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Razões de apelação:tráfico de drogas

Razões de apelação:tráfico de drogas

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Pedido de absolvição, pedido para recorrer em liberdade e, subsidiariamente, substituição da pena reclusiva em restritivas de direitos

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO.

Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da Lei 1.060/50.

Ação Penal n°. 3950-96.2014.8.10.0058

Trâmite processual original: 1ª Vara Criminal da Comarca de São Sebastião/Ma.

Informativo: Peça de interposição do Recurso de Apelação ofertada tempestivamente junto ao juízo processante, nos termos do art. 593, I, do CPP.

                                                JANACA CANAJINA SILVA, ora Apelante, devidamente qualificada nos autos do processo em epígrafe, vem, respeitosamente, perante essa Egrégia Corte, por intermédio de seu Advogado, ao final nomeado e assinado, interpor as presentes RAZÕES DE APELAÇÃO, dentro do prazo legal, com fundamento no artigo 600, §4º do Código de Processual Penal.

                  RAZÕES DE APELAÇÃO

“Clama, ne cesses é um lema a perseguir a vida do advogado, mormente quando ele está convencido da procedência do direito que pleiteia”. (Evandro Lins e Silva)

Apelante: Janaca Canajina Silva

   Apelada: Justiça Pública

       Colenda Turma!

           Ínclitos Julgadores!

            Douto Procurador de Justiça!

                                    Pela respeitável sentença de fls. 346-360, entendeu a preclara Magistrada a quo pela condenação da Apelante à pena corporal reclusiva de 12 (doze) anos e 02 (dois) meses de reclusão e ao pagamento de 1.648 (um mil, seiscentos e quarenta e oito) dias-multa, cada um equivalente a 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente à época do fato delituoso, por infringência, segundo a sentença ora combatida, dos artigos 33 e 35 da Lei 11.343/06, sendo o regime inicialmente fechado e sem o direito de recorrer em liberdade.

                                   Ocorre que a sobredita sentença, data máxima vênia, não merece prosperar, como será exaustivamente demonstrado, sendo certo que sua reforma é medida que se impõe, uma vez que os fundamentos ali entabulados são essencialmente desarrazoados e desproporcionais, portanto, inidôneos do ponto de vista jurídico a lastreá-la.

SÍNTESE DOS FATOS E DA MARCHA PROCESSUAL

                                  O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia em desfavor da senhora Janaca Canajina Silva, ora Apelante, pela prática das condutas insculpidas nos artigos 33 e 35 da Lei 11.343/06, porque em dia e local descritos na precitada Inicial Acusatória, a Apelante fora presa por ter “transportado” substância entorpecente de Porto Velho/RO para São Luis/MA.

                                  Dado e passado, finda a instrução criminal, foi prolatada a sentença às fls. 346-360, como se pontuou alhures, quedando-se referido decreto condenatório no centro nervoso de todo o presente combate.

                                  É a síntese fático-processual necessária.

DA PRELIMINAR

Do direito de recorrer em liberdade (art. 5º, LVII, da CF) e ausência de fundamentação.

                                   Antes de adentrar no mérito, cumpre consignar que a negativa por parte do Juízo sentenciante, que ofuscou o direito à Apelante de recorrer em liberdade, está totalmente carente de motivação, contrária ao presente caso e em dissonância com os mais recentes entendimentos jurisprudenciais, a saber:

                                    A eminente Juíza da base ao “fundamentar” sua decisão quanto à negativa da Apelante recorrer em liberdade, às fls. 360, assim discorreu:

[...] entendo que os réus, tendo permanecido custodiado durante todo o processo, não é permitida a apelação em liberdade, por ainda estarem presentes os requisitos autorizadores que ensejou o decreto das prisões.

                                   Com o respeito devido e merecido à magistrada de 1º grau, mas referida fundamentação genérica, vaga, acanhada e deficiente fere o art. 93, IX, da Constituição Federal, em razão do qual não deve prosperar. E mais: no decreto ora combatido a própria magistrada faz referência ao art. 387, § 1º do Código de Processo Penal (às fls.360) e não obedeceu ao teor redacional do sobredito artigo de lei, que assim é descrito:

Art.387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:

I – omissis;

II – omissis;

(...)

§ 1º. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta. (negritei)

                                   Ínclito Desembargador, mesmo em se tratando de tráfico de drogas, o entendimento doutrinário e jurisprudencial é o mesmo, quando da sentença condenatória o fato de não ser dispensada a fundamentação quanto ao direito de apelar em liberdade, uma vez que o simples fato de a Apelante ter respondido ao processo em custódia cautelar, só por só, não significa que a mesma tenha que permanecer presa “ad appellandum”

Neste sentido, segue colacionado o seguinte aresto do STJ:

“HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. LIBERDADE PROVISÓRIA. GRAVIDADE DO DELITO. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA

1. A vedação legal de concessão de liberdade provisória aos acusados de tráfico de entorpecentes não afasta a obrigatoriedade de demonstrar a necessidade da segregação cautelar do agente, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal.

2. O fato de ter o agente permanecido preso durante a instrução do processo não obsta, só por só, a concessão do benefício de recorrer em liberdade.

3. A superveniência de sentença não afasta o constrangimento ilegal decorrente da prisão preventiva carente de fundamentação, se não forem apontados dados concretos que justifiquem a prisão cautelar.

4. Ordem concedida, para outorgar ao paciente o benefício de recorrer em liberdade e assim permanecer, até o trânsito em julgado da decisão.” (STJ, HC 126.228, Rel. Min. CELSO LIMONGI, sexta turma, J. 20/08/2009)”

                                 Ocorre que o Juiz não pode fundamentar apenas por equidade, haja vista que o parágrafo único do art. 387 do Código de Processo Penal é categórico ao dispor que na sentença: “O Juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta”, como pontuamos alhures. (destaquei)

                                  Neste diapasão, vislumbra-se que o magistrado está vinculado ao texto legal supracitado, daí, eis a obrigatoriedade de identificar e apontar caso a caso a necessidade da segregação cautelar do apenado, no caso a Apelante, sendo que quando ensejar a negativa ao recurso em liberdade, o Juiz deverá, com base no contexto fático, decretar a prisão cautelar, baseando-se nos elementos concretos com fulcro no art. 312 do CPP, e NÃO apenas fazer menção de que o Réu permaneceu preso durante todo o processo, como fez a magistrada a quo. Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“RHC. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. NEGATIVA JUSTIFICADA EM FACE DE O RÉU SER MANTIDO PRESO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE MOTIVOS HÁBEIS. CONSTRANGIMENTO.

A vedação de o Réu recorrer em liberdade se submete aos mesmos parâmetros de justificação do art. 312 do CPP, devendo o Juiz elencar situações concretas que impeçam a sua liberdade, advindos da permanência do quadro que sustentou a prisão inicialmente decretada ou mesmo em dados presentes e suficientes à demonstração do juízo de cautelaridade.

A simples indicação de que o Réu esteve preso durante toda a instrução, bem assim de que os requisitos do art. 594 estariam presentes, não é motivação hábil a manter o Réu em cárcere, ainda mais quando o caderno processual consagra-lhe situação bastante favorável a ponto de garantir-lhe uma apenação e um regime menos gravosos. Recurso provido para permitir que o Réu responda o processo em liberdade até o trânsito em julgado da decisão condenatória. (RHC 22.696⁄RJ, Rel. Min. MARIA THEREZA, DJ de 16.6.08).

                                  De mais a mais, tratando-se de sentença penal condenatória recorrível, o binômio necessidade-fundamentação é premissa imperiosa, mormente por estar em jogo o “jus libertatis”. Acaso ocorra o contrário, Excelência, ou seja, se for aceita como válida a sobredita e guerreada “justificativa” judicial, todas as condenações sem trânsito em julgado darão ensejo a medidas cautelares pessoais decretadas de qualquer forma, sem critérios e, sobretudo, assumindo antecipado viés punitivo.

                                  Assim sendo, pugna a Apelante pelo não acolhimento da fundamentação inidônea que lhe negou o direito de recorrer em liberdade, concedendo-lhe, em razão da qual, o direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, expedindo-se para tanto o competente Alvará de Soltura.

DO MÉRITO

                                  Ínclito Desembargador-relator, nesta primeira incursão no terreno de mérito, merece relevo abordar que a matéria versada no presente Recurso de Apelação, e a ser reexaminada por essa E. Corte, está dividida em dois pontos cruciais do édito condenatório alvos de combate e que carecem ser enfrentados com a já conhecida e inseparável sensibilidade judicante de Vossa Excelência!

1º PONTO: Insuficiência das provas quanto à autoria.

                                    Ao contrário do que entendeu o Juízo da base, a ora Apelante está convicta de que as provas coligidas aos Autos NÃO autorizavam condená-la pelo crime de tráfico muito menos associação para o tráfico.

                                    Nessa senda, depois de fazer um retrospecto de todo o teor processual, a juíza sentenciante começou a fundamentar sua decisão, às fls. 349, que a ora Apelante “transportou droga do município de Porto Velho/RO ao município de São Luis/MA, entregando-a a MARÇAL BOMBADO para que fosse comercializada neste Estado [...]”.

                                    De antemão, ousamos discordar já do alicerce da fundamentação da sentença, vez que está embasada em provas frágeis entabuladas na denúncia. Vejamos:

Da vinda para São Luis/Ma, da prisão e da insuficiência de prova da autoria dos crimes capitulados nos arts. 33 e 35 da Lei 11.343/06.

                                    A senhora Janaca Canajina Silva, ora Apelante, conheceu Marçal Bombado no Estado de Rondônia, mais precisamente no município de Conradoval. Dado e passado, Janaca e Marçal engataram um relacionamento amoroso que já dura 04 (quatro) anos.

                                    Não bastasse o referido relacionamento amoroso entre os dois ter-se desenvolvido entre ligações telefônicas, correspondências eletrônicas (e-mails), mensagens de watsapp e as idas de Marçal até aquela localidade, a senhora Janaca Canajina foi convidada por Marçal para vir à São Luís, com vistas, exclusivamente, à que os dois ficassem juntos, envolvidos em sua empreitada amorosa.

                                   Pois bem.

                                   Janaca deslocou-se de Rondônia para São Luís e se hospedou num hotel no bairro São Cristóvão. Daí pra frente, Senhores Desembargadores, douto Procurador, o pesadelo amargado pela ora Apelante estava apenas começando...

                                    Enquanto dormia naquele quarto de hotel, a senhora Janaca foi surpreendida por policiais civis que, violentamente, arrombaram a porta e começaram a protagonizar cenas de terror com intuito de obterem informações acerca de substância entorpecente supostamente trazida por ela. Naquela oportunidade, referidos policiais fizeram uma minuciosa revista, tanto no quarto quanto em seus pertences pessoais, e o resultado foi este: nada encontraram!

