2005, p. 47) declara que: “a prestação de serviço à comunidade está encoberta de forte natureza punitiva”, tal assertiva denota a marca que demonstra resposta ao descumprimento de uma norma.

Logo, a medida tem como finalidade corrigir o autor do ato de infração, configurando-se dessa maneira a natureza retributiva da medida que é imposta, e, portanto cabe ao programa de execução da medida, onde o jovem será inserido, a competência de executar a tarefa desenvolvendo a ação sociopedagógica, que é o objetivo principal da medida.

Observa-se que tanto Ramidoff (2006) quanto Konzen (2005), também entendem que a medida socioeducativa em análise denota forte marca retributiva, embora o Estatuto tenha como preensão que estas sejam pedagógicas.

De acordo com Gobbo e Muller, debatendo a controversa entre o preconizado pelo ECRIAD e o que acontece de maneia efetiva quando o menor infrator realiza a prestação de serviço à comunidade, através de observação empírica, vislumbram  possibilidades e limitações da efetivação  do caráter sociopedagógico, ou seja:

Observou-se violação do recomendado pelo ECA, especificamente no parágrafo único do Artigo 117 do ECA, quanto à valorização das aptidões dos adolescentes no processo de aplicação da PSC. Verificou-se que os adolescentes não são chamados a serem sujeitos do seu processo educativo, já que, a maioria (88,9%); não possui escolha sobre a atividade que irá desenvolver,  nem ao menos é perguntada sobre os conhecimentos que já possui ou quer agregar (GOBBO; MULLER, 2009, p. 331).

Observa-se, portanto, que mediante tal constatação, dificilmente será plenamente efetivada a construção de uma trajetória de reabilitação junto com o menor infrator, impulsionando esse a ser responsabilizado pelas suas ações, uma vez que esta deveria estar vinculada aos princípios e  garantias expressos pelo ECRIAD, pois a ação apenas será transformadora e efetiva se for  realizada através de uma experiência  pessoal, motivando o adolescente enquanto educando se tornar a base essencial de qualquer ação ou atividade pedagógica.

Entende-se que não se pode educar o menor infrator com imposição de medidas socioeducativas, para as quais o mesmo não se enquadre ou tenha capacidade de realizá-la, somente será possível implantar a referidas medidas de forma plena e efetiva se o próprio adolescente educar-se, isto é, transformar as suas reações inatas através da sua experiência.


5 CONCLUSÃO

O presente estudo possibilitou uma perspectiva sintetizada da realidade que denota as atuais condições sociais no que se reporta a violência vivenciada, praticada e sofrida pelos menores. Nesse contexto, propôs-se como Objetivo Geral evidenciar a ineficácia das medidas socioeducativas analisadas, voltadas à prestação de serviço à comunidade através de um olhar crítico reflexivo, enquanto promotora da inclusão e ressocialização do menor infrator, objetivando averiguar as limitações de sua efetivação como caráter sociopedagógico na prestação de serviço à comunidade.

Verificou-se que o contexto da medida socioeducativa na modalidade de prestação de serviço a comunidade, é permeada de dificuldade, essencialmente, no que se refere a desenvolver o pleno caráter pedagógico na sua efetivação.

Dentre as dificuldades apontadas em vários estudos encontra-se o fato de que prevalece um elevado índice de menores infratores que já passaram pelo programada de medida socioeducativa de prestação de serviço à comunidade em período anterior, e são reincidentes nos delitos, demonstrando assim a ineficácia do âmbito educativo  aplicado no decorrer da realização da medida socioeducativa, assim como da reflexão com relação ao comportamento e dos encaminhamentos para promover transformações e buscar novas opções, o que deveria ser o resultado surtido mediante a efetivação da atuação educativa.

Observou-se ainda em estudos empíricos visitados, que muitos programas que acolhem os menores infratores para realizarem a Prestação de Serviço à Comunidade não possuem programa específico de atendimento para a referida medida socioeducativa. Na verdade o que acontece na prática é o encaminhamento dos menores infratores para entidades públicas, como Batalhão da Polícia Militar, Bombeiros, ONG, setores de Prefeituras Municipais, setores de Obras e Urbanismo, Secretaria da Ação Social, ambientes em que os adolescente  são direcionados para atividades  carentes de mão-de-obra. As referidas entidades e instituições de modo geral, não demonstram, nem desenvolvem preocupação com relação à efetivação das atividades numa perspectiva educativa, sociopedagógica, ressocializadora ou inclusiva.

Nesse contexto os menores infratores passam a cumprir meras tarefas, por serem estabelecidas como medidas punitivas, uma vez que, não são pertinentes à sua função, nem tampouco se revestem de ação motivadora, conscientizadora ou ressocializadora. Na maioria, se referem a atividades que em si próprias não se enquadram como pedagógicas, até mesmo em acordo com o que estabelece os dispositivos do ECRIAD.

Cabe salientar que nenhuma dessas atividades é menos digna de que qualquer outra atividade laboral, porém, o que se discute é que se reveste unicamente de caráter punitivo, não apresentando nenhum requisito voltado para motivação da mudança, estímulo à inclusão e pertença a um meio social, tampouco sequer denota caráter sociopedagógico.