                                    A veracidade da informação que se sustenta acima pode ser constatada no depoimento pessoal do Investigador de Policia Civil – IPC XXXXXXXXXXXXXXX, por ocasião da audiência de instrução e julgamento, a partir do trecho (19’14’’) mídia audiovisual.

                                     Em outro depoimento, o policial civil XXXXXXXXXXXXXXXXX afirma não ter sido encontrado qualquer espécie de droga em poder de Janaca, ora Apelante, a exemplo do trecho (03’01’’) mídia audiovisual. Inclusive, o precitado policial afirma não ter sido encontrada nenhuma caixa térmica que, segundo “informações” obtidas, porém não comprovadas, teria servido para acondicionar a suposta substância entorpecente, conforme os trechos (06’18’’) e (15’47’’) da mesma mídia.

            

                                     Observe, Excelência, que os próprios policiais responsáveis pela prisão da Apelante afirmaram ter obtido informações que davam conta de um transporte de droga oriundo de Rondônia. Para tanto, passaram a fazer campana com intuito de checar as referidas informações e, consequentemente, efetuar a prisão dos envolvidos, bem como fazer a apreensão da droga.

                                     Ora, eminente Desembargador, eis o ponto nodal que se materializa nesta pergunta que não quer calar: se os agentes de polícia tinham prévias informações acerca da traficância que estava se desenvolvendo entre Rondônia e São Luís, por que não efetuaram a prisão em flagrante da Apelante no momento em que esta chegou ao hotel portando a suposta substância entorpecente? A resposta a essa indagação é muito simples: não prenderam em flagrante porque a senhora Janaca não veio para esta cidade de São Luís tendo em seu poder qualquer substância entorpecente. Isso é básico!

                                     Concessa máxima permissa, Excelência, o que se questiona aqui é a fragilidade das provas no tocante à autoria concernente à Apelante Janaca. Ou seja, não há robustez probante a embasar o decreto condenatório, ora combatido, por tráfico e muito menos associação para o tráfico.

                                     A autoria inconteste está afeta ao acusado Marçal e NÃO à senhora Janaca Canajina, ora Apelante, conforme se colhe da própria sentença prolatada, às fls. 349: “A autoria está comprovada pela confissão do acusado MARÇAL e depoimentos das testemunhas, policiais civis que prenderam os acusados, em juízo”.

                                     Nesse mesmo diapasão, por ocasião do seu interrogatório em juízo, o acusado Marçal confessa perante a magistrada que adquiriu a substância entorpecente aqui mesmo em São Luís, no dia 1º de novembro de 2014, na localidade Albatraca, próxima do bairro Barcarena, acondicionada numa caixa térmica, e que fez o transporte até a casa na qual iria servir de depósito/laboratório, conforme se colhe a partir do trecho (04’44’’) mídia audiovisual. 

                                    Ora, se a aquisição da droga ocorreu no dia 1º de novembro de 2014, como confessou o acusado Marçal, e a prisão da Apelante deu-se no dia 07 de novembro daquele mesmo ano, consubstanciado em quê a respeitável Juíza a quo atribuiu o transporte da multicitada droga à senhora Janaca, ao ponto de chegar a um juízo de certeza e condená-la por infringência aos arts. 33 da Lei 11.343/06, na modalidade transportar, e 35, associação para o tráfico, da mesma lei?

                                    Excelência, com a devida vênia, queda-se induvidoso e cristalino que NÃO estão as provas colacionadas ao processo revestidas das condições de garantia e segurança necessárias à elucidação no que tange à prática delitiva por parte da Apelante, restando arbitrária a sua condenação por tráfico e, sobretudo, associação para o tráfico.

                                    E mais: a sentença guerreada aduz às fls. 350: “Assim foram, os policiais, até o local verificar a situação, perguntando na recepção do hotel da pessoa, fornecendo a descrição da mulher, o que foi confirmado. Disse o policial que as pessoas do hotel disseram que tinha ido um indivíduo, com as mesmas características do acusado MARÇAL (alto e branco) e que tinha saído de lá portando uma caixa [...]”. (destaquei)

                                    Uma vez mais o édito condenatório se firma em conjecturas, em “disse me disse”, “que disse que disseram isso, aquilo e aquiloutro”.  Nesse ponto, verifica-se com nitidez a fragilidade do teor probante que embasou a odiosa sentença, a exemplo das informações repassadas por “atores” que sequer foram qualificados no processo. É simples: se as pessoas que trabalham no hotel realmente disseram ter visto Marçal sair portando uma caixa, por que não houve acareação em sede investigativa? Por que tais pessoas não foram arroladas pela Acusação, com vistas a prestar depoimentos e fornecer robustez de provas, por ocasião da audiência de instrução e julgamento?

                                    Por derradeiro, Excelência, quanto ao aspecto insuficiência de prova da autoria a lastrear um decreto condenatório, manifesta-se o preclaro Desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão, José Luiz Almeida: “Decidir em desfavor do acusado com espeque em provas viciadas pelo espírito de emulação, seria, a meu sentir, decidir arbitrariamente. Seria, releva dizer, afrontar o princípio da livre convicção, transformando-o em arbítrio, pura e simplesmente. É evidente, não custa lembrar, que o juiz criminal não fica cingido a critérios tarifados ou predeterminados quanto à apreciação da prova. Não é demais repetir, no entanto, que fica adstrito às provas constantes dos autos em que deverá sentenciar, sendo-lhe vedado não fundamentar a decisão, ou fundamentá-la em elementos estranhos às provas produzidas durante a instrução do processo, afinal quod non est in actis non est in mundo. É de rigor que o juiz deve fundamentar todas as suas decisões.  Só pode fazê-lo, no entanto, se as provas produzidas o forem de moldes a não deixar dúvidas acerca da ação do acusado. Jejuno de provas judiciais no processo, o magistrado não dispõe de dados que lhes permita fundamentar uma decisão. A menos que, absurdamente, pudesse decidir somente segundo sua experiência pessoal, segundo dados que não foram colhidos nos autos”.

                                    E arremata o ilustre Magistrado de 2º grau: “Sem provas convincentes e seguras a presunção de inocência continua intacta. Não pode ser defenestrada As provas, para autorizarem a aplicação de uma pena, devem ultrapassar o umbral da dúvida razoável. Na dúvida, o juiz tem que absolver. Tem aplicação, às inteiras, o princípio in dúbio pro reo”.(negritei)

                                    Assim sendo, por não existir prova suficiente para condenação, ou seja, pela inconsistência das provas trazidas aos autos quanto à autoria, não merece prosperar a sentença condenatória vergastada, sendo sua reforma a medida da mais acertada lucidez jurídica, configurando-se na absolvição da Apelante Janaca Canajina pelos crimes de tráfico e, consequentemente, associação para o tráfico, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal, aplicando o princípio in dubio pro reo.

                                    De outra face, na hipótese remota desse Egrégio Tribunal não acolher a tese descrita acima, quanto à reforma da sentença alicerçada em provas insuficientes que condenou a ora Apelante, SUBSIDIARIAMENTE, pugna-se pela reforma do decreto condenatório no que tange à exacerbada dosimetria da pena aplicada ao caso sob retina, tendo em vista que, a título de argumento e por amor ao debate, ainda que a Apelante tivesse de fato transportado a substância entorpecente, NÃO DEVE a conduta ser valorada igualmente à daquele que intermedeia o tráfico ou mesmo daquele que é o dono da droga, ou seja, daqueles que investem no tráfico e esperam retorno/lucro com a sua mercancia.

2º PONTO: Dosimetria exacerbada da pena

                                     Quanto ao tópico referente aos cálculos dosimétricos, demonstrar-se-á a Vossas Excelências que o decreto condenatório ora combatido queda-se desproporcional e desarrazoado no que tange à exasperação da pena-base, bem como será demonstrado que houve dupla valoração de uma mesma circunstância, configurando-se no vedado bis in idem.

                                    Ei-la, ponto a ponto, às fls. 358:

                                    “Observo que a culpabilidade da acusada é alta, devido à natureza e quantidade da droga que transportou (aproximadamente 5 kg de cocaína), em observância ao disposto no artigo 42 da Lei nº 11.343/2006. Não há nos autos certidão que comprove maus antecedentes da acusada. Quanto à conduta social, não há informações no que tange a esta circunstância judicial. Poucos foram os elementos coletados a respeito de sua personalidade. Os motivos para a prática dos crimes são inerentes aos tipos penais em comento, pois se consubstanciam na busca pelo lucro fácil. As circunstâncias são normais para os delitos dessa espécie. As consequências são normais à espécie. Nas espécies, não se pode cogitar sobre o comportamento da vítima, pois praticados contra a coletividade. Considerando a proporcionalidade das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, fixo a pena-base em 06 (seis) anos, 05 (cinco) meses e 04 (quatro) dias de reclusão e no pagamento de 642 (seiscentos e quarenta e dois) dias-multa, cada um equivalente a 1/30 do valor do salário mínimo vigente à época do fato delituoso”. 

                                    Douta Câmara Criminal, colhe-se da sentença vergastada que a circunstância judicial “culpabilidade” foi a única valorada em desfavor da Apelante. Nesse ponto, não assiste razão o sopesamento negativo da referida circunstância judicial, pois a culpabilidade já se apresenta intensificada pelo pleno conhecimento do caráter ilícito da conduta, ou seja, já é elemento subjetivo do crime, não sendo motivo necessário e suficiente para ser negativamente considerado, tendo em vista que disso depende a caracterização do delito. Sendo assim, não merece acolhida dessa Egrégia Corte a valorização negativa da precitada circunstância judicial a permitir a majoração da pena-base, pois a consciência do caráter ilícito da conduta é essencial para a caracterização do delito e já está implícito no próprio tipo penal.

                                    Nesse contexto, sendo todas as 08 (oito) circunstâncias judiciais favoráveis à Apelante, merece reforma a pena-base exacerbada de 06 (seis) anos, 05 (cinco) meses e 04 (quatro) dias, posto que se afasta demasiadamente do mínimo legal, sem critério nenhum a justificar-lhe o afastamento, configurando-se flagrante desproporcionalidade, pugnando-se, em razão disso, pela fixação da referida pena-base no mínimo legal.

                                    Dando continuidade ao combate da sentença, às fls. 359, tem-se que: “Na terceira etapa da dosimetria da pena, observo que não há causa de diminuição da pena, pois a natureza e expressiva quantidade de droga transportada pela acusada por cerca de 3.000km no território nacional permite aferir que a acusada se dedica a atividades criminosas, bem como que a acusada integra organização criminosa, sendo condenada nos autos por associação para o tráfico, restando inaplicável o § 4º do artigo 33, da Lei nº 11.343/2006. Como causa de aumento de pena, está caracterizado o tráfico entre Estados da Federação, pois a cocaína apreendida foi trazida a este Estado pela própria acusada do Estado de Rondônia, o que acarreta em uma aumento da pena em 1/6 (um sexto) tornando a pena definitiva em 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 749 (setecentos e quarenta e nove) dias-multa”.

                                    Vejamos:

Do bis in idem e da causa de diminuição prevista no Parágrafo 4º, do art. 33, da Lei 11.343/2006.

                                         

                                   Eminentes Julgadores, não merece jamais prosperar o édito condenatório, vez que a mesma circunstância, natureza e expressiva quantidade de droga, foi flagrantemente valorada em mais de uma momento, ou seja, foi sopesada na 1ª fase para fixação da pena-base e foi, de igual modo, valorada na 3ª fase como fator obstativo da diminuição merecida e prevista no parágrafo 4º do art.33, da Lei 11.343/06. Nesse contexto, a sentença carece ser reformada, tendo em vista a ocorrência de bis in idem, em sintonia com a decisão do Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, segundo a qual as circunstâncias relacionadas à natureza e quantidade do entorpecente apreendido só podem ser utilizadas uma vez na dosimetria da pena.

                                  Arremata-se com a ementa do STF:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTE. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. HABEAS CORPUS NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPETRAÇÃO APÓS PRAZO RECURSAL: IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO EM PATAMAR MÁXIMO. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA: FIXAÇÃO DA PENA-BASE E DEFINIÇÃO DO PERCENTUAL DE DIMINUIÇÃO. BIS IN IDEM. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS E DO REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE DE REEXAME. 1. Pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâneo de revisão criminal. 2. A natureza e a quantidade dos entorpecentes foram utilizadas na primeira fase da dosimetria, para a fixação da pena-base, e na terceira fase, para a definição do patamar da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 em um sexto. Bis in idem. Patamar de dois terços a ser observado. 3. O Supremo Tribunal Federal assentou serem inconstitucionais a vedação à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e a imposição do regime fechado para o início do cumprimento da pena, em caso de tráfico de entorpecente. Precedentes. 4. Recurso não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinar ao juízo da execução penal competente na origem rever a pena imposta ao Recorrente, com a aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 no patamar máximo de dois terços, e, considerada a nova pena a ser imposta, reexamine os requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e para a fixação do regime prisional, afastado o óbice do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990. Órgão Julgador: Segunda Turma RHC 122684 / MG - MINAS GERAIS RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Relator (a):Min. CÁRMEN LÚCI Julgamento:  16/09/2014.

                                        Em outro norte, ainda que a senhora Janaca Canajina tivesse “praticado” a conduta proibida insculpida no art. 33, caput, da Lei 11.343/06, mais precisamente na modalidade transportar, frise-se o modus operandi referente à “mula”, caberia o exame das condições em que se desenvolveu tal conduta, a fim de se evitar que a ora Apelante seja colocada em situação de desvantagem, tendo em vista que referida conduta não pode ser aquilatada no mesmo patamar à do acusado Marçal, proprietário da droga e réu confesso no processo. Assim sendo, a Apelante revestiu-se do papel de “mula”, como é conhecido aquele que é “contratado” exclusivamente para fazer o transporte da droga, sendo certo de que sua conduta é de menor importância, não lhe cabendo nenhuma outra participação no evento.

                                     Ressalta-se, nessa linha, que subscreve em favor da Apelante, data vênia, a diminuição de pena prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, verbis:

"§ 4.º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa."

                                   Nesse sentido, merece relevo transcrever o julgado abaixo:

DIREITO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTES. ART. 33, C.C. ART. 40, I, DA LEI 11.343/06. "MULA" DO TRÁFICO. APLICABILIDADE DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. NECESSÁRIA ANÁLISE CASO A CASO. IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO A PRIORI. EMBARGOS PROVIDOS. I) A figura apelidada de "mula", como é o caso do réu, embora seja essencial ao êxito da traficância transnacional, não pode ser aprioristicamente considerada como integrante de organização criminosa. Tal enquadramento somente é possível mediante a apresentação de provas do envolvimento estável e permanente do acusado com o grupo narcotraficante com o qual colaborou. II) Não se afigura lícita a presunção em seu desfavor, o que avilta inclusive a verificação empírica dos casos semelhantes, nos quais predomina a cooptação eventual de pessoas das camadas sociais mais pobres e menos instruídas, tentadas a aplacar suas premências financeiras com a incursão na criminalidade pontual. III) Presentes os requisitos autorizativos, faz o embargante jus ao benefício penal do mencionado dispositivo, porém em fração parcimoniosa, reservando-se o patamar máximo às situações de periculosidade manifestamente reduzida. IV) Embargos infringentes providos para aplicar a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, na fração de 1/6, ficando a reprimenda redimensionada para 5 anos, 07 meses e 2 dias de reclusão, regime inicial fechado, e 569 dias-multa. (TRF-3 - EIFNU: 5025 SP 0005025-96.2010.4.03.6119, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, Data de Julgamento: 15/08/2013, PRIMEIRA SEÇÃO)

Das relevantes circunstâncias favoráveis à Apelante.

                                   Ora, senhores Desembargadores, a senhora Janaca Canajina é ré primária, certidão em anexo, possui bons antecedentes, tem residência e emprego fixos, e jamais se levantou em seu desfavor, em qualquer lugar pelo qual tenha estado ou passado, qualquer informação que a tivesse vinculado ao cometimento de crime de qualquer natureza, razão pela qual se postula, com supedâneo nas situações favoráveis afloradas, e por ser questão de justiça, seja aplicável a causa de diminuição prevista no parágrafo 4º do precitado artigo, em seu grau máximo, qual seja 2/3 (dois terços), ainda que seja reduzida a pena final abaixo do mínimo cominado.

                                    Nessa quadra é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

NEGATIVA DE APLICAÇÃO DA MINORANTE DO ART. 33, § 4º DA LEI DE DROGAS E A NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO EM DADOS CONCRETOS. O magistrado não pode deixar de aplicar a minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 se utilizando exclusivamente dos elementos descritos no núcleo do referido tipo penal para concluir que o réu se dedicava à atividade criminosa. O art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 prevê a aplicação de causa especial de diminuição de pena ao agente de crime de tráfico que tenha bons antecedentes, seja réu primário, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa. Para que se negue a aplicação da referida minorante em razão do exercício do tráfico como atividade criminosa, deve o juiz basear-se em dados concretos que indiquem tal situação, sob pena de toda e qualquer ação descrita no núcleo do tipo ser considerada incompatível com a aplicação da causa especial de diminuição de pena. Precedente citado:REsp 1.085.039-MG, DJe 28/9/2009. HC 253.732-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 6/12/2012.

                                    Consta nítido que a MM. Juíza a quo deixou de aplicar a causa de diminuição da pena prevista no art. 33, § 4º, da acima referida Lei, por considerar que a Apelante se dedica a atividades criminosas, bem como integra organização criminosa pelo transporte da droga por cerca de 3.000km no território nacional.

                                    No entanto, Excelência, referido argumento está totalmente desprovido do suporte do direito, está dissociado da realidade fático-processual e das condições pessoais da Apelante.

                                    Ao bem da verdade, o que está cristalina e induvidosa nessa parte da sentença rebatida é a mera conjectura da douta Sentenciante. Ora, nada há nos autos que contrarie a presunção de que a ora Apelante não seja primária e não possua bons antecedentes, ou que algo exista que desabone a sua conduta social, ou mesmo que indique ter ela a personalidade voltada para a prática delituosa.

                                    Dessa forma, acertada e justa é a reforma do édito condenatório, com vistas à que seja aplicada a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, na fração máxima de 2/3 (dois terços), levando-se em consideração as condições pessoais da Apelante quanto à primariedade, residência fixa, por ostentar bons antecedentes, por nunca ter se dedicado a atividades criminosas e jamais ter integrado organização criminosa, bem como pelo flagrante bis in idem relativo à mesma circunstância em dois momentos.

                                    De outra face, ante as parcas condições financeiras afetas à senhora Janaca Canajina, a pena de multa também deve ser reduzida, a fim de que guarde consonância com a pena privativa de liberdade aplicada em definitivo à Apelante, devendo ser apurada a precariedade da situação financeira, com mais acuidade, no Juízo das Execuções Penais.

Da inexistência do crime de associação para o tráfico (art. 35, da Lei 11.343/06).   

                                     Ao contrário do que sustenta o vergastado édito condenatório, nem de longe ficou comprovado o animus associativo entre a Apelante e o acusado Marçal com o fim precípuo de praticarem o tráfico de drogas, como quer levar crer a respeitável magistrada de piso em seu decisum.

                                     Ante todo contexto em que se desenvolveram os fatos, percebe-se, Excelência, que houve um acordo, um vínculo de cunho eventual ou ocasional e NÃO estável e duradouro entre a Apelante Janaca e Marçal para o transporte da precitada droga, ou seja, foi algo oportuno de um dado momento, um rompante de ideação ocorrida num instante qualquer, e não de forma estável e duradoura como aduz a sentença combatida.

                                     A respeitável Juíza de 1º grau fundamenta seu decreto condenatório quanto à associação para o tráfico somente ao argumento de que a Apelante “ficou responsável pelo transporte da droga”. Ora, com todo o respeito devido, vejam como a própria magistrada resvala em suas colocações. A simples conduta de transportar NÃO tem o condão de fornecer elementos irrefutáveis para a caracterização de associação estável e duradoura. Observa-se de forma induvidosa e cristalina, Meritíssimo, a gritante improcedência da sentença no tocante ao delito de associação para o tráfico, vez que não houve demonstração do dolo associandi para sua configuração. 

                                    A propósito disso, Renato Marcão assevera ser o animus associativo uma elementar do referido tipo penal, assim demonstrado:

“Não basta, não é suficiente, portanto, para configuração do tipo penal previsto no art. 35, a existência do simples dolo de agir conjuntamente, em concurso, na prática de um ou mais crimes. É imprescindível a verificação de dolo distinto, específico: o dolo de associar-se de forma estável”.

                                     A jurisprudência também é uníssona: “O delito de associação para o tráfico não pode, de forma alguma, ser comparado a um mero concurso de agentes, sendo necessária para sua caracterização a existência de um vinculo associativo, em que a vontade de se associar seja separada da vontade à prática do crime visado” (TJSP, Ap. 295.901-3/1-00, 6ª Câm., j. 6-4-2000, rel. Des. Canguçu de Almeida, JTJ 209/284)”.