Portanto, observou-se que além da carência de programa específico, é nítida a  falta de capacitação e formação  de profissionais que atuam na área da  efetivação da medida socioeducativa,  tanto quanto orientação  e treinamento para as pessoas que  acompanham  o cumprimento das atividades da  PSC e suas especificações, como cronograma, horários, produtividade,  entre outros aspectos, dentro das  entidades, muitas vezes as pessoas que atuam nas entidades, ficam sem ação sem  saber como agir e interagir com  os menores infratores.  

Nesse contexto, entende-se que o aprendizado fica relegado ao acaso, ou a pura sorte, dependendo para onde são encaminhados. Caso se depare com uma entidade que desenvolva alguma atividade interessante ou tenha o mínimo de preocupação para com a ressocialização desses adolescentes, podem aprender algo, do contrário cumprem meros horários de trabalho.

Notou-se, ainda, que sem considerar a característica da atividade desenvolvida, existe a percepção de receio e sensação de exclusão em alguns menores infratores em detrimento do tratamento que recebem e da visão do próprio ambiente onde estão inseridos.

A concepção de muitos estudiosos e doutrinadores tendem a considerar que a exposição do adolescente a condição humilhante perante amigos e a comunidade, assim como a participação da família intervindo na seleção de amizades e o acompanhamento mais rígido na escola poderão influenciar no processo  de ressocialização e conscientização do menor contribuindo para que o mesmo não se envolva  novamente na prática de atos infracionais,  impactando de maneira mais efetiva, do que propriamente o processo pedagógico em prática no decorrer da realização da media socioeducativa da Prestação de Serviço à Comunidade. 

Portanto, compreendeu-se que para haver um resultado efetivo é necessário promover um bom acompanhamento, disponibilizando pessoas orientadas, dedicadas, capacitadas e treinadas especificamente para o desempenho dessa função, em quantitativo e qualitativo adequado, para acompanhar a PSC, de modo que se possa realizar um trabalho diferenciado, uma vez que, o alcance da finalidade e objetivos da referida medida socioeducativa dependerão imprescindível e significativamente da qualidade das  interações e vínculos estabelecidos  entre as partes, essencialmente nas relações de educadores e os adolescentes infratores.

Considera-se ainda, que em detrimento da realidade atual a sociedade procura imputar a periculosidade criminal como base para justificar o comprometimento da liberdade do indivíduo, na tentativa de garantir a segurança para a sociedade. Contudo, é necessário avaliar as finalidades de punição, bem como, a capacidade de reabilitação e adaptabilidade à vida em sociedade, do menor que será punido.

Conclui-se que as medidas socioeducativas, bem como as penas, apresentam como características fundamentais o castigo, a prevenção e a regeneração, no entanto a regeneração dificilmente é atingida de maneira plena ou satisfatória, em detrimento da ineficácia dos métodos utilizados  no âmbito das instituições. Há uma carência de tratamento digno de respeito e realmente educativo e socializador para o menor infrator em cumprimento de medidas privativas de liberdade e socioeducativas independente de qual for o ato infracional ou crime cometido.

Sabe-se que o menor infrator sofre discriminação, uma vez que, quem comete delitos, atos infracionais e crime, automaticamente é rotulado pela sociedade como delinquentes, marginais, entre tanto outros adjetivos pejorativos, uma vez posto em liberdade a mesma sociedade o recrimina e discrimina, minando as chances de m recomeço diferente. Em virtude, desses entre outros fatores é comum que o menor se especialize no crime, por não ter perspectiva de oportunidade para buscar através de meios lícitos a sua sobrevivência, as medidas que deveriam corrigir acabam estimulando.

Desse modo, resta conclusiva a urgente necessidade de levantar maiores  debates, ampliar  discussões e estudos sobre o tema,  com investigação empírica, em detrimento de haver ainda pacificação entre doutrina, legislação, normas e prática quando se  trata de medidas socioeducativas,  bem como a falta de consenso no  que se refere à eficácia e real necessidade de melhorias e qualificação em programas para ressocializar os adolescentes infratores, e essencialmente a necessidade de se evitar medidas punitivas que geram constrangimento e impulsionam os menores ao retorno de atos infracionais e muitas vezes para crimes mais violentos, sendo passível de encarceramento.  É necessário o desenvolvimento de estratégias e programas para evitar consequências mais graves, tanto para os menores infratores quanto para a sociedade.


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Autores

  • Vera Gomes Ribeiro Ramos

    Possui graduação em direito pela Faculdade Presidente Antônio Carlos de Aimorés (2014), graduação em Nutrição pelo Centro Universitário de Belo Horizonte (2004) , especialização em Nutrição Humana E Saúde Pública pela Universidade Federal de Lavras (2005) e especialização em Gestão da Política da Assistência Social pela Universidade Veiga de Almeida (2012). Sócia da Ramos, Palacio e Fernandes Sociedade de Advogados, inscrita na OAB/MG 4749.

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  • Alexandre Jacob

    Alexandre Jacob

    Orientador de Trabalho de Conclusão de Curso da Faculdade Presidente Antônio Carlos de Aimorés

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