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO(Lei11.343/2006, art.33, caput, art. 35,caput) MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS-DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS NA FASE INQUISITORIAL E JUDICIAL CONDIZENTES COM A REALIDADE DOS AUTOS - ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO- ABSOLVIÇÃO DECRETADA. I-Não há falar-se em insuficiência de provas quando presentes nos autos elementos aptos a demonstrar, de forma inequívoca, a materialidade e autoria do delito de tráfico ilícito de entorpecentes, tais como o depoimento dos policiais militares que procederam à abordagem dos agentes após investigação iniciada pela suspeita de que exerciam a mercancia ilegal. II -É cediço que as declarações dos agentes estatais, a princípio, são isentas de suspeita e só não possuem valor quando estes agem de má-fé, o que não é o caso. Desta forma, inexistindo circunstâncias que afastem a eficácia probatória do depoimento dos policiais e considerando que suas declarações foram ratificadas em juízo, mister é o reconhecimento de sua força probante. III - Para que se vislumbre a configuração da conduta delitiva prevista no art.35, caput, da Lei 11.343/06 (associação para o tráfico), imprescindível a verificação do elemento subjetivo do tipo, qual seja o animus associativo, consubstanciado na convergência de vontade dos agentes em unirem-se de modo estável e permanente, com a finalidade específica voltada para a prática do tráfico ilícito de entorpecentes. Neste sentido, em não se vislumbrando nos autos elementos de provas aptos a demonstrarem a intenção dos acusados de unirem-se e pré-articularem a comercialização de drogas, a absolvição é medida que se impõe. (TJSC - Apelação Criminal: APR 722818 SC 2008.072281-8 - Relator(a): Des. Salete Silva Sommariva; Julgamento: 15/12/2009)

                                      Resta dizer, portanto, que tanto a autoria quanto a tipicidade do delito descrito no art. 35 da Lei 11.343/2006, imputado à senhora Janaca Canajina, quedaram-se totalmente INDEMONSTRADAS, tanto na denúncia quanto na sentença ora vergastada. Desta feita, douta Câmara Criminal, permissa vênia, torna-se evidente que só a apreensão da droga não tem o condão de formar a certeza moral suficiente para uma condenação por associação para o tráfico, sob pena de estarmos diante de imputação objetiva no âmbito penal, de modo a se DESPREZAR a análise da subjetividade da conduta, que no caso em apreço é o “animus associandi”, consubstanciado na convergência de vontade dos agentes em se unir de modo estável e permanente, com a finalidade específica voltada para a prática do tráfico ilícito de entorpecentes.

                                   Dessa forma, a associação não se confunde com a simples coautoria, sendo que a reunião ocasional de duas ou mais pessoas não se subsume ao tipo do artigo 35 da Lei de Drogas. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“STJ, 6ª Turma, HC 139942 (19/11/2012): Exige-se o dolo de se associar com permanência e estabilidade para a caracterização do crime de associação para o tráfico, previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006. Dessa forma, é atípica a conduta se não houver ânimo associativo permanente (duradouro), mas apenas esporádico (eventual)”.

                                  Senhores Desembargadores, ínclito Procurador de Justiça, é de bom alvitre registrar que deve ser a conduta da Apelante valorada seguindo a perspectiva de que há significativa diferença entre os vários tipos de criminosos. São eles:

                                 Os impetuosos;

                                 Os habituais;

                                 Os fronteiriços;

                                 Os loucos criminosos e os

                                  Ocasionais como a senhora Janaca Canajina, que são pessoas pacatas e que conduzem sua existência de forma honesta, mas que devido a certas dificuldades impostas pela própria vida ou diante dos maus exemplos, não resistem à facilidade que determinadas ocasiões propiciam ao crime.

                                  Nessa senda, eminentes Julgadores, NÃO merece ser acolhida a imputação feita à Apelante quanto ao delito descrito no art. 35 da Lei 11.343/06, por não ter havido liame subjetivo duradouro e permanente entre os agentes, razão pela qual não se pode aqui cogitar em associação para o tráfico, eis que, SE a associação existiu, foi de NATUREZA OCASIONAL, modalidade não contemplada na novel legislação de tóxicos, estando certo que a reforma da decisão por essa Egrégia Corte será direcionada para a absolvição da senhora Jéssica Silva do crime de associação para o tráfico, nos termos do art. 386, II, do CPP, pois é medida da mais límpida justiça!

Do possível critério para fixação da pena em definitivo

                                   Esse Egrégio Tribunal de Justiça ao reformar a sentença condenatória, alvo do presente combate, no que pertine à exasperação da pena-base, redimensionando-a para o mínimo legal e, consequentemente, atribuindo-lhe a minorante insculpida no §4º do art. 33, da Lei 11.343/06 no seu grau máximo, tendo em vista o bis in idem demonstrado, bem como as condições favoráveis ostentadas pela ora Apelante, e, ainda, em absolvendo a Apelante quanto à conduta insculpida no art. 35 da Lei 11.343/06, associação para o tráfico, há de vislumbrar a conversão da pena corporal reclusiva por restritivas de direitos, nos termos do art. 44, I, II, do Código Penal.

                                   De mais a mais, a Apelante encontra-se ergastulada desde o dia 07 de novembro de 2014, portanto, há 01 (um) ano e 03 (três) meses, tempo suficiente que fará diferença quanto ao regime inicial de cumprimento da reprimenda, levando em consideração o disposto na Lei 12.736/2012, aplicando-se-lhe a detração penal, haja vista que no caso sob retina, o precitado instituto da detração torna-se hábil a modificar o regime inicial de cumprimento da pena, vez que haverá cômputo inferior de pena a ser realizado.

Da assistência Judiciária Gratuita

                                   A Apelante pede lhe seja concedido o benefício da assistência judiciária gratuita, na forma da Lei no 1.060/50, mormente no art. 4º c/c art. 5º, § 4º, que preceituam: “A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. “[...] Será preferido para a defesa da causa o advogado que o interessado indicar e que declare aceitar o encargo”, vez, atualmente, encontra-se sem saúde financeira capaz de custear os valores processuais e os honorários de advogado. Nessa senda, vale destacar oportunamente, que a assistência judiciária, mecanismo de garantia do amplo acesso ao Judiciário, pode ser requerida através de simples afirmação, na própria petição inicial, de que a parte requerente não tem condições de prover as custas processuais e os honorários advocatícios, sem prejuízo da própria manutenção. É esse o entendimento do Col. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no julgamento do REsp no 151.943-GO, publicado no DJU de 29.06.98.

                                  Motivos pelos quais pede a Apelante o deferimento do pedido de assistência judiciária gratuita.

Do preparo recursal

                                  Quanto ao recolhimento do preparo com vistas a um dos requisitos do juízo de admissibilidade do presente Recurso de Apelação, assim se posiciona o Conselho Nacional de Justiça: “Não há amparo na Constituição Federal para a exigência de recolhimento prévio de custas na ação penal pública, incluindo-se nesta premissa toda a despesa processual, inclusive verba para a condução do Oficial de Justiça. No curso da ação penal pública o exercício do “jus puniendi” é dever do Estado. Assim, compreende-se que o ônus relativo à ação e também a coleta de provas necessárias a decisão acerca da viabilidade da demanda, compete àquele que tem a dever de exercer a persecução penal nos crimes desta natureza. Ademais, ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, portanto, com respaldo nas garantias constitucionais da presunção da inocência, ampla defesa e devido processo legal, fica inviabilizada a cobrança de qualquer taxa ou despesa que pode constituir empecilho ao seu exercício. É manifestamente inconstitucional qualquer decisão, lei ou ato administrativo que possa, mesmo que por vias transversas, interferir prejudicialmente no exercício pleno do direito de defesa nas ações penais. Ressalte-se que o artigo 806, caput, parágrafos 1º, 2º e 3º do Código de Processo Penal têm repercussão apenas nas ações penais privadas”.

Para reflexão

                                  “Para os que acham que a morte é o pior de todos os males, é porque ainda não refletiram acerca dos males que uma injustiça pode causar”. (Sócrates)

Dos pedidos

                                   Diante do exposto, requer se digne essa Egrégia Corte dar provimento ao presente Recurso de Apelação, para:

                                   1 – Acolher a preliminar anteriormente aventada quanto ao direito da Apelante recorrer em liberdade, expedindo-se, para tanto, o competente Alvará de Soltura e, no mérito:

                                   2 - Reformar a r. sentença para absolver a ora Apelante do crime de tráfico pelo qual restou condenada, com fundamento no inc. VII, do art. 386, do Código de Processo Penal;

                                    3 – Subsidiariamente, acaso diverso seja o entendimento desse Egrégio Tribunal, para reformar a sentença exacerbada quanto ao crime capitulado no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, redimensionando-a ao patamar mínimo, em razão de terem sido todas as circunstâncias judiciais favoráveis à Apelante, inclusive reconhecer a flagrante ocorrência de bis in idem, aplicando-se o redutor previsto no parágrafo 4º, do art.33 da sobredita Lei de Drogas, no seu grau máximo, até porque a Apelante é primária, possui bons antecedentes, nunca se dedicou a atividades criminosas nem integra qualquer organização criminosa, bem como converter a pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, nos termos do art. 44, ss do CP;

                                    4 – Reformar a sentença combatida no sentido de ABSOLVER a Apelante do crime insculpido no art. 35, da Lei 11.343/06, associação para o tráfico, nos termos do art. 386, II, do CPP, por não ter ficado provado a existência do crime de associação para o tráfico;

                                    5 – Seja promovida a detração penal que anunciará novo regime de cumprimento da reprimenda, nos termos da Lei 12.736/2012;

                                     6 – Seja reformada a sentença condenatória no que pertine à pena de multa, ante as parcas condições financeiras afetas à senhora Janaca Canajina, a fim de que guarde consonância com a pena privativa de liberdade aplicada em definitivo à Apelante, devendo ser apurada a precariedade da situação financeira, com mais acuidade, no Juízo das Execuções Penais;

                                         7 – Seja concedido o benefício da Justiça Gratuita.

Espera Deferimento.

São Luís (MA), 11 de fevereiro de 2016.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO MARANHÃO.

Assistência Judiciária Gratuita, nos termos da Lei 1.060/50.

Ação Penal n°. 3950-96.2014.8.10.0058

Trâmite processual original: 1ª Vara Criminal da Comarca de São Sebastião/Ma.

Informativo: Peça de interposição do Recurso de Apelação ofertada tempestivamente junto ao juízo processante, nos termos do art. 593, I, do CPP.

                                                JANACA CANAJINA SILVA, ora Apelante, devidamente qualificada nos autos do processo em epígrafe, vem, respeitosamente, perante essa Egrégia Corte, por intermédio de seu Advogado, ao final nomeado e assinado, interpor as presentes RAZÕES DE APELAÇÃO, dentro do prazo legal, com fundamento no artigo 600, §4º do Código de Processual Penal.

                  RAZÕES DE APELAÇÃO

“Clama, ne cesses é um lema a perseguir a vida do advogado, mormente quando ele está convencido da procedência do direito que pleiteia”. (Evandro Lins e Silva)

Apelante: Janaca Canajina Silva

   Apelada: Justiça Pública

       Colenda Turma!

           Ínclitos Julgadores!

            Douto Procurador de Justiça!

                                    Pela respeitável sentença de fls. 346-360, entendeu a preclara Magistrada a quo pela condenação da Apelante à pena corporal reclusiva de 12 (doze) anos e 02 (dois) meses de reclusão e ao pagamento de 1.648 (um mil, seiscentos e quarenta e oito) dias-multa, cada um equivalente a 1/30 (um trigésimo) do valor do salário mínimo vigente à época do fato delituoso, por infringência, segundo a sentença ora combatida, dos artigos 33 e 35 da Lei 11.343/06, sendo o regime inicialmente fechado e sem o direito de recorrer em liberdade.

                                   Ocorre que a sobredita sentença, data máxima vênia, não merece prosperar, como será exaustivamente demonstrado, sendo certo que sua reforma é medida que se impõe, uma vez que os fundamentos ali entabulados são essencialmente desarrazoados e desproporcionais, portanto, inidôneos do ponto de vista jurídico a lastreá-la.

SÍNTESE DOS FATOS E DA MARCHA PROCESSUAL

                                  O Ministério Público Estadual ofereceu denúncia em desfavor da senhora Janaca Canajina Silva, ora Apelante, pela prática das condutas insculpidas nos artigos 33 e 35 da Lei 11.343/06, porque em dia e local descritos na precitada Inicial Acusatória, a Apelante fora presa por ter “transportado” substância entorpecente de Porto Velho/RO para São Luis/MA.

                                  Dado e passado, finda a instrução criminal, foi prolatada a sentença às fls. 346-360, como se pontuou alhures, quedando-se referido decreto condenatório no centro nervoso de todo o presente combate.

                                  É a síntese fático-processual necessária.

DA PRELIMINAR

Do direito de recorrer em liberdade (art. 5º, LVII, da CF) e ausência de fundamentação.

                                   Antes de adentrar no mérito, cumpre consignar que a negativa por parte do Juízo sentenciante, que ofuscou o direito à Apelante de recorrer em liberdade, está totalmente carente de motivação, contrária ao presente caso e em dissonância com os mais recentes entendimentos jurisprudenciais, a saber:

                                    A eminente Juíza da base ao “fundamentar” sua decisão quanto à negativa da Apelante recorrer em liberdade, às fls. 360, assim discorreu:

[...] entendo que os réus, tendo permanecido custodiado durante todo o processo, não é permitida a apelação em liberdade, por ainda estarem presentes os requisitos autorizadores que ensejou o decreto das prisões.

                                   Com o respeito devido e merecido à magistrada de 1º grau, mas referida fundamentação genérica, vaga, acanhada e deficiente fere o art. 93, IX, da Constituição Federal, em razão do qual não deve prosperar. E mais: no decreto ora combatido a própria magistrada faz referência ao art. 387, § 1º do Código de Processo Penal (às fls.360) e não obedeceu ao teor redacional do sobredito artigo de lei, que assim é descrito:

Art.387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:

I – omissis;

II – omissis;

(...)

§ 1º. O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, a imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento de apelação que vier a ser interposta. (negritei)

                                   Ínclito Desembargador, mesmo em se tratando de tráfico de drogas, o entendimento doutrinário e jurisprudencial é o mesmo, quando da sentença condenatória o fato de não ser dispensada a fundamentação quanto ao direito de apelar em liberdade, uma vez que o simples fato de a Apelante ter respondido ao processo em custódia cautelar, só por só, não significa que a mesma tenha que permanecer presa “ad appellandum”

Neste sentido, segue colacionado o seguinte aresto do STJ:

“HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. LIBERDADE PROVISÓRIA. GRAVIDADE DO DELITO. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA

1. A vedação legal de concessão de liberdade provisória aos acusados de tráfico de entorpecentes não afasta a obrigatoriedade de demonstrar a necessidade da segregação cautelar do agente, nos termos do artigo 312 do Código de Processo Penal.

2. O fato de ter o agente permanecido preso durante a instrução do processo não obsta, só por só, a concessão do benefício de recorrer em liberdade.

3. A superveniência de sentença não afasta o constrangimento ilegal decorrente da prisão preventiva carente de fundamentação, se não forem apontados dados concretos que justifiquem a prisão cautelar.

4. Ordem concedida, para outorgar ao paciente o benefício de recorrer em liberdade e assim permanecer, até o trânsito em julgado da decisão.” (STJ, HC 126.228, Rel. Min. CELSO LIMONGI, sexta turma, J. 20/08/2009)”

                                 Ocorre que o Juiz não pode fundamentar apenas por equidade, haja vista que o parágrafo único do art. 387 do Código de Processo Penal é categórico ao dispor que na sentença: “O Juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta”, como pontuamos alhures. (destaquei)

                                  Neste diapasão, vislumbra-se que o magistrado está vinculado ao texto legal supracitado, daí, eis a obrigatoriedade de identificar e apontar caso a caso a necessidade da segregação cautelar do apenado, no caso a Apelante, sendo que quando ensejar a negativa ao recurso em liberdade, o Juiz deverá, com base no contexto fático, decretar a prisão cautelar, baseando-se nos elementos concretos com fulcro no art. 312 do CPP, e NÃO apenas fazer menção de que o Réu permaneceu preso durante todo o processo, como fez a magistrada a quo. Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“RHC. DIREITO DE APELAR EM LIBERDADE. NEGATIVA JUSTIFICADA EM FACE DE O RÉU SER MANTIDO PRESO DURANTE TODA A INSTRUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE MOTIVOS HÁBEIS. CONSTRANGIMENTO.

A vedação de o Réu recorrer em liberdade se submete aos mesmos parâmetros de justificação do art. 312 do CPP, devendo o Juiz elencar situações concretas que impeçam a sua liberdade, advindos da permanência do quadro que sustentou a prisão inicialmente decretada ou mesmo em dados presentes e suficientes à demonstração do juízo de cautelaridade.

A simples indicação de que o Réu esteve preso durante toda a instrução, bem assim de que os requisitos do art. 594 estariam presentes, não é motivação hábil a manter o Réu em cárcere, ainda mais quando o caderno processual consagra-lhe situação bastante favorável a ponto de garantir-lhe uma apenação e um regime menos gravosos. Recurso provido para permitir que o Réu responda o processo em liberdade até o trânsito em julgado da decisão condenatória. (RHC 22.696⁄RJ, Rel. Min. MARIA THEREZA, DJ de 16.6.08).

                                  De mais a mais, tratando-se de sentença penal condenatória recorrível, o binômio necessidade-fundamentação é premissa imperiosa, mormente por estar em jogo o “jus libertatis”. Acaso ocorra o contrário, Excelência, ou seja, se for aceita como válida a sobredita e guerreada “justificativa” judicial, todas as condenações sem trânsito em julgado darão ensejo a medidas cautelares pessoais decretadas de qualquer forma, sem critérios e, sobretudo, assumindo antecipado viés punitivo.

                                  Assim sendo, pugna a Apelante pelo não acolhimento da fundamentação inidônea que lhe negou o direito de recorrer em liberdade, concedendo-lhe, em razão da qual, o direito de recorrer em liberdade até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, expedindo-se para tanto o competente Alvará de Soltura.

DO MÉRITO

                                  Ínclito Desembargador-relator, nesta primeira incursão no terreno de mérito, merece relevo abordar que a matéria versada no presente Recurso de Apelação, e a ser reexaminada por essa E. Corte, está dividida em dois pontos cruciais do édito condenatório alvos de combate e que carecem ser enfrentados com a já conhecida e inseparável sensibilidade judicante de Vossa Excelência!

1º PONTO: Insuficiência das provas quanto à autoria.

                                    Ao contrário do que entendeu o Juízo da base, a ora Apelante está convicta de que as provas coligidas aos Autos NÃO autorizavam condená-la pelo crime de tráfico muito menos associação para o tráfico.

                                    Nessa senda, depois de fazer um retrospecto de todo o teor processual, a juíza sentenciante começou a fundamentar sua decisão, às fls. 349, que a ora Apelante “transportou droga do município de Porto Velho/RO ao município de São Luis/MA, entregando-a a MARÇAL BOMBADO para que fosse comercializada neste Estado [...]”.

                                    De antemão, ousamos discordar já do alicerce da fundamentação da sentença, vez que está embasada em provas frágeis entabuladas na denúncia. Vejamos:

Da vinda para São Luis/Ma, da prisão e da insuficiência de prova da autoria dos crimes capitulados nos arts. 33 e 35 da Lei 11.343/06.

                                    A senhora Janaca Canajina Silva, ora Apelante, conheceu Marçal Bombado no Estado de Rondônia, mais precisamente no município de Conradoval. Dado e passado, Janaca e Marçal engataram um relacionamento amoroso que já dura 04 (quatro) anos.

                                    Não bastasse o referido relacionamento amoroso entre os dois ter-se desenvolvido entre ligações telefônicas, correspondências eletrônicas (e-mails), mensagens de watsapp e as idas de Marçal até aquela localidade, a senhora Janaca Canajina foi convidada por Marçal para vir à São Luís, com vistas, exclusivamente, à que os dois ficassem juntos, envolvidos em sua empreitada amorosa.

                                   Pois bem.

                                   Janaca deslocou-se de Rondônia para São Luís e se hospedou num hotel no bairro São Cristóvão. Daí pra frente, Senhores Desembargadores, douto Procurador, o pesadelo amargado pela ora Apelante estava apenas começando...

                                    Enquanto dormia naquele quarto de hotel, a senhora Janaca foi surpreendida por policiais civis que, violentamente, arrombaram a porta e começaram a protagonizar cenas de terror com intuito de obterem informações acerca de substância entorpecente supostamente trazida por ela. Naquela oportunidade, referidos policiais fizeram uma minuciosa revista, tanto no quarto quanto em seus pertences pessoais, e o resultado foi este: nada encontraram!

                                    A veracidade da informação que se sustenta acima pode ser constatada no depoimento pessoal do Investigador de Policia Civil – IPC XXXXXXXXXXXXXXX, por ocasião da audiência de instrução e julgamento, a partir do trecho (19’14’’) mídia audiovisual.

                                     Em outro depoimento, o policial civil XXXXXXXXXXXXXXXXX afirma não ter sido encontrado qualquer espécie de droga em poder de Janaca, ora Apelante, a exemplo do trecho (03’01’’) mídia audiovisual. Inclusive, o precitado policial afirma não ter sido encontrada nenhuma caixa térmica que, segundo “informações” obtidas, porém não comprovadas, teria servido para acondicionar a suposta substância entorpecente, conforme os trechos (06’18’’) e (15’47’’) da mesma mídia.

            

                                     Observe, Excelência, que os próprios policiais responsáveis pela prisão da Apelante afirmaram ter obtido informações que davam conta de um transporte de droga oriundo de Rondônia. Para tanto, passaram a fazer campana com intuito de checar as referidas informações e, consequentemente, efetuar a prisão dos envolvidos, bem como fazer a apreensão da droga.

                                     Ora, eminente Desembargador, eis o ponto nodal que se materializa nesta pergunta que não quer calar: se os agentes de polícia tinham prévias informações acerca da traficância que estava se desenvolvendo entre Rondônia e São Luís, por que não efetuaram a prisão em flagrante da Apelante no momento em que esta chegou ao hotel portando a suposta substância entorpecente? A resposta a essa indagação é muito simples: não prenderam em flagrante porque a senhora Janaca não veio para esta cidade de São Luís tendo em seu poder qualquer substância entorpecente. Isso é básico!

                                     Concessa máxima permissa, Excelência, o que se questiona aqui é a fragilidade das provas no tocante à autoria concernente à Apelante Janaca. Ou seja, não há robustez probante a embasar o decreto condenatório, ora combatido, por tráfico e muito menos associação para o tráfico.

                                     A autoria inconteste está afeta ao acusado Marçal e NÃO à senhora Janaca Canajina, ora Apelante, conforme se colhe da própria sentença prolatada, às fls. 349: “A autoria está comprovada pela confissão do acusado MARÇAL e depoimentos das testemunhas, policiais civis que prenderam os acusados, em juízo”.

                                     Nesse mesmo diapasão, por ocasião do seu interrogatório em juízo, o acusado Marçal confessa perante a magistrada que adquiriu a substância entorpecente aqui mesmo em São Luís, no dia 1º de novembro de 2014, na localidade Albatraca, próxima do bairro Barcarena, acondicionada numa caixa térmica, e que fez o transporte até a casa na qual iria servir de depósito/laboratório, conforme se colhe a partir do trecho (04’44’’) mídia audiovisual. 

                                    Ora, se a aquisição da droga ocorreu no dia 1º de novembro de 2014, como confessou o acusado Marçal, e a prisão da Apelante deu-se no dia 07 de novembro daquele mesmo ano, consubstanciado em quê a respeitável Juíza a quo atribuiu o transporte da multicitada droga à senhora Janaca, ao ponto de chegar a um juízo de certeza e condená-la por infringência aos arts. 33 da Lei 11.343/06, na modalidade transportar, e 35, associação para o tráfico, da mesma lei?

                                    Excelência, com a devida vênia, queda-se induvidoso e cristalino que NÃO estão as provas colacionadas ao processo revestidas das condições de garantia e segurança necessárias à elucidação no que tange à prática delitiva por parte da Apelante, restando arbitrária a sua condenação por tráfico e, sobretudo, associação para o tráfico.

                                    E mais: a sentença guerreada aduz às fls. 350: “Assim foram, os policiais, até o local verificar a situação, perguntando na recepção do hotel da pessoa, fornecendo a descrição da mulher, o que foi confirmado. Disse o policial que as pessoas do hotel disseram que tinha ido um indivíduo, com as mesmas características do acusado MARÇAL (alto e branco) e que tinha saído de lá portando uma caixa [...]”. (destaquei)

                                    Uma vez mais o édito condenatório se firma em conjecturas, em “disse me disse”, “que disse que disseram isso, aquilo e aquiloutro”.  Nesse ponto, verifica-se com nitidez a fragilidade do teor probante que embasou a odiosa sentença, a exemplo das informações repassadas por “atores” que sequer foram qualificados no processo. É simples: se as pessoas que trabalham no hotel realmente disseram ter visto Marçal sair portando uma caixa, por que não houve acareação em sede investigativa? Por que tais pessoas não foram arroladas pela Acusação, com vistas a prestar depoimentos e fornecer robustez de provas, por ocasião da audiência de instrução e julgamento?

                                    Por derradeiro, Excelência, quanto ao aspecto insuficiência de prova da autoria a lastrear um decreto condenatório, manifesta-se o preclaro Desembargador do Tribunal de Justiça do Maranhão, José Luiz Almeida: “Decidir em desfavor do acusado com espeque em provas viciadas pelo espírito de emulação, seria, a meu sentir, decidir arbitrariamente. Seria, releva dizer, afrontar o princípio da livre convicção, transformando-o em arbítrio, pura e simplesmente. É evidente, não custa lembrar, que o juiz criminal não fica cingido a critérios tarifados ou predeterminados quanto à apreciação da prova. Não é demais repetir, no entanto, que fica adstrito às provas constantes dos autos em que deverá sentenciar, sendo-lhe vedado não fundamentar a decisão, ou fundamentá-la em elementos estranhos às provas produzidas durante a instrução do processo, afinal quod non est in actis non est in mundo. É de rigor que o juiz deve fundamentar todas as suas decisões.  Só pode fazê-lo, no entanto, se as provas produzidas o forem de moldes a não deixar dúvidas acerca da ação do acusado. Jejuno de provas judiciais no processo, o magistrado não dispõe de dados que lhes permita fundamentar uma decisão. A menos que, absurdamente, pudesse decidir somente segundo sua experiência pessoal, segundo dados que não foram colhidos nos autos”.

                                    E arremata o ilustre Magistrado de 2º grau: “Sem provas convincentes e seguras a presunção de inocência continua intacta. Não pode ser defenestrada As provas, para autorizarem a aplicação de uma pena, devem ultrapassar o umbral da dúvida razoável. Na dúvida, o juiz tem que absolver. Tem aplicação, às inteiras, o princípio in dúbio pro reo”.(negritei)

                                    Assim sendo, por não existir prova suficiente para condenação, ou seja, pela inconsistência das provas trazidas aos autos quanto à autoria, não merece prosperar a sentença condenatória vergastada, sendo sua reforma a medida da mais acertada lucidez jurídica, configurando-se na absolvição da Apelante Janaca Canajina pelos crimes de tráfico e, consequentemente, associação para o tráfico, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal, aplicando o princípio in dubio pro reo.

                                    De outra face, na hipótese remota desse Egrégio Tribunal não acolher a tese descrita acima, quanto à reforma da sentença alicerçada em provas insuficientes que condenou a ora Apelante, SUBSIDIARIAMENTE, pugna-se pela reforma do decreto condenatório no que tange à exacerbada dosimetria da pena aplicada ao caso sob retina, tendo em vista que, a título de argumento e por amor ao debate, ainda que a Apelante tivesse de fato transportado a substância entorpecente, NÃO DEVE a conduta ser valorada igualmente à daquele que intermedeia o tráfico ou mesmo daquele que é o dono da droga, ou seja, daqueles que investem no tráfico e esperam retorno/lucro com a sua mercancia.

2º PONTO: Dosimetria exacerbada da pena

                                     Quanto ao tópico referente aos cálculos dosimétricos, demonstrar-se-á a Vossas Excelências que o decreto condenatório ora combatido queda-se desproporcional e desarrazoado no que tange à exasperação da pena-base, bem como será demonstrado que houve dupla valoração de uma mesma circunstância, configurando-se no vedado bis in idem.

                                    Ei-la, ponto a ponto, às fls. 358:

                                    “Observo que a culpabilidade da acusada é alta, devido à natureza e quantidade da droga que transportou (aproximadamente 5 kg de cocaína), em observância ao disposto no artigo 42 da Lei nº 11.343/2006. Não há nos autos certidão que comprove maus antecedentes da acusada. Quanto à conduta social, não há informações no que tange a esta circunstância judicial. Poucos foram os elementos coletados a respeito de sua personalidade. Os motivos para a prática dos crimes são inerentes aos tipos penais em comento, pois se consubstanciam na busca pelo lucro fácil. As circunstâncias são normais para os delitos dessa espécie. As consequências são normais à espécie. Nas espécies, não se pode cogitar sobre o comportamento da vítima, pois praticados contra a coletividade. Considerando a proporcionalidade das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal, fixo a pena-base em 06 (seis) anos, 05 (cinco) meses e 04 (quatro) dias de reclusão e no pagamento de 642 (seiscentos e quarenta e dois) dias-multa, cada um equivalente a 1/30 do valor do salário mínimo vigente à época do fato delituoso”. 

                                    Douta Câmara Criminal, colhe-se da sentença vergastada que a circunstância judicial “culpabilidade” foi a única valorada em desfavor da Apelante. Nesse ponto, não assiste razão o sopesamento negativo da referida circunstância judicial, pois a culpabilidade já se apresenta intensificada pelo pleno conhecimento do caráter ilícito da conduta, ou seja, já é elemento subjetivo do crime, não sendo motivo necessário e suficiente para ser negativamente considerado, tendo em vista que disso depende a caracterização do delito. Sendo assim, não merece acolhida dessa Egrégia Corte a valorização negativa da precitada circunstância judicial a permitir a majoração da pena-base, pois a consciência do caráter ilícito da conduta é essencial para a caracterização do delito e já está implícito no próprio tipo penal.

                                    Nesse contexto, sendo todas as 08 (oito) circunstâncias judiciais favoráveis à Apelante, merece reforma a pena-base exacerbada de 06 (seis) anos, 05 (cinco) meses e 04 (quatro) dias, posto que se afasta demasiadamente do mínimo legal, sem critério nenhum a justificar-lhe o afastamento, configurando-se flagrante desproporcionalidade, pugnando-se, em razão disso, pela fixação da referida pena-base no mínimo legal.

                                    Dando continuidade ao combate da sentença, às fls. 359, tem-se que: “Na terceira etapa da dosimetria da pena, observo que não há causa de diminuição da pena, pois a natureza e expressiva quantidade de droga transportada pela acusada por cerca de 3.000km no território nacional permite aferir que a acusada se dedica a atividades criminosas, bem como que a acusada integra organização criminosa, sendo condenada nos autos por associação para o tráfico, restando inaplicável o § 4º do artigo 33, da Lei nº 11.343/2006. Como causa de aumento de pena, está caracterizado o tráfico entre Estados da Federação, pois a cocaína apreendida foi trazida a este Estado pela própria acusada do Estado de Rondônia, o que acarreta em uma aumento da pena em 1/6 (um sexto) tornando a pena definitiva em 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 749 (setecentos e quarenta e nove) dias-multa”.

                                    Vejamos:

Do bis in idem e da causa de diminuição prevista no Parágrafo 4º, do art. 33, da Lei 11.343/2006.

                                         

                                   Eminentes Julgadores, não merece jamais prosperar o édito condenatório, vez que a mesma circunstância, natureza e expressiva quantidade de droga, foi flagrantemente valorada em mais de uma momento, ou seja, foi sopesada na 1ª fase para fixação da pena-base e foi, de igual modo, valorada na 3ª fase como fator obstativo da diminuição merecida e prevista no parágrafo 4º do art.33, da Lei 11.343/06. Nesse contexto, a sentença carece ser reformada, tendo em vista a ocorrência de bis in idem, em sintonia com a decisão do Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, segundo a qual as circunstâncias relacionadas à natureza e quantidade do entorpecente apreendido só podem ser utilizadas uma vez na dosimetria da pena.

                                  Arremata-se com a ementa do STF:

EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTE. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. HABEAS CORPUS NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. IMPETRAÇÃO APÓS PRAZO RECURSAL: IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE HABEAS CORPUS COMO SUCEDÂNEO DE REVISÃO CRIMINAL. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO EM PATAMAR MÁXIMO. QUANTIDADE E NATUREZA DA DROGA: FIXAÇÃO DA PENA-BASE E DEFINIÇÃO DO PERCENTUAL DE DIMINUIÇÃO. BIS IN IDEM. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS E DO REGIME PRISIONAL. POSSIBILIDADE DE REEXAME. 1. Pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, habeas corpus não pode ser utilizado como sucedâneo de revisão criminal. 2. A natureza e a quantidade dos entorpecentes foram utilizadas na primeira fase da dosimetria, para a fixação da pena-base, e na terceira fase, para a definição do patamar da causa de diminuição do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 em um sexto. Bis in idem. Patamar de dois terços a ser observado. 3. O Supremo Tribunal Federal assentou serem inconstitucionais a vedação à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e a imposição do regime fechado para o início do cumprimento da pena, em caso de tráfico de entorpecente. Precedentes. 4. Recurso não conhecido. Ordem concedida de ofício para determinar ao juízo da execução penal competente na origem rever a pena imposta ao Recorrente, com a aplicação da causa de diminuição do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 no patamar máximo de dois terços, e, considerada a nova pena a ser imposta, reexamine os requisitos para a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e para a fixação do regime prisional, afastado o óbice do art. 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/1990. Órgão Julgador: Segunda Turma RHC 122684 / MG - MINAS GERAIS RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS Relator (a):Min. CÁRMEN LÚCI Julgamento:  16/09/2014.

                                        Em outro norte, ainda que a senhora Janaca Canajina tivesse “praticado” a conduta proibida insculpida no art. 33, caput, da Lei 11.343/06, mais precisamente na modalidade transportar, frise-se o modus operandi referente à “mula”, caberia o exame das condições em que se desenvolveu tal conduta, a fim de se evitar que a ora Apelante seja colocada em situação de desvantagem, tendo em vista que referida conduta não pode ser aquilatada no mesmo patamar à do acusado Marçal, proprietário da droga e réu confesso no processo. Assim sendo, a Apelante revestiu-se do papel de “mula”, como é conhecido aquele que é “contratado” exclusivamente para fazer o transporte da droga, sendo certo de que sua conduta é de menor importância, não lhe cabendo nenhuma outra participação no evento.

                                     Ressalta-se, nessa linha, que subscreve em favor da Apelante, data vênia, a diminuição de pena prevista no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei 11.343/2006, verbis:

"§ 4.º Nos delitos definidos no caput e no § 1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa."

                                   Nesse sentido, merece relevo transcrever o julgado abaixo:

DIREITO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. TRÁFICO TRANSNACIONAL DE ENTORPECENTES. ART. 33, C.C. ART. 40, I, DA LEI 11.343/06. "MULA" DO TRÁFICO. APLICABILIDADE DO ART. 33, § 4º, DA LEI 11.343/06. NECESSÁRIA ANÁLISE CASO A CASO. IMPOSSIBILIDADE DE EXCLUSÃO A PRIORI. EMBARGOS PROVIDOS. I) A figura apelidada de "mula", como é o caso do réu, embora seja essencial ao êxito da traficância transnacional, não pode ser aprioristicamente considerada como integrante de organização criminosa. Tal enquadramento somente é possível mediante a apresentação de provas do envolvimento estável e permanente do acusado com o grupo narcotraficante com o qual colaborou. II) Não se afigura lícita a presunção em seu desfavor, o que avilta inclusive a verificação empírica dos casos semelhantes, nos quais predomina a cooptação eventual de pessoas das camadas sociais mais pobres e menos instruídas, tentadas a aplacar suas premências financeiras com a incursão na criminalidade pontual. III) Presentes os requisitos autorizativos, faz o embargante jus ao benefício penal do mencionado dispositivo, porém em fração parcimoniosa, reservando-se o patamar máximo às situações de periculosidade manifestamente reduzida. IV) Embargos infringentes providos para aplicar a causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, na fração de 1/6, ficando a reprimenda redimensionada para 5 anos, 07 meses e 2 dias de reclusão, regime inicial fechado, e 569 dias-multa. (TRF-3 - EIFNU: 5025 SP 0005025-96.2010.4.03.6119, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL COTRIM GUIMARÃES, Data de Julgamento: 15/08/2013, PRIMEIRA SEÇÃO)

Das relevantes circunstâncias favoráveis à Apelante.

                                   Ora, senhores Desembargadores, a senhora Janaca Canajina é ré primária, certidão em anexo, possui bons antecedentes, tem residência e emprego fixos, e jamais se levantou em seu desfavor, em qualquer lugar pelo qual tenha estado ou passado, qualquer informação que a tivesse vinculado ao cometimento de crime de qualquer natureza, razão pela qual se postula, com supedâneo nas situações favoráveis afloradas, e por ser questão de justiça, seja aplicável a causa de diminuição prevista no parágrafo 4º do precitado artigo, em seu grau máximo, qual seja 2/3 (dois terços), ainda que seja reduzida a pena final abaixo do mínimo cominado.

                                    Nessa quadra é a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

NEGATIVA DE APLICAÇÃO DA MINORANTE DO ART. 33, § 4º DA LEI DE DROGAS E A NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO EM DADOS CONCRETOS. O magistrado não pode deixar de aplicar a minorante prevista no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 se utilizando exclusivamente dos elementos descritos no núcleo do referido tipo penal para concluir que o réu se dedicava à atividade criminosa. O art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 prevê a aplicação de causa especial de diminuição de pena ao agente de crime de tráfico que tenha bons antecedentes, seja réu primário, não se dedique a atividades criminosas nem integre organização criminosa. Para que se negue a aplicação da referida minorante em razão do exercício do tráfico como atividade criminosa, deve o juiz basear-se em dados concretos que indiquem tal situação, sob pena de toda e qualquer ação descrita no núcleo do tipo ser considerada incompatível com a aplicação da causa especial de diminuição de pena. Precedente citado:REsp 1.085.039-MG, DJe 28/9/2009. HC 253.732-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 6/12/2012.

                                    Consta nítido que a MM. Juíza a quo deixou de aplicar a causa de diminuição da pena prevista no art. 33, § 4º, da acima referida Lei, por considerar que a Apelante se dedica a atividades criminosas, bem como integra organização criminosa pelo transporte da droga por cerca de 3.000km no território nacional.

                                    No entanto, Excelência, referido argumento está totalmente desprovido do suporte do direito, está dissociado da realidade fático-processual e das condições pessoais da Apelante.

                                    Ao bem da verdade, o que está cristalina e induvidosa nessa parte da sentença rebatida é a mera conjectura da douta Sentenciante. Ora, nada há nos autos que contrarie a presunção de que a ora Apelante não seja primária e não possua bons antecedentes, ou que algo exista que desabone a sua conduta social, ou mesmo que indique ter ela a personalidade voltada para a prática delituosa.

                                    Dessa forma, acertada e justa é a reforma do édito condenatório, com vistas à que seja aplicada a causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/2006, na fração máxima de 2/3 (dois terços), levando-se em consideração as condições pessoais da Apelante quanto à primariedade, residência fixa, por ostentar bons antecedentes, por nunca ter se dedicado a atividades criminosas e jamais ter integrado organização criminosa, bem como pelo flagrante bis in idem relativo à mesma circunstância em dois momentos.

                                    De outra face, ante as parcas condições financeiras afetas à senhora Janaca Canajina, a pena de multa também deve ser reduzida, a fim de que guarde consonância com a pena privativa de liberdade aplicada em definitivo à Apelante, devendo ser apurada a precariedade da situação financeira, com mais acuidade, no Juízo das Execuções Penais.

Da inexistência do crime de associação para o tráfico (art. 35, da Lei 11.343/06).   

                                     Ao contrário do que sustenta o vergastado édito condenatório, nem de longe ficou comprovado o animus associativo entre a Apelante e o acusado Marçal com o fim precípuo de praticarem o tráfico de drogas, como quer levar crer a respeitável magistrada de piso em seu decisum.

                                     Ante todo contexto em que se desenvolveram os fatos, percebe-se, Excelência, que houve um acordo, um vínculo de cunho eventual ou ocasional e NÃO estável e duradouro entre a Apelante Janaca e Marçal para o transporte da precitada droga, ou seja, foi algo oportuno de um dado momento, um rompante de ideação ocorrida num instante qualquer, e não de forma estável e duradoura como aduz a sentença combatida.

                                     A respeitável Juíza de 1º grau fundamenta seu decreto condenatório quanto à associação para o tráfico somente ao argumento de que a Apelante “ficou responsável pelo transporte da droga”. Ora, com todo o respeito devido, vejam como a própria magistrada resvala em suas colocações. A simples conduta de transportar NÃO tem o condão de fornecer elementos irrefutáveis para a caracterização de associação estável e duradoura. Observa-se de forma induvidosa e cristalina, Meritíssimo, a gritante improcedência da sentença no tocante ao delito de associação para o tráfico, vez que não houve demonstração do dolo associandi para sua configuração. 

                                    A propósito disso, Renato Marcão assevera ser o animus associativo uma elementar do referido tipo penal, assim demonstrado:

“Não basta, não é suficiente, portanto, para configuração do tipo penal previsto no art. 35, a existência do simples dolo de agir conjuntamente, em concurso, na prática de um ou mais crimes. É imprescindível a verificação de dolo distinto, específico: o dolo de associar-se de forma estável”.

                                     A jurisprudência também é uníssona: “O delito de associação para o tráfico não pode, de forma alguma, ser comparado a um mero concurso de agentes, sendo necessária para sua caracterização a existência de um vinculo associativo, em que a vontade de se associar seja separada da vontade à prática do crime visado” (TJSP, Ap. 295.901-3/1-00, 6ª Câm., j. 6-4-2000, rel. Des. Canguçu de Almeida, JTJ 209/284)”.

APELAÇÃO CRIMINAL - TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO(Lei11.343/2006, art.33, caput, art. 35,caput) MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS-DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS NA FASE INQUISITORIAL E JUDICIAL CONDIZENTES COM A REALIDADE DOS AUTOS - ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO- ABSOLVIÇÃO DECRETADA. I-Não há falar-se em insuficiência de provas quando presentes nos autos elementos aptos a demonstrar, de forma inequívoca, a materialidade e autoria do delito de tráfico ilícito de entorpecentes, tais como o depoimento dos policiais militares que procederam à abordagem dos agentes após investigação iniciada pela suspeita de que exerciam a mercancia ilegal. II -É cediço que as declarações dos agentes estatais, a princípio, são isentas de suspeita e só não possuem valor quando estes agem de má-fé, o que não é o caso. Desta forma, inexistindo circunstâncias que afastem a eficácia probatória do depoimento dos policiais e considerando que suas declarações foram ratificadas em juízo, mister é o reconhecimento de sua força probante. III - Para que se vislumbre a configuração da conduta delitiva prevista no art.35, caput, da Lei 11.343/06 (associação para o tráfico), imprescindível a verificação do elemento subjetivo do tipo, qual seja o animus associativo, consubstanciado na convergência de vontade dos agentes em unirem-se de modo estável e permanente, com a finalidade específica voltada para a prática do tráfico ilícito de entorpecentes. Neste sentido, em não se vislumbrando nos autos elementos de provas aptos a demonstrarem a intenção dos acusados de unirem-se e pré-articularem a comercialização de drogas, a absolvição é medida que se impõe. (TJSC - Apelação Criminal: APR 722818 SC 2008.072281-8 - Relator(a): Des. Salete Silva Sommariva; Julgamento: 15/12/2009)

                                      Resta dizer, portanto, que tanto a autoria quanto a tipicidade do delito descrito no art. 35 da Lei 11.343/2006, imputado à senhora Janaca Canajina, quedaram-se totalmente INDEMONSTRADAS, tanto na denúncia quanto na sentença ora vergastada. Desta feita, douta Câmara Criminal, permissa vênia, torna-se evidente que só a apreensão da droga não tem o condão de formar a certeza moral suficiente para uma condenação por associação para o tráfico, sob pena de estarmos diante de imputação objetiva no âmbito penal, de modo a se DESPREZAR a análise da subjetividade da conduta, que no caso em apreço é o “animus associandi”, consubstanciado na convergência de vontade dos agentes em se unir de modo estável e permanente, com a finalidade específica voltada para a prática do tráfico ilícito de entorpecentes.

                                   Dessa forma, a associação não se confunde com a simples coautoria, sendo que a reunião ocasional de duas ou mais pessoas não se subsume ao tipo do artigo 35 da Lei de Drogas. Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“STJ, 6ª Turma, HC 139942 (19/11/2012): Exige-se o dolo de se associar com permanência e estabilidade para a caracterização do crime de associação para o tráfico, previsto no art. 35 da Lei n. 11.343/2006. Dessa forma, é atípica a conduta se não houver ânimo associativo permanente (duradouro), mas apenas esporádico (eventual)”.

                                  Senhores Desembargadores, ínclito Procurador de Justiça, é de bom alvitre registrar que deve ser a conduta da Apelante valorada seguindo a perspectiva de que há significativa diferença entre os vários tipos de criminosos. São eles:

                                 Os impetuosos;

                                 Os habituais;

                                 Os fronteiriços;

                                 Os loucos criminosos e os

                                  Ocasionais como a senhora Janaca Canajina, que são pessoas pacatas e que conduzem sua existência de forma honesta, mas que devido a certas dificuldades impostas pela própria vida ou diante dos maus exemplos, não resistem à facilidade que determinadas ocasiões propiciam ao crime.

                                  Nessa senda, eminentes Julgadores, NÃO merece ser acolhida a imputação feita à Apelante quanto ao delito descrito no art. 35 da Lei 11.343/06, por não ter havido liame subjetivo duradouro e permanente entre os agentes, razão pela qual não se pode aqui cogitar em associação para o tráfico, eis que, SE a associação existiu, foi de NATUREZA OCASIONAL, modalidade não contemplada na novel legislação de tóxicos, estando certo que a reforma da decisão por essa Egrégia Corte será direcionada para a absolvição da senhora Jéssica Silva do crime de associação para o tráfico, nos termos do art. 386, II, do CPP, pois é medida da mais límpida justiça!

Do possível critério para fixação da pena em definitivo

                                   Esse Egrégio Tribunal de Justiça ao reformar a sentença condenatória, alvo do presente combate, no que pertine à exasperação da pena-base, redimensionando-a para o mínimo legal e, consequentemente, atribuindo-lhe a minorante insculpida no §4º do art. 33, da Lei 11.343/06 no seu grau máximo, tendo em vista o bis in idem demonstrado, bem como as condições favoráveis ostentadas pela ora Apelante, e, ainda, em absolvendo a Apelante quanto à conduta insculpida no art. 35 da Lei 11.343/06, associação para o tráfico, há de vislumbrar a conversão da pena corporal reclusiva por restritivas de direitos, nos termos do art. 44, I, II, do Código Penal.

                                   De mais a mais, a Apelante encontra-se ergastulada desde o dia 07 de novembro de 2014, portanto, há 01 (um) ano e 03 (três) meses, tempo suficiente que fará diferença quanto ao regime inicial de cumprimento da reprimenda, levando em consideração o disposto na Lei 12.736/2012, aplicando-se-lhe a detração penal, haja vista que no caso sob retina, o precitado instituto da detração torna-se hábil a modificar o regime inicial de cumprimento da pena, vez que haverá cômputo inferior de pena a ser realizado.

Da assistência Judiciária Gratuita

                                   A Apelante pede lhe seja concedido o benefício da assistência judiciária gratuita, na forma da Lei no 1.060/50, mormente no art. 4º c/c art. 5º, § 4º, que preceituam: “A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condições de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. “[...] Será preferido para a defesa da causa o advogado que o interessado indicar e que declare aceitar o encargo”, vez, atualmente, encontra-se sem saúde financeira capaz de custear os valores processuais e os honorários de advogado. Nessa senda, vale destacar oportunamente, que a assistência judiciária, mecanismo de garantia do amplo acesso ao Judiciário, pode ser requerida através de simples afirmação, na própria petição inicial, de que a parte requerente não tem condições de prover as custas processuais e os honorários advocatícios, sem prejuízo da própria manutenção. É esse o entendimento do Col. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, no julgamento do REsp no 151.943-GO, publicado no DJU de 29.06.98.

                                  Motivos pelos quais pede a Apelante o deferimento do pedido de assistência judiciária gratuita.

Do preparo recursal

                                  Quanto ao recolhimento do preparo com vistas a um dos requisitos do juízo de admissibilidade do presente Recurso de Apelação, assim se posiciona o Conselho Nacional de Justiça: “Não há amparo na Constituição Federal para a exigência de recolhimento prévio de custas na ação penal pública, incluindo-se nesta premissa toda a despesa processual, inclusive verba para a condução do Oficial de Justiça. No curso da ação penal pública o exercício do “jus puniendi” é dever do Estado. Assim, compreende-se que o ônus relativo à ação e também a coleta de provas necessárias a decisão acerca da viabilidade da demanda, compete àquele que tem a dever de exercer a persecução penal nos crimes desta natureza. Ademais, ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória, portanto, com respaldo nas garantias constitucionais da presunção da inocência, ampla defesa e devido processo legal, fica inviabilizada a cobrança de qualquer taxa ou despesa que pode constituir empecilho ao seu exercício. É manifestamente inconstitucional qualquer decisão, lei ou ato administrativo que possa, mesmo que por vias transversas, interferir prejudicialmente no exercício pleno do direito de defesa nas ações penais. Ressalte-se que o artigo 806, caput, parágrafos 1º, 2º e 3º do Código de Processo Penal têm repercussão apenas nas ações penais privadas”.

Para reflexão

                                  “Para os que acham que a morte é o pior de todos os males, é porque ainda não refletiram acerca dos males que uma injustiça pode causar”. (Sócrates)

Dos pedidos

                                   Diante do exposto, requer se digne essa Egrégia Corte dar provimento ao presente Recurso de Apelação, para:

                                   1 – Acolher a preliminar anteriormente aventada quanto ao direito da Apelante recorrer em liberdade, expedindo-se, para tanto, o competente Alvará de Soltura e, no mérito:

                                   2 - Reformar a r. sentença para absolver a ora Apelante do crime de tráfico pelo qual restou condenada, com fundamento no inc. VII, do art. 386, do Código de Processo Penal;

                                    3 – Subsidiariamente, acaso diverso seja o entendimento desse Egrégio Tribunal, para reformar a sentença exacerbada quanto ao crime capitulado no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006, redimensionando-a ao patamar mínimo, em razão de terem sido todas as circunstâncias judiciais favoráveis à Apelante, inclusive reconhecer a flagrante ocorrência de bis in idem, aplicando-se o redutor previsto no parágrafo 4º, do art.33 da sobredita Lei de Drogas, no seu grau máximo, até porque a Apelante é primária, possui bons antecedentes, nunca se dedicou a atividades criminosas nem integra qualquer organização criminosa, bem como converter a pena privativa de liberdade em restritivas de direitos, nos termos do art. 44, ss do CP;

                                    4 – Reformar a sentença combatida no sentido de ABSOLVER a Apelante do crime insculpido no art. 35, da Lei 11.343/06, associação para o tráfico, nos termos do art. 386, II, do CPP, por não ter ficado provado a existência do crime de associação para o tráfico;

                                    5 – Seja promovida a detração penal que anunciará novo regime de cumprimento da reprimenda, nos termos da Lei 12.736/2012;

                                     6 – Seja reformada a sentença condenatória no que pertine à pena de multa, ante as parcas condições financeiras afetas à senhora Janaca Canajina, a fim de que guarde consonância com a pena privativa de liberdade aplicada em definitivo à Apelante, devendo ser apurada a precariedade da situação financeira, com mais acuidade, no Juízo das Execuções Penais;

                                         7 – Seja concedido o benefício da Justiça Gratuita.

Espera Deferimento.

São Luís (MA), 11 de fevereiro de 2016.

Airton Braúna

OAB/MA 12.121

  


